Resumo: O regime de exploração da atividade portuária no Brasil, a despeito de seu enquadramento como serviço público pelo art. 21, XII, “f”, da Constituição Federal, admite, além do regime jurídico de direito administrativo, também um regime de direito privado, sendo, nessa hipótese, os terminais autorizados pelo órgão regulador do setor. Essa permissão legal, de que um serviço qualificado como público seja também desenvolvido fora do regime jurídico administrativo, só se justifica por sua complementariedade, sem, por isso, poder concorrer com os terminais portuários em portos públicos. Nesse contexto, é preciso observar que a política tarifária incidente sobre o setor deve se compatibilizar com as premissas de ordem pública que pautam os serviços prestados indiretamente pelo Estado, por via das concessões e permissões. De tal sorte, a não ser por exceção, legalmente eleita pelo legislador infraconstitucional, não há falar em liberdade tarifária, em função da própria natureza do serviço. Examinando atentamente todos esses elementos, evidenciou-se que as tarifas nos portos públicos, em sua compreensão mais ampla, englobam todas as espécies de preços cobrados dos usuários dos serviços públicos delegados, devendo, por isso mesmo estarem sob a regulação e sob o controle do órgão competente. Desse modo, a fim de dar efetividade a outras premissas, sobretudo àquela atinente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, é que se evidenciou, nessa investigação, a submissão dos preços atrelados à realização do objeto concedido ao regime de política tarifária previsto na Lei nº 10.233/2001 e na Lei nº 8.987/1995.
Palavras-chave: Lei nº 8.630/1993. Exploração de portos. Regime jurídico de direito público. Tarifa portuária. Compreensão. Controle tarifário. Regulação. Equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Abstract: The exploitatoin regime of port activities in Brazil, despite its classification as a public service by art. 21, XII, "f", of the Federal Constitution, admits, besides the legal regime of administrative law, also a system of private law, and, in this case, the terminals are approved by the respective agency. This legal permission, that a service qualified as public is also developed outside the legal administrative system, is only justified by their complementary nature, so that they are not allowed to compete with the terminals of public ports. In this context, it should be noted that the fare policy enforced on the sector must be compatible with the legal rules of public policy that govern the services provided by the state indirectly, through concessions and permissions. Thus, unless by exception, legally elected by the legislature infra, there is no acceptance in pricing freedom, because of the nature of the service itself considered. Examining closely all these elements, it became clear that fares in public ports in its broadest understanding, include all kinds of prices charged to users of public delegates, and should therefore be under the same regulation and under the control of the competent agency. Thus, in order to give effect to other precepts, especially regarding the economic and financial balance of the contract, that was pointed in this investigation, the submission of prices tied to the accomplishment of the object granted to the regime of fare policy under Law No. 10.233/2001 and Law 8.987/1995.
Sumário: I – Introdução. II – A natureza jurídica dos serviços portuários no ordenamento pátrio. III – As características dos regimes jurídicos possíveis para a exploração portuária no Brasil. IV – O regime de preços nos terminais privativos. V – O regime de preços na prestação de serviços públicos. VI – A estrutura tarifária dos serviços públicos prestados em portos públicos. VII – Conclusão.
I – INTRODUÇÃO
O presente estudo abordará o regime de tarifas e preços utilizados para remuneração dos serviços portuários, notadamente aqueles disponibilizados pelos portos públicos, verificando-se os principais aspectos pertinentes à conformação dos custos e à sua adequação à sistemática legal aplicável à exploração dessa atividade, de titularidade da União.
Para isso, de modo paralelo, serão investigados os elementos principais atinentes aos regimes público e privado, conduzindo-se ao estudo da metodologia aplicável à composição da tarifa.
II – A NATUREZA JURÍDICA DOS SERVIÇOS PORTUÁRIOS NO ORDENAMENTO PÁTRIO
O desenvolvimento da atividade portuária no Brasil foi direcionado à titularidade da União pela Constituição Federal de 1988, que, ao definir as competências desse ente político, previu a ela competir sua exploração direta ou mediante concessão, permissão ou autorização, segundo se extrai do art. 21, XII, “f”.
Ao fixar as premissas da ordem econômica, a Carta Magna estabeleceu ainda, em seu art. 175, que a prestação de serviços públicos seria feita diretamente pelo poder público ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre precedido de licitação.
Da leitura dos comandos constitucionais acima, verifica-se a competência material da União de oferecer à sociedade o serviço público correspondente à movimentação de cargas e passageiros através de infraestruturas portuárias.
A respeito do enquadramento dessa atividade no conjunto dos serviços públicos, mister, de início, examinar seu conceito formal e material, a despeito das inúmeras proposições doutrinárias para as diversas classificações.[1]
De toda sorte, vale mencionar a distinção que se faz entre o critério formal e o material, senão veja-se:
“Há, ainda, o critério formal, que realça o aspecto pertinente ao regime jurídico. Vale dizer, será serviço público aquele disciplinado por regime de direito público. O critério é insuficiente, porque em alguns casos incidem regras de direito privado para certos segmentos da prestação de serviços públicos, principalmente quando executados por pessoas privadas da Administração, como as sociedades de economia mista e as empresas públicas.
