Os contratos de seguro sob a perspectiva econômica

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Resumo: A presente pesquisa tem como finalidade explorar a origem e o desenvolvimento dos contratos de seguro, em especial, no que tange aos seus aspectos econômicos. Intenta, ainda, desvelar a forma como eram realizados noutras épocas, as circunstâncias e a evolução obtida através das ciências exatas, as quais permitiram a criação do atual sistema de garantia das operações de seguro. Para tanto, realizou-se estudo bibliográfico e inferiu-se a respeito da comutatividade destes contratos, consagrada a partir do advento do Código Civil de 2002, que afastou em definitivo a álea, antes predominante. Averiguou-se, ademais, o modo como se inserem conceitos de análise econômica do direito no âmbito das transações securitárias.

Palavras-chave: Contratos; Seguro; Risco; Garantia.

Sumário: 1. Introdução – 2. O contrato de seguro – 2.1 Perspectiva histórica – 2.2 Conceito – 3. Estrutura econômica do seguro – 3.1 A viabilidade das operações – 4. O risco moral – 5. Conclusão – Referências

1 INTRODUÇÃO

O ramo de seguros, no Brasil, cresce desde meados de 1990, quando o Estado deixou de intervir diretamente na quantificação de prêmios e nas especificidades das transações securitárias. Houve, portanto, incentivo para o desenvolvimento deste mercado, que passou a contar com um número cada vez maior de empresas do setor. Este crescimento viabilizou, outrossim, o aumento da concorrência e, consequentemente, a redução dos preços, refletindo na ampliação da demanda pelo serviço.

Dados da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNseg, apontam para uma elevação exponencial do faturamento, bem como da representatividade das transações em seguros no PIB brasileiro, que em 2012, foi de 5,5%, em 2013, de 5,7% e em 2014, de 5,9%[1]. Isto traduz a relevância deste mercado para a nossa economia.

Além disto, muitas atividades econômicas atualmente são possíveis em razão da contratação de seguros, pois diante da exposição direta ao risco, muitos investimentos seriam travados, reduzidos ou inviabilizados. Portanto, primordial o manejo destes instrumentos, sobretudo, para o ramo empresarial e societário, ambientes nos quais o risco é assíduo. Não por outro motivo, conforme demonstrar-se-á, o seguro nasceu entre os comerciantes, em meio às atividades mercantis, como uma necessidade.

Através da presente pesquisa procurar-se-á traçar os aspectos, mormente de ordem econômica, que perseguiram os contratos de seguro desde a sua gênese, expondo-se das questões que o fizeram emergir em meio ao mercantilismo, bem como das alterações que sofreu até atingir seus atuais contornos e espaço conquistado na economia.

2 O CONTRATO DE SEGURO

Neste capítulo cuidar-se-á da apresentação de circunstâncias históricas em meio as quais, especula-se, estejam presentes os pilares que compuseram o formato dos atuais contratos de seguro, bem como sua conceituação e peculiaridades.

2.1. Perspectiva histórica

Conquanto seja complexo encontrar, por meio de pesquisas, o momento e as circunstâncias precisas a partir das quais determinada prática nasceu e foi difundida no mundo em que vivemos, certo é que o instituto do “seguro” tem sua gênese atrelada à figura do comerciante, que já em épocas remotas demonstrou preocupação no tocante à preservação de seus bens.[2]

Isto porque, assim como ocorre hoje, o comerciante estava suscetível a uma série de fatores que poderiam conduzi-lo a perdas importantes, capazes, inclusive, de inviabilizar suas atividades, considerando-se até mesmo a ação pérfida de um concorrente ou um imprevisto produzido por fenômenos naturais.[3]

Ivan de Oliveira Silva refere, pois, que o seguro é fruto de necessidade humana direcionada à mercancia e que este instituto sobreveio como método para a preservação da produção e escoamento de riquezas.[4]

Já no mundo antigo percebeu-se que, para a segurança e continuidade de determinada operação relativa a um dado seguimento comercial, importava que houvesse, dentre aqueles que a praticavam habitualmente, grau de solidariedade no sentido de permitir que o grupo pudesse sobreviver em meio as adversidades que se lhe poderiam acometer. A partir desta concepção, foram lançadas as bases daquilo que mais tarde formaria uma das principais características do seguro: a ideia de mutualidade.

