Resumo: A presente obra aborda a necessidade de se adaptarem as leis o os procedimentos relativos ao sigilo bancário no que tange à elaboração de inventário pela via administrativa. Explicita o procedimento pelo Cartório de Notas e os requisitos para sua realização segundo a Lei n° 11.441/2007 e a Resolução n° 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça. Analisa os fundamentos que amparam a inviolabilidade do sigilo dos dados bancários, bem como as hipóteses em que este é relativizado. Aborda a responsabilidade do tabelião e sua competência para a solicitação das informações necessárias à elaboração do inventário extrajudicial. Conclui pela possibilidade de atendimento da solicitação elaborada pelo Cartório de Notas, enquadrando-a nas hipóteses em que há permissão legal para a prestação de informações sem configurar quebra do sigilo bancário.
Palavras-chave: Sigilo bancário. Inventário extrajudicial. Cartório de Notas. Competência do tabelião. Direito Notarial.
Sumário: Introdução. A lei complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001. 1. Razões para o surgimento. 2. Hipóteses legais para a quebra do sigilo bancário. A solicitação de informações pelo cartório de notas às instituições financeiras 1. Direito notarial e registral e os princípios aplicáveis à atividade notarial. 2. A notoriedade ou fé pública dos notários. 3. A competência do Cartório de Notas para requerer informações para elaboração do inventário extrajudicial. 4. A responsabilidade do Cartório de Notas pela quebra injustificada das informações e dados sigilosos. Conclusão. Referência bibliográfica.
INTRODUÇÃO
A Lei do Sigilo Bancário é expressa ao determinar que as instituições financeiras devem conservar o sigilo em suas operações passivas e ativas, bem como nos serviços por ela prestados, sob pena de configurar quebra do sigilo bancário e, com isso, sujeitar-se à aplicação de penalidade pelo órgão regulador e fiscalizador da atividade bancária: o Banco Central do Brasil.
Essa proteção atribuída aos dados e informações dos clientes fundamenta-se no artigo 5°, incisos X e XII, da Constituição Federal, que garante a todas as pessoas a inviolabilidade à intimidade e vida privada e ao sigilo dos dados e comunicações.
Assim, ainda que não expresso, o sigilo bancário encontra-se vinculado à expressão “sigilo de dados”, vez que as informações bancárias, em si, não passam de dados cuja finalidade é a de armazenar as informações dos clientes e das operações por eles realizadas, entendimento este corroborado por Celso Bastos e Ives Gandra Martins[1].
Em que pese a inviolabilidade dos dados bancários, seu fornecimento em determinadas situações não configura quebra do sigilo em virtude de se relacionarem com o interesse público. Tais situações, além de estarem previstas em lei, somente se perfazem com o atendimento de requisição judicial, preservando o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, bem como quando a revelação de informações sigilosas decorrer do consentimento expresso dos interessados.
Deste modo, embora a Lei Complementar n° 105/2001 estabeleça as hipóteses em que o fornecimento dos dados referente às operações bancárias não configura quebra do sigilo bancário pelas instituições financeiras, com o advento da Lei n° 11.441/2007 criou-se um impasse quanto à possibilidade de tal requisição ser formulada diretamente pelo Cartório de Notas, não necessitando mais da intervenção do Poder Judiciário para expedição de alvarás e tampouco para a abertura de inventário.
De tal sorte, evidente a necessidade de se analisar a competência atribuída aos Cartórios de Notas para solicitação de informações, a fim de isentar a responsabilidade das instituições financeiras quando do atendimento de tal solicitação.
Isto porque, embora a lei tenha permitido a abertura do inventário pela via administrativa, algumas instituições financeiras ainda mantém o entendimento de que a prestação de informações de caráter sigiloso cuja solicitação foi formulada pelos Cartórios de Notas configura quebra do sigilo bancário.
Contudo, esse posicionamento não merece prosperar, vez que o fornecimento de dados necessários à elaboração do inventário encontra guarida na lei que regulamenta o sigilo de dados (Lei Complementar nº 105/2001), o que será demonstrado ao longo da presente pesquisa, após estudo sobre a lei que regulamenta a questão e a competência dos tabeliães quanto à solicitação de informações e uso destas.
A Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001.
1. Razões para o surgimento.
A Lei Complementar n° 105/2001 surgiu para regular a atividade das instituições financeiras face à necessidade de guarda das informações cadastrais e operacionais dos clientes.