Por fim, temos o critério material, que dá relevo à natureza da atividade exercida. Serviço público seria aquele que atendesse direta e essencialmente à comunidade. A crítica aqui reside no fato de que algumas atividades, embora não atendendo diretamente aos indivíduos, voltam-se em favor destes de forma indireta e mediata. Além disso, nem sempre as atividades executadas pelo Estado representam demandas essenciais da coletividade. Algumas vezes são executadas atividades secundárias, mas nem por isso menos relevantes na medida em que é o Estado que as presta, incumbindo-lhe exclusivamente a definição de sua estratégia administrativa.”[2]
Em que pesem as falhas de quaisquer dos conceitos que se pretenda eleger como o mais abrangente, remarque-se a definição traçada por Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:
“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.”[3]
O reconhecimento da exploração da atividade portuária como serviço público decorre da condução que seu deu pela Magna Carta para a prestação desse serviço, isto é, com a prestação direta do Estado ou mediante concessão e permissão.
Por outro lado, admitiu-se também que fosse a mesma desempenhada por particulares, ainda que de modo controlado, através da autorização.
Essa duplicidade de regimes para a execução de uma mesma atividade conduziu a inúmeros debates sobre a natureza jurídica da exploração portuária, no sentido de enquadrá-la como atividade econômica stricto sensu ou não.
Acerca dessa celeuma, cabe destacar o magistério de Eros Roberto Grau, cuja análise é elucidativa na compreensão da existência de regimes jurídicos distintos para uma mesma atividade. Confira-se:
“38. Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposição entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na segunda expressão está subsumida a primeira.
Em texto anterior averbei:
“A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econômica.
“Serviço público – dir-se-á mais – é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não exclusivamente, note-se, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão.
“Desde aí poderemos também afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado.”
Salientei, no próprio texto, o fato de, no trecho aqui transcrito, utilizar-me da expressão atividade econômica em distintos sentidos:
“Ao afirmar que serviço público é tipo de atividade econômica, a ela atribuí a significação de gênero no qual se inclui a espécie, serviço público.
“Ao afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado, a ela atribuí a significação de espécie”.
Daí a verificação de que o gênero – atividade econômica – compreende duas espécies: o serviço público e a atividade econômica”.[4]
Na verdade, o próprio comando constitucional, no que toca à atividade portuária, encaminha para o entendimento acima, qual seja, de que a mesma pode ser desenvolvida tanto sob o viés de serviço público quanto de atividade econômica. Isso porque a exploração dos portos, mediante concessão ou permissão, remete ao regime jurídico administrativo próprio dos serviços públicos e, mediante autorização, conduz ao regime privado, característico das atividades econômicas stricto sensu.
Daí se dizer que a exploração portuária pode ser realizada sob os dois regimes distintos e que tal atividade ora pode ser conceituada como serviço público, ora como atividade econômica, tudo a depender dos objetivos almejados e, consequentemente, do regime eleito.
Tem-se, pois, que a natureza jurídica dos serviços portuários no ordenamento pátrio admite dois enquadramentos: i) serviço público, quando prestado no regime jurídico administrativo; e ii) atividade econômica stricto sensu, subordinada à autorização do Estado, quando realizada por particulares diretamente.
III – AS CARACTERÍSTICAS DOS REGIMES JURÍDICOS POSSÍVEIS PARA A EXPLORAÇÃO PORTUÁRIA NO BRASIL
Na esteira do fundamento constitucional outrora referido, a Lei nº 8.630/1993 disciplinou a exploração da atividade portuária pela modalidade de terminais públicos e terminais privados. Aqueles, de forma essencial, foram denominados pela Lei de “porto organizado”, cuja definição foi traçada no art. 1º, § 1º, I, como sendo aquele “construído e aparelhado para atender às necessidades da navegação, da movimentação de passageiros ou da movimentação e armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a jurisdição de uma autoridade portuária”. Já os terminais privativos tiveram sua definição insculpida no mesmo artigo, porém em seu inciso V, tendo sido ordenado que ser aquele explorado “por pessoa jurídica de direito público ou privado, dentro ou fora da área do porto, utilizada na movimentação de passageiros ou na movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinados ou provenientes de transporte aquaviário”.
Assim, dependem os portos públicos de contrato de arrendamento, na forma do art. 4º, inciso I, do mesmo diploma legal, cujo regime é de direito público, porquanto precedido de licitação e voltado à exploração de serviço público de competência da União.
Por sua vez, os terminais privativos são estabelecidos por meio de autorização do órgão competente, no caso a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, conforme competência fixada no art. 27, inciso XXII, da Lei nº 10.233/2001, para a movimentação de carga própria, ou própria e de terceiros, ou passageiros, ou para se operar estação de transbordo de cargas[5]. Nesse caso, o regime de execução da atividade é privado, independe de licitação e volta-se, em se tratando de movimentação de cargas, à verticalização da cadeira produtiva, o que motiva a exigência de carga própria de modo preponderante, na forma do art. 35, II, do Decreto nº 6.620/2008. É o que se extrai dos ensinamentos de Clèmerson Merlin Clève, senão veja-se:
“Com efeito, diante da relevância da infraestrutura portuária para a efetivação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, verifica-se que a consecução desses escopos realiza-se mediante as atividades portuárias que se enquadram na qualificação do serviço público, notadamente porque, sobre elas, irradiam efeitos os princípios da continuidade, universalidade, isonomia. E, de outro lado, porque, quando se trata de atividades econômicas stricto sensu, predominam os princípios inerentes ao regime da iniciativa privada que, por seu turno, podem gerar discriminações, restrições, descontinuidades, afinal o interesse precípuo será o lucro, logo há e haverá, muito provavelmente, a guisa de exemplo, situações em que os terminais privativos de uso misto priorizarão o escoamento de cargas de grandes empresas e grupos em detrimento de clientes menos expressivos, vez que naquelas obterão melhor resultado.