Uma das formas de ilustrar os meios que podem ter conduzido ao desenvolvimento desta percepção no universo comercial, encontra-se na história dos fenícios, tidos como os mais afamados comerciantes da Antiguidade[5].

O povo fenício é amiúde apontado como “o dono do comércio” da era antiga, tendo em vista suas conhecidas técnicas de navegação marítima que lhes permitiam a troca de mercadorias entre diferentes regiões do Mediterrâneo.

Contudo, os fenícios estavam expostos a grande risco, vez que ao enfrentar intempéries durante o percurso das embarcações, submetiam-se ao perigo de que sua carga fosse tomada pelo mar revolto ou perecesse diante das tempestades. Tais circunstâncias representavam ameaça ao patrimônio de todo o grupo que se lançava ao mar com o mesmo escopo.[6]

Por esta razão, os proprietários das embarcações passaram a estabelecer pactos através dos quais, caso um dos integrantes viesse a sofrer prejuízo, todos os outros donos de navios participariam em percentual previamente ajustado, a fim de recompor o dano, para retorno do status quo ante.[7]

É possível a conclusão de que este não fosse ato puramente solidário. Plausível tenham os fenícios percebido que o pacto lhes proporcionaria redução de custos, uma vez que a ninguém seria dada a absorção individual e íntegra de eventual lesão patrimonial. Do contrário, o prejudicado, arcando particularmente com todos os custos de sua perda, poderia mesmo ter sua atividade tolhida, deixando, assim, de pertencer ao grupo. Isto seria ruim tanto para o comerciante que se retira, quanto para os que permanecem, eis que estes contariam com menos um integrante para ratear os danos e enfraqueceriam seu poder de reação diante dos prejuízos que porventura se apresentassem.

Nesta perspectiva, igualmente, não se pode olvidar da influência negativa que haveria junto a terceiros, externos ao grupo de comerciantes fenícios, que com eles transacionava a fim de adquirir mercadorias de regiões longínquas. Este cenário dá margem para que se visualize o quanto as atividades de comércio influem perante as condições de vida de toda a sociedade, desde o início de sua organização, ultrapassando a pessoa do comerciante, sobretudo se, lesado, deixar de atender determinada região que também sofrerá os reflexos.

Neste contexto, tem-se, outrossim, a emergência do instituto “foenus nauticus", técnica utilizada entre romanos, gregos e fenícios. Consistia em empréstimo de determinada monta, feita por capitalista ao armador do navio[8]. Se a viagem fosse produtiva, os recursos financeiros mutuados retornariam ao capitalista, acrescidos de juros significativos. Ocorrido o oposto, este perderia o investimento.[9]

Semelhante dinâmica surgiu posteriormente, com o intitulado “Contrato de Dinheiro a Risco Marítimo”. Esta relação entabulava-se a partir do empréstimo de quantia equivalente ao valor do barco e da carga transportada. Se nenhuma avaria fosse constatada no decorrer da viagem, a importância emprestada era devolvida com juros. Noutro modo, nada devolvia-se.[10]

De se notar que ainda não há falar-se em contrato de seguro, propriamente, neste comenos. Analisado sob outro prisma, uma das partes ficava a mercê do risco integral, o qual não era diluído ou pulverizado, aproximando-se, portanto, de contrato de mútuo condicionado a um evento incerto.[11]

As primeiras operações a apresentar características voltadas a tornar, de fato, seguro o negócio a ser realizado, surgem a partir do fim do século XIV, com o chamado “Seguro Marítimo”.[12] Neste, vislumbrava-se a figura de um “segurador” que prometia, mediante contraprestação fixa a lhe ser paga, uma predeterminada soma, caso navio ou carga transportada não atingissem o destino.[13] A partir deste momento, vertem-se as noções de assunção de risco mediante retribuição (prêmio).[14]

Em que pese a intenção de conferir segurança ao negócio, novamente, esta conjuntura não apresentava a função elementar que distingue os atuais contratos, conquanto tenha servido para gestá-los. Isto porque desprovida da função de prevenção de riscos.[15] Ou seja, os riscos permaneciam à margem da avença.

Nesta senda, o seguro marítimo realizava-se por meio da mera transferência de risco para a outra parte, in casu, o segurador, que recebendo o prêmio, assumia o compromisso de compensar, ao proprietário do navio, aleatório dano. Contudo, este acordo jamais serviu a tornar o negócio do armador de navio, de fato, livre de quaisquer contingências, ao passo que cria um segundo risco: o de tornar-se, o segurador, insolvente[16]. Dada a possibilidade, mantém-se o armador sob risco caso seu navio ou carga não aportem ao destino.

