Resumo: O presente artigo tem por escopo apresentar as principais dificuldades enfrentadas pela Polícia Judiciária Civil na consecução de suas atribuições devido à falta de autonomia financeira e administrativa, assim como viabilizar uma análise crítica dos problemas correlacionados a este fator. Foi realizado um estudo das legislações aplicáveis às Polícias Judiciárias de 06 (seis) unidades federativas, no que tange à sua autonomia financeiro-administrativa. Buscou-se propor duas sugestões de mudança na formatação administrativa e as prováveis ações capazes de aperfeiçoar o serviço prestado à população, assim como foram expostas duas boas-práticas na Administração Pública em que o aumento da autonomia conduziu a uma melhora e o aprimoramento do processo de eficiência gestacional.
Palavras-chave: Autonomia administrativa e financeira. Polícia Judiciária Civil Estadual.
Abstract: This work has the purpose to present the main difficulties faced by the Civil Judicial Police in achieving its tasks due to lack of financial and administrative autonomy, as well as enable a critical analysis of the problems related to this factor. A study was conducted in the relevant laws to the Judicial Police of 06 (six) federal units, with respect to its financial and administrative autonomy. We tried to offer two suggestions for changes in the administrative formatting and likely actions that can improve the service provided to the population, as was exposed two good practices in Public Administration that increased autonomy led to an improvement and process improvement gestational efficiency.
Keywords: Administrative and Financial Autonomy. State Civil Judicial Police.
Sumário: 1. Introdução. 2. Origem histórica da polícia. 2.1 Origem histórica – contexto mundial. 2.2 Origem histórica da polícia no Brasil. 3. Conceito de Polícia Judiciária Civil. 4. Estrutura administrativa, legislação aplicável e autonomia das polícias judiciárias civis nas unidades federativas. 4.1 Polícia Judiciária do Estado de São Paulo. 4.2. Polícia Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. 4.3 Polícia Judiciária do Estado da Bahia. 4.4 Polícia Judiciária do Distrito Federal. 4.5 Polícia Judiciária do Estado do Ceará. Polícia Judiciária do Estado do Amapá. 5. Dificuldades causadas pela ineficiência financeiro-administrativa. 5.1 Falta de celeridade. 5.2 Centralização burocrática. 5.3 Distanciamento dos problemas cotidianos. 6. Das alternativas e sugestões. 6.1 Quadro ideal – plena autonomia financeiro-administrativa. 6.2 Contrato de Gestão – uma possibilidade viável? 6.2.1 Da possibilidade da celebração de contratos de gestão, ou termos de compromisso, entre a Administração Direta e as Polícias Judiciárias Civis. 6.2.1.1 Da forma como a autonomia poderia ser exercida. 6.2.1.2 Das metas a serem cumpridas pela Polícia Judiciária Civil. 6.2.1.3 Do controle dos resultados. 7. Boas Práticas – experiências brasileiras. 7.1 Secretaria de Educação do Distrito Federal – termo de compromisso de gestão escolar. 7.2 Dos 100 dias de contrato de gestão firmados pelo Estado do Mato Grosso. 8. Conclusão. 9. Referências.
1 – INTRODUÇÃO
Passados mais 25 anos da promulgação da Carta Magna ainda discute-se os mesmos temas, como se andássemos em círculos. O aumento da criminalidade não é um fenômeno explicável apenas pelas falhas nas instituições de segurança pública, pois antes de tudo é multifacetado, possuindo em seu âmago diversos fatores influenciadores, sendo demasiado simplista associá-lo tão somente a esse fator.
No entanto, as instituições de segurança pública precisam assumir parcela de sua responsabilidade, seja limitando-a ao seu verdadeiro métier, seja modificando o que se faz necessário, sob pena de pessoas e instituições que não conhecem as minúcias do trabalho policial acabar forçando um modelo totalmente inadequado que um pouco mais a frente tornar-se-á obsoleto.
Diante de tantos acontecimentos no âmbito da segurança pública do país, sobretudo o aumento vertiginoso da criminalidade, assim como a crescente sensação de insegurança e notícias de sucateamento das instituições de segurança pública em várias unidades federativas, não há como negar que alguma mudança se faz necessária.
O grande desafio, no entanto, é compreender o exato alcance dessas mudanças, pois em uma sociedade democrática como a brasileira, diversas ideias surgem de também diversos setores, cada um defendendo seus interesses e pontos de vistas respectivos.
Os agentes de segurança pública, nomeadamente os policiais, como todos, estão inseridos no organismo social e sofrem as pressões de nossa sociedade imediatista, sempre à procura por resultados eficientes e eficazes a curto prazo contra problemas historicamente complexos.
Nesse contexto, encontra-se o problema da falta de autonomia administrativa e financeira das Polícias Judiciárias Civis, órgãos com tratamento constitucional responsáveis pela apuração das infrações penais (exceto as militares e de competência da União), assim, de indelével importância para a pacificação social.
Há muito se procura dar mais eficiência ao serviço policial, e diversos fatores podem influenciar em um resultado positivo, entretanto, um fator preponderante, sem dúvida, perpassa pela falta de estrutura física, de pessoal, além do entrave burocrático enfrentado pelos órgãos da Polícia Judiciária Estadual, fator este diretamente relacionado com a impossibilidade de, verdadeiramente, este órgão ser gerido administrativa e financeiramente por gestores que conhecem as idiossincrasias diárias enfrentadas no serviço policial.
Assim, dentre as tantas dificuldades que permeiam a Segurança Pública, no que concerne ao âmbito da Polícia Judiciária Civil, nota-se que a falta de liberdade para se autogerenciar financeira e administrativamente impede muitos avanços.
A principal questão a ser discutida é se a ingerência por parte de setores do Poder Executivo Estadual, inserido as Secretarias de Segurança Pública, burocratizam tomada de decisões simples que poderiam otimizar o serviço fornecido à população.
Para tanto, após pesquisa das origens históricas no contexto brasileiro e do tratamento legal dado à polícia nesse período, verificou-se a estrutura administrativa e a autonomia das Polícias Judiciárias nas unidades federativas, salientando as principais dificuldades existentes, pretende-se responder a respectiva questão.
Assim, como não poderia deixar de ser, este trabalho propõe sugestões de aperfeiçoamento gerencial às Polícias Judiciárias Civis.
Para isso, com base em pesquisas bibliográficas, bem como na análise de órgãos que passaram a ter uma maior autonomia e, por conseguinte, uma melhoria significativa na prestação de seus serviços, são apresentadas duas sugestões para o alcance da almejada eficiência, princípio constitucionalmente previsto.
O desígnio maior deste trabalho é associar o estudo teórico à prática, pois há necessidade premente de mudança e aprimoramento do serviço policial. Acredita-se que nenhum estudo acadêmico tem razão de ser senão a transformação efetiva do que se julga equivocado e carente de melhoria.
O Brasil é o quinto maior pais do mundo em extensão territorial,[1] motivo pelo qual, naturalmente, é dotado de muitas diferenças regionais, o que torna o estudo científico de determinada matéria bastante dificultoso.
Assim, o presente trabalho não tem pretensão em esgotar o tema aqui proposto, até mesmo pela complexidade que lhe é inerente e as limitações de pesquisa.
Desse modo, selecionou-se seis unidades federativas para terem sua legislação objeto de estudo. No entanto, tal seleção não ocorreu ao mero acaso, mas sim em razão da expressividade da população de suas capitais, pois os estados que possuem as cinco maiores capitais em número de habitantes (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília – DF e Fortaleza) e ainda o Estado do Amapá, tiveram suas legislações, no que refere ao tratamento às suas Polícias Judiciárias, comparadas.
Por fim, buscou-se casos recentes de outorga de maior liberdade gerencial aos gestores públicos locais, evidenciado suas características e resultados, inclusive com entrevista com uma profissional participante deste processo (ANEXO I).
2 – ORIGEM HISTÓRICA DA POLÍCIA
Para que se compreenda o presente é necessário entender o passado, desse modo, é salutar que se abarque o processo histórico de formatação do atual modelo policial existente, perpassando por todo o contexto histórico brasileiro, principalmente, assim como pequenas notas para que se tenha uma visão geral do histórico mundial sobre a instituição policial.
2.1 – Origem Histórica – Contexto mundial
No contexto mundial a origem da polícia se confunde com a própria existência do Estado organizado, vez que em qualquer sociedade com o mínimo de coordenação se faz necessário alguns mecanismos para se assegurar seja o status quo, seja para manter o que foi legal e legitimamente definido como regra geral a ser obedecida por todos os cidadãos.
Em síntese elaborada, o Gilberto Gasparetto assevera que:
“A palavra "polícia" tem origem no termo grego polites, de onde vêm também as palavras "política" e "polidez". Na Grécia Antiga, a pólis era a cidade-Estado e as mais poderosas e famosas eram Esparta, Atenas, Corinto e Tebas. Os gregos chamavam de polites o cidadão que participava das tarefas administrativas, políticas e militares da pólis.
A história da polícia como a conhecemos hoje é, no entanto, relativamente recente, não remontando além do século 17, quando o rei francês Luís 14 cria a figura do tenente-general de polícia em Paris, no ano de 1665.
Porém, é a Inglaterra, na primeira metade do século 19, que estabelece o modelo das polícias modernas, quando o duque de Wellington força o governo a criar um órgão de força interna para evitar a utilização do Exército na repressão das revoltas sociais.
Desde então, a polícia tornou-se parte do Estado-nação moderno, voltada para manter a ordem interna dos países que a constituíram. A polícia, assim, é hoje uma instituição fundamental para manter a incolumidade das pessoas, do patrimônio e da ordem pública na sociedade moderna.” [2]
Já a eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nos ensina que durante a Idade Média, mais precisamente no período feudal, o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politiae e que designava tudo que considerava conveniente para a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa, própria de autoridades eclesiásticas.[3]
Em um período no século XV, o jus politiae vai designar, na Alemanha, toda a atividade do Estado, com poderes amplos em relação ao que dispunha o príncipe, pois tinha ingerência na vida privada dos cidadãos, nela compreendida a vida religiosa e espiritual, a pretexto de alcançar a segurança e o bem estar coletivo. Em um momento posterior esse direito de polícia foi se enfraquecendo, sofrendo restrições religiosas, militares e financeiras, até a limitar-se apenas às normas relativas à atividade interna da Administração.[4]
Finalizando seu pensamento, a renomada professora assevera que “Com o Estado de Direito, inaugura-se nova fase em que já não se aceita a ideia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do Estado de Direito é precisamente a legalidade […]” [5]
2.2 – Origem Histórica da Polícia no Brasil
Inexoravelmente, a polícia brasileira tem seu marco inicial a partir da chegada dos portugueses em solo brasileiro, quando do início do processo de colonização, perpassando pela dominação dos colonizadores tanto sobre os índios quanto sobre os escravos trazidos do continente africano, assim, impossível dissociar a origem das instituições policiais da herança autoritária, escravocrata e clientelista, pois se confunde com a própria história brasileira. [6]
De acordo com parte dos pesquisadores, lastreado também em documentos existentes no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a instituição policial brasileira data de 1530, coincidindo com a chegada de Martin Afonso de Souza, 1º Governador Geral da Colônia, no início do século XVI. [7]
De acordo com o período histórico e modelo político então vigente, se consegue apontar as características da instituição policial brasileira. No período imperial destaca-se com marco importante a criação da Guarda Real de Polícia, que guarda significativo vínculo com as Polícias Militares do Brasil.