Outrossim, em razão de tal relevância para a efetivação do desenvolvimento e soberania do Estado Brasileiro e mercê do previsto nos artigos 21, XII, f e 175 da Constituição Federal, cumpre reiterar que a possibilidade de autorização deve atrelar-se, inexoravelmente, à demonstração de carga própria que, como já asseverado, é o que comprova existir interesse próprio do particular a justificar o pleito autorizatório (ao invés da concessão e permissão que, ex vi do art. 175 da Carta Magna, sujeitam-se ao regime licitatório), de sorte que eventual movimentação de carga de terceiro restringir-se-á a mero complemento destinado a preencher eventual ociosidade[6].” (grifou-se)
Como se vê, sendo a atividade portuária realizada sob o regime de direito privado incidem sobre ela os princípios da ordem econômica e financeira, dando-se destaque à livre iniciativa e à livre concorrência. Isso não significa dizer, porém, que mesmo em se tratando, nesse contexto, de atividade econômica, haja livre exercício.
Muito embora a ordem constitucional tenha admitido a exploração de infraestruturas portuárias como atividade econômica stricto sensu, o fizera como exceção à regra, que exige sua prestação como serviço público. Em se reconhecendo essa qualidade ao comando constitucional, por certo que a interpretação a ser dada à exceção legal deve ser restritiva, a bem do princípio da isonomia, uma vez que a mesma atividade não é concebida em igualdade de condições em regimes distintos.
Por isso mesmo é que os preços de movimentação de cargas nos terminais privativos e nos públicos devem se pautar em premissas diversas, as quais serão discutidas em seguida.
IV – O REGIME DE PREÇOS NOS TERMINAIS PRIVATIVOS
Na verdade, a existência de preços para os serviços realizados no âmbito dos terminais privativos só se coaduna com a modalidade de terminal de uso misto, porquanto, para os de uso exclusivo, não se justifica a existência de preços, ao menos em se considerando o fato de que, num terminal privativo de uso exclusivo, as despesas de movimentação fazem parte dos custos do produto.
É certo que numa mesma cadeia produtiva, o detentor da carga possa optar por constituir uma empresa subsidiária de logística que opere também um terminal portuário próprio, situação na qual caberia a previsão de custos de movimentação, para fins contábeis dentro do mesmo grupo econômico.
De toda sorte, o valor que corresponderia ao preço de movimentação não traria qualquer impacto social, a não ser pela otimização dos custos do produto, consequência puramente benéfica numa primeira análise.
O ponto é que, ao Estado, não compete regular os preços praticados em terminais de uso privativo misto e muito menos naqueles de uso exclusivo, salvo em relação às infrações contra a ordem econômica[7], por exemplo, no que toca ao exercício de forma abusiva de posição dominante.
Essa compreensão se calca no pressuposto de que tais terminais, de uso misto, não podem oferecer concorrência relevante àqueles estabelecidos em portos públicos, em função da limitação constitucional de que movimentem apenas de forma residual cargas de terceiros, isto é, sem concorrer diretamente com os portos públicos, aos quais se incumbiu tal mister.
De outro modo, certamente que os preços praticados nos terminais privativos teriam maior atratividade, haja vista não se submeterem aos custos de execução impostos aos terminais públicos. Daí se afirmar a inviabilidade sistemática de se admitir a movimentação, em terminais privativos mistos, de cargas de terceiros de forma irrestrita, isto é, não residual.
Até o momento não houve uma definição objetiva, por parte da legislação, mesmo infra legal, acerca do quantitativo a ser considerado na aferição da carga residual em cada terminal, o que dificulta a regulação do setor nesse ponto. Cumpre enfatizar, contudo, que, a despeito da relevância da questão, para o cerne do presente estudo, basta asseverar que os preços realizados em terminais privativos são livremente fixados, não cabendo ao órgão regulador do setor neles interferir, salvo os órgãos de defesa da concorrência, caso se constate algum indício de conduta infrativa.
V – O REGIME DE PREÇOS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
Preliminarmente, importa esclarecer que, não obstante a formulação legal presente no art. 4º, I, da Lei nº 8.630/1993, que indica o contrato de arrendamento como o instrumento próprio para a exploração dos terminais em portos públicos, na verdade, o objeto desse pacto suplanta a noção de arrendamento de área pública.
Vê-se que o caput do mesmo dispositivo prevê a exploração da instalação portuária, o que permite inferir que não se trata de mero arrendamento de área, mas sim, também, da execução de suas funcionalidades. É dizer, não há, nos contratos de arrendamento portuários, mera concessão de bem da União, mas sim a delegação do serviço a ser desempenhado na mesma área.
Assim, há que se ter em mente a compreensão de que os contratos de arrendamento portuários alcançam duplo objeto, quais sejam, o primeiro pertinente ao bem concedido, o segundo à prestação do serviço por meio do referido bem.
Antes de adentrar nas peculiaridades relativas ao regime de preços nesses contratos, cumpre evidenciar a sistemática construída pela Lei Geral das Concessões de Serviços Públicos – Lei nº 8.987/1995, que regulamenta o parágrafo único do art. 175 da Constituição Federal, segundo o qual a lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os direitos dos usuários, a política tarifária e a obrigação de manter o serviço adequado.
Considerando o escopo do presente estudo, impende perquirir o significado das regras que pautam a política tarifária a ser realizada na prestação dos serviços públicos. Para tanto, mister o exame do Capítulo IV do mencionado diploma legal, que segue abaixo transcrito in verbis:
“Art. 8º (Vetado)
Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
§ 1º A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário.
§ 2º Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.
§ 3º Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.