Além de regular a guarda, esta lei abordou as hipóteses de quebra do sigilo das operações, sobretudo nos casos de fiscalização do sistema financeiro nacional, da prevenção à lavagem de dinheiro e financiamentos de campanhas eleitorais[2].
No mesmo sentido, Nelson Abrão[3] assevera que a relativização do modelo destinado ao sigilo bancário decorre da necessidade de o Estado conhecer dados específicos e rastrear informações a fim de manter sua segurança e combater a macrocriminalidade organizada.
Segundo mencionado autor[4], essa relativização objetivaria “normatizar regras de conduta que situem a lavagem de dinheiro e coibir o grande acesso de valores incomprovados que circulam livre e impunemente” por meio de parâmetros adotados pelo Parlamento.
Até mesmo porque, desaparecendo o formalismo central que desenha o conteúdo fundamental do sigilo bancário, a descoberta de subsídios acerca de operações ilícitas perpassaria a proteção do indivíduo e alcançaria respaldo na segurança dos Estados[5].
Essa segurança, no mais das vezes, acaba por inserir o próprio indivíduo cujo sigilo foi quebrado na proteção, pois, além de possibilitar o controle efetivo do Estado nos casos em que se verifica a prática de ilícitos, não alcança todo e qualquer caso, mas apenas e tão somente, as exceções previstas em lei.
Dessa forma, a ponderação de interesses não caracteriza afronta ao direito de intimidade previsto constitucionalmente quando verificado conflito com o interesse público, posto que apenas delimita os parâmetros para as hipóteses de quebra de sigilo.
Ademais, considerando que o próprio particular se insere na sociedade cujos interesses são tutelados pelo Estado, a segurança das relações econômicas e da coletividade também o alcança e o beneficia, mesmo que indiretamente.
2. Hipóteses legais para a quebra do sigilo bancário.
Embora as informações bancárias sejam interpretadas como expressão e extensão do direito à intimidade, estas devem ser sopesadas para se adequarem à realidade e aos interesses envolvidos no caso particular[6].
Antes mesmo do surgimento da Lei Complementar n. 105/2001, o sigilo bancário era regulado pela Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1934 e pela Resolução n. 469, de 7 de abril de 1978, do Banco Central do Brasil.
Em conformidade com o disposto no artigo 38 da Lei supracitada[7], o sigilo bancário somente poderia ser excepcionado nos casos de “informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário (…) e a exibição de livros e documentos em juízo”.
No entanto, tais hipóteses eram, segundo Abrão[8], estáticas, o que impossibilitava ou dificultava a quebra do sigilo diante do interesse público face à privacidade do cliente, sem que houvesse qualquer questionamento acerca do sigilo quando depoimento em juízo cível.
No entanto, com a Lei Complementar em vigor e a revogação do artigo 38 da Lei n° 4.595/1964, esse perfil estático foi eliminado, apresentando-se duas frentes de atuação: “repressão ao crime organizado (…) e a preocupação na diretriz de coibir delitos contra a ordem tributária e previdência social, sumariando os critérios objetivos que resultam no modelo operacional da quebra do segredo”[9].
Assim, ainda que tenham surgido tantos entraves e debates com relação à constitucionalidade da Lei Complementar n° 105/2001, restou pacificada a questão com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 655.298/SP, a qual reconhece que, embora o sigilo seja protegido pela Constituição Federal, o sigilo deve ceder aos interesses público, social e da justiça, observado em todo caso o procedimento legal e o princípio da razoabilidade.
Contudo, embora subsistam críticas à aplicabilidade do entendimento supracitado nas hipóteses de quebra de sigilo determinada por órgãos do Poder Executivo diante de processos administrativos ou procedimentos fiscais[10], inevitável foi reconhecer que a quebra do sigilo representou um avanço na adoção de medidas efetivas pelo Estado para o atendimento ao bem comum e o interesse coletivo, tal como acentua Nelson Abrão[11].
Fundamentalmente, a quebra do sigilo bancário somente está autorizada mediante requisição judicial ou em benefício de investigação pela comissão parlamentar de inquérito, tal como se verifica nos artigos 3° e 4° da Lei Complementar n° 105/2001[12].
De se ressaltar que, no caso das comissões parlamentares, há que se verificar a prévia aprovação da quebra pelo plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou pelo plenário das respectivas comissões parlamentares de inquérito.