De acordo com Vera Helena de Mello Franco, “a álea dominava o contrato, aproximando-o mais do jogo e da aposta do que do contrato de seguro.”[17] Ou seja, a ameaça de dano sobrevivia à sombra do contrato durante toda sua vigência.

Destes dados históricos, depreende-se que o “risco” acompanhou as atividades mercantis desde sua origem e foi suficientemente inquietante para motivar a criação de mecanismos e sistemas capazes de atenuar seus efeitos nocivos junto ao comércio, ambiente no qual foi semeada a invenção do seguro, posteriormente espraiado dentre diversos outros setores que percorrem a vida em sociedade.

2.1. Conceito

O propósito inicial a que se presta o contrato de seguro, contemporaneamente, pode ser apreendido a partir do conceito legal ínsito no Código Civil de 2002[18], precisamente no artigo 757, que nos seguintes termos determina:

“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.

Da norma, abstrai-se que se trata de instrumento através do qual, mediante o pagamento de prêmio, uma das partes se obriga perante outra a garantir-lhe a preservação de interesse que conserve em relação a alguém ou a algo, evitando, ou, por assim dizer, indenizando eventual infortúnio; amenizando as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais de possível perda.

Diferente do que delineou o artigo correspondente do Código Civil antecessor ao regular os contratos de seguro[19], observa-se que o Novo Diploma não abarcou expressamente o condão indenitário da contraprestação esperada diante da concretização do dano patrimonial.

Sob este aspecto, necessários alguns apontamentos. A contraprestação devida pela seguradora caso venha a efetivar-se expectativa de dano previamente estipulada, tem, entende-se, cunho indenizatório, uma vez que indenizar significa compensar, ressarcir, que é no que, de fato, consubstancia-se o dever da seguradora nesta hipótese.

No entanto, se entendermos que é este o objeto do contrato, acabaremos por concluí-lo aleatório. Vera Helena de Mello Franco diverge deste pensamento, inferindo tratar-se, o seguro, de um contrato comutativo[20]. A jurista explica esta visão a partir da análise daquilo que considera preponderante dentre as obrigações assumidas pela seguradora, o que, ao arrepio da simples ação indenitária, está presente na função garantidora que terá durante toda a vigência da relação contratual.

Neste sentido, a obrigação indenizatória é, por certo, eventual, ou seja, aleatória. Entretanto, a prestação a que se compromete a seguradora é a de “garantir” o ressarcimento em caso de dano, garantia esta que permanece desde a perfectilização do instrumento, tornando-o comutativo. Nas palavras de Vera Helena de Mello Franco, “a prestação da seguradora não é o montante devido pelo sinistro, mas a garantia de que não haverá consequências econômicas para o segurado”[21].

Segundo a doutrinadora, a modificação do texto legal ao substituir a expressão “indenização” por “garantia” fez cessar qualquer incerteza que pudesse haver quanto ao aspecto comutativo destes contratos.

Ao expender a dinâmica dos contratos de seguro, Ivan de Oliveira Silva, ressaltando a função garantidora do segurador, alude que

“O segurador no contrato de seguro assume obrigação de garantia de interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados nas cláusulas contratuais, e caso não assuma essa obrigação, estará sujeito às consequências da mora. Em função dessa ideia que acampa o contrato de seguro, o segurado tem o direito, por meio do pagamento do prêmio, a gozar de tranquilidade, visto que os efeitos de eventual sinistro que atinja seu interesse sobre pessoa ou coisa será suportado pelo segurador. O segurador recebe o prêmio para ocupar sua condição de garantidor do interesse legítimo do segurado, e essa obrigação se manifesta em todos os instantes do contrato de seguro, e não somente quando da ocorrência do sinistro, como pensam alguns”[22].

O autor realça a certeza da obrigação assumida pela seguradora, durante toda a vigência do contrato, salvaguardando os interesses do segurado, ainda que o sinistro não se concretize.

Ademais, ao referir da problemática conceitual dos contratos de seguro, Vera Helena de Mello Franco aponta que o núcleo da questão está em desvelar-se a causa comum do seguro em seus diversos seguimentos, para que assim, seja possível a construção de definição que reflita tanto o seguro de danos quanto o de pessoas, de forma unitária[23].