§ 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.
Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.
Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei.
Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Art. 12. (Vetado)
Art. 13. As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.”
O conjunto normativo supra reproduzido denota a opção legislativa de que os valores a serem praticados no contrato cujo objeto seja a prestação de serviços públicos estejam compatíveis ao equilíbrio econômico-financeiro inicialmente aferido.
Desta feita, o quantum da tarifa somente estará compatível ao regime jurídico posto caso obedeça àquela máxima e represente um valor módico, dentro das características legais que definem o serviço adequado[8], situação constitucionalmente tutelada.
Da mesma maneira, infere-se desse paradigma legal a imposição de que os serviços concedidos tenham suas tarifas reguladas pelos órgãos de controle.
Uma primeira providência a ser perfilhada para isso diz respeito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, de modo a não inviabilizar economicamente os investimentos necessários ao serviço, mas também a não servir de instrumento de exploração puramente econômica, a sustentar lucros exorbitantes[9].
E a segunda medida, que se ampara plenamente na primeira, está ligada à construção de medidas regulatórias tendentes ao alcance de tarifa módica e serviço eficiente, a fim de se evitar a exclusão de usuários em decorrência do custo da tarifa. Igualmente, admite-se a previsão no contrato de concessão de outras fontes remuneratórias, distintas da tarifa, provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com vistas a favorecer a modicidade daquela.
A propósito do tema, pondera a doutrina de Egon Bockmann Moreira o seguinte:
“(…) A remuneração é uma das chaves da eficiência das obras e serviços objeto da técnica concessionária. Está-se diante de um agente econômico (o concessionário) que realiza obras e oferece serviços a usuários cujos interesses são basicamente o preço, a qualidade, o abastecimento, a informação e a possibilidade de escolha (a depender do serviço prestado).
Por outro lado, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão deve envolver nível de remuneração adequado ao risco da atividade e à necessidade de atrair capital (levando-se em conta os fluxos estimados de receita e despesa). As concessões ocupam setores estratégicos de interesse nacional, por isso é fundamental que as empresas se mantenham estáveis no mercado e o tornem atraente para novos investimentos. O nível e a composição da remuneração devem ser compatíveis com a importância social do serviço e da estabilidade em sua prestação.
Inicialmente pode-se afirmar que a remuneração deve ser adequada à obra e ao serviço, proporcional ao valor investido e ao risco assumido pelo empresário. Nos serviços públicos o regime de preços deve ser apto não apenas a pagar o investidor, mas em especial a incrementar o bem-estar social. Como boa parte dos usuários é constituída de pessoas menos favorecidas que os acionistas do empreendimento, é mais que justo que recebam parcela do potencial de ganho destes. Portanto, está-se diante de projetos concessionários que significam políticas públicas de distribuição de renda”[10]. (grifou-se)
Nota-se, pois, que tudo se encaminha para um controle regulatório que busque a prestação de um serviço adequado, o que significa também uma ampla e profunda análise tarifária, porquanto a partir disso é que se conhecerá a remuneração do concessionário e a equação econômico-financeira concretizada. Não por outra razão determina a Lei, como cláusula essencial do contrato, a relativa ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas.[11]
Por oportuno, mais uma vez invocando os ensinamentos do mesmo doutrinador acerca da relação entre preços e tarifas:
“As tarifas são preços fixados administrativamente (preços públicos; preços administrados). (…) Atente-se para o fato de que tarifas são preços públicos que incidem nos principais setores da economia (em termos sociais e de projetos de investimento), a remunerar projetos vultosos e contínuos, que duram muitos anos.”[12]
Ainda sobre o tema, o mesmo autor valeu-se do conceito trazido por Helder Ferreira de Mendonça, senão veja-se:
“A expressão “preços administrados” quer significar aqueles estabelecidos, direta ou indiretamente, pela Administração Pública – seja pela via contratual, seja por regulação. De ordinário abrange bens e serviços em tese infensos a condições de oferta e procura (devido aos próprios mercados ou devido a opções legislativas) e, ao mesmo tempo, necessários para as pessoas privadas e para o desenvolvimento de atividades produtivas. É usual que estes preços tenham repercussão na formação e na estrutura dos demais.”[13]
Depreende-se, pois, que as tarifas representam elemento fundamental no exame do controle regulatório dos serviços públicos delegados e, por figurarem como parte total ou essencial da remuneração do concessionário, detém repercussão direta na aferição do equilíbrio econômico-financeiro contratual.
Vê-se, portanto, que não se justifica qualquer atuação regulatória que não se paute no conhecimento da estrutura tarifária disponibilizada aos usuários, tendo, assim, a Lei de Concessões determinado que o controle da prestação do serviço ocorresse também no momento das revisões das tarifas. Logo, essa é a regra geral a pautar as concessões de serviços públicos, haja vista que todas as demais garantias legais perderiam sua efetividade caso não fosse essa a intelecção adotada.
Esse controle se encontra previsto nas legislações específicas de alguns setores regulados, a exemplo do que se constata no exame da Lei Geral de Telecomunicações – Lei nº 9.472/1997 e da Lei de criação da Agência Nacional de Aviação Civil – Lei nº 11.182/2005, cujos trechos de relevo seguem abaixo, respectivamente:
“Lei nº 9.472/1997
Art. 93. O contrato de concessão indicará:(…)
VII – as tarifas a serem cobradas dos usuários e os critérios para seu reajuste e revisão;(…)
Art. 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.
§ 1° A fixação, o reajuste e a revisão das tarifas poderão basear-se em valor que corresponda à média ponderada dos valores dos itens tarifários.
