É comum encontrarmos termos bem diferentes quando estudamos a área de Direito Civil. Assim, ocorre bastante também quando falamos de contratos. Isso geralmente acontece por se tratar de uma disciplina muito antiga e, no Brasil, com raízes no direito romano.
Não é diferente com o termo evicção, uma palavra complicada, que pode assustar de início os menos experientes no assunto, mas que não será de difícil entendimento aqui no nosso artigo.
Direto ao ponto, podemos dizer que a evicção é a perda da posse, propriedade ou uso de determinado bem ou coisa, que ocorre em razão de uma sentença judicial que atribui a terceiro, alheio à relação obrigacional, os direitos sobre o bem que já lhe era devido antes de ter ocorrido o negócio jurídico entre as partes.
Essa definição inicial pode parecer complicada, mas iremos explicar neste artigo o que é a evicção, trazendo uma explicação bem simples sobre o assunto. Então não tenha medo, pois vamos deixar o assunto muito mais fácil no decorrer do texto.
Para ajudar a entender o que é evicção, imagine essa situação: você está procurando um carro para comprar e se depara com um anúncio na internet. Então, entra em contato com o vendedor, analisa as condições e fecha o negócio. Com o pagamento efetuado, documento transferido e tudo certo, você finalmente está com o veículo na garagem.
Entretanto, meses depois, você recebe uma intimação para devolver o carro à outra pessoa. Acontece que, na verdade, o veículo era de um terceiro e não da pessoa que te vendeu. A partir disso, quais as medidas que devem ser tomadas?
Para tal, vamos mostrar que essa situação tem tudo a ver com o conceito de evicção. Entender como ele funciona facilitará a compreender o que é a evicção.
O conceito de evicção
O conceito de evicção é encontrado no antigo Direito Romano. O termo evicção vem do latim evictio, de evencere, que significa “evencer” ou desapossar judicialmente, isto é, significa recuperação judicial de uma coisa.
A doutrina sustenta que a evicção ocorre quando o adquirente perde, inteira ou parcialmente, a coisa adquirida, em virtude de uma sentença judicial, que a atribui a terceiro, por reconhecer que este terceiro possui sobre a coisa direito anterior ao contrato.
Podemos deduzir que o direito à evicção provém de:
⦁ a perda total ou parcial da coisa adquirida pelo comprador;
⦁ a perda resultar de uma sentença que atribua a mesma coisa a outra pessoa que não o vendedor;
⦁ a perda da coisa ter por fundamento um direito anterior ao do contrato de compra e venda.
Conforme vemos a partir dessa definição, pelo próprio conceito de evicção, três são as pessoas que figuram nela:
⦁ o evicto;
⦁ o alienante;
⦁ o evictor.
Vejamos cada uma das partes, falando brevemente sobre as pessoas que figuram quando ocorre evicção.
O primeiro é o evicto, do latim evictus, que significa o subjugado, o vencido. É o adquirente que sofre a evicção ou perde a coisa adquirida.
A outra parte, é o alienante, que é quem transfere o bem por meio de contrato oneroso e, por isso mesmo, deverá ser responsável pela evicção, indenizando o evicto. Ele responde pelos vícios da evicção, mesmo tendo agido de boa fé, pois deve garantir a plenitude do uso e do gozo, protegendo o adquirente contra defeitos ocultos.
Ainda há o evictor (ou ainda, chamado de evencente), que é o terceiro que move ação judicial contra o adquirente da coisa, quem a reivindica. É para quem vai o bem após ocorrer a evicção.
Podemos resumir, portanto, que o processo de evicção envolve três categorias de pessoas:
⦁ O alienante, que é a pessoa que transmite o bem ao adquirente e responde pelos vícios de evicção, mesmo agindo de boa fé;
⦁ O evicto, que é o adquirente que sofreu a evicção;
⦁ O evictor, que é a pessoa para qual vai o bem após ocorrer a evicção.