Esta instituição foi criada em 1809 e organizada militarmente, tinha como função a manutenção da ordem, subordinada à Intendência-Geral de Polícia da Corte. A Guarda Real não tinha orçamento próprio e se mantinha de taxas públicas, empréstimos privados e subvenções de comerciantes locais. Suas técnicas baseavam-se primordialmente na violência e truculência, conforme assevera HOLLOWAY. [8]
Em pouco tempo, devido à sua ineficácia de conter as crises da época, a Guarda Real foi extinta, sendo seus oficiais redistribuídos no Exército e seus praças dispensados. Entretanto, em seu lugar aparece o Corpo de Guardas Municipais Permanente. Em 1866 o Corpo ganhou nome de Corpo Militar de Polícia da Corte e, em 1920, recebeu a designação de Polícia Militar. [9]
Já a Polícia Judiciária Civil tem sua origem histórica vinculada à Intendência Geral de Polícia da Corte, criada no século XIX, tendo como função o Abastecimento da então Capital – Rio de Janeiro, manutenção da Ordem Pública e investigação dos crimes cometidos.[10]
O Intendente-geral era o chefe máximo da instituição e detinha amplos poderes, ostentava o cargo de desembargador e podia prender, investigar e julgar, em um verdadeiro sistema inquisitivo de persecução penal. [11]
Após o período imperial surge a Primeira República – 1889 – 1930, marcada pela abolição da escravatura, êxodo da população rural ex-escrava para as cidades, falta de empregos e outras mazelas sociais enfrentadas até a presente data. Assim, o papel da polícia refletia a legislação penal da época, marcada pelo direito penal do autor, punindo condutas tais como a vadiagem, prostituição, embriaguez, capoeira, tudo isso com vistas a tentar efetuar um controle social da camada menos favorecida da população, notadamente os negros.[12]
Já a era Vargas – 1930 – 1945, apresentou uma forte concentração de poder nas mãos do Presidente da República, com seu ápice na Constituição de 1937, transformando judeus, comunistas, dissidentes políticos, entre outros, em inimigos do Estado, os quais deveriam ser controlados, assim como a classe pobre e trabalhadora, considerada perigosa.
Para alcançar seus objetivos, Vargas ampliou os poderes do Chefe de Polícia, que suplantava até mesmo a estrutura do Ministério da Justiça, diversos Delegados foram exonerados e pessoas da mais íntima confiança de Vargas assumiram esses cargos.
Consubstanciado no estudo do iminente autor FAORO [13], a política repressiva de Getúlio Vargas tinha como fundamento o tripé: polícia política, legislação penal rigorosa e Tribunal de Segurança Nacional. Importante instrumento legislativo para entender este período foi o Decreto 24.531, datado de 02/07/1934 [14], que materializa a reforma no aparelho estatal repressor acima citado.
Em 1964 inicia-se a fase mais obscura e cruel da polícia brasileira, com o advento do Regime Militar que durou até meados de 1985. Fase esta caracterizada pela repressão policial, supressão de remédios constitucionais, fechamento do Congresso Nacional, ampliação do poder das Forças Armadas, sobretudo do Exército, que passou a ter o domínio das Polícias Militares, tidas como força de reserva auxiliar do Exército, com a criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares, que detinha o controle sobre o efetivo, armamento, formação e ideologia destas instituições. [15]
Além da subordinação das Polícias Estaduais, as Forças Armadas também passaram a controlar em 1967 as Guardas Civis. Por fim, a Lei de Segurança Nacional tipificou diversas condutas consideradas subversivas, infelizmente em vigor até a presente data.
Depois do período negro da ditadura militar, marcado por prisões políticas, exílios, torturas, homicídios, em 1985 se inicia o processo de redemocratização brasileiro, com a instauração da Assembleia Nacional Constituinte (1987) e em seguida a promulgação da Constituição Cidadã, apoiada em valores supremos humanistas, reconhecidos mundialmente e estatuídos em diplomas normativos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto São José da Costa Rica – Convenção Americana dos Direitos do Homem (1969), só para citar alguns dos mais importantes. [16]
Princípios indeléveis foram positivados, como Dignidade da Pessoa Humana, Presunção de Inocência, inafastabilidade do Poder Judiciário, inexoravelmente marcando uma nova era na estrutura da polícia brasileira, na medida que tenta e deve se adequar aos novos ditames constitucionais.
Como consequência do longo processo de recrudescimento do aparelho policial, que durante boa parte do processo histórico brasileiro serviu apenas para a manutenção e atendimento das diretrizes do governante que estava no poder, devido a seus abusos, diversos poderes foram retirados das instituições policiais, além de muitos mecanismos de investigação foram judicializados, apenas a título de exemplo o Mandado de Busca e Apreensão, Prisão Temporária – antiga prisão para averiguação, entre outros.
O Ministério Público também assume importante papel no controle externo das polícias, fiscalizando os abusos e o atendimento de suas finalidades precípuas.
Entretanto, as Polícias Militares Estaduais ainda são mantidas como Força Auxiliar de Reserva do Exército, permanece o Poder dos Governadores de nomear tanto os Comandantes-Gerais das PM’s quanto os Chefes de Polícia ou Delegados-Gerais da Polícia Civil, as polícias, a exemplo a extinta Guarda Real Militar, em 1809, continuam sem autonomia financeira, dependendo das vicissitudes políticas para atender suas finalidades.
As ingerências políticas na polícia ainda são gritantes e, portanto, dissonantes com da nova ordem constitucional. Apesar de a partir da Constituição Federal de 1988 viger a obrigatoriedade do concurso público para as carreiras policiais, é inegável que a falta de autonomia das instituições policiais contribui, muitas vezes, para um aparelho policial sucateado, impossibilitando-as, assim, de atender suas finalidades e, por consequência, aos anseios sociais.[17]
Desse modo, acredita-se que muitos dos problemas ainda hoje enfrentados pelas polícias, nesse momento nomeadamente pela Polícia Judiciária Civil, seja causado pela ausência de real autonomia financeira, vinculada a mecanismos de consecução de objetivos claros, conforme se verá adiante.
3 – CONCEITO DE POLÍCIA E A POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL
Faz-se necessário salientar que o conceito de polícia se molda conforme o contexto histórico, cultural, socioeconômico e até religioso vigente, pois cada recorte na história nos apresenta características próprias de modelos policiais então existentes.
Assim, ao cunhar o conceito de polícia, procura-se evidenciar suas principais características. Nesse sentido, compreende-se como polícia uma organização administrativa que tem por atribuição impor limitações à liberdade na exata medida necessária à salvaguarda e manutenção da ordem pública, conceito este apontado pelo ilustre autor LAZZARINI. [18]
Conforme salientado no capítulo anterior, a Polícia Judiciária Civil tem sua origem histórica na Intendência-Geral de Polícia da Corte, instituição criada no século XIX com finalidade de manutenção da ordem (hoje atribuída diretamente às Polícias Militares, mas com reflexos indiretos no trabalho das Polícias Judiciárias Civis), e de investigação.
O Intendente-Geral era o chefe da instituição e cumulava funções hoje atribuídas à Magistratura e às Polícias, em um claro sistema processual penal inquisitivo, no qual uma só pessoa tem a função de investigar, acusar, defender, julgar e condenar, que levava, obviamente, a muitas injustiças, vez que não havia imparcialidade necessária nessa acumulação de funções. [19]
Hodiernamente, apesar de algumas poucas influências de tal sistema, a Carga Magna cunhou o sistema acusatório, com clara separação nas figuras dos responsáveis pela investigação (Polícia Judiciária Civil – Federal e Estadual, comumente), acusação (Ministério Público), Defesa (Advogados e Defensores Públicos) e Julgamento (Magistratura, comumente).
Nesse sentido, à Polícia Judiciária Civil, consubstanciado nos termos do Art. 144, § 4º, da CF/88, “… incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, exceto as militares.” [20]
Assim, tem-se que às Polícias Civis, de maneira geral, cabem duas atribuições, a primeira é autuar como polícia judiciária, ou seja, auxiliar o Poder Judiciário no cumprimento de suas funções, atendendo requisições judiciais, tais como cumprimento de mandados de prisão, prestação de informações sobre inquéritos findos e em andamento, etc. Enquanto a segunda função, talvez a mais significativa, é a apuração de infrações penais (exceto as militares, crimes políticos, ocupantes de alguns cargos com prerrogativa de fórum, etc.).
Para tanto, apesar de ter índole eminentemente administrativa, a Polícia Judiciária Civil tem suas atribuições estatuídas diretamente na Constituição Federal e nas legislações penais e processuais penais existentes – ai abrangido o Código Penal, Processual Penal e demais legislações extravagantes, em um modelo de microssistemas.
Há, então, um arcabouço enorme de funções que devem ser desempenhadas a contento pelas Polícias Civis, eis que a tarefa constitucionalmente atribuída de investigar as infrações penais é por demais dispendiosa, ainda mais em um Estado tendente a criminalizar condutas que poderiam facilmente ser coibidas por medidas outras que não o direito penal.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, no ano de 2013 foram registrados 53.646 mortes violentas, 50.320 estupros no Brasil. [21] Some-se a isso o fato de tais casos representarem uma quantidade mínima de crimes, já que a legislação brasileira tipifica cada vez mais condutas, além de haver ainda os casos de condutas criminosas não contabilizadas, chamadas de “Cifras Negras” (dark number ou ciffre noir), ainda mais destoante no Brasil, que engatinha na implementação de um sistema que seja capaz de integrar as informações de todas as unidades federativas que possui.