A bastante difundida Teoria da Transferência do Risco chegou mesmo a representar, dentre as existentes, a que mais bem desvendaria a causa comum pela qual se orientam estes contratos, eis que a transferência do risco seria elemento presente tanto em contratos de danos quanto no de pessoas.[24] Entrementes, de acordo com o já esposado, trasladar risco não corresponde a uma operação de seguro, tendo em vista que “o risco não é transferido para a seguradora, mas sim diluído, pulverizado por toda a mutualidade”[25]. Em meio ao exame da estrutura econômica do contrato, torna-se mais nítida a compreensão da dinâmica e da base da qual compartilham os seguros.

De todo modo, sopesados os elementos até então expostos, deduz-se o contrato de seguro como o instrumento firmado entre segurador e segurado, por meio do qual o primeiro garante ao segundo, durante toda a vigência do contrato, através do pagamento de prêmio, compensar-lhe, nos termos previamente estipulados, caso sobrevenha perda derivada de risco augurado.

3. ESTRUTURA ECONÔMICA DO SEGURO

Nesta seção, traçar-se-á, em linhas gerais, o modo com o qual são estruturados os contratos de seguro, atentando-se, substancialmente, para a dinâmica das operações econômicas que permite, a partir do estudo de seus fundamentos e de conceitos de análise econômica do direito.

3.1 A viabilidade das operações

Observa-se que o processo criado para a manutenção de um sistema que permita a uma empresa operar na prevenção de riscos alheios, sem que isto lhe conduza a falência, é algo complexo, que passou a apresentar solidez a partir do desenvolvimento das ciências matemáticas, responsáveis pelo advento da estatística e da atuária[26].

Na Antiguidade, a simples transferência do risco para o capitalista não afastava de todo o risco, que permanecia latente, em virtude da sempre presente possibilidade de que se tornasse insolvente, e assim, incapaz de fazer frente aos eventuais danos do armador do navio.

Na operação de seguros tal como hoje se tem, inexiste este tipo de operação isolada[27], justamente porque não se apresenta segura. Não se trata, pois, de mero contrato de transferência de riscos. Nas palavras de Vera Helena de Mello Franco, “a finalidade do seguro é justamente pulverizar, fragmentar o risco, diluindo suas consequências econômicas no seio de um agrupamento (mutualidade), formado pelos titulares de interesses submetidos aos mesmos riscos.”[28] Ou seja, atualmente o mecanismo que torna viável o afastamento de eventuais prejuízos é bastante mais consistente, ao passo que introduz a mutualidade como uma de suas principais ferramentas.

É por essa razão que inapropriado afirmar seja o risco transferido para a seguradora quando da lavratura de um contrato de seguro, dado que, fosse assim, novamente haveria o risco de insolvência, desta vez, por parte da seguradora. É necessário, destarte, “que se repartam as consequências econômicas do sinistro (ocorrência do risco) por um grande número de pessoas submetidas aos mesmos riscos.[29]” É neste grande número de pessoas, denominado “mutualidade”, que estão os pilares das operações de seguro correntes[30]. Dilucida Vera Helena de Mello Franco que:

“Cada uma das pessoas que compõem este agrupamento (mutualidade) paga uma contribuição (prêmio), cujo conjunto vai constituir um fundo comum, gerido pela seguradora (ou pelos próprios segurados, quando na forma de mútuas de seguro), apto a arcar com o pagamento do sinistro, eventuais e isolados, que possam ocorrer naquele agrupamento”[31].

Esta técnica foi bem-sucedida, sobretudo em função da dita aversão ao risco comumente havida entre a maioria das pessoas segundo economistas, e da consequente forte adesão a estas operações por parte daqueles que compartilham das mesmas apreensões referentes aos mesmos tipos de bens.

Por oportuno, cabe aludir Robert Cooter quando explica que “uma das implicações comportamentais mais importantes da aversão ao risco é que as pessoas pagarão um prêmio para evitar a necessidade de se defrontar com resultados ou consequências incertas”[32]. É, pois, o que acontece quando entabulam o seguro. Assim, abrem mão de determinada quantia, denominada “prêmio”, para ter a garantia de que não serão atingidas pela concreção do risco. Preferem, logo, reduzir sua renda a estarem submetidas a evento incerto.

