Categories: BiodireitoRevista 93

Obtenção e utilização de imagens de pacientes: proposta de termo de consentimento à luz do direito brasileiro

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Resumo: Ao atender um paciente, muitas vezes o profissional da saúde fotografa ou filma o caso. Há, via de regra, duas razões básicas para tal atitude. A primeira é para a documentação do caso per se, e as imagens ficarão restritas ao prontuário clínico do paciente. E, se porventura algum dia houver um litígio envolvendo aquele determinado tratamento, tais imagens poderão ser utilizadas como meio de prova. A segunda razão diz respeito à divulgação do caso clínico, com a sua publicação em periódicos científicos, apresentação em aulas, cursos, congressos e similares. Pode-se citar ainda uma outra razão: o uso das imagens para a divulgação dos serviços do profissional que conduziu o tratamento/procedimento. Para a obtenção/gravação das imagens, faz-se necessário o consentimento do paciente, ou de seu responsável legal (no caso de incapaz). Porém, a imagem produzida somente poderá ser utilizada para os fins específicos a que se destinou inicialmente. Se porventura o profissional tiver intenção de usá-la, por exemplo, em publicações, precisará do consentimento específico para este fim. Vale lembrar que a própria Constituição Federal da Brasil assegura tal direito. A produção de imagens de pessoas e a sua divulgação em meios acadêmicos, por exemplo, ocorre não somente em atendimentos clínicos, como também em pesquisas que envolvam seres humanos. É necessário respeitar as normas éticas e legais relacionadas ao uso de imagens. Este trabalho apresenta uma proposta de Termo de Consentimento para obtenção e uso de imagens de pacientes de profissionais da saúde.


Palavras-chave: Consentimento Esclarecido; Fotografia; Imagem; Direito à Privacidade; Bioética; Biodireito; Direito à Saúde; Direito Médico.


INTRODUÇÃO


O direito à imagem é um direito constitucional, protegido explicitamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 3 , como a seguir transcrito:


“Art. 5o, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”


O Código Civil 1 determina:


“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.


Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”


Ao atender um paciente, muitas vezes o profissional da saúde fotografa ou filma o caso. Há, via de regra, duas razões básicas para tal atitude. A primeira é para a documentação do caso per se, e as imagens ficarão restritas ao prontuário clínico do paciente.


As fotografias são efetivo meio de prova e, se porventura algum dia houver um litígio envolvendo aquele determinado tratamento, tais imagens poderão ser utilizadas para aquela finalidade.


A segunda razão pela qual muitos profissionais da saúde tiram fotografias dos pacientes e respectivos tratamentos/procedimentos realizados, diz respeito à divulgação do caso clínico, com a sua publicação em periódicos científicos, apresentação em aulas, cursos, congressos e similares.


Pode-se citar ainda uma outra razão: o uso das imagens para a divulgação dos serviços do profissional que conduziu o tratamento/procedimento.


Da mesma forma que é preciso o fornecimento do Consentimento Livre e Esclarecido (CLE) do paciente para que possa ser realizado determinado tratamento/procedimento 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, para a obtenção/gravação das imagens também é necessário o consentimento do paciente, ou de seu responsável legal (no caso de incapaz). Porém, a imagem produzida somente poderá ser utilizada para os fins específicos a que se destinou inicialmente. Se porventura o profissional tiver intenção de usá-la, por exemplo, em publicações, precisará do consentimento específico para este fim.


Vários Códigos de Ética Profissional pátrios fazem referência e estabelecem normas para a utilização de informações e imagens de pacientes, para diferentes finalidades. O Código de Ética Médica vigente 5  possui norma específica sobre o uso de imagens de pacientes. Determina:


“CAPÍTULO IX – SIGILO PROFISSIONAL


É vedado ao médico:


Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.”


Este Código, em vigor desde 13 de abril de 2010, proíbe o uso de imagens de pacientes na publicidade médica, ainda que o paciente autorize. Não obstante, esta Resolução não faz referência ao uso de imagens de pacientes em publicações científicas, aulas, cursos, etc…


O Código de Ética Odontológica em vigor 6 possui também normas aplicadas ao uso de imagens de pacientes. Determina:


“CAPÍTULO VI


DO SIGILO PROFISSIONAL


Art. 10. Constitui infração ética:


III. fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos odontológicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações legais, salvo se autorizado pelo paciente ou responsável.