Assim, apesar de a Polícia Judiciária ter diversas atribuições constitucional e legalmente estabelecidas, com características próprias e função precípua de órgão de Estado, é um órgão vinculado às Secretarias de Segurança Pública que, por sua vez, são subordinadas aos Governadores estaduais.
Em todas as Constituições Estaduais há sucinto disciplinamento de órgão tão relevante e há poucas legislações que regimentam as Polícias Judiciárias Civis em que há previsão de autonomia administrativa e financeira. E mesmo assim quando há respectiva previsão, ela não é respeitada, mas em sentido oposto é atravancada pela burocracia, em um sistema centralizado e ineficaz, incapaz, por conseguinte, de otimizar os recursos financeiros destinados, conforme se verifica a seguir do estudo da estrutura administrativa e autonomia financeira das Polícias Judiciárias Civis nas unidades federativas pátrias.
4 – ESTRUTURA ADMINISTRATIVA, LEGISLAÇÃO APLICÁVEL E AUTONOMIA DAS POLÍCIAS JUDICÁRIAS CIVIS NAS UNIDADES FEDERATIVAS BRASILEIRAS
Ante a existência de muitas Unidades na Federação brasileira, um estudo detido sobre as legislações aplicáveis a cada uma delas tornar-se-ia demasiado extenso e fugiria ao objeto deste estudo, motivo pelo qual se decidiu por realizar um estudo de acordo com a legislação dos Estados das 5 (cinco) maiores capitais brasileiras em relação à sua população, e ainda o Estado do Amapá, o que de certa forma representa bem o contexto nacional.
De acordo com pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE e ainda conforme estimativas de 2014, as 5 (cinco) capitais mais populosas do país são: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília (apesar de não ser capital de Estado) e Fortaleza. [22]
Desse modo, abaixo transcreve-se, com destaque, os principais trechos das legislações destas seis unidades federativas, a fim de realizar uma análise por amostragem da estrutura administrativo-financeira e disciplinamento legal da Polícia Judiciária Civil.
Primeiramente realizou-se uma pesquisa simplesmente descritiva e logo em seguida uma análise crítica.
4.1 – Polícia Judiciária Civil do Estado de São Paulo
A Constituição do Estado de São Paulo assim disciplina sobre a Polícia Judiciária Civil: [23]
“Da Segurança Pública
SEÇÃO I
Disposições Gerais
Artigo 139 – A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio.
§ 1º – O Estado manterá a Segurança Pública por meio de sua polícia, subordinada ao Governador do Estado.
§ 2º – A polícia do Estado será integrada pela Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. § 3º – A Polícia Militar, integrada pelo Corpo de Bombeiros, é força auxiliar, reserva do Exército.
SEÇÃO II
Da Polícia Civil
Artigo 140 – À Polícia Civil, órgão permanente, dirigida por delegados de polícia de carreira, bacharéis em Direito, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 1º – O Delegado Geral da Polícia Civil, integrante da última classe da carreira, será nomeado pelo Governador do Estado e deverá fazer declaração pública de bens no ato da posse e da sua exoneração.
§ 2º – No desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura de ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.
§ 3º – Aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária. (…)
§ 7º – Lei orgânica e estatuto disciplinarão a organização, o funcionamento, os direitos, deveres, vantagens e regime de trabalho da Polícia Civil e de seus integrantes, servidores especiais, assegurado na estruturação das carreiras o mesmo tratamento dispensado, para efeito de escalonamento e promoção, aos delegados de polícia, respeitadas as leis federais concernentes.”
Já a Lei Complementar Estadual n.º 207/1979 – Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, assim estatui: [24]
“Artigo 1.º – A Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública responsável pela manutenção, em todo o Estado, da ordem e da segurança pública internas, executará o serviço policial por intermédio dos órgãos policiais que a integram.
Parágrafo único – Abrange o serviço policial a prevenção e investigação criminais, o policiamento ostensivo, o trânsito e a proteção em casos de calamidade pública, incêndio e salvamento.
Artigo 2.º – São órgãos policiais, subordinados hierárquica, administrativa e funcionalmente ao Secretário da Segurança Pública:
I – Polícia Civil;
II – Polícia Militar”
4.2 – Polícia Judiciária Civil do Estado do Rio De Janeiro
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro trata a Segurança Pública da seguinte maneira: [25]
“DA SEGURANÇA PÚBLICA
CAPÍTULO ÚNICO (arts. 183 a 191)
Art. 183 – A segurança pública, que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, pelos seguintes órgãos estaduais:
* STF – ADIN – 236-8/600, de 1990 – “Por maioria de votos, o Tribunal JULGOU PROCEDENTE a ação, para declarar a inconstitucionalidade das expressões "que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais" e do inciso II, todos do art. 180 (atual 183) da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, vencidos os Ministros marco Aurélio, Paulo Brossard, Moreira Alves e Presidente, que a declaravam improcedente”. – Plenário, 07.05.1992 Publicada no D.J. Seção I de 15.05.92. – Acórdão, DJ 01.06.2001.
I – Polícia Civil;
II – Polícia Penitenciária;
III – Polícia Militar;
IV – Corpo de Bombeiros Militar.
§ 1º – Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”
A Lei Ordinária Estadual n. º 3586/2001 do Estado do Rio de Janeiro [26], que disciplina a Polícia Judiciária Civil daquele Estado, é silente sobre subordinação e hierárquica ao Governador do Estado, muito embora esta hierarquia advenha da própria Constituição Federal e da estrutura administrativa presente em todos as unidades federativas, não mencionando também qualquer autonomia administrativa ou financeira.
4.3 – Polícia Judiciária Civil do Estado da Bahia
O texto maior da Unidade Federativa da Bahia, quando trata da Segurança Pública estadual assevera que: [27]
“Art. 146 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
§ 1º – Lei disciplinará a organização e funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública cujas atividades serão concentradas num único órgão de administração, a nível de Secretaria de Estado, de modo a garantir sua eficiência. […]
Art. 147 – À Polícia Civil, dirigida por Delegado de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Parágrafo único – O cargo de Delegado, privativo de bacharel em direito, será estruturado em carreira, dependendo a investidura de concurso de provas e títulos, com a participação do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.”
Disciplinando melhor a matéria, a Lei Ordinária Estadual n. 11.370/09 do Estado da Bahia – Lei Orgânica da Polícia Civil,[28] em interessante previsão, prevê que:
“Art. 1º – Esta Lei organiza a Polícia Civil do Estado da Bahia, define a sua finalidade e competências das unidades e órgãos que a compõem, dispondo sobre a carreira de Delegado de Polícia Civil e demais carreiras da Polícia Civil do Estado da Bahia.
Art. 2º – A Polícia Civil do Estado da Bahia, unidade integrante da estrutura da Secretaria da Segurança Pública, passa a ser órgão em Regime Especial de Administração Direta, subordinada à referida Secretaria, tendo sua organização, estrutura, competências, normas de funcionamento e atividades funcionais de seus membros estabelecidas em ato regulamentar próprio, aprovado mediante decreto do Governador do Estado e sua supervisão e controle far-se-ão pelas disposições previstas no art. 4º, da Lei nº. 2.321, de 11 de abril de 1966. […]
Art. 27 – Ao Departamento de Planejamento, Administração e Finanças, que tem por finalidade a execução das atividades de administração geral, modernização administrativa, planejamento, orçamento e finanças da Polícia Civil, em articulação com a Diretoria Geral da SSP e com os sistemas formalmente instituídos, compete: […]
VIII – executar as atividades de programação, orçamentação, acompanhamento, avaliação, estudos e análises, no âmbito da Polícia Civil, em estreita articulação com a Diretoria Geral da SSP e as unidades centrais do Sistema Estadual de Planejamento;
IX – planejar, desenvolver, monitorar e coordenar a execução de atividades de administração financeira e contábil, em estreita articulação com a Diretoria Geral da SSP e as unidades centrais do Sistema Financeiro e de Contabilidade do Estado.”
O art. 4º, da Lei n º. 2.321, de 11 de abril de 1966 [29], assim disciplina:
“Art. 4º – Considera-se órgão em regime especial de administração centralizada aquele que tenha, definidas em lei, pelo menos, as seguintes características:
I – custeio da execução de seus programas por dotações globais consignadas no orçamento do Estado;
II – faculdade de contratar pessoal temporário, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, e praticar os atos de administração a ele relativos;
III – manutenção de contabilidade própria.
§ 1º – O pessoal permanente perceberá pela consignação específica do Orçamento Geral do Estado.
§ 2º – Anualmente, o Governador aprovará, mediante decreto, plano de aplicação por elementos e por programas, inclusive a despesa com pessoal temporário prevista no inciso II deste artigo.”
4.4 – Polícia Judiciária Civil do Distrito Federal
Por expressa previsão constitucional, o Distrito Federal rege-se por Lei Orgânica e não por Constituição, tal legislação tem o mesmo status das Constituições Estaduais e assim institui a Segurança Pública: [30]
“Art. 119. À Polícia Civil, órgão permanente dirigido por delegado de polícia de carreira, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 1º São princípios institucionais da Polícia Civil a unidade, indivisibilidade, autonomia funcional, legalidade, moralidade, impessoalidade, hierarquia funcional, disciplina, unidade de doutrina e de procedimentos.
NOVA REDAÇÃO DADA AO § 1º DO ART. 119 PELA EMENDA À LEI ORGÂNICA DO DF Nº 80, DE 31/07/14 – DODF DE 12/08/14.
§ 1º São princípios institucionais da Polícia Civil unidade, indivisibilidade, legalidade, moralidade, impessoalidade, hierarquia funcional, disciplina e unidade de doutrina e de procedimentos.
§ 4º Aos integrantes da categoria de delegado de polícia é garantida independência funcional no exercício das atribuições de Polícia Judiciária.
§ 5º Os Institutos de Criminalística, de Medicina Legal e de Identificação compõem a estrutura administrativa da Polícia Civil, devendo seus dirigentes ser escolhidos entre os integrantes do quadro funcional do respectivo instituto.
§ 6º A função de policial civil é considerada técnica.
§ 7º O ingresso na carreira de policial civil do Distrito Federal é feito na forma da lei.
§ 8º As atividades desenvolvidas nos Institutos de Criminalística, de Medicina Legal e de Identificação são considerados de natureza técnico-científica.