Dessa maneira, temos um exemplo: a pessoa que comprou o bem (evicto) pode sofrer evicção e ir para a justiça para restituí-lo à pessoa que realmente é a dona do produto (evictor), sendo que a mesma tem direito a indenização pela pessoa que a vendeu (alienante), pelo prejuízo sofrido.
Portanto, podemos até dizer que a evicção também se refere a um vício de direito que atinge o objeto pactuado. Isto porque a evicção ocorre quando há perda total ou parcial de uma coisa, em virtude de sentença que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato, de onde nascera a pretensão do evicto.
De outro modo, é possível dizer que a evicção ocorre quando quem comprou um bem ou está em uso de uma coisa se vê obrigado a restituir a outro esse bem ou coisa, por força de uma sentença judicial.
Existem ainda outros momentos em que pode ocorrer a evicção, como nos exemplos:
⦁ Alguém vende um bem a outra pessoa sem que ela tenha a posse ou a propriedade do bem;
⦁ Quando o terceiro tem preferência ao bem alienado;
⦁ Quando o bem foi penhorado por dívidas do vendedor;
⦁ Se o bem foi declarado de propriedade pública para desapropriação;
⦁ A aluga um imóvel para B e após um período, C é declarado proprietário do imóvel, B pode promover ação contra A pela perda da locação.
Ainda, a evicção pode ser total ou parcial. A evicção total se dá pela perda total da coisa. Já a evicção parcial se dá pela perda de parte da coisa.
Assim, a evicção, em uma explicação bastante simples, é a perda de um bem adquirido (móvel ou imóvel), pelo motivo desse bem estar sendo reivindicado pelo seu real ou verdadeiro proprietário, sendo que, o bem estava sob resguardo ou posse do vendedor, ou era objeto de situação anterior a aquisição.
Dessa forma, temos que a evicção ocorre nos contratos bilaterais, geralmente nos contratos de compra e venda, onde há uma prestação e contraprestação entre partes.
Portanto, segundo o que foi dito, e com um entendimento mais profundo em contratos, podemos dizer também que a evicção é uma garantia legal ofertada ao adquirente.
Isto porque se ele vier a perder a propriedade, a posse ou o uso em razão de uma decisão judicial ou de um ato administrativo, que reconheça tal direito à terceiro, poderá ele recobrar de quem lhe transferiu esse domínio, ou que pagou pela coisa.
É por esse motivo que, nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
Quanto ao princípio da autonomia, podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
Ainda que haja cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, o evicto tem direito a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.
A evicção tem previsão legal no art. 447 e seguintes do Código Civil brasileiro, cabendo destacar que a mesma somente ocorre por sentença, decisão judicial ou ato administrativo.
Requisitos
Como vimos, a evicção fundamenta-se no princípio de garantia, segundo o qual o alienante deve responsabilizar-se pela propriedade e posse da coisa alienada.
Mesmo que o contrato seja omisso, o alienante responde pela evicção, independentemente de culpa. Subsiste esta mesma garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
Entretanto, devemos ressaltar que a evicção não constitui direito real, de modo que a responsabilidade recai apenas sobre o alienante.
O adquirente não pode acionar o proprietário anterior, por força do princípio da relatividade dos contratos. Entretanto, o alienante poderá acioná-la, exercendo o seu direito de regresso.
Agora vamos ver que para ocorrer uma evicção, existem alguns requisitos, são eles:
⦁ onerosidade na aquisição da coisa;
⦁ a perda total ou parcial da propriedade, posse ou uso da coisa alienada;
⦁ a ignorância por parte do adquirente da litigiosidade da coisa;
⦁ o direito do evictor anterior à alienação;
⦁ a denunciação da lide ao alienante.
Dessa maneira, para que o alienante se responsabilize pela evicção, são necessários esses requisitos, que iremos ver mais a fundo na sequência.
Sobre a aquisição onerosa, a evicção só tem incidência nos contratos onerosos, como a compra e venda, a permuta, a parceria pecuária, a dação em pagamento, entre outros. Nos contratos gratuitos, como a doação, o alienante não responde pela evicção, a não ser que as partes tenham estipulado expressamente essa garantia.