§ 2° São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de usuários, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 81 desta Lei.
§ 3° As tarifas serão fixadas no contrato de concessão, consoante edital ou proposta apresentada na licitação.
§ 4° Em caso de outorga sem licitação, as tarifas serão fixadas pela Agência e constarão do contrato de concessão.
Art. 104. Transcorridos ao menos três anos da celebração do contrato, a Agência poderá, se existir ampla e efetiva competição entre as prestadoras do serviço, submeter a concessionária ao regime de liberdade tarifária.
§ 1° No regime a que se refere o caput, a concessionária poderá determinar suas próprias tarifas, devendo comunicá-las à Agência com antecedência de sete dias de sua vigência.
§ 2° Ocorrendo aumento arbitrário dos lucros ou práticas prejudiciais à competição, a Agência restabelecerá o regime tarifário anterior, sem prejuízo das sanções cabíveis.
Art. 105. Quando da implantação de novas prestações, utilidades ou comodidades relativas ao objeto da concessão, suas tarifas serão previamente levadas à Agência, para aprovação, com os estudos correspondentes.
Parágrafo único. Considerados os interesses dos usuários, a Agência poderá decidir por fixar as tarifas ou por submetê-las ao regime de liberdade tarifária, sendo vedada qualquer cobrança antes da referida aprovação.
Art. 106. A concessionária poderá cobrar tarifa inferior à fixada desde que a redução se baseie em critério objetivo e favoreça indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico.
Art. 107. Os descontos de tarifa somente serão admitidos quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições, precisas e isonômicas, para sua fruição.
Art. 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação específica.
§ 1° A redução ou o desconto de tarifas não ensejará revisão tarifária.
§ 2° Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas.
§ 3° Serão transferidos integralmente aos usuários os ganhos econômicos que não decorram diretamente da eficiência empresarial, em casos como os de diminuição de tributos ou encargos legais e de novas regras sobre os serviços.
§ 4º A oneração causada por novas regras sobre os serviços, pela álea econômica extraordinária, bem como pelo aumento dos encargos legais ou tributos, salvo o imposto sobre a renda, implicará a revisão do contrato.
Art. 109. A Agência estabelecerá:
I – os mecanismos para acompanhamento das tarifas praticadas pela concessionária, inclusive a antecedência a ser observada na comunicação de suas alterações”; (grifou-se)
“Lei nº 11.182/2005
Art. 8o Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade, competindo-lhe:(…)
XXV – estabelecer o regime tarifário da exploração da infra-estrutura aeroportuária, no todo ou em parte;(…)
Art. 49. Na prestação de serviços aéreos regulares, prevalecerá o regime de liberdade tarifária.
§ 1o No regime de liberdade tarifária, as concessionárias ou permissionárias poderão determinar suas próprias tarifas, devendo comunicá-las à ANAC, em prazo por esta definido.” (grifou-se)
Evidencia-se, então, que a regulação dos preços praticados pelos concessionários ocorre a partir, em primeiro lugar, do conhecimento dos valores praticados, e que, nas hipóteses de serviços aeroportuários e de telefonia, as próprias normas admitiram a liberdade tarifária como possível.
Em face do escopo do presente exercício de compreensão do tema, não se adentrará especificamente no regime tarifário dos demais serviços regulados, o que não significa ignorar a relevância que uma análise comparativa proporciona ao alcance de uma compreensão apurada da questão. Todavia, com vistas ao aprofundamento do tema central, passa-se desde já à sua investigação.
VI – A ESTRUTURA TARIFÁRIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS PRESTADOS EM PORTOS PÚBLICOS
De início, é importante lembrar que a exploração dos portos públicos se faz, em regra, de forma indireta pela União, que, nos termos da Lei nº 9.277/1996, pode firmar convênios com os Estados ou Municípios para a delegação da exploração de portos sob sua responsabilidade ou sob a responsabilidade das empresas por ela direta ou indiretamente controladas[14].
Semelhante encaminhamento foi eleito como diretriz do setor de transportes pela Lei nº 10.233/2001, que criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (“ANTAQ”) e, em cujo art. 12, inciso I, foi definida como indicativo do setor a descentralização das ações, sempre que possível, com a transferência do gerenciamento e da operação a outras entidades públicas, mediante convênios de delegação, ou a empresas públicas ou privadas, por meio de outorgas de autorização, concessão ou permissão, conforme dispõe o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal.
Por conseguinte, normalmente os contratos de arrendamento, de que trata o art. 4º, I, da Lei nº 8.630/1993, são firmados entre a entidade delegatária, que assume o papel de Autoridade Portuária[15], e a empresa escolhida por via de procedimento licitatório da área[16].
Nesse caso, prevê-se como forma de remuneração da Autoridade Portuária, que personifica a União na exploração daquela área, uma composição de valores, dentre os quais se encontra a tarifa portuária. As demais parcelas, pertinentes à remuneração, em síntese, dizem respeito à utilização da área, ao custo de oportunidade do negócio e ao volume de movimentação de carga.
No que concerne à natureza jurídica da tarifa portuária, extrai-se das disposições normativas contidas na Lei nº 8.630/1993 que se trata de preço público, senão veja-se:
“Art. 30. Será instituído, em cada porto organizado ou no âmbito de cada concessão, um Conselho de Autoridade Portuária.
§ 1° Compete ao Conselho de Autoridade Portuária:(…)
VIII – homologar os valores das tarifas portuárias;(…)
Art. 33. A Administração do Porto é exercida diretamente pela União ou pela entidade concessionária do porto organizado.