§ 9º Aos integrantes das categorias de perito criminal, médico legista e datiloscopista policial é garantida a independência funcional na elaboração de laudos periciais.(NOVA REDAÇÃO DADA AO § 9º DO ART 119 – EMENDA A LEI ORGÂNICA Nº 34, DE 28 DE AGOSTO DE 2001, PUBLICADA NO DODF DE 14/09/01.)
§ 9º Aos integrantes das categorias de perito criminal, médico legista e perito papiloscopista é garantida a independência funcional na elaboração dos laudos periciais.” [31]
A Lei Ordinária Federal n 9.264/1996 nada disciplina acerca da independência funcional ou financeira da Polícia Civil do Distrito Federal.
O Regimento Interno da Polícia Civil Do Distrito Federal – Decreto 30.490/09 [32], norma infralegal por ato do Delegado-Geral, em estranha previsão determina que:
“Art.1o. A Polícia Civil do Distrito Federal, instituição permanente da administração direta, essencial à função jurisdicional e vinculada ao Gabinete do Governador do Distrito Federal, é dirigida por delegado de polícia de carreira e tem relativa autonomia administrativa e financeira.
Art.2o. A Polícia Civil do Distrito Federal tem como missão institucional promover, integrada às instituições congêneres, a segurança pública, visando à preservação da ordem pública e à incolumidade das pessoas, por meio da apuração de delitos, da elaboração de procedimentos formais destinados à ação penal e da adoção de ações técnico-policiais, com a preservação dos direitos e garantias individuais.
Seção III – Dos princípios institucionais
Art.3o. São princípios institucionais da Polícia Civil do Distrito Federal a hierarquia, a disciplina, a unidade, a indivisibilidade, a autonomia funcional, a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a participação comunitária e a unidade de doutrina e de procedimentos.”
4.5 – Polícia Judiciária Civil do Estado do Ceará
A Carta Política do Estado do Ceará coloca a Segurança Pública do estado nos seguintes termos: [33]
“DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA DEFESA CIVIL
Seção I
Disposições Gerais
art. 178. A segurança pública e a defesa civil são cumpridas pelo Estado do Ceará para proveito geral, com responsabilidade cívica de todos na preservação da ordem coletiva, e com direito que a cada pessoa assiste de receber legítima proteção para sua incolumidade e socorro, em casos de infortúnio ou de calamidade, e garantia ao patrimônio público ou privado e à tranquilidade geral da sociedade, mediante sistema assim constituído:
i – Polícia Civil; e […]
art. 183. A Polícia Civil, instituição permanente orientada com base na hierarquia e disciplina, subordinada ao Governador do Estado, é organizada em carreira, sendo os órgãos de sua atividade fim dirigidos por delegados.
*Redação dada pela Emenda Constitucional no 28/97, de 30 de abril 1997 – D.O. de 9.5.1997.
*Redação anterior: Art. 183. Polícia Civil, instituição permanente orientada com base na hierarquia e na disciplina, com direta subordinação ao Governador do Estado, é organizada em carreira, sendo os ór- gãos que a integram dirigidos por delegados, exceto os órgãos da área técnico-científica e de magistério da Polícia Civil que serão dirigidos, privativamente, por profissionais da respectiva área, subordinados diretamente ao Secretário de Segurança.”
A Lei Ordinária Estadual n. 12.124/93 – Estatuto Dos Policiais Civil Do Estado Do Ceará prevê apenas que: [34]
“Art. 1º – A Polícia Civil, Instituição Permanente, integrante do Sistema Estadual de Segurança Pública, essencial à justiça Criminal, à preservação da Ordem Pública e à incolumidade das pessoas e do patrimônio, tem sua organização, funcionamento e estatuto, estabelecidos por esta lei.”
4.6 – Polícia Judiciária Civil do Estado do Amapá
Por fim, a Constituição do Estado do Amapá, inovando na organização da Polícia Judiciária Civil Estadual, tem a seguinte redação: [35]
“Da Segurança Pública
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 75. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercidas para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos, subordinados ao Governador do Estado:
I – Polícia Civil;
[…]
CAPÍTULO II
Da Polícia Civil
Art. 79. À polícia civil, instituição permanente, com autonomia administrativa e financeira, orientada com base na hierarquia, disciplina e respeito aos direitos humanos, dirigida por delegado de polícia de carreira da classe especial, de livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, incumbe, ressalvada a competência da União, exercer com exclusividade, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (EC no 35/2006)
§ 1o O titular da polícia civil será nomeado pelo Governador do Estado dentre os delegados integrantes da classe especial da carreira. (EC no 35/2006)
§ 2o Os delegados de polícia de carreira, bacharéis em direito, aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, serão remunerados na forma do § 9o do art. 144 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes as vedações referidas no inciso II do art. 148 desta Constituição. (EC no 35/2006)
§ 3o Os Delegados de Polícia do Estado integrarão a Carreira Jurídica do Poder Executivo do Amapá. (EC no 35/2006)”
Da mesma maneira, prevendo a autonomia financeira e administrativa da Polícia Judiciária civil, a Lei Ordinária Estadual n.º 0883/2005 – Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado do Amapá, também tem a seguinte previsão: [36]
Art. 1o. Esta Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado do Amapá define sua competência, estrutura e o funcionamento de seus órgãos, bem como as carreiras e o regime jurídico dos servidores policiais civis, regula o provimento e a vacância de cargos, fixa os direitos, vantagens e deveres, critérios de progressão, promoção e remoção e dispõe sobre o processo disciplinar, nos termos do disposto nos artigos 76 e 80 da Constituição do Estado.
§ 1o. Policial Civil é a pessoa legalmente investida de cargo público do Grupo Polícia Civil, em provimento efetivo, com denominação, função e subsídio próprio e número certo.
§ 2o. É proibida a prestação de serviços gratuitos à Polícia Civil.
Art. 2o. A Polícia Civil, órgão autônomo, permanente e essencial à administração da Justiça Criminal, orientada com base nos princípios da hierarquia, disciplina, legalidade, unidade, ética e respeito aos direitos humanos, integrante do Sistema de Segurança Pública do Estado do Amapá, vinculada operacionalmente a Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária estadual e a apuração das infrações penais, exceto as estritamente militares.
§ 1o. À Delegacia Geral de Polícia Civil – DGPC é assegurada independência e plena autonomia administrativa e financeira.
§ 2o. O cargo de Delegado Geral de Polícia Civil, de livre escolha, nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, será exercido por Delegado de Polícia Civil, integrante da Carreira dentre os integrantes da Classe Especial.
§ 3o. O Delegado Geral de Polícia Civil integrará o Comitê de Desenvolvimento da Defesa Social, como representante da Polícia Civil.”
O objetivo de trazer a este trabalho diplomas normativos de variadas unidades federativas sobre sua disciplina ao órgão Polícia Judiciária Civil, é demonstrar de forma cristalina o que se considera pontos de acertos e equívocos na tratativa constitucional e infraconstitucional.
Assim, cumpre fazer alguns apontamentos julgados relevantes:
É possível perceber que segundo as respectivas legislações dos Estados que foram analisados, a Polícia Judiciária é subordinada ao Governador do Estado, na maioria dos estados esta subordinação é indireta, vez que este órgão não se reporta diretamente ao chefe do Poder Executivo estadual e sim aos Secretários de Segurança Pública.
Temos algumas tentativas de outorgar maior autonomia financeira e administrativa em algumas constituições e leis estaduais. Percebemos este intento na Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado da Bahia, quando classifica a Polícia Civil como “órgão em regime especial”, dando a entender maior liberdade gerencial, no entanto, em seguida, no mesmo artigo de lei, subordina a Polícia Judiciária à Secretaria de Segurança Pública, como em vários estados brasileiros.
Acredita-se que a nomenclatura de “órgão em regime especial”, talvez, tenha sido aproximar o órgão da Polícia Judiciária das chamadas Autarquias em regime especial, como as Agências Reguladoras, ou então das Agências Executivas, as quais celebram um contrato de gestão, passando a gozar de maiores privilégios e autonomia. Mas tanto uma quanto a outra tem natureza jurídica de entidade, ou seja, são dotadas de personalidade jurídica, diferentemente do que ocorre com um órgão.
Ressalta-se que as autarquias não são subordinadas ao Ministério ou Secretaria de Estado, apenas têm suas finalidades supervisionadas pela Administração Direta, assim, no mínimo estranho a previsão de órgão em regime especial ao mesmo tempo que diz que ta o órgão é subordinado à Secretaria de Segurança Pública, ao que se acredita tratar-se da velha prática na qual dá com uma mão e retira-se com a outra.
Todavia, é salutar esta previsão, ao menos como objetivo a ser alcançado ao longo do tempo, além do reconhecimento por parte do Estado que a autonomia possibilita uma maior eficiência por parte de seus órgãos. Importante ponto a ser destacado, é a possibilidade de a Polícia Judiciária do Estado da Bahia poder contratar diretamente pessoal temporário pelo regime celetista, além de ter contabilidade própria, nos termos da Lei estadual n º. 2.321/1966.
Outro apontamento sobrepujante é o fato de que a Lei Orgânica do Distrito Federal, que tem status de Constituição Estadual, foi reformada para retirar a autonomia funcional da Polícia Judiciária Civil Distrital, colocando em seu lugar apenas independência funcional nos exercícios de suas atribuições aos Delegados, Peritos e Papiloscopistas. É muito diferente a autonomia funcional, ligada ao exercício de atribuições do servidor, de autonomia financeira e administrativa do órgão, vez que esta última é muita mais ampla e abrange toda a estrutura administrativa.
Ainda houve uma tentativa de difícil assimilação por parte de um Decreto por ato o Delegado-Geral de Polícia do Distrito Federal, de garantir nas suas exatas palavras “relativa autonomia administrativa e financeira”, em termos conceitualmente excludentes, pois se é relativa não é autonomia.
Igualmente, a Constituição do Estado do Ceará tratava a Polícia Civil com status de Secretaria, vez que era subordinada diretamente ao Governador do Estado, contudo, também foi reformada para suprimir essa subordinação direta.
Assim, nestas duas Unidades Federativas (Distrito Federal e Ceará) houve uma involução na autonomia de suas polícias.
Na vanguarda dos diplomas normativos, encontra-se Polícia Judiciária Civil do Estado do Amapá, eis que tanto sua Constituição Estadual quanto sua Lei Orgânica asseguram “independência e plena autonomia administrativa e financeira”, aproximando tal órgão do disciplinamento dado ao Ministério Público e Defensoria Pública.