Há de se destacar que na doação onerosa, ou seja, com encargo, o doador se responsabiliza pela evicção até o limite do encargo. Também na doação remuneratória, feita em pagamento de serviços prestados e não cobrados.
Ainda, nas doações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará também sujeito à evicção, salvo convenção em contrário, conforme estipulado pelo artigo 552 do Código Civil.
Quanto à perda total ou parcial da propriedade ou posse da coisa alienada, sabemos que a evicção pode ser total ou parcial. Como por exemplo de evicção parcial, podemos citar a perda de uma servidão. Destaca-se que a perda da posse também caracteriza evicção.
Em relação à sentença judicial transitada em julgado, reconhecendo a evicção, atribuindo o bem ao evictor, há diferentes casos.
A jurisprudência considera evicção, apesar da ausência de sentença judicial, nos casos:
⦁ de apreensão do bem pela polícia ou outra autoridade administrativa, podendo ser o mesmo produto de furto ou descaminho, ocorrido anteriormente à sua aquisição;
⦁ quando houver perda do domínio do bem pelo implemento de uma condição resolutiva;
⦁ na remissão hipotecária, em que o adquirente do bem efetua o pagamento da dívida para cancelar uma hipoteca, já que em tal situação, não se dá a perda da coisa, pois o próprio adquirente evitou esse fato, todavia, ele poderá voltar-se contra o alienante, como se fosse evicto.
Sobre a anterioridade do direito do evictor, a causa da perda da coisa deve ser anterior ao contrato celebrado entre o alienante e o adquirente evicto.
No que tange a venda de um bem sobre o qual já havia sido expedido o decreto expropriatório, resiste a responsabilidade pela evicção, se o alienante silenciou acerca desse fato. Se, ao contrário, o decreto expropriatório for expedido após a celebração do contrato, não há que se falar em responsabilidade pela evicção.
Por fim, quanto a denunciação da lide, devemos ver o que dispõe o artigo 456 do Código Civil: “para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”.
Dessa maneira, o adquirente, para obter a indenização com base na evicção, deverá denunciar a lide ao alienante. Se não o fizer, perderá os direitos decorrentes da evicção, não mais dispondo de ação direta para exercitá-los.
Destaca-se ainda que o parágrafo único do referido artigo 456 dispõe que “não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos.”
Quais são os direitos do evicto?
Quando há evicção total, ou seja, perda do objeto ou da coisa, o alienante deve ressarcir o adquirente, isto é, o evicto, compreendendo:
⦁ a indenização a restituição do valor pago pela coisa a época que venceu;
⦁ indenização de frutos;
⦁ benfeitorias necessárias ou úteis não abonadas ao evicto;
⦁ os prejuízos diretos do adquirente, como por exemplo, juros adquiridos no empréstimo tomado para pagar o valor do bem.
No caso de evicção parcial, o evicto pode requerer a rescisão do contrato e a indenização pela perda. No caso de existir interesse na continuidade do bem, é possível requerer somente a indenização. Ainda, se a perda não for considerável, fará jus apenas à indenização.
Dentre as medidas que o evicto pode tomar, o adquirente pode exigir do alienante a indenização sobre a perda da propriedade, posse ou o uso do bem que foi restituído ao terceiro. A essa medida damos o nome de Ação de Evicção.
Nesse caso, por se tratar tipicamente de reparação civil, submete-se ao prazo prescricional de três anos, conforme o disposto no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil.
Diferença entre evicção e vício redibitório
Geralmente existe uma confusão entre os conceitos de evicção e vício redibitório, no âmbito do Direito Civil. Porém, os seus significados possuem importantes diferenças no que diz respeito aos contratos de compra e venda.
A evicção trata da perda da posse ou da propriedade da coisa vendida em questão para o seu legítimo dono. Dessa maneira, ela deve ter fundamentação jurídica anterior para conferir a posse ao seu verdadeiro dono, além de ter o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, que não tenha sido denunciado oportunamente no contrato.