§ 1° Compete à Administração do Porto, dentro dos limites da área do porto:(…)
IV – fixar os valores e arrecadar a tarifa portuária;(…)
Art. 51. As administrações dos portos organizados devem adotar estruturas de tarifas adequadas aos respectivos sistemas operacionais, em substituição ao modelo tarifário previsto no Decreto n° 24.508, de 29 de junho de 1934, e suas alterações.
Parágrafo único. As novas estruturas tarifárias deverão ser submetidas à apreciação dos respectivos Conselhos de Autoridade Portuária, dentro do prazo de sessenta dias.”
Nesse sentido se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, consoante revela o aresto abaixo colacionado, senão veja-se:
“ADMINISTRATIVO. TARIFA PORTUÁRIA. NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. ART. 174 DO CTN. AFASTAMENTO.
1. A Lei 8.630/93, ao editar o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias, deixa claro, em seus arts. 30 e 33, que a tarifa portuária detém natureza de preço público, já que compete à administração do porto fixar os seus valores e ao Conselho de Autoridade Portuária a respectiva homologação.
2. A tarifa portuária ostenta natureza de preço público, e não de taxa, em face do regime facultativo que caracteriza os serviços custeados pela exação. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.
3. Em consequência desse regime jurídico não-tributário, a ação de execução fiscal não se sujeita aos prazos prescricionais disciplinados no art. 174 do CTN.
4. Retorno dos autos à origem para exame das demais questões aduzidas no recurso de apelação.
5. Recurso Especial provido em parte.” (REsp nº 975.757 – RS; Rel. Min. Castro Meira; Segunda Turma; Data do Julgamento 20.9.2007; Data da publicação DJ 4.10.2007) (grifou-se)
Em relação às atribuições da ANTAQ, no que se refere a esse assunto, a mesma Lei nº 10.233/2001 apontou como um de seus objetivos regular ou supervisionar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas[17].
Igualmente, dentre as competências próprias da Agência, firmadas no art. 27, daquele diploma legal, está a promoção de estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados.
Considerando, então, que a tarifa portuária consiste no preço público cobrado do usuário em relação à utilização da infraestrutura portuária, valor que é dirigido à Autoridade Portuária, cumpre examinar se o preço de movimentação das cargas, cobrado dos usuários pelos titulares dos arrendamentos que prestam esse serviço, deve ser entendido como parte integrante do conjunto de parcelas que remuneram, desta feita, não a Autoridade Portuária, mas sim os investimentos do próprio arrendatário.
Pois bem, nas concessões em geral, a tarifa, lato sensu considerada, é a fonte de remuneração dos investimentos feitos pelo concessionário, de forma que é dela que se extrai a remuneração desses valores.
A projeção dos valores a serem percebidos, a esse título, é o elemento motivador do interesse do concessionário a participar do contrato. Sobre o tema, ensina o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, senão veja-se:
“53. Em geral, o concessionário de serviço público (ou da obra pública) explora o serviço (ou a obra pública) mediante tarifas que cobra diretamente dos usuários, sendo daí que extrai, basicamente, a remuneração que lhe corresponde. (…)
Entretanto, as tarifas constituem-se, de regra, na remuneração básica, já que as “provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados” têm por finalidade “favorecer a modicidade das tarifas” (art. 11 da lei). […]
58. Sem embargo do que foi dito, as tarifas não têm, nem poderiam ter, de modo algum, natureza contratual, imutável. O contratual – e que, por isso, não pode ser unilateralmente modificado pelo Poder Público – é o valor resultante do equilíbrio econômico-financeiro, de que a tarifa é uma expressão, entre outras. Donde, ao concedente é lícito alterar, como convenha, a grandeza dela, contanto que, ao fazê-lo, mantenha incólume a igualdade matemática substancial já estabelecida e da qual o valor da tarifa se constitui em um dos termos, conquanto não necessariamente no único deles. Logo, não há impediente jurídico a que o Poder Público adote um sistema de tarifas subsidiadas, se a tanto for levado para manter-lhes a necessária modicidade”[18].
Com efeito, de forma prévia à licitação da área, deve-se elaborar estudo com levantamentos, projetos, previsão de obras e de despesas em geral ou quaisquer investimentos vinculados à concessão, com projeção de receitas, de utilidade para a licitação, a fim de se obter um panorama econômico próximo ao que se conformará o cenário real de exploração que o serviço irá gerar. Tal orientação é firmada no art. 21 da Lei nº 8.987/1995, no art. 15, § 1º, do Decreto nº 6.620/2008[19], bem como no art. 5º do Decreto nº 4.391/2002[20], que disciplinam a aplicação da Lei nº 8.630/1993.
No mesmo caminhar, a Resolução nº 2240/2011, em seu art. 9º, I, determinou que as propostas de arrendamento de áreas e instalações portuárias deverão conter, dentre outras informações, estudo de viabilidade do empreendimento a que se destina o arrendamento, nos padrões estabelecidos pela Antaq.
De forma a instituir um referencial objetivo na avaliação dos projetos, a Agência construiu a Modelagem para Estudos de Viabilidade de Projetos de Arrendamento, consubstanciada na Nota Técnica nº 17/2007-GPP, à qual faz referência a Resolução nº 1.642/2010 – ANTAQ, que ordenou sistema informatizado, obrigatório para elaboração e apresentação de Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica – EVTE, relativos a projetos de arrendamento de áreas e instalações portuárias.