Todavia, a prática administrativa nos releva que a autonomia administrativa e financeira é podada pela ingerência da Secretaria de Planejamento do Estado do Amapá – SEPLAN, órgão responsável pela efetuação dos pagamentos dos empenhos. Dessa forma, em diversas ocasiões despesas legalmente empenhadas e liquidadas pelo órgão da Polícia Judiciária não foram pagas no tempo aprazado pela SEPLAN, dificultando a execução orçamentária.
A burocracia faz com que o já pouco orçamento da Polícia Judiciária Estadual não seja executado em sua totalidade, ocasionando o contingenciamento de recursos. Ademais, muito embora tanto a Constituição Estadual quanto a Lei Orgânica prevejam plena autonomia financeira e administrativa à Polícia Civil, este órgão não pode elaborar sua proposta orçamentária, como ocorre com os demais órgãos com autonomia financeira (a exemplo do Ministério Público e Defensoria Pública), tendo como único fator limitador os parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Assim, de fato, nenhum dos órgãos da Polícia Judiciária Estadual acima analisados têm plena autonomia administrativa e financeira, o que causa enormes dificuldades no seu gerenciamento.
5 – DIFICULDADES CAUSADAS PELA INEFICIÊNCIA FINANCEIRO-ADMINISTRATIVA
Ante tantos entraves para garantir autonomia financeira e administrativa às Polícias Judiciárias Civis, surgem diversos fatores influenciadores da ineficácia muitas vezes criticada por variados setores. Dentre as principais dificuldades podemos destacar a falta de celeridade, a centralização burocrática e, por fim, o distanciamento dos tomadores de decisão com os problemas enfrentados no dia-a-dia das Unidades Policiais Civis, conforme nota-se abaixo.
5.1 – Falta de celeridade
A celeridade é princípio constitucionalmente consagrado (Art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88), aplicável no âmbito judicial e administrativo, portanto, juntamente com a eficiência, conduz ao que se almeja do serviço público em sua melhor concepção.
Por outro lado, a necessidade de colheitas de informações rápidas relacionadas ao fato criminoso, com vistas a elucidação eficaz dos crimes objeto de apuração, com o intuito de identificar a autoria e lastrear provas de materialidade dos referidos delitos.
Ademais, o imediatismo e a oportunidade são princípios básicos de investigação criminal, reconhecidos internacionalmente [37] como elementares para a solução rápida e eficaz dos crimes perpetrados.
Todavia, a morosidade dos processos licitatórios, burocratizados pela atual estrutura administrativa das polícias, conduz a tamanha ineficiência que se contrapõe ao que é constitucionalmente previsto como finalidade do serviço público.
Não se quer dizer com isso a aceitação da inobservância dos princípios constitucionais e legais no que tange ao procedimento licitatório, mas em sentido diametralmente oposto, sua aplicabilidade na mais concreta efetivação.
Como visto, em grande parte dos Estados da Federação as Polícias Judiciárias são subordinadas financeira e administrativamente às Secretarias de Segurança Pública e, em muitos casos, também às Secretarias de Planejamento que, além dos órgãos policiais, têm que gerir o orçamento de toda a máquina administrativa do Poder Executivo, em uma centralização irracional que leva, quase que invariavelmente, à ineficiência, pois a urgência das demandas não são atendidas na forma aprazada, gerando uma ineficiência crônica às Polícias Judiciárias Civis.
Na maior parte das Unidades Policiais Civis espalhadas pelo país o quadro é o mesmo, sobretudo no interior dos estados, e até mesmo em capitais, eis que faltam desde materiais de expediente administrativo (a exemplo de papel, cartuchos de impressão, mídias, entre outros), até combustível, viaturas, coletes balísticos, armamentos, etc. [38]
Assim, um ciclo nebuloso se instaurou no sistema administrativo da Polícia Judiciária Civil, onde há um atraso constante no atendimento das demandas, causado seja pela centralização burocrática, seja pelo distanciamento das Secretarias de Estado com os problemas enfrentados.
5.2 – Centralização burocrática
A falta de celeridade e por conseguinte ineficiência no atendimento do serviço público, se dá em diversas ocasiões pela centralização desde as decisões mais simples até as mais complexas, na contramão da chamada “reforma administrativa”.
Sobre o assunto, nos ensina os administrativistas Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que:
“Na última década do século passado, foram promovidas no Brasil diversas alterações constitucionais e legais com o objetivo de implantar entre nós um modelo de “administração gerencial” – o qual, em tese, é fundado, preponderantemente, no princípio da eficiência. Pretendia-se que esse modelo de administração substituísse, ao menos parcialmente, o padrão tradicional da nossa administração, dita ”administração burocrática”, cuja ênfase maior recai sobre o princípio da legalidade.” [39]
O foco maior deste estudo e também o desafio é conseguir harmonizar o princípio da legalidade com a eficiência da prestação do serviço policial da Polícia Judiciária Civil à população.
Acredita-se que alguns mecanismos devem ser criados e outros são subutilizados, ora por desconhecimento dos gestores, ora por comodidade e, por fim, infelizmente, por manifesto desejo político de manter-se um modelo policial subserviente e dependente. Cada um necessitando de uma resposta detida e atenta, que se busca minimizar.
Deste modo, a exemplo da descentralização administrativa desencadeada no país nas últimas décadas, há necessidade da desconcentração atingir novos patamares. Há uma tendência de especialização dos serviços, este intendo deve vir acompanhado dos mecanismos financeiros capazes de fazer valer seu mister.
É sobrepujante a compreensão por parte dos gestores da administração a necessidade de se desburocratizar a máquina pública, simplificando o que é necessário e não criar dificuldades para se vender facilidades.
5.3 – Distanciamento dos problemas cotidianos
Notório, igualmente, que os gestores mais distantes do problema são os que têm o maior poder decisório, até em assuntos simples que causam enormes prejuízos individuais e coletivos.
Apenas a título ilustrativo imagine-se um cidadão vítima de furto que se dirige a uma Unidade Policial Civil com o fim de registrar a notitia criminis do fato delitivo de que foi alvo. Ao chegar no balcão é informado que não será possível porque não há papel, ou porque se há, a impressora está sem cartuchos de impressão, ou ainda devido a uma pane técnica de simples solução o computador não está funcionando.
Insatisfeito, evidentemente, o cidadão volta para sua casa ciente de que a polícia não funciona, o Estado lhe é falho quando mais precisa e, em última análise, o autor do crime ficará impune. Ao comentar o ocorrido com seus amigos e familiares aumenta-se a sensação de insegurança e o descrédito nas ações estatais, que se soma às experiências do restante da população, potencializando a crise na Segurança Pública, que além destes entraves possui diversos outros a serem enfrentados.
Quantitativamente a insatisfação deste cidadão hipotético representa a insatisfação da população brasileira, em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, 33% dos entrevistados declararam que acionaram a polícia para resolverem problemas em que foram vítimas e/ou partícipes, destes, apenas 37% declararam-se muito ou pouco satisfeitos com o serviço por elas prestado. 62% declaram-se insatisfeitos. Mais, apenas 33% dos entrevistados declararam confiar na Polícia. [40]
Problemas simples como o apontado acima, seriam de fácil solução se o gestor daquela unidade policial procurada pelo cidadão da lustração tivesse poder decisório sobre aquisição de materiais de expediente, e outros produtos de simples manutenção. Até mesmo sobre reformas prediais descomplicadas com valores pré-determinados.
É claro que a solução dos problemas da Segurança Pública não é tão simplista assim, mas parcela razoável dos problemas existentes já seriam resolvidos com apenas a otimização dos recursos aplicados, ou seja, sem gasto algum adicional, somente gerindo de forma racional e eficaz o aparelho policial.
As necessidades emergenciais só são sentidas pelo gestor mais próximo do problema, que sofre diretamente a pressão social para solucionar problemas cotidianos potencialmente suportados em grande escala também, os quais parecem de menor importância aos tomadores de decisão de grau hierárquico mais elevado dentro da estrutura administrativa. Dessa forma, o distanciamento é, sem dúvidas, uma das causas do descaso e demora no atendimento das demandas mais simples da população, que poderiam ser minimizadas significativamente com propostas simples.
6 – DAS ALTERNATIVAS E SUGESTÕES
Como já salientado, todo o trabalho teórico necessita apresentar resultados práticos, não podendo haver dissociação desses dois prismas. Por conseguinte, o apontamento das dificuldades existentes no plano fático não deve impedir a proposição de ideias sugestivas de melhoria, motivo pelo qual se passa a apresentar nos próximos itens duas possíveis alternativas para superação do atual quadro em que se encontra a Polícia Judiciária Civil.
6.1 – Quadro Ideal – Plena autonomia financeiro-administrativa
A forte cultura de ingerência do Poder Executivo sobre a Polícia Judiciária Civil persiste ao longo dos anos, justamente pela adoção histórica de um modelo subserviente acostumado aos desmandos do governante no poder.
Há argumentos diversos para a manutenção da vinculação hierárquica das polícias ao Poder Executivo, sendo o tema disciplinado de forma peremptória inclusive no texto constitucional, nos termos do § 6º do Art. 144, o qual afirma que “As polícias militares e corpo de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.
Os argumentos principais para essa subordinação vai desde a necessidade de ser ter uma força armada sob pleno controle do Poder Executivo estadual, evitando possíveis atos subversivos e atentados à democracia, como exemplo o Golpe Militar de 1964, até a possibilidade de acionamento rápido das forças policiais para eventuais distúrbios civis, assim compreendida na sua finalidade de manutenção da ordem pública. [41]
Finalmente, outro fator considerável é o fato de as Políticas Públicas de Segurança ser atribuições do Poder Executivo, o qual na consecução de seu mister, deve estabelecer metas e diretrizes gerais para que os órgãos que estão diretamente subordinados atinjam seu intento.[42]
Neste momento, no entanto, cumpre separar bem os papeis das duas principais forças policiais do país, de acordo com suas finalidades precípuas.
À Polícia Militar, cabe o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública (§5º, do Art. 144 da CF/88). Desse modo, sempre que necessário tal força policial deve intervir agindo ora como polícia ostensiva, na prevenção da criminalidade, realizando patrulhamentos constantes e, caso necessário, prisões em flagrantes, em atividade tipicamente policial, ora na manutenção da ordem pública, intervindo em distúrbios civis, auxiliando também os demais órgãos do Poder Executivo quando se faz necessário a presença de força policial para garantir a autoexecutoriedade dos atos administrativos, como, por exemplo, nas ações de reintegração de posse, fiscalização de postura, etc.