Ao mesmo tempo em que se vislumbra quase que natural a demanda por seguro, pois que consiste em tendência preponderante entre as pessoas, vê-se por outro lado, o implemento das ciências exatas que permitiram o respaldo eficaz por parte das seguradoras no tocante a danos. Neste prisma, Robert Cooter aventa que:

“Elas oferecem contratos de seguro não porque prefiram jogos de azar a certezas, mas por causa de um teorema matemático conhecido como lei dos grandes números. Essa lei afirma que acontecimentos que são imprevisíveis para indivíduos se tornam previsíveis entre grupos grandes de indivíduos. Por exemplo: nenhum de nós sabe se nossa casa queimará ano que vem. Mas a ocorrência de incêndios numa cidade, estado ou país tem uma regularidade suficiente para que uma companhia de seguros possa determinar com facilidade as probabilidades objetivas. Ao vender seguros para um grande número de pessoas, uma seguradora pode prever o total de pedidos de indenização”.[33]

Deste modo, mostra-se que através da lei das probabilidades, as quais conseguem antever a ocorrência de sinistros em meio a um grupo de pessoas, em determinado espaço de tempo, e da dispersão dos danos entre a mutualidade de indivíduos expostos às mesmas espécies de risco, foi possível conjeturar-se as operações de seguro contemporâneas.

4. O RISCO MORAL

O risco moral é um dos contratempos que podem vir a afetar a exação da lei das probabilidades. Aplicado aos contratos de seguro, trata-se de uma mudança de comportamento, ocorrida após seu implemento. Isto porquanto, não raras vezes, o sujeito que adquire o seguro torna-se displicente em relação ao objeto do contrato, como não mais fosse preciso preocupar-se. Robert Cooter exemplifica:

“Suponha que você tenha acabado de adquirir um novo sistema de som para seu carro, mas não tem seguro para cobrir seu prejuízo em caso de roubo. Sob essas circunstâncias, é provável que você tranque o carro sempre que sair dele, estacione-o em lugares bem iluminados à noite, frequentemente em estacionamentos bem vigiados, e assim por diante. Suponha agora que você compre uma apólice de seguros. Com a apólice em vigor, você pode agora ser menos assíduo em trancar seu carro ou estacioná-lo em lugares iluminados. Em suma, o próprio fato de que seu prejuízo está coberto pelo seguro pode fazer com que você aja de modo a aumentar a probabilidade de um prejuízo”.[34]

Esta é uma circunstância que será computada junto aos cálculos os quais definirão o montante de que será formado o prêmio, pois acaso preveja e trate, a seguradora, da possibilidade do dano somente em condições normais, ignorando os dados que apontam para o aumento do descuido do segurado em relação ao bem, isto poderá acarretar-lhe perdas financeiras significativas.

Esta conduta negligente é tão cotidiana, que chega mesmo a ser vista com naturalidade e até como a razão de ser do pacto securitário, algumas vezes. Isto é, há quem contrate o seguro justamente com a finalidade de não mais acautelar-se no que se refere ao bem cuja preservação e garantia adquiriu através do contrato. É de se inferir, inclusive, que aos imprudentes seja mais atrativa a compra de um seguro do que para os cordatos, uma vez que aos imprudentes esteie-se maior o incentivo em termos de vantagem econômica.

Consciente disto, a seguradora tende a precaver-se, aumentando o valor que, em princípio, seria suficiente para a cobertura de eventual prejuízo. É por isso que “um prêmio que tenha sido estabelecido sem levar em conta a maior probabilidade de perda por causa do risco moral será baixo demais e, assim, ameaçará a lucratividade contínua da empresa[35]”, o que faz com que a mesma desenvolva métodos para minimizar esta perda[36], os quais, em geral, estão atrelados ao aumento do valor do prêmio, que pode dar-se por meio do rateio com o segurado ou da franquia[37].

No que se refere ao rateio, o segurado assume determinado percentual do prejuízo e, em se tratando da franquia, o segurado fará frente ao pagamento em dinheiro de valor fixo, restando à seguradora arcar somente com a parte que superar a quantia fixada[38].