CAPÍTULO XIV – DA COMUNICAÇÃO


SEÇÃO I


DO ANÚNCIO, DA PROPAGANDA E DA PUBLICIDADE


Art. 34 – Constitui infração ética:


VI. divulgar nome, endereço ou qualquer outro elemento que identifique o paciente, a não ser com seu consentimento livre e esclarecido, ou de seu responsável legal, observadas as demais previsões deste Código e legislação pertinente;


SEÇÃO III


DA PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA


Art. 38. Constitui infração ética:


III. publicar, sem autorização por escrito, elemento que identifique o paciente preservando a sua privacidade;”


Em âmbito internacional, a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos 11, aprovada em Assembléia Geral pelos 192 países-membros da UNESCO em 19 de outubro de 2005, determina, nos seus artigos 5o e 6o, a necessidade do Consentimento Livre e Esclarecido:


“Art. 5o  – Autonomia e responsabilidade individual


A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.”


“Art. 6o  – Consentimento


1. Qualquer intervenção médica de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.”


Na mesma Declaração, o artigo 9o – Privacidade e confidencialidade, determina o respeito à privacidade das pessoas e à confidencialidade de suas informações pessoais.


Se utilizada imagem de paciente sem o seu consentimento prévio e específico, o responsável por tal veiculação pode ser responsabilizado ética e juridicamente, podendo inclusive, ter que indenizar o paciente pelo uso indevido de suas imagens 1, 2, 5, 6, 10.


TERMO DE CONSENTIMENTO PARA OBTENÇÃO E USO DE IMAGENS


Apresentamos a seguir uma proposta de Termo de Consentimento para obtenção e utilização de imagens de pacientes, em que os mesmos são adequadamente esclarecidos. O exemplo dado diz respeito ao uso das imagens para a sua divulgação no meio científico. Se a finalidade do uso for outra, ou se posteriormente o profissional tiver intenção de utilizar tais imagens para outro propósito, deverá ser elaborado novo Termo.


Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


para obtenção e utilização de imagens


Eu, _______________________________________________________, RG n. _____________________, residente à Av./Rua ____________________________ n. _______, complemento _________, Bairro ____________________, na cidade de ____________________________________, por meio deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, consinto que o Dr. ____________________ tire fotografias, faça vídeos e outros tipos de imagens de mim, sobre o meu caso clínico. Consinto que estas imagens sejam utilizadas para finalidade didática e científica, divulgadas em aulas, palestras, conferências, cursos, congressos, etc… e também publicadas em livros, artigos, portais de internet, revistas científicas e similares, podendo inclusive ser mostrado o meu rosto, o que pode fazer com que eu seja reconhecido.


Consinto também que as imagens de meus exames, como radiografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, ultrassons, eletromiografias, histopatológicos (exame no microscópio da peça cirúrgica retirada) e outros, sejam utilizadas e divulgadas.


Este consentimento pode ser revogado, sem qualquer ônus ou prejuízo à minha pessoa, a meu pedido ou solicitação, desde que a revogação ocorra antes da publicação.


Fui esclarecido de que não receberei nenhum ressarcimento ou pagamento pelo uso das minhas imagens e também compreendi que o Dr. ___________________ e a equipe de profissionais que me atende e atenderá durante todo o tratamento não terá qualquer tipo de ganhos financeiros com a exposição da minha imagem nas referidas publicações.


Local, _______ de _________________ de 2___.


Assinatura*: ____________________________________


Paciente


CPF


RG


*Pais ou responsáveis em caso de menores de idade (neste caso, adequar o texto)


CONSIDERAÇÕES FINAIS


É importante que fique claro o objetivo do uso das imagens. Há situações em que o foco de interesse está na face, em função da especificidade do caso. Assim, a possibilidade de reconhecimento deve também ser explicitada. No exemplo dado, a utilização das imagens é para fins científicos, e os profissionais não auferirão lucro algum com a divulgação das mesmas. Porém, há situações, como o emprego de imagens de pacientes para propaganda de serviços profissionais (lembrando que isto está proibido para médicos), em que o objetivo final, se não imediato, do uso das imagens, é o lucro financeiro. Se isto não for esclarecido para o paciente, e previamente estabelecidas as condições de uso de suas imagens, o mesmo poderá solicitar, em juízo, indenização pelo uso indevido – e quiçá parte nos lucros auferidos graças à divulgação de suas imagens. O pedido de indenização pode ser realizado também independentemente de comprovação da obtenção de lucros, ou quando do emprego das imagens sem finalidade lucrativa, em função do uso não autorizado.