Enquanto isso, o vício redibitório é proposto em casos onde a coisa a ser comprada ou vendida não tenha como perceber possíveis avarias na hora da compra. Assim, nesses casos, é possível, caso se confirme a avaria, tornar o uso daquele objeto inapropriado ou tendo um abatimento no valor da compra.
Resumidamente, podemos dizer de outro modo a diferença entre o vício redibitório e a evicção: enquanto a evicção é um defeito no direito, o vício redibitório é um defeito no bem ou coisa.
Ou seja, o vício redibitório já existe no momento da tradição da coisa. Entretanto, ele é oculto ao adquirente e traz prejuízo à finalidade ou ao valor do bem adquirido.
Conclusão
Neste artigo, tratamos do conceito de evicção. Procuramos trazer uma definição, utilizando exemplos, para poder compreender melhor o assunto.
Vimos que a evicção é a perda de determinado bem ou coisa em razão de uma sentença judicial. A evicção ocorre porque a propriedade, uso ou posse do bem é, na verdade, de um terceiro.
Também vimos, além disso, que a ação de evicção é uma garantia legal ofertada ao evicto (adquirente), para que ele possa recobrar o alienante após a perda da propriedade, posse ou o uso do bem ou coisa. Lembramos que esta tem prazo prescricional de três anos.
Ainda, na conceituação, vimos que na evicção o defeito está na titularidade do bem.
Depois mostramos quem são os sujeitos da evicção, a saber:
⦁ Evicto: adquirente, que sofreu a evicção.
⦁ Alienante: aquele que transmite o bem ao adquirente (posse e propriedade).
⦁ Evictor: terceiro vencedor na ação em que ocorreu a evicção.
Dessa forma, resumidamente, temos o seguinte: quem responde pelos efeitos, ou riscos do negócio, de uma venda a qual decai em evicção é o vendedor, ou seja, o alienante.
De outro lado, o comprador, isto é, o adquirente, é chamado de evicto nessa relação, pois tem direito à restituição integral do que pagou, além de indenização dos frutos, honorários entre outros.
Já o terceiro, que é o verdadeiro proprietário, se chama de evictor. É ele que reivindica o bem. É a pessoa para qual vai o bem após ocorrer a evicção.
Na sequência, tratamos sobre os requisitos para evicção, quais sejam, resumidamente:
⦁ Perda;
⦁ Onerosidade;
⦁ Anterioridade;
⦁ Ignorância do adquirente;
⦁ Sentença judicial.
Deve haver a perda da coisa, seja ela de forma parcial ou total. Quando há perda considerável, o artigo 455 do Código Civil estabelece que o evicto poderá optar pela rescisão do contrato e a indenização pela perda.
Destacamos que a palavra “considerável” no artigo deve ser entendida quando houver a perda do interesse do evicto pela coisa que deve ser analisada caso a caso.
Já quanto à onerosidade, na aquisição da coisa e pode ocorrer com bens adquiridos em hasta pública. Dizemos em regra, pois se admite evicção nos contratos gratuitos, se deste contrato houver certa onerosidade, como por exemplo, na doação de um terreno para que se construa um abrigo.
Sobre a anterioridade na evicção, acontece quando há anterioridade do direito do evictor. Assim, o alienante responde pela perda decorrente de causa.
Quanto a Ignorância do adquirente, em se tratando de evicção, acontece caso o adquirente souber do litígio. Isso porque presume-se que assumiu o risco pela perda da coisa.
Já o último requisito da evicção, reputa-se quando uma sentença judicial determinar o direito do terceiro. Ainda, parte da doutrina admite a perda da coisa por ato de autoridade administrativa.
É importante ressaltar que, para que haja a evicção, todos os requisitos devem ser preenchidos.
Por fim, diferenciamos a evicção e o vício redibitório. Em síntese, podemos dizer que: enquanto a evicção é um defeito no direito, o vício redibitório é um defeito no bem ou coisa.
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