Entretanto, em sentido diametralmente oposto, às Polícias Judiciárias Civis cabe a apuração das infrações penais e função de Polícia Judiciária, conforme já explicitado no item 3.
Tais incumbências não têm, ou não deveriam ter, intromissão por parte do Poder Executivo, pois as funções advém da própria lei, sendo todos os atos a serem praticados pelos seus servidores, aí incluídos Delegados de Polícia, Agentes, Escrivães e Peritos, previstos no Código Penal, Código de Processo Penal e demais leis extravagantes. Assim, não pode o Governador ou Secretário de Segurança Pública decidir qual crime deverá ser investigado, ou quem poderá ser objeto de investigação, inclusive tal conduta pode se tipificar como crime a depender do caso concreto.
Nota-se que pelas funções de cada Instituição Policial, enquanto a Polícia Militar está diretamente vinculada às ordens do Poder Executivo, pois a distribuição do efetivo, a maneira em que o policiamento ostensivo é realizado, o auxílio que a força policial presta aos demais órgãos da Administração, reflete diretamente nas Políticas de Segurança Pública.
No entanto, o dever de agir e investigar da Polícia Judiciária Civil deve ser realizado independente de quaisquer ordens hierárquicas, pois advém da própria lei, não tendo qualquer interferência do Chefe do Poder Executivo Estadual.
Não se quer dizer com o disposto acima a maior ou menor relevância das finalidades de cada Instituição Policial, pois ambas são igualmente importantes para a pacificação social, apenas é notória a distinção de atribuições, sobretudo no modelo brasileiro de polícia, com separação clara do dever de cada uma, muito embora convirjam em determinadas atribuições.
Assim, a investigação policial deve pautar-se por critérios técnicos e especializados, auxiliado por uma ciência pericial em constante evolução, com vistas a solucionar as infrações penais, definindo com clareza sua autoria, possibilitando, desse modo, substrato para a deflagração da futura ação penal e continuidade da persecução criminal, durante a fase processual.
Inegável que quanto mais livre de interferências políticas, melhor será o resultado. Ante o exposto, necessário afirmar que em um quadro ideal se faz imperativo a aprovação de uma Emenda Constitucional retirando a subordinação da Polícia Judiciária Civil ao Poder Executivo Estadual, assegurando independência funcional, inexistência de subordinação técnica, financeira, nos moldes em que ocorre, por exemplo, com o Ministério Público e a Defensoria Pública, que apesar de serem órgãos do Poder Executivo (quanto ao Ministério Público há divergência nessa classificação), possuem autonomia funcional e administrativa e elaboram sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Evidenciando a importância da Autonomia da Defensoria Pública, o Supremo Tribunal Federal afirmou em recente julgado que o Governador Estadual não pode sequer reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública elaborada de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias [43], em uma clara evidência da acuidade intrínseca à autonomia financeira daquele órgão na consecução de suas finalidades.
A recente autonomia outorgada à Defensoria Pública evita que o repasse do orçamento fique ao arbítrio do Poder Executivo, sucateando o órgão, como ocorre, aliás, como os demais órgãos da Administração que são vinculados Poder Executivo.
Nota-se um claro avanço tanto no Ministério Público após o advento da Constituição de 1988, quanto da Defensoria Pública, após o acréscimo da Emenda Constitucional n. 45/2004, sendo inegável a otimização dos serviços prestados por tais órgãos.
Nesse sentido, não pairam dúvidas que o mesmo ocorreria com a Polícia Judiciária Civil em uma eventual promulgação de Emenda Constitucional que lhe outorgasse Independência Funcional e Autonomia Administrativa e Financeira.
6.2 – Contrato de Gestão – uma possibilidade viável?
Um mecanismo bastante interessante advindo de preceitos constitucionais é o Contrato de Gestão (Termo de Compromisso ou ainda Acordo-Programa), cuja definição legal inexiste, mas a doutrina administrativa têm cada vez mais se debruçado sobre o tema.[44]
No ordenamento jurídico pátrio, o contrato de gestão é previsto em duas hipóteses. A primeira delas é um ajuste firmado entre a administração direta e suas entidades ou seus órgãos, momento em que esses órgãos ou entidades assumem o compromisso de cumprir determinadas metas e, em contrapartida, tem aumentada sua liberdade administrativa e gerencial, passando a se sujeitar a uma espécie de controle relativo à consecução dos resultados ajustados.[45]
Já a segunda previsão diz respeito aos contratos que podem ser celebrados entre a administração direta e as organizações sociais, estudo este que não faz parte do objeto do presente trabalho.
No que tange à primeira hipótese, em que pese algumas divergências doutrinárias, tem-se como possível o aumento da autonomia gerencial de órgãos mediante a pactuação do chamado contrato de gestão, com vistas ao aumento da eficiência, princípio inserido no texto constitucional através da Emenda Constitucional n. 19/1998.
Assim prevê nossa Lei maior:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[…]
§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – o prazo de duração do contrato;
II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
III – a remuneração do pessoal.”
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2014, p. 137) definem Contrato de Gestão como “um ajuste cuja finalidade é o cumprimento de uma espécie de programa, em troca de algo que seja do interesse da parte que se compromete a atingir as metas nele definidas.” [46]
Maria Sylvia Di Pietro, por sua vez, nos orienta afirmando que:
“A ideia é sempre a mesma: fixação de metas para aumentar a eficiência, em troca de maior autonomia.
O objetivo a ser alcançado pelos contratos de gestão é o de conceder maior autonomia à entidade da Administração Indireta ou ao órgão da Administração Direta de modo a permitir a consecução de metas a serem alcançadas no prazo definido no contrato; para este fim, o contrato deve prever um controle de resultados que irá orientar a Administração Pública quanto à conveniência ou não de manter, rescindir ou alterar o contrato.
O fim último do contrato de gestão é a eficiência, como princípio constitucional previsto no artigo 37, caput, da Constituição (alterado pela Emenda Constitucional nº 19).” [47]
Apesar de doutrinadores de renome como Maria Sylvia Di Pietro afirmarem que dificilmente estarão presentes as características típicas de um contrato quando celebrado entre órgãos da administração direta, ante a ausência de personalidade jurídica e, portanto, igualmente ausência de contraposição de interesses, há que se salientar que mesmo assim subsiste tal instrumento com natureza jurídica de “Termo de Compromisso” assumido pelo gestor do órgão beneficiado.
Assim, em que pese o termo “contrato” ser aplicado com certa impropriedade técnica, pois na verdade órgão não tem personalidade jurídica e por isso não poderia celebrar contrato. Ademais, de fato, não haveria interesses contrapostos entre a Administração Direta e seus próprios órgãos, a intenção do legislador exercendo seu poder constituinte reformador ao instituir o disposto no §8º, do Art. 37 da CF/88, foi trazer maior eficiência ao serviço público e tal intenção tem que ser preservada, vez que em perfeita consonância com os fins almejados pela Administração Pública.
6.2.1 – Da possibilidade da celebração de contratos de gestão, ou termos de compromisso, entre a Administração Direta e as Polícias Judiciárias Civis
Na classificação dos órgãos públicos, as Polícias Judiciárias Civis encaixam-se com perfeição no conceito de Órgãos Superiores: tem poder de decisão, mas não tem independência nem autonomia, estando diretamente subordinadas aos Órgãos Autônomos (Secretarias de Estado).
Como verificou-se extraindo as características da Polícia Judiciária Civil dos Estados, todas têm características de órgãos, ou seja, são centros de competência destinados a apurar as infrações penais e sua autoria, exceto as militares e de competência da União, bem como devem auxiliar o Poder Judiciário no que lhe for cabível.
Tais atribuições são essenciais ao bom convívio social, típicas de Estado e necessárias à pacificação social. No entanto, o Estado se tem quedado inerte, negligenciando a boa prestação de serviço devido à população.
Nesse prisma, acredita-se que o Contrato de Gestão ou Termo de Compromisso, como preferem alguns, seja instrumento adequado, viável e de ponto emprego para viabilizar o melhoramento do serviço prestado pela Polícia Judiciária.
A insatisfação com o serviço policial é gritante, como afirmado em linhas atrás, simplesmente 67% das pessoas que precisaram do serviço da polícia declaram-se insatisfeitos com sua prestação, motivo mais que suficiente para uma mudança de postura governamental. [48]
Destarte, todo o trabalho teórico tem o dever de propor melhorias no plano prático, sendo pragmático, parafraseando Konrad Hesse, “não basta vontade de poder e sim vontade de constituição”. [49] Dessa forma, o escopo desta obra é aviltar a implementação de contratos de gestão entre a Administração Direta, no caso os Estados e até mesmo a União e as Polícias Judiciárias, aumentando sua autonomia administrativa e financeira, propondo metas claras a serem alcançadas, com vistas ao aumento de sua eficiência.
Em alguns Estados já há experiência do estabelecimento de metas para todos os âmbitos da Administração Pública, acredita-se o alinhamento dessas metas com a necessária autonomia e desburocratização seja capaz de reduzir, no que tiver ao alcance, os índices de criminalidade e solução de crimes.
6.2.1.1 – Da forma como a autonomia poderia ser exercida
Dentre várias possibilidades, há que se ter em mente que a descentralização do poder decisório é fator fundamental para a autonomia administrativa e financeira.
De acordo com o §4º, Art. 144 da Constituição brasileira,[50] as Polícias Judiciárias Civis são dirigidas por Delegados-Gerais, ou Chefes de Polícia – termo usado no Código de Processo Penal, em geral subordinados à Secretaria de Segurança Pública, que são subordinadas diretamente ao Governador do Estado.[51]
Abaixo dos Delegados-Gerais, de modo comum, as autoridades responsáveis pela administração do quadro policial civil são os Diretores de Departamento, por exemplo do Departamento do Interior, da Capital, das Especializadas, etc., e subordinado a estes, os Delegados Titulares de Unidade Policial.
Desse modo, todos os recursos orçamentários previstos na Lei respectiva, é destinado à Secretaria de Segurança Pública que, por sua vez, o repassa às Polícias Judiciárias Civis. Em alguns Estados, como por exemplo no Amapá, além disso, há a figura da Secretaria de Planejamento – SEPLAN, responsável pelo pagamento das notas empenhadas pela Polícia Judiciária Civil, ou seja, não há autonomia de pagamento de seus próprios contratos. O órgão da Polícia Judiciária não pode pagar diretamente nem sequer uma mera resma de papel diretamente.