Segundo assevera Eduardo Salomão Neto[13], “em todos esses casos, só para a finalidade para a qual foi determinada a quebra de sigilo poderá a informação ser usada”, haja vista as restrições constantes na lei.
No entanto, ainda que estas restrições se destinem expressamente às informações requeridas pelo Poder Judiciário, analogamente se estende para as requisições de informações pelas comissões parlamentares de inquérito.
Além destes casos, excepciona-se a violação do sigilo nos casos previstos no § 3°[14] e 4º do artigo 1° do referido diploma legal, relacionado o parágrafo 3º à comunicação aos órgãos reguladores e com expresso consentimento dos interessados e o 4º às hipóteses em que a quebra do sigilo é autorizada para a apuração de ilícitos, sobretudo, mas não exclusivamente, nos casos de terrorismo; tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra o sistema financeiro nacional; contra a Administração Pública; contra a ordem tributária e a previdência social; lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como praticado por organização criminosa.
Ultrapassada a análise do texto legal que poderia ensejar a aplicação de penalidade às instituições financeiras, mister se faz verificar a competência atribuída aos Cartórios de Notas para a solicitação de informações junto às instituiçõse financeiras.
A SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES PELO CARTÓRIO DE NOTAS ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
1. Direito notarial e registral e os princípios aplicáveis à atividade notarial.
Embora tenham princípios comuns e tenham surgido em períodos próximos, senão conjuntamente, o direito notarial não se confunde com o direito registral. Este, conforme De Plácido e Silva[15], consiste no conjunto de regras que regem a atividade registral, tal como se verifica na Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015 de 31 de dezembro de 1973), ao passo que aquele é o conjunto de regras que regem a atividade do notário ou do tabelião, sendo este o oficial público a quem se atribui a função de instrumentalizar os atos jurídicos levados a seu conhecimento.
Ainda que diferentes, os dois ramos da ciência jurídica têm pontos coincidentes, sendo necessária a análise da Lei de Registros Públicos – que foi um marco para a regulamentação da atividade registral no Brasil – para elencar os princípios aplicáveis à atividade do tabelião, as atribuições dos cartórios, bem como da responsabilidade deste no exercício da função.
Importante frisar que, embora a Lei n° 8.935, de 18 de novembro de 1994 regulamente os serviços notariais e de registro, não há no Brasil uma lei notarial para prescrever e regular o direito material e processual notarial propriamente ditos.
Essa positivação, quando ocorre, se faz por normas da Corregedoria Geral dos Tribunais de Justiça dos Estados, o que, segundo Paulo Roberto Gaiger Ferreira[16], além de demonstrar a ingerência do poder fiscalizador no exercício da função notarial, acarreta, muitas vezes, dispositivos diversos e até mesmo contraditórios entre os diversos Estados da Federação.
Ainda sob ótica do mesmo autor, por ser o tabelião um delegado do Estado, operando em caráter privado a serviço dos particulares e tendo como fundamento a segurança jurídica, ele tanto se sujeita aos princípios da administração, quanto aos princípios do direito privado.
Em função disso, a atividade notarial se rege por princípios típicos e atípicos, sendo os primeiros os decorrentes da natureza da atividade notarial e os segundos os decorrentes de outras áreas, tal como princípios constitucionais da administração pública, do direito privado e do direito registral.
No que se refere à prevalência entre os princípios do direito público e do direito privado, o mesmo autor, citando Néri, nos informa que os dois ramos, com seus princípios, na realidade, não passam de complementos, pois o direito público não seria senão a soma dos direitos privados e estes a base do direito público[17].
Desta feita, a tarefa do operador seria coadunar os interesses em busca do equilíbrio das normas.
Referido equilíbrio é o mesmo que se destina o tabelião quando do exercício de sua função, observada a necessidade de se submeter aos princípios da administração pública dispostos no artigo 37 da Constituição Federal, haja vista a natureza pública de seu serviço, tal como determina o artigo 236 da Carta Magna[18].
Assim, por ser o serviço público decorrente de atividade delegada, não restam dúvidas de que este deve ser pautado pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Em consonância com tais princípios, o tabelião tem o dever de agir conforme a lei determina, fiscalizando rigorosamente o cumprimento das leis nos atos que instrumentaliza e observando os requisitos necessários à validade do negócio jurídico.