Essa Modelagem está voltada à verificação da exequibilidade do projeto, do ponto de vista econômico-financeiro e de adequação ao Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto, de modo a elaborar o processo licitatório no sentido de permitir que concorra o maior número de prestadores de serviços portuários dentro da especialidade do projeto. Em consonância com esse propósito explica aquele documento:
“36. Os custos referentes às tarifas portuárias, relativos à utilização da infra-estrutura marítima e terrestre, não podem ser apropriados no fluxo de caixa como forma de pagamento ao porto por conta do arrendamento, a não ser que comprovadamente sejam de responsabilidade do futuro arrendatário.
38 A definição do preço de movimentação cobrado pelo arrendatário deverá considerar os preços praticados em áreas portuárias que possam servir como alternativa a movimentação da carga do projeto, e deverá levar em consideração os parâmetros apresentados para o projeto.[…]
41. A movimentação de carga a ser adotada para a composição do fluxo de caixa do projeto deverá ser aquela prevista para o cenário intermediário (vide item VII).
42. O prazo do arrendamento deverá ser suficiente para amortização dos investimentos ou retorno do capital investido (pay-back do projeto) e remuneração adequada, devendo ser justificado caso ultrapasse o período necessário a sua amortização, conforme determina o Art. 21 da Resolução no 055-ANTAQ, de 16/12/2002”. (grifou-se)
Observa-se que a tarifa portuária decorrente da utilização da infraestrutura não é incluída como remuneração do arrendatário à Autoridade Portuária, pois que suportada pelo usuário e não relacionada ao serviço, mas ao bem público de que se dispôs.
Ocorre que o preço de movimentação conjecturado nos estudos de viabilidade do projeto compõe parte da remuneração do concessionário arrendatário, como frente aos investimentos a serem feitos e à própria prestação do serviço, como se extrai das premissas técnicas servidas na aludida Modelagem.
Em verdade, esse preço figura na relação jurídica contratual firmada com os responsáveis pelo frete e/ou com os proprietários da carga também como tarifa, reportando-se ao conceito dessa figura no contexto dos serviços públicos concedidos.
Não obstante ser tal preço suportado pelo usuário em face da utilização dos serviços do terminal portuário, o mesmo não é compreendido pelo setor regulado como parcela da tarifa portuária considerada em seu conjunto, isto é, abrangendo também a tarifa portuária stricto sensu, destinada à Autoridade Portuária. Esse entendimento significaria a inclusão dos valores auferidos com a movimentação das cargas no âmbito de regulação da Agência competente para coordenação do setor.
O caráter contraditório dessa postura está em se utilizar o preço cobrado pela movimentação para definição da viabilidade do empreendimento e, portanto, do futuro equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mas não se obter conhecimento de seu quantum ao longo da execução do ajuste.
Depreende-se, pois, do quanto exposto que, para se ter como paradigma do contrato de concessão a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro contratado nos termos da licitação, mister é que se tenha por conhecida a composição de todas receitas e de todos os custos do concessionário.
Daí a imperatividade de que o poder concedente, representado pelo órgão regulador, tenha conhecimento das tarifas, em todas suas espécies e variações, praticadas pelo concessionário, o que, atualmente, não acontece.
Não se discute, nesse momento, controle tarifário propriamente dito, mas ao menos a imprescindibilidade quanto ao conhecimento dos valores auferidos para fins, em primeiro lugar, de verificação da preservação da equação econômico-financeiro, que tanto se tem em consideração desde os estudos de viabilidade do empreendimento.
Como relatado alhures, não há espaço interpretativo para que se admita, ainda em tese, o estado atual de desconhecimento dos preços cobrados pelos serviços de movimentação de cargas nos terminais portuários instalados nos portos públicos.
A questão pertinente à forma de utilização dessas informações, para além da utilidade outrora referida, isto é, para que se pretenda fazer um controle tarifário é outro tema a ser enfrentado.
Deveras, a legislação correlata não é elucidativa acerca desse tema, haja vista não mencionar expressamente se há liberdade tarifária, como acontece, por exemplo, com os serviços de aviação civil.
De outro lado, as normas que definem as competências da Agência, já transcritas acima, encaminham para que se promova uma regulação dos preços públicos, para além do que ocorre hoje com a tarifa portuária, à qual se denominou stricto sensu.
No próprio Decreto nº 4.391/2002, noutro tempo citado, são definidas como diretrizes, no art. 2º, § 3º, III e IV, a serem perseguidas pela Autoridade Portuária, a “redução dos custos portuários objetivando a redução dos preços dos serviços praticados no porto” e a “implantação de ambiente de competitividade, em bases isonômicas, na operação e exploração portuária”.
Diante da suposta lacuna normativa, pertinente à liberdade tarifária, poder-se-ia invocar a regra geral, estabelecida no art. 9º da Lei nº 8.987/1995 – Lei Geral de Concessões – que impõe a fixação da tarifa pelo preço da proposta vencedora da licitação, a qual deverá ser preservada pelas regras legais e contratuais de revisão. Essa solução se mostraria perfeitamente razoável e compatível à sistemática normativa regente da matéria, inclusive pela natureza da contraprestação vinculada ao serviço usufruído.
Essa ilação é confirmada pelas prescrições extraídas da Lei nº 10.233/2001, que dispôs sobre a reestruturação do transporte aquaviário, senão veja-se:
“Art. 14. O disposto no art. 13 aplica-se segundo as diretrizes:
I – depende de concessão:
a) a exploração das ferrovias, das rodovias, das vias navegáveis e dos portos organizados que compõem a infra-estrutura do Sistema Nacional de Viação; […]
III – depende de autorização: […]
c) a construção e operação de terminais de uso privativo, conforme disposto na Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)[…]
§ 3o As outorgas de concessão a que se refere o inciso I do art. 13 poderão estar vinculadas a contratos de arrendamento de ativos e a contratos de construção, com cláusula de reversão ao patrimônio da União.
Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação: […]
II – promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados;
Art. 28. A ANTT e a ANTAQ, em suas respectivas esferas de atuação, adotarão as normas e os procedimentos estabelecidos nesta Lei para as diferentes formas de outorga previstos nos arts. 13 e 14, visando a que: […]
II – os instrumentos de concessão ou permissão sejam precedidos de licitação pública e celebrados em cumprimento ao princípio da livre concorrência entre os capacitados para o exercício das outorgas, na forma prevista no inciso I, definindo claramente: […]
b) limites máximos tarifários e as condições de reajustamento e revisão;[…]
Art. 34-A As concessões a serem outorgadas pela ANTT e pela ANTAQ para a exploração de infra-estrutura, precedidas ou não de obra pública, ou para prestação de serviços de transporte ferroviário associado à exploração de infra-estrutura, terão caráter de exclusividade quanto a seu objeto e serão precedidas de licitação disciplinada em regulamento próprio, aprovado pela Diretoria da Agência e no respectivo edital. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)[…]
§ 2o O edital de licitação indicará obrigatoriamente: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)[…]
IV – os critérios para o julgamento da licitação, assegurando a prestação de serviços adequados, e considerando, isolada ou conjugadamente, a menor tarifa e a melhor oferta pela outorga; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)[…]
Art. 35. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais as relativas a: […]
VII – tarifas;
VIII – critérios para reajuste e revisão das tarifas”; (grifou-se)
Remarque-se que em nenhuma das passagens cogita-se sequer do regime de liberdade tarifária para os serviços prestados por via dos contratos de concessões de exploração da atividade portuária. Ao contrário disso, nota-se que a sistemática acima está em perfeita convergência com as regras tarifárias eleitas pela Lei Geral de Concessões, do que se pode concluir não terem as leis especiais, aplicáveis ao setor portuário, – Leis nºs 8.630/1993 e 10.233/2001 – excepcionado a incidência da lei geral.
Em verdade, as normas especiais vieram confirmar o regime já eleito para as concessões em geral, tendo, apenas, minudenciado sua aplicação aos serviços públicos portuários.
No que tange, ainda, às referências legais sobre a tarifa, não é demais lembrar que, jamais, em qualquer circunstância, houve individualização da espécie tarifária à qual aludiam as regras. Ou seja, não se retirou desse gênero as tarifas cobradas diretamente dos usuários pela prestação do serviço, à qual se denominou nesta investigação de tarifa lato sensu, para nesse conjunto englobar não somente as tarifas portuárias – ditas stricto sensu – como também todas aquelas conexas à prestação do serviço objeto do contrato de arrendamento.
Nessa mesma linha, corroborando o raciocínio acima, a mesma Lei nº 10.233/2001 foi determinante ao eleger, para os serviços portuários autorizados, a liberdade de preços. Confira-se:
“Art. 43. A autorização aplica-se segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14 e apresenta as seguintes características:
I – independe de licitação;
II – é exercida em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição; […]
Art. 45. Os preços dos serviços autorizados serão livres, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição, bem como o abuso do poder econômico, adotando-se nestes casos as providências previstas no art. 31”. (grifou-se)
Os dispositivos acima não só ratificam o regime tarifário dos serviços portuários disponíveis nos terminais de uso privativo, como ainda permitem concluir que, se o mesmo não fora feito para os terminais portuários em portos públicos, a pretensão do legislador era exatamente definir, para os últimos, um regime distinto da liberdade tarifária.
Esse juízo está em perfeita conformidade com todo o conjunto de normas que define o ordenamento jurídico pátrio, bem ainda com as regras de exegese que pautam sua interpretação.
Percepção diversa disso não detém consistência jurídica para enfrentar a mais perfunctória análise sobre o tema, que cabalmente redunda na conclusão de que o regime tarifário a ser aplicado aos serviços portuários prestados nos portos públicos demanda regulação e controle.
VII – CONCLUSÃO
Considerando a gama de elementos abordados ao longo do presente exercício de compreensão da legislação aplicável à exploração portuária no Brasil, é possível observar que existem dois microssistemas de execução dessa atividade: um de regime privado e outro de regime público.
Ainda, viu-se que os fundamentos constitucional e legal que permitem essa dicotomia não sustentam a possibilidade de concorrência entre eles, haja vista o propósito motivador desse estado de coisas não é consentir que particulares prestem serviços qualificados como públicos pela ordem constitucional sem se submeterem previamente à licitação.
Desta feita, ajusta-se aos paradigmas normativos existentes a intelecção de que instalações portuárias de uso privativo misto não estão autorizadas a movimentar cargas de terceiros de forma preponderante. É dizer, só deveriam fazê-lo na forma do art. 35, II, do Decreto nº 6.620/2008, ou seja, em caráter subsidiário e eventual, de modo a não concorrer com os portos públicos, cujo regime jurídico de existência é de direito administrativo.
Em que pese a relevância dessa constatação, quanto à indagação central deste estudo, revelou-se que não é pertinente a interpretação que restringe as diretrizes legais apenas à tarifa portuária relativa ao uso da infraestrutura do porto, afastando tanto os mandamentos normativos quanto a própria regulação do conhecimento e do controle dos preços praticados pelos terminais portuários nos serviços de movimentação de cargas.
Procuradora Federal em atuação no Departamento de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes
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