Ademais, para determinadas espécies de seguro, há condutas capazes de minimizar o valor do prêmio, ao passo que induzem a uma menor probabilidade de que ocorra o sinistro. É o que acontece, por exemplo, no caso do seguro de vida e dos planos de saúde, nos quais se verifica redução do dispêndio àqueles que usufruem de hábitos saudáveis, como não fumar[39] ou não ingerir bebidas alcoólicas, o que também se aplica no que tange aos contratos de seguro de veículos automotores[40].

Há, ainda, outro impasse que circunda os contratos de seguro: o da assimetria de informações. Quer dizer, cuida-se de um contrato uberrimae fidei, que no Latim, significa de “extrema boa-fé”. Assim, é necessário que entre as partes – seguradora e segurado – haja uma relação de confiança recíproca. Do contrário, mais uma vez, a avaliação de riscos feita pela seguradora poderá aluir.

Vera Helena de Mello Franco menciona que o segurado tem o dever de prestar declarações exatas, posto que, se falsear, altera o equilíbrio da mutualidade, pagando menos por riscos superiores, o que o fará perder o direito à garantia e, mesmo assim, permanecer obrigado quanto ao prêmio[41]. Esta circunstância está prevista no artigo 766 do Código Civil. Noutra senda, encontra-se também obrigada a seguradora a guardar “a mais estrita boa fé” no tocante às especificidades do contrato que ao segurado interessem. É o que dispõe o artigo 765 do Diploma Cível.

Conquanto se possa, neste ínterim, mencionar o que predispôs Eric Posner ao referir que “the government enacts laws that deter moral hazard, and punishes people who violate those laws[42]”, de todos é conhecido o fato de que a previsão legal não é sinônimo de certeza quanto aos atos que serão praticados pelos indivíduos. Ou seja, apesar de todo o aparato legal existente, não há informações perfeitas nem completas disponíveis no momento da celebração de um contrato. E mais: a procura por estas informações envolve custos, o que torna ainda presumível que, em vários casos, seja preciso lidar com a incerteza.

Outro problema que frequentemente acomete as seguradoras é denominado “seleção adversa”. A razão está no elevado custo para que consigam distinguir entre segurados de baixo e de alto risco[43]. Isto influi substancialmente na formação do valor do prêmio, dado que, para tanto, deverá ser utilizada uma probabilidade média[44], que é, pois, o cálculo forjado através da “lei dos grandes números”.

No entanto, o emprego da probabilidade média pode acarretar, para determinada parcela de segurados, ou custo assaz elevado ou bastante inferior a ser pago a título de prêmio, considerada a circunstância de que não se pode avaliar com exatidão o risco real que cada indivíduo representa, mas uma expectativa média. Daí resultará prêmio idêntico para com o qual estarão obrigados todos os membros do grupo.

As seguradoras definem determinados parâmetros e subdividem grupos de pessoas com base em características semelhantes. A partir disto, aplicam o cálculo de probabilidade. Robert Cooter ilustra esta conjuntura no seguinte exemplo:

“As companhias de seguro determinam que homens não casados entre as idades de 16 e, digamos, 25 anos, apresentam uma probabilidade muito maior de se envolverem num acidente automobilístico do que outras categorias identificáveis de motoristas. Em decorrência disto, o prêmio de seguro cobrado de membros desse grupo é mais elevado do que aquele cobrado de outros grupos cuja probabilidade de sofrer um acidente é muito menor”.[45]

Sob este enfoque, para aqueles que costumam ser incautos no trânsito ou não render a devida observância às normas de trânsito, o valor do prêmio pode ser razoável ou mesmo inferior em contraste com sua capacidade de ocasionar o sinistro. Já para os motoristas atentos e prudentes desta faixa etária, é provável que o valor do prêmio afigure-se excessivo.

Tal como no caso do risco moral, o dilema trazido pela seleção adversa também encontra fundamento nas falhas de informação. Ou seja, toda vez que se está diante da formação de instrumento contratual, somente cada uma das partes, individualmente, tem plenas condições de saber quais são suas reais possibilidades de cumpri-lo. Não é disponível à parte contrária conhecê-las.

Assim, nada obsta que um contrato de seguro de veículo seja celebrado com o único fim, por parte do segurado, de incendiá-lo posteriormente para ter acesso ao valor da apólice; que um seguro de vida feito pelo marido à mulher tenha como objetivo o resgate da quantia através do assassinato da esposa[46]; que um plano de saúde seja adquirido com a omissão de doenças de que é portador o segurado, etc.