Ainda que o tabelião esteja vinculado à competência disposta nos artigos 6° e 7° da Lei n° 8.935/1994, dentre as quais se destaca a formalização da vontade das partes, a ele é atribuída ampla discricionariedade para a escolha da forma mais adequada para a formalização dos atos.
Especificamente no caso dos inventários, ainda que o Código Civil tenha elencado no artigo 215 alguns requisitos para a lavratura da escritura pública – data e local da realização, reconhecimento da identidade e capacidade das partes, representantes, intervenientes ou testemunhas, qualificação das pessoas, manifestação da vontade das partes, declaração de leitura da ata e assinatura das partes – deve-se observar os outros documentos elencados nas normas da Corregedoria Geral para a lavratura da escritura pública.
Em contrapartida à aplicação dos princípios regidos pelo ramo do Direito Público, em razão de o tabelião efetuar a instrumentalização dos atos e vontades das pessoas, os princípios aplicáveis ao Direito Privado também devem ser observados, sobretudo o da liberdade, autonomia da vontade, pacta sunt servanda, da supremacia da ordem pública, da probidade e da boa-fé, bem como da função social do contrato.
Destes, vale destacar a supremacia da ordem pública que, sob a ótica da atividade notarial consiste na vedação que recai sobre o tabelião de negar-se a prestar o serviço que a ele foi delegado. Referida recusa somente pode ocorrer se ausente um dos requisitos ou condições legais para a lavratura[19].
O poder discricionário do tabelião, neste caso, apenas se destina à verificação da capacidade das partes e as condições legais para a instrumentalização do ato.
Com relação aos princípios próprios do direito notarial, também abordados como típicos, destacam-se o princípio da segurança jurídica, da notoriedade ou fé pública, publicidade, da economia, da forma, da imediação, da rogação, do consentimento, da unidade formal do ato, matricidade, legalidade, autoria, independência e dever de exercício.
Ainda que todos os princípios supracitados sejam necessários ao desempenho da atividade notarial, a fim de possibilitar a apreensão e desenvolvimento do tema que se pretende abordar na presente pesquisa, trataremos com maiores detalhes dos cinco primeiros, estando o segundo, em razão de sua importância em tópico próprio, adiante.
Com relação ao princípio da segurança jurídica, tem-se que este está intimamente ligado à atividade notarial, haja vista o próprio notário existir para proporcionar essa segurança junto aos particulares e à sociedade.
Com relação ao princípio da publicidade, há que se ressaltar que todo ato notarial ou documento arquivado no tabelionato é, em regra, público. Em regra, porque esta publicidade não é irrestrita, não se aplicando aos casos em que a própria Lei n° 8.159/91 prevê sigilo.
O sigilo abrange, conforme artigos 23 e 24 do mencionado diploma legal[20], dados ou informações que se divulgados podem acarretar qualquer risco à inviolabilidade da honra, imagem, vida privada, intimidade e imagem das pessoas envolvidas ou de terceiros.
De se destacar que, por ser o sigilo uma forma de restringir o acesso às informações, esse atributo somente será concedido se solicitado pelas partes ao tabelião quando da lavratura do ato notarial.
O princípio da economia consiste no dever que o tabelião possui de buscar a opção mais econômica e menos gravosa às partes quando da lavratura do ato, incluindo, ainda, a comunicação e esclarecimentos de tributos incidentes sobre as operações e atos a serem instrumentalizados.
Diante de tal assertiva, conclui-se que a Lei n° 11.441/2007 veio fortalecer a aplicabilidade do princípio supracitado, vez que o inventário realizado pela via extrajudicial além de ser menos caro, é mais célere.
Diferentemente, o princípio da forma consiste na observância à lei e aos requisitos necessários à consecução do ato notarial, mediante documento escrito.
O Código Civil, em seu artigo 205, especifica, ainda que de modo genérico, os requisitos técnicos da forma notarial, que, após devidamente instrumentalizada possui força probante de prova plena, haja vista a presunção de existência e veracidade atribuído ao documento.
2. A notoriedade ou fé pública dos notários.
O princípio da fé pública, que neste caso também consiste em efeito atribuído ao ato notarial, consiste no reconhecimento de que os fatos constantes no documento, quer o tabelião tenha presenciado, quer não, são verídicos, o que justifica a presunção de veracidade que sobre o ato se verifica.