A sistemática falta ou atraso de pagamento das notas empenhadas faz com que as empresas deixem de contratar com a Administração ou leva a um aumento de preços diante da insegurança de receber o que foi prestado ou fornecido, invertendo um dos objetivos do processo licitatório – a seleção da melhor oferta.
Este caminho é notoriamente defasado e contraproducente (vide item n. 5 e 6), sendo necessário seu encurtamento.
Os termos do contrato de gestão teria que prever, assim, a possibilidade de autonomia da Polícia Judiciária Civil contratar diretamente os bens, obras e serviços no interesse da instituição sem interferência das Secretarias de Estado que por ventura estiver vinculada, outorgando a tais órgãos a possibilidade de pagar diretamente o que foi contratado, assim como, e principalmente, a possibilidade de cada Delegado Titular de Delegacia adquirir produtos de expediente corriqueiros, bens e serviços simples e comuns de avaliação objetiva (menor preço), tudo isso em perfeita harmonia com princípios constitucionais e legais, nos termos da legislação sobre licitações públicas.
De acordo com a Lei 8.666/93 e Lei 10.520/02 (pregão), as modalidades de licitação, divididas de maneira mais simples possíveis, são: [52]
Prevê ainda a Lei de licitações que é caso de licitação dispensável as aquisições, serviços, obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite máximo previsto para a modalidade convite (art. 23 da Lei 8.666/93). Assim, os valores de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e R$ 8.000,00 (oito mil reais) para obras e serviços de engenharia e compras e serviços (exceto de engenharia), respectivamente, em razão do pequeno valor, tem sua aquisição facilitada, tornando exequível a autonomia financeira por parte de gestores locais.[53]
Outro instrumento facilitador para implementação da autonomia gerencial da Polícia Judiciária Civil é o Sistema de Registro de Preços – SRP, previsto no Art. 15, inciso II da Lei 8.666/93, o qual compreende-se como um mecanismo formal de preços para contratações futuras. Com esse sistema pode-se abrir um certame licitatório, em que o vencedor terá seus preços registrados, para que posteriores necessidades de obtenção dos bens e serviços sejam dirigidas diretamente a ele, de acordo com o preços aferidos. [54]
Há também a interessantíssima figura da Ata de Registro de Preços e a possibilidade de haver órgão aderente, que permite que a ata de registro de preços, durante sua vigência, possa ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que previamente comprovada a vantagem para a Administração.[55]
Outro fator secundário, mas mesmo assim preponderante, é a possibilidade de cada gestor de Unidade Policial realizar compras e aquisições na área de sua circunscrição, fomentando o comércio local dos Micro e Pequenos Empresários, gerando empregos e aumento da renda naquele município, aliás em harmonia com o texto constitucional (inciso IX do Art. 170 da CF/88) e Lei Complementar 123/2006 que procuram oferecer tratamento diferenciado a tais entidades privadas.[56]
Não é novidade a dificuldade que a Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, tem de repassar verbas para as Unidades Federativas, vez que condiciona tal repasse à implementação de programas federais, que nem sempre são cumpridos a contento pelos estados.
Com a autonomia gerencial e financeira, se abriria espaço para que o repasse de verbas federais, condicionado claro à concordância do gestor máximo do Estado, fosse realizado diretamente às Polícias Judiciárias Civis, evitando o desvio de verbas e aumentando a possibilidade de fiscalização direta. [57]
Inegável, portanto, as vantagens advindas da ampliação da autonomia gerencial e financeira às Polícias Judiciárias Civis.
6.2.1.2 – Das metas a serem cumpridas pela Polícia Judiciária Civil
De forma correlata com a autonomia gerencial, por óbvio, há se estabelecer metas objetivas, almejando o aumento da eficiência de forma quantitativa e qualitativa.
Dessa forma, em termos eminentemente sugestivos e práticos, apresenta-se as seguintes metas consideradas por este autor, consistente em alguma experiência adquirida ao longo dos anos, relevantes para tanto:
a) Plano de Ação escrito para o atingimento das metas estabelecidas no Contrato de Gestão/ Termo de Parceria, especificando, de forma concreta, as ações a serem adotadas;
b) Aumento da produtividade consistente em:
c) Aumento do número de Inquéritos (IPL) e Termos Circunstanciados (TCO) instaurados e concluídos com autoria definida, com relação ao exercício anterior;
d) Diminuição dos índices de criminalidade mais relevantes de acordo com cada área, ou seja, caso homicídio tenha índices elevados sua diminuição, ou latrocínios, tráfico de drogas, etc. Também tendo como parâmetro o exercício anterior;
e) Plano de Comunicação com a sociedade civil organizada, movimentos sociais e demais setores;
f) Integração com as demais forças de Segurança Pública (Polícia Militar, Sistema Penitenciário, Bombeiro Militar, etc.);
g) Mecanismos de incentivo remuneratório, promocionais e administrativos os servidores que prestarem efetivo exercício de suas funções nas Unidades Policiais que atingirem suas metas, bem como prêmios para ideias inovadoras que auxiliem no processo de eficiência da administração;
h) Melhoria do ambiente de trabalho, relação entre chefes e subordinados, incentivo ao convívio entre os servidores e diminuição do estresse laboral, inerente à atividade policial, com valorização de seus profissionais;
6.2.1.3 – Do controle de resultados
Finalmente, se faz necessário o detido acompanhamento por parte do órgão de maior grau hierárquico, no caso as Secretarias de Segurança Pública ou o próprio Poder Executivo Estadual, do cumprimento e evolução da implementação dos objetivos estatuídos no Contrato de Gestão ou Termo de Compromisso.
Para tanto, o estabelecimento de um prazo de duração do Contrato de Gestão é imprescindível, o qual não poderá ser tão curto que não possibilite aferir qualquer avanço, nem tão logo que se perca o controle, afinal, meta implica, necessariamente, no atingimento de objetivos com prazo pré-determinado.
Como os índices de criminalidade são todos aferidos anualmente, não teria sentido algum um contrato com prazo menor que 12 meses, pela inerente impossibilidade de aferição de seu escopo, motivo pelo qual entende-se que no âmbito da Polícia Judiciária Civil o prazo mínimo deve ser de 01 (um) ano.
Além do prazo, os seguintes mecanismos de aferição dos resultados consideram-se interessantes: [58]
a) Pesquisa com a população local sobre a sensação de segurança experimentada no período de vigência do contrato;
b) Comparação dos índices de criminalidades estatuídos como alvo de diminuição;
c) Pesquisa com o público interno (servidores) sobre as dificuldades encontradas durante o processo, assim como as sugestões de melhoria;
d) Fiscalização mensal da aplicação dos recursos disponibilizados, com verificação de sua regularidade legal;
e) Elaboração de Relatório Técnico no mínimo 30 (trinta dias) antes do término do Contrato de Gestão, apontando os resultados da avaliação, com o estabelecimento de novos prazos, modificações, metas ou, se for o caso, extinção do contrato.
f) Publicação dos resultados em sítio eletrônico oficial do Estado, dando maior transparência ao processo.
Bem, o estabelecimento de critérios objetivos é indispensável para o sucesso desse mecanismo que tem potencial para oferecer um plus no serviço público oferecido pela Polícia Judiciária Civil.
7 – BOAS PRÁTICAS – EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS
A fim de comprovar-se a eficácia dos contratos de gestão, bem como demonstrar a viabilidade prática e efetiva das ideias trazidas no presente trabalho, abaixo consta o relato de duas iniciativas já implementadas que adotaram esse modelo de gestão.
7.1 – Secretaria de Educação do Distrito Federal – Termo de Compromisso de Gestão Escolar
No ano de 2007, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, celebrou com todos os Diretores e Vice-Diretores das Instituições de Educação Pública, ou seja, as escolas a ela vinculadas, o instrumento que denominou de “Termo de Compromisso de Gestão Escolar”, documento bastante semelhante à ideia de Contrato de Gestão.[59]
Neste instrumento, de acordo com seus próprios termos tinha:
“por objeto estabelecer as obrigações dos participes, SEDF e Equipe Gestora, na Gestão Escolar Compartilhada e, por finalidade, garantir os meios para a efetivação de uma Proposta Pedagógica, na Instituição Educacional, que assuma o desenvolvimento de um currículo por competências, que pressupõe a centralidade no aluno e, portanto, na aprendizagem, cujo foco é a qualidade, a autonomia, a prática pedagógica diversificada e a pedagogia ativa.”
O citado documento disciplina ainda que a Gestão Compartilhada será o meio pelo qual todas as Políticas Educacionais do Distrito Federal serão implementadas, resgatando a missão Educacional e assegurando a construção coletiva da Proposta Pedagógica.
Entre as metas então estabelecidas, consta a redução em 20% no percentual dos alunos defasados em idade x série; aumento do índice de aprovação em 20%, a partir do ano letivo de 2008 (subsequente à realização do contrato), entre outras.[60]
O fato é que o índice de desenvolvimento da Educação Básica do Distrito Federal deu um salto de 4.8 em 2007 para 5.6 em 2013, por exemplo, enquanto em Estados como o Maranhão, houve apenas um pequeno acréscimo de 0.3 (zero ponto três), de 3.5 para 3.8 no mesmo período. [61]
A adesão por parte dos Diretores e Vice-Diretores do citado documento, assim como outros que o sucederam, descentralizou a gestão de verbas, possibilitando maior autonomia aos gestores locais, dando agilidade e eficiência no atendimento de demandas corriqueiras até então negligenciadas, fazendo com que cada gestor pudesse, no seu trabalho diário, otimizar os recursos aplicados na Educação do Distrito Federal. Portanto, sem sombra de dúvidas, a implementação desse modelo de gestão pode ser tida como de êxito.
7.2 – Dos 100 Dias de Contratos de Gestão firmados pelo Estado do Mato Grosso
Em iniciativa recentíssima, o Governador do Estado do Mato Grosso, Pedro Taques, inovando na Administração, assinou um documento que chamou de “Acordo de Resultados” com todos seus Secretários, os quais assumiram diversos compromissos para o alcance de metas nos primeiros 100 (cem) dias de governo. Desse modo, para cada Secretaria, houve o estabelecimento de objetivos gerais e prioridades. [62]
Para avaliar o desempenho de cada Secretário, foi estipulada uma avaliação mensal, com relatórios que atribuirão notas para a execução total, parcial ou inexecução dos compromissos assumidos. Tudo isso disponibilizado de forma clara e transparente para a população, através de publicação em sítio eletrônico governamental.[63]
Apesar de a nomenclatura divergir do termo “Contrato de Gestão”, é inegável que a natureza jurídica desses acordos celebrados entre o Governo e suas Secretarias, que são órgãos da própria administração Direta, é bastante similar ao conceito de contrato de gestão.