Os mesmos métodos utilizados para a minimização dos problemas relacionados ao risco moral cabem para a redução dos que se apresentam na seleção adversa, segundo Robert Cooter, quais sejam: inclusão de cláusulas que autorizem o rateio com o segurado ou o emprego da franquia[47].

5 CONCLUSÃO

Os contratos de seguro despontaram em meio ao universo comercial em épocas remotas, quase em conjunto com as atividades mercantis, a fim de viabilizá-las, de vez que o risco sempre se mostrou inerente ao comércio.

Verificou-se a permanente tentativa, portanto, de afastar-se as ameaças até então conhecidas, o que se fez através, por exemplo, dos primitivos “Contrato de Dinheiro a Risco Marítimo” e do “Seguro Marítimo”.

Mais tarde, aferiu-se que o perigo não era extinto por meio destas avenças, porquanto apenas transferiam o risco, que passava a ter novo responsável, espécie de segurador, tão suscetível à insolvência quanto o próprio segurado. Este impasse foi superado pela concepção de mutualidade, quando então, os prejuízos passaram a ser diluídos em meio a uma coletividade exposta aos mesmos riscos.

O desenvolvimento das ciências matemáticas deu origem a outros ramos, como a estatística e a atuária, que permitiram os cálculos atualmente realizados pelas seguradoras, para que, de fato, possam garantir a compensação financeira em caso de dano patrimonial ou extrapatrimonial do segurado.

Na contemporaneidade, o cômputo do prêmio a ser pago pelo segurado, abrange, inclusive, oscilações decorrentes da assimetria de informações, do risco moral e da seleção adversa, para a preservação e segurança das transações securitárias.

 

Referências
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
BRASIL. Lei revogada 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm
Conselho Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Estatística do Mercado Segurador. Disponível em http://www.cnseg.org.br/cnseg/estatisticas/mercado/
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COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010.
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SILVA, Ivan de Olveira. Curso de Direito do Seguro, 2ª edição. Saraiva, 2012.
Notas:
[2] SILVA, Ivan de Olveira. Curso de Direito do Seguro, 2ª edição. Saraiva, 2012, p. 25.
[3] Idem.
[4] SILVA, Ivan de Olveira. Curso de Direito do Seguro, 2ª edição. Saraiva, 2012, p. 25.
[5] História da civilização: nossa herança oriental, p. 301-302 Apud SILVA, Ivan de Olveira. Curso de Direito do Seguro, 2ª edição. Saraiva, 2012, p. 28.
[6] SILVA, Ivan de Olveira. Curso de Direito do Seguro, 2ª edição. Saraiva, 2012, p. 26.
[7] Idem, p. 27.
[8] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 310.
[9] Idem.
[10] CARVALHO, J. Seguros de Automóveis no Brasil: Mudanças Potenciais no Sistema de Distribuição em Função da Venda pela Internet. Dissertação (Programa de Mestrado em Administração). – São Caetano do Sul: USCS. 2012, p. 35.
[11] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 312.
[12] Idem.
[13] Idem.
[14] Idem.
[15] Idem.
[16] Ibidem.
[17] Idem.
[19] O Código Civil de 1916 assim previa em seu artigo 1.432: “Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizar-lhe o prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato”. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm, acessado em 12/09/2015.
[20] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 322.
[21] Idem.
[22] SILVA, Ivan de Olveira. Curso de Direito do Seguro, 2ª edição. Saraiva, 2012, p. 85.
[23] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 324-325.
[24] Idem.
[25] Idem.
[26] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 315.
[27] Idem.
[28] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 316.
[29] Idem.
[30] Idem.
[31] Idem.
[32] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010, p.69.
[33] Idem.
[34] Ibidem.
[35] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 70.
[36] Idem.
[37] Idem.
[38] Idem.
[39] Ibidem.
[40] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 70.
[41] FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 321.
[42] POSNER, Eric A. Agency models in Law and Economics. John M. Olin Law & Economics Working Paper No. 92. 2D Series. The Coase Lecture. Winter 2000, p. 11.
[43] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010, p.70.
[44] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010, p.70.
[45] Ibidem.
[46] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2010, p.70.
[47] Idem.

Informações Sobre o Autor

Nina Koja Cassali

Advogada, aluna do Programa de Pós-Graduação no Mestrado Profissional em Direito de Empresa e Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos


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Equipe Âmbito Jurídico

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