Rodrigo T. Lamonato *
Enquanto cruzamos, ou talvez, nos afundamos na maior crise sanitária já vista em gerações, a nova coqueluche, ou “paleteria mexicana” da estação, é falar da chegada do “novo normal”. Especialistas, ou nem tanto, em economia, investimentos, recursos humanos, urbanismo e num rosário de áreas do conhecimento escrevem páginas e mais páginas, ou posts e mais posts, contando-nos sobre ele – o tal do novo normal. Mudanças de comportamento que certamente virão para ficar afetarão a todos e serão sentidas em todos os cantos. Faz sentido. Parece real. Mas, e no Direito, podemos falar no dito “novo normal!? Será que há algo “novo” ou quem dirá “normal”?
O ano é 2020, e vivemos num país onde a escravidão foi abolida contam-se já 132 primaveras. Abolida, ao menos, no papel. Nem por isso deixamos (ou deixávamos) de trombar periodicamente com notícias de que o extinto Ministério do Trabalho havia descoberto, em fiscalizações, trabalhadores vivendo em regimes análogos ao da escravidão. Trombávamos, no passado, pois o ministério em questão, que assim já não é mais chamado, e nem tem esse status, desde 2017, enfrentou cortes orçamentários e a verba para combate ao trabalho escravo minguou.1
No front da vida da população negra, são clamorosos os casos de discriminação, violência policial e até a prolação de sentença judicial que menciona a raça de um acusado nas razões de decidir sobre ele.2 Embora haja autores que sustentam vivermos numa democracia racial, essa utopia está longe de ser real.
Em meio à pandemia, fica-se sabendo da intenção de “passar uma boiada”3 e alterar uma miríade de regras ambientais, visando licenciamentos de projetos agrícolas e de mineração, enquanto a cobertura midiática não está “prestando atenção”. A intenção, explicou-se, seria racionalizar e simplificar um emaranhado de normas que afugentariam investimentos. Seria salutar, não estivesse o país emplacando recorde atrás de recorde em desmatamento e devastação de áreas de floresta.4 Esquecem, porém, que, desde 1988, consta em nossa Constituição que a Ordem Econômica lá regulada terá como um de seus princípios norteadores a defesa do meio ambiente.
A mesma Carta de 1988 afirmou, 32 anos atrás, que ninguém seria submetido a tortura ou tratamento desumano. Contudo, com a disseminação dos smartphones tornou-se fácil, e até comum, registrar flagrantes de violência policial em todos os cantos do país. O sadismo encrustado no seio do Estado, e financiado com dinheiro de tributos pagos por uma sociedade a que deveriam estes agentes defender, não apenas carece de combate, como transborda não disfarçada simpatia dos comandantes-em-chefe.5
Com direito ao voto desde 1932, passados 88 anos, ainda são escandalosos os números de violência contra a mulher e o feminicídio. Quando têm o direito de viver, elas são vítimas de toda a sorte de opressões, veladas ou nem tanto, com menores oportunidades de trabalho, ascensão profissional e recebendo salários, em média, inferiores aos dos homens.6 Os índices de mortes violentas contra mulheres, especialmente os praticados dentro de suas residências, assustam e mostram o quão distantes estamos de qualquer grau civilizatório mínimo. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Durante a pandemia que vivemos, aquela do dito “novo normal”, os casos de violência saltaram outros ultrajantes 22%.7
Parece cedo para falarmos em “novo” quando o “velho” ainda não se tornou presente. O cotidiano brasileiro é coalhado de direitos que funcionam apenas para alguns, e obrigações que, muitas vezes, e não por coincidência, atingem a todos menos uma casta intocável. O sistema jurídico como um todo, do Judiciário à Academia, do legislador ao advogado, pode não haver se atentado, mas por aqui, antes de falar em “novo”, talvez fosse o caso de primeiro buscarmos alcançar o “velho”, o “velho normal”. Ele nunca foi atingido. Do contrário, o arrivismo e termos da moda pode nos levar a abolir direitos, garantias e um tecido protetivo que jamais alcançou sequer a sombra do que se esperava. Por não haver se disseminado, o “velho normal”, de normal nada teve. Nunca esteve no cotidiano. Assim, para a maioria, o “novo” normal será ainda o velho. As novidades antigas, de quem já falava a música famosa.
1 ALESSI, Gil. Corte drástico de verba faz fiscalização do trabalho escravo despencar no Governo Temer. El País, 14 out. 2017. Política. Disponível https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/11/politica/1507733504_551583.html
2 PR: juíza alega em sentença que, ‘em razão da raça’, homem negro é criminoso. Isto É, 12 ago. 2020. Brasil. Disponível em https://istoe.com.br/pr-juiza-alega-em-sentenca-que-em-razao-da-raca-homem-negro-e-criminoso/
3 Ministro do Meio Ambiente defende passar ‘a boiada’ e ‘mudar’ regras enquanto atenção da mídia está voltada para a Covid-19. G1, 22 mai. 2020. Política. Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml
4 OLIVEIRA, Elida. Amazônia bate novo recorde nos alertas de desmatamento em junho; sinais de devastação atingem mais de 3 mil km² no semestre, aumento de 25%. G1, 10 jul. 2020. Natureza. Disponível em https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/07/10/amazonia-bate-novo-recorde-nos-alertas-de-desmatamento-em-junho-aumento-dos-ultimos-11-meses-foi-de-64percent-aponta-inpe.ghtml
5 FERREIRA, Victor Promotoria aponta 1,4 mil casos de tortura no estado de SP desde 2011. G1, 26 dez. 2017. São Paulo. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/promotoria-aponta-14-mil-casos-de-tortura-no-estado-de-sp-desde-2011.ghtml
6 DE OLIVEIRA, Nielmar. Pesquisa do IBGE mostra que mulher ganha menos em todas as ocupações. Agência Brasil 08 mar. 2020. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas-ocupacoes
7 Número de casos de feminicídio no Brasil cresce 22% durante a pandemia. UNIVERSA/UOL, 01 jun. 2020. Disponível em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/01/numero-de-casos-de-feminicidio-no-brasil-cresce-22-durante-a-pandemia.htm
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