A notoriedade do fato decorre de juízo de responsabilidade do tabelião que, ao narrar o fato ou uma situação no documento lavrado, cria uma presunção de veracidade que somente poderá ser impugnada em processo judicial.
Além desta presunção de veracidade, ao documento é atribuída presunção de legalidade e exatidão, tal como dispõe as conclusões 9 e 10 da Declaração de Princípios do Sistema de Notariado Latino.
“9. Os documentos notariais gozam de uma dupla presunção: de legalidade e exatidão.
10. As presunções de legalidade e de exatidão às quais se refere o artigo precedente não poderão ser contestadas senão por via judicial.”
No Brasil, o principio da fé pública vem expressamente tratado nos artigos 334 e 364 do Código de Processo Civil, vejamos:
“Art. 334. Não dependem de prova os fatos:(…)
IV – em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de veracidade.
Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.”
Desta forma, ainda que o artigo 334 do Código de Processo Civil trate de uma presunção de certa forma alternativa, posto que atribuiu aos documentos presunção de existência ou de veracidade, nos casos de documentos elaborados pelo tabelião essa presunção se faz em ambos os aspectos, sendo o conteúdo narrado tido como existente e o documento como verdadeiro.
3. A competência do Cartório de Notas para requerer informações para elaboração do inventário extrajudicial.
A Lei 11.441/07, ao alterar o Código de Processo Civil no que tange à elaboração de inventário, partilha e separação, acabou por alterar, também, a competência atribuída aos notários.
Isto porque o poder estatal que regia as relações familiares e sucessórias era única e exclusivamente do Poder Judiciário. Dessa forma, a questão que se insurgiu foi se o notário estaria apto a atuar em questões envolvendo o direito de família.
Karin Regina Rick Rosa[21], assevera que, indiscutivelmente, os notários estão aptos a exercer tal atividade, pois a atividade notarial é tão pública quando a atividade judicial.
O posicionamento por ela adotado decorre da característica da atividade notarial, que é uma atividade pública delegada com caráter privado, sendo os atos praticados pelos notários atos públicos praticados por meio de um particular.
Como bem observa, por ser a atividade notarial uma atividade de prevenção de litígios que visa a garantia da segurança jurídica, a competência vem, adequadamente, atribuída a profissionais do direito que, em nome do Estado, formalizam a vontade das pessoas e garantem a observância das normas legais em vigor.
Ademais, na medida em que a esses profissionais já é atribuída a responsabilidade pela elaboração de escrituras públicas dos pactos antenupciais e de declaração de união estável, conclui que não há qualquer impedimento no exercício de atos que interfiram nas relações familiares pelos notários.
Embora a lei não trate especificamente da competência dos notários para solicitar aos órgãos e entidades financeiras as informações necessárias à elaboração dos inventários extrajudiciais, por atribuir a eles a competência para a formalização de tais atos, tal aspecto também deve ser contemplado.
Esse aspecto visaria atender ao objetivo finalístico da lei, posto que a atribuição do cartório para elaboração e registro de inventários sem que houvesse a liberdade para obter as informações diretamente na fonte acabaria por sufocar ainda mais o Poder Judiciário com o crescente número de petições para expedição de alvarás, para, posteriormente, as partes darem continuidade ao procedimento pela via administrativa.
4. A responsabilidade do Cartório de Notas pela quebra injustificada das informações e dados sigilosos.
Na medida em que o notário é um agente público, tal como previsto no artigo 236 da Constituição Federal, sua atuação deve se pautar aos princípios que regem a administração pública, expressamente dispostos no artigo 37 da Carta Magna.
Dessa forma, sua conduta deve observar os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e publicidade, além dos demais princípios próprios e impróprios já tratados anteriormente, sob pena de, em não observando, ser o agente responsabilizado pelo dano causado.
Há que se observar, contudo, que a responsabilidade por eventual quebra injustificada ou indevida que acarrete invasão à privacidade, intimidade, danos morais ou materiais será diretamente do Estado e indiretamente do agente.
Como bem expressa o § 6° do artigo 37 da Carta Magna a responsabilidade do Estado frente ao cidadão é objetiva, ao passo que a responsabilidade do agente é subjetiva, devendo ser apurada a conduta dolosa ou culposa lato sensu. Vejamos:
“Art. 37 (…)
§6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Neste sentido, solidificada a conduta culposa ou dolosa do agente público e constatado o efetivo dano ao cidadão, o Estado, após ressarcir o prejuízo, deve usar do direito de regresso para investir contra o agente causador do dano.