Quanto aos resultados desses compromissos assumidos, devido à recenticidade da experiência, ainda é cedo para verificar se houve avanços na melhoria dos serviços públicos ofertados por aquela unidade federativa.
No entanto, sem dúvida alguma, demonstra um compromisso em estabelecer um Programa de Governo aferível de forma objetiva, tanto pelo próprio Governo do Estado, quanto por toda a população, buscando a eficiência do serviço público. Assim, facilita a fiscalização por parte da sociedade civil organizada, pelas instituições públicas, tais como Tribunal de Contas Estadual, Ministério Público Estadual, etc., e, inclusive, pelos demais Poderes e a própria oposição política.
A bem da verdade todas as metas poderiam ter sido estabelecidas através do poder hierárquico que possui o Governo do Estado sobre seu secretariado, mas também é verdade que o compromisso escrito tem mais peso que o verbal e a vinculação psicológica dos acordantes aumenta significativamente, pois possibilita à todos os setores uma fiscalização dia-a-dia factível da Administração que está sendo realizada.
8 – CONCLUSÃO
No decorrer deste trabalho foi possível demonstrar o histórico de criação das instituições policiais brasileiras, suas principais características e a evolução até os dias atuais. Demonstrou-se ainda que vários problemas assolam a Segurança Pública, como o aumento da criminalidade, sucateamento das unidades policiais [64], denotando grande sensação de insegurança na população, fazendo, por vezes, que o Estado perca sua credibilidade na solução dos conflitos sociais.
Historicamente as instituições policiais tem sido usadas como meio de coerção social e manutenção do status quo pelo governante que está no poder, o qual tem usado a máquina administrativa em seu favor, desde a colonização portuguesa, perpassando pela repressão gerada por ocasião da abolição da escravatura, em relação aos negros libertos, pela era Vargas, onde a concentração de poder no aparelho policial visava combater os “inimigos do Estado”, pelo Regime Militar, com supressão de quase todos os direitos civis, até o advento da chamada Constituição Cidadã, com redirecionamento das diretrizes, ampliando e assegurando os direitos fundamentais.
Nesse prima, ou seja, após a redemocratização do Estado brasileiro, com a positivação e reconhecimento de diversos princípios humanistas, assim como o compromisso nacional em cumprir tratados internacionais sobre direitos humanos, as instituições policiais devem assumir um novo papel, afastando-se da subserviência do Poder Executivo, vez que em um Estado Democrático de Direito, a única subserviência dever ser à Constituição e às leis, legitimamente estatuídas.
É certo que o problema da criminalidade e violência social possui diversos fatores, aos quais agrega-se a falta de estrutura das instituições policiais. Nessa fatia do problema, há ressalta-se a falta de autonomia administrativa e financeira das Polícias Judiciárias Civis Estaduais, órgãos responsáveis pela apuração das infrações penais, exceto as militares e de competência da União, que têm o importante papel de contribuir para a pacificação social.
Notou-se que apesar de a Polícia Judiciária ter diversas atribuições constitucional e legalmente estabelecidas, com características próprias e função precípua de órgão de Estado, é um órgão vinculado às Secretarias de Segurança Pública que, por sua vez, são subordinadas aos Governadores estaduais.
Por conseguinte, constatou-se que a falta de autonomia administrativa e financeira das Polícias Judiciárias Civis causam diversos entraves, que dificultam a otimização do serviço realizado, dentre os quais pode-se destacar a falta de celeridade na solução das infrações que deveriam ser objeto de investigação, prejudicando princípios básicos de persecução criminal como o imediatismo e a oportunidade; a centralização burocrática, que gera ineficiência do serviço prestado, na contramão da reforma administrativa que visa o atendimento do princípio da eficiência e, por fim, o distanciamento dos problemas cotidianos, pois os gestores com maior poder de decisão estão distantes das dificuldades relacionadas com o dia-a-dia da gestão administrativa, o que inviabiliza a melhor gestão dos recursos públicos.
Nitidamente, são nefastas as consequências da falta de autonomia administrativo-financeira das instituições Policiais Civis, perpassando pela ineficiência já mencionada, além da enorme sensação de insegurança com todos os prejuízos dela advindos.
Em teorias contratualistas da formação do Estado, há mencionar-se com destaque a que advoga que a população abre mão de parcela de sua liberdade em favor do Estado para que este possibilite o convívio social harmônico. Nesse aspecto, as instituições policiais são imprescindíveis à manutenção do sistema democrático, sendo sua eficácia condicionante de toda uma estrutura, garantindo, ou pelo menos deveria garantir, a consecução tranquila das atividades e necessidades da população.
O atual sistema e modelo de gestão das Polícias Civis brasileiras é provinciano e dependente dos “favores” dos governantes sensíveis ao problema, afasta-se do profissionalismo necessário, assim como dos princípios de celeridade, oportunidade e imediatismo inerentes à atividade da Polícia Judiciária Civil.
Há um profundo elo histórico entre a polícia e os desmandos dos detentores do poder, sobretudo relacionado ao processo de formação do Estado brasileiro, onde as forças policiais serviam ao governo e garantiam a manutenção do status quo.
De outra sorte, sobretudo após a Revolução Industrial, surgimento da classe proletariada e abolição da escravatura, a polícia sempre serviu para assegurar o patrimônio dos burgueses, agora empresários, dos aliados políticos, repelindo insurgências populares, ora consideradas subversivas, ora criminosas ou ambas.
Ocorre que com o advento da Constituição Cidadã o paradigma transmudou-se, sendo necessário o rompimento dessa mentalidade. Os serviços públicos estão se profissionalizando e devem buscar cada vez mais a otimização, visando, sempre, o atendimento de sua finalidade, ou seja, o bem da coletividade.
Como se verificou através da análise das legislações de seis unidades federativas, em todas elas a Polícia Judiciária é subordinada ao Governador do Estado, e alguns casos de maneira indireta, vez que devem obediência hierárquica às Secretarias de Segurança Pública. Algumas legislações, como a do Estado da Bahia e do Amapá, há previsão legal de autonomia, o primeiro estado conferindo à Polícia Civil a nomenclatura de órgão em regime especial e o segundo trazendo, efetivamente, tanto em seu texto constitucional quando na Lei Orgânica que rege a Polícia Judiciária Civil, a previsão de autonomia financeira e administrativa.
Nos mencionados estados, apesar das previsões legislativas, a autonomia administrativa e financeira é podada por fatores externos. No caso específico do estado do Amapá, em que pese o próprio texto constitucional assegurar a citada autonomia do órgão da Polícia Judiciária Estadual, mecanismos de se concretizar a efetiva independência carecem de aprimoramentos, sobretudo pela ausência de previsão de elaboração da proposta orçamentária, como ocorre com os demais órgãos com autonomia financeira, a exemplo do Ministério Público e Defensoria Pública.
Após todas essas análises, evidenciando as consequências dessa problemática, concluiu-se que em um quadro ideal a ser perquirido, de modo a afastar as ingerências do Poder Executivo sobre a Polícia Judiciária Civil, seria a aprovação de uma Emenda Constitucional outorgando plena autonomia financeira e administrativa às Polícias Civis estaduais, alterando o § 4º do Art. 144 do texto constitucional, retirando a subordinação hierárquica dos Governadores estaduais, inserindo um modelo de controle supervisional a ser exercido pelas Secretarias de Segurança Pública.
A despeito de argumentos contrários, salientou-se que as atribuições da Polícia Judiciária Civil são de índole técnica e advém da própria lei, que impõe todos os atos a serem praticados por seus servidores na primeira fase da persecução penal, a investigação criminal, independente de quaisquer determinações hierárquicas do chefe do Poder Executivo estadual.
Por outro lado, notório o avanço que teve o órgão da Defensoria Pública, nos estados em que foi devidamente estabelecido, após o advento da Emenda Constitucional nº. 45/2004, quando lhe foi outorgado autonomia financeira e administrativa, ao que infere-se que o mesmo ocorrerá caso esta autonomia seja conferida às Polícias Judiciárias Civis estaduais.
Em subsidiária e segunda proposta, o presente trabalho advoga que, nos termos do § 8º, do Art. 37 da Constituição Federal, seja ampliada a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos das Polícias Judiciárias Civis estaduais, com fixação de metas de desempenho, com prazo determinado, avaliações periódicas de desempenho, com o consequente controle das responsabilidades dos envolvidos, com vistas ao incremento da eficiência gestacional.
Para tanto, seria necessário maior liberdade de contratação dos gestores locais, em suas respectivas unidades policiais, utilizando mecanismos facilitadores já existentes nas legislações referentes às licitações públicas, como, por exemplo, os casos de licitação dispensável, o Sistema de Registro de Preços – SRP, dentre outros.
A fim de subsidiar a viabilidade desse modelo de gestão, citou-se dois exemplos, um deles implantado no ano de 2008 no Distrito Federal, quando a Secretaria de Estado de Educação Distrital celebrou com os gestores escolares o instrumento denominado Termo de Compromisso de Gestão Escolar, com resultados positivos já verificáveis, como o incremento no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica naquela unidade federativa.
Em outro prisma, o segundo exemplo citado foi o Acordo de compromissos firmado pelo Governo do Estado do Mato Grosso e suas Secretarias, dentre elas a de Segurança Pública, demonstrando uma tendência desse modelo gerencial, em que se dá mais autonomia aos órgãos, visando, justamente, o atendimento do princípio constitucional da eficiência.
Destarte, os evidentes problemas da Segurança Pública nacional possuem diversas matizes, sendo necessária a implementação de medidas que resgatem e satisfaçam o legítimo anseio da população em ter assegurado seu direito constitucional de segurança. Nesse sentido, tem-se que dentre as possíveis maneiras de trazer um melhoramento na consecução das finalidades da Polícia Judiciária Civil perpassa, indubitavelmente, pela outorga a este órgão de efetiva autonomia administrativa e financeira.
Bacharel em direito pela UDF, pós-graduado em Políticas e Gestão em Segurança Pública pela Universidade Estácio de Sá – UNESA. Delegado de Polícia Civil.
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