Questiona-se constantemente quais as razões que conduzem o país a uma criminalidade crescente e generalizada. Muitas vezes não se chega exatamente a questionar, mas a acusar, como fazem algumas células irresponsáveis da imprensa. Ocorre que, como será discorrido à frente, a responsabilidade não é de uma pessoa ou instituição tomada individualmente, mas de todo um sistema que o cidadão muitas vezes aceita passivamente, sem se dar conta de seus efeitos deletérios sobre a convivência social.
Sem grande esforço mental pode-se constatar algumas realidades. Uma delas é o sistema de segurança: pífio e ineficiente. O Estado ainda teima manter duas polícias. E o pior: uma militarizada. O conhecimento científico e tecnológico se faz distante da investigação policial como um todo, haja vista a falta de investimento do Estado nesse aspecto, vindo-lhe à cabeça somente viaturas e armas. A falta de eficiência da polícia está diretamente ligada à incapacidade do Estado em investir nessa área, como, por exemplo, implantando laboratórios de DNA forense, adquirindo rastreadores de conversas telefônicas, de câmeras de filmagens noturnas, de equipamentos de gravação de longo alcance etc.
Outra questão a ser salientada é a desvalorização do homem e mulher policial, quantas vezes atirado nas ruas sem preparo adequado para travar uma batalha desigual com delinqüentes conhecedores até mesmo da legislação penal e processual penal, que, aliás, presta-se mais a protegê-los que ao cidadão cumpridor de suas obrigações. Assim, sem uma boa polícia, aparelhada e sistematicamente voltada para o preparo ajustado de seus componentes, a colheita probatória continuará deficiente, prejudicando a ação penal e fomentando destarte a impunidade, uma vez que a busca da verdade real pelo Judiciário depende de provas consistentes, caso contrário, haverá sempre absolvição, pela ausência de prova ou pela aplicação do instituto do in dubio pro reu.
O Judiciário, conhecidamente moroso e distante dos jurisdicionados, também contribui para a impunidade. Os juízes de primeiro grau esforçam-se, mas nossos Tribunais, interpretando a Lei de maneira política e não jurídica e sob o pretexto da supremacia da tutela jurisdicional propiciam decisões não consentâneas como o ordenamento legal. A incongruência das decisões por vezes é ululante, tanto que a imprensa chega a atribuir corrupção aos julgadores que as proferem! Quem mais desrespeita o Judiciário são seus próprios membros, que não cumprem os prazos que são determinados em lei para a prática dos atos processuais. Isso faz com que processos durem décadas e acabem culminando com a prescrição. Desta forma, o cidadão contribuinte é duplamente penalizado, uma vez que o Estado despende vultuosa soma em dinheiro em um processo criminal que não lhes rende a satisfação devida, ou seja, a aplicação concreta da Justiça.
Há que se pontuar, ainda, as mazelas do sistema penitenciário que, diante das brechas da legislação de execução penal, da corrupção e do aparelho como um todo, é incapaz de afastar do convívio social aqueles que, ao menos momentaneamente (e aqui se faz menção a uma possível ressocialização…), não podem transitar livremente pelas ruas. Assim, novas violências são perpetradas por esse mesmo infrator penal que não recebeu a devida resposta estatal, que se sente literalmente livre para praticá-las, disseminando o sentimento de impunidade.
O legislador é extremamente preguiçoso, haja vista nossas leis ultrapassadas, como o Código Comercial, datado de 1850, e o Código Penal, vigente desde 1941, dentre outras. Os parlamentares só aprovam lei nos denominados “estados de emergência”, ou seja, para reprimir os delitos, e não prevenir, como deveria ser. Faltam planejamento, estudos, debates e uma boa técnica legislativa. O que se tem visto são leis aprovadas de uma hora para outra, visando o Estado dar satisfação a algum clamor público. Tal façanha, atrelada à hermenêutica judicial, propicia as mais diversas interpretações de nossas leis, suscitando uma enorme insegurança jurídica. Os parlamentares possuem uma credibilidade tão baixa que o brasileiro perdeu, literalmente, o gosto pela política, e aprendeu a tratar os políticos como se fossem marginais. Imagine!
Nessa mesma idéia, tecendo comentários acerca das leis e de sua aplicação, o mestre italiano Cesare Beccaria afirma que “Consultemos a história e veremos que as leis, que são ou deveriam ser pactos entre homens livres, não passaram, geralmente, de instrumentos da paixão de uns poucos, ou nasceram da necessidade fortuita; jamais foram elas ditadas por um frio examinador da natureza, capaz de aglomerar as ações de muitos homens num só ponto e de considerá-las de um único ponto de vista: a máxime felicidade compartilhada pela maioria”.
Preleciona ainda que “A quem dizer que a pena aplicada a um nobre, ao plebeu não é realmente a mesma em virtude da educação e da infâmia que se derrama sobre uma ilustre família, responderei que não se medem as penas pela sensibilidade do réu, mas, sim, pelo dano público, tanto maior quanto é ocasionado pelo mais favorecido”. Quanta razão cabe ao ilustre mestre italiano, e quão infeliz restaria diante do que se observa hodiernamente no Brasil. Nota-se nessas letras que a impunidade não data de hoje… Poder-se-ia mesmo dizer que ela é histórica!
Para debelar a impunidade faz-se necessária inclusive, a instituição do controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público, a ser realizado pela sociedade civil organizada, pois vivemos em um Estado de Direito e ninguém está acima da Lei. Aliás, conforme preconiza preceitos constitucionais, todos são iguais perante a Lei. Refrear a impunidade tornou-se uma prioridade nacional que vai além do Estado e suas instituições.
A participação popular é fundamental para se reverter a situação em que se encontra, por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro, no qual os desmandos reiterados dos governantes fizeram nascer um “Estado paralelo”, que parece ser controlado pelo crime organizado com suas atividades nefastas.
Sob um ponto de vista bastante realista, talvez pensar que acabar com a impunidade seja pretensão em demasia. Entretanto, contê-la, para que se instale um mínimo de segurança social, é o que se esperar. Não inerte, mas, principalmente, buscando fontes confiáveis de informação para que não se deixe levar por conceitos pré-formados sobre o estado de insegurança vigente. Então, cidadão, faça sua parte: cidadania contra a impunidade. Talvez, assim, o Estado consiga fazer a dele.
Professor de Direito da UNIP e FASAM
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás
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