Contudo, ainda que a posição aqui sustentada seja a de que os notários sejam recebidos como agentes públicos e, nesta esteira deva ser o Estado responsabilizado pelo dano causado aos particulares, encontrando, inclusive, respaldo em decisões prolatadas pelos Tribunais Superiores, a questão é muito controversa[22].
Além da responsabilidade civil, a Lei Complementar n° 105/2001 traz situações em que a quebra do sigilo por autoridade pública implica, também, em prática de crime, ensejando a responsabilidade penal do agente se constatada a ilegalidade da conduta[23].
Contudo, essa proteção decorrente da previsão legal que assegura o direito à intimidade e privacidade do cidadão se destina aos atos que o agente público praticou em prejuízo daquele, não abrangendo atos de terceiros. Ou seja, ainda que o agente público observe todos os cuidados que lhe são exigíveis quando do exercício de sua função, se o erro decorrer de ato praticado exclusivamente por terceiro que, intencionalmente omitiu ou alterou informação necessária à elaboração do inventário, sem que este mesmo ato pudesse ser percebido pelo tabelião, a este não poderia ser atribuída a responsabilidade pelo dano.
Isto porque nosso ordenamento jurídico fundamenta-se na conduta pautada pela boa-fé, a qual é presumida a todos os atos praticados.
Da mesma forma, o tabelião, quando recepciona os documentos e averigua as informações transmitidas pelos interessados, adota a postura de que aquele que se faz presente diz a verdade e que seu comportamento não visa causar dano a qualquer outra pessoa.
Contudo, por ser uma atividade com natureza pública, embora não houvesse responsabilidade a ser atribuída ao agente público, o Estado ainda responderia diretamente ao cidadão pelo prejuízo causado.
Como forma de atenuar tal situação, há quem entenda que o notário deve valer-se da força probante do documento por ele instrumentalizado para solicitar aos interessados que assinem a ata reconhecendo a responsabilidade pelas informações prestadas e, com isso excluir a responsabilidade do Estado nos casos em que o erro decorreu de vício na declaração de vontade dos próprios interessados ou daqueles que se demonstraram ser os interessados.
CONCLUSÃO
Diante do volume de processos e constante aumento na demanda do Poder Judiciário, acertada foi a decisão do Poder Legislativo em promulgar a Lei n° 11.441/2007, pela qual se facultou aos cidadãos a realização de inventários, separações e partilha de bens de forma extrajudicial.
Isto porque esta, inovando o procedimento e atribuindo competência diversa aos tabeliães, demonstrou grande adesão e efetividade em curto período de tempo. Tanto é assim que, até o momento, foram realizados quase cem mil atos entre inventários, separações e partilhas no Brasil.
Evidente, portanto, o benefício à sociedade e ao próprio Poder Judiciário que, em razão da via administrativa, não teve sua demanda aumentada nos casos em que todos os interessados eram concordes com a partilha dos bens.
Desse modo, ainda que o sigilo bancário tenha sua guarida no artigo 5° da Constituição Federal, por estarem presentes todos os interessados, não há qualquer óbice na prestação de informações sigilosas haja vista esta se enquadrar em uma das hipóteses permissivas da Lei Complementar n° 105/2001.
Além disso, por ter o tabelião fé pública, os atos por ele realizados e os documentos por ele instrumentalizados são dotados de fé pública, não cabendo às instituições financeiras seu questionamento e, conseqüentemente a negativa ao atendimento da solicitação pela remota possibilidade de não ser o interessado o legitimado.
Em contrapartida, o mesmo fator que vincula a prestação de informações, ainda que sigilosas, pelas instituições financeiras, também as protege, posto que estas não podem ser responsabilizadas por atender a uma solicitação cujos fatos narrados tem presunção de existência e veracidade.
Diante disso, podemos concluir que, da mesma forma que as requisições judiciais, o sigilo bancário não pode ser oposto à solicitação elaborada pelo Cartório de Notas para levantamento dos bens e valores deixados pelo de cujus nas contas de sua titularidade junto às instituições financeiras, quer pela exclusão da responsabilidade desta e enquadramento desta nas hipóteses permissivas constantes na Lei, quanto pela necessidade de se atender ao objetivo finalístico da Lei n° 11.441/2007.
Referência bibliográfica
Advogada em São Paulo. Pós graduanda na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
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