 


REFERÊNCIAS

1. BRASIL. Código Civil. Lei no 10.406, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm Acesso em 10 de setembro de 2011.

2.  BRASIL. Código de proteção ao consumidor. Lei no 8.078, 11 set. 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm Acesso em 10 de setembro de 2011.

3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Acesso em 10 de setembro de 2011.

4. CLOTET, J.; GOLDIM, J.R.; FRANCISCONI, C.F. Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil.  Porto Alegre: Edipucrs, 2000. 130p.

5. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA Código de Ética Médica. Resolução CFM 1.931, de 17 de setembro de 2009. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp Acesso em 10 de setembro de 2011.

6. CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA Código de Ética Odontológica. Resolução CFO 42, de 20 de maio de 2003. Disponível em: http://cfo.org.br/wp-content/uploads/2009/09/codigo_etica.pdf Acesso em 10 de setembro de 2011.

7. FRANÇA, G.V. Medicina Legal. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2008. 629p.

8. MUÑOZ, D.R., fortes, P.A.C. O princípio da autonomia e o consentimento livre e esclarecido. In: COSTA, S.I.F., OSELKA, G., GARRAFA, V.  Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. cap.2,   p.53 – 70.

9. SERRA, M.C. Responsabilidade profissional em odontologia: cuidados observados por cirurgiões-dentistas com a documentação odontológica, em consultórios particulares. Araraquara,2001. 248p. Tese (Livre-Docência em Odontologia Legal) Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista.

10. STOCO, R. Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e jurisprudência. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. 1949p.

11. UNIVERSAL DECLARATION ON BIOETHICS AND HUMAN RIGHTS. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180E.pdf Acesso em 10 de setembro de 2011.

Informações Sobre os Autores

Mônica da Costa Serra

Cirurgiã-dentista pela FOAr/UNESP, Advogada pela UNIARA, Licenciada em Letras pela FCLAr/UNESP, Especialista em Odontologia Legal pelo CFO, Mestre e Doutora em Odontologia pela FOAr/UNESP, Pós-Doutora em Bioética pela Universidad Complutense de Madrid, Pós-Doutoranda em Direito Internacional da Saúde pela USP, Livre-Docente em Odontologia Legal pela FOAr/UNESP, Líder do Núcleo de Ciências Forenses, Bioética, Biodireito e Ética em Ciência e Tecnologia de Araraquara, Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP

Clemente Maia S. Fernandes

Cirurgião-dentista pela FO-UFPE, Graduando em Direito pela UNIARA, Especialista em Odontologia Legal pela UFPE e em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela FOP-UPE e pela FO-UFPE, Mestre em Prótese Bucomaxilofacial pela FOUSP, Doutor em Ciências Odontológicas pela FOUSP, Pós-Doutorando em Direito Internacional da Saúde pela USP, Coordenador do Curso de especialização em Odontologia Legal da APCD-Araraquara, “Fellowship” pela Université Pierre et Marie Curie (Paris VI), Hôpital Pitié-Salpêtrière, Líder do Núcleo de Ciências Forenses, Bioética, Biodireito e Ética em Ciência e Tecnologia de Araraquara, Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Published by
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Salário substituição e o artigo 450 da CLT

O salário substituição é um tema relevante no direito do trabalho, especialmente quando se trata…

8 horas ago

Diferença entre audiência de justificação e audiência de custódia

A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…

13 horas ago

Audiência de justificação

A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…

13 horas ago

Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV)

O trânsito brasileiro é um dos mais desafiadores do mundo, com altos índices de acidentes…

16 horas ago

Nova resolução do Contran sobre retrovisores

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) implementou uma nova resolução que regula as especificações dos…

16 horas ago

Exame obrigatório para renovação da CNH: novas regras para 2025

A partir de janeiro de 2025, uma importante mudança entrará em vigor para todos os…

16 horas ago