Recente episódio atinente a acusações de assédio
sexual feitas por uma assessora exonerada a um ministro do Superior Tribunal de
Justiça dá a medida do mal que a divulgação de fatos anômalos e de ações penais
privadas pode produzir em particulares e mesmo, excepcionalmente, em quem
exerce autoridade nos setores públicos. Lembrem-se, somente a título de
exemplos, a atribuição de filhos adulterinos a um ou outro agente do Poder
Executivo e a obrigação, imposta a ministro brasileiro, de descalçar-se à
entrada nos Estados Unidos da América do Norte. Vale também, no exterior, o
episódio envolvendo Bill Clinton e uma estagiária da Casa Branca. Aquele
presidente se manteve no cargo e deu oportunidade à mulher, Hillary, de somar
alguns pontos à pretensão de se tornar senadora e candidata certa ao mandato
presidencial, disputando com “Bush”, o deus da guerra, a preferência do
eleitorado. A campanha eleitoral, lá, será centralizada, de um lado, no
assassínio de crianças, no Iraque. Do outro lado, vige o furor sexual de
Clinton, cuja esposa, estoicamente, teria transformado o triste episódio em
demonstração de afeto ao marido e ao povo americano.
A lembrança da invasão do Iraque encontra esteio na
criança que teve os braços amputados por uma bomba; de Clinton sobrou o vestido
de Mônica Lewinski, posto em leilão a prazo médio,
com certificado de autenticidade do DNA do ex-presidente. O ministro brasileiro
que precisou descalçar-se nos Estados Unidos não ofereceu seus sapatos ao museu
do Itamaraty. Tudo fica, entretanto, na memória do povo e nos
arquivos dos jornais, lembranças desagradáveis, é claro, não extirpadas
por qualquer apagão.
Surgiu nas manchetes, agora, escândalo gerado pela
divulgação de queixa-crime a que um juiz foi submetido, em Brasília. O
magistrado teria pedido a uma assessora, numa primeira oportunidade, que o
beijasse. No desdobramento, teria implorado um abraço. Houve recusa,
segundo o noticiário, acompanhada da propositura de querela descrevendo
compridamente os hipotéticos acontecimentos e buscando a punição do suposto
infrator. A ação penal chegou à imprensa, sendo anunciada, principalmente, na
“Internet”.
Brevíssimos comentários precisam ser traçados,
nunca no plano jurídico, pois os embates no judiciário devem ser entregues,
exclusivamente, à competência dos profissionais escolhidos. Isso é estatutário.
A preocupação maior se liga à utilização do próprio Poder Judiciário para a
divulgação do episódio gerado dentro das dependências de um tribunal. A pura e
simples transcrição do teor da queixa-crime representa um caudal de invectivas
injuriosas e difamatórias, significando isso, evidentemente, castigo antecipado
do qual o pseudo-infrator não conseguirá livrar-se, mesmo vendo rejeitar-se a
queixa. Há, no meio de tudo, rescaldo terrível no tribunal, nas famílias dos
envolvidos e na comunidade. O povo quer ver nos juízes, globalizada, a imaculabilidade que outorga à Justiça a implacável
qualidade de dizer o Direito. Daí a necessidade de discrição. Admita-se que o
incidente – divulgado pela própria querelante, diga-se de passagem –, será
superado com a brevidade possível. Apesar disso, espalha-se o restolho.
Sobrará, para Bush, a criança desmembrada; Bill Clinton não se livrará de
Mônica; o diplomata brasileiro aposentará o par de sapatos, mas lamentará o
drama pelo resto de seus dias (culpa, também, de Fernando Henrique, que deixou
o fato passar batido). Tocante ao juiz
acusado de assédio, vale dizer que o brasileiro só não perdoa o devedor
relapso. Outro dia, conversando com cliente indignado, disse-lhe que a maioria
pode até esquecer o adultério, embora pouquíssimos não o admitam. A
segunda-feira, aliás, começou com a notícia de um PM que matou a mulher e
disparou em três outras pessoas, matando-se em seguida (tudo por amor). O
padrão, no entanto, é a desculpa, como na música popular (não a do Vanzolini –
cena de sangue num bar da avenida São João). Indulgencia-se o adúltero, sim. Só não se admite o calote.
No fim das contas, vale mais o cheque sem fundos que o escorregão da cama de
casal, o que é lamentável. Que o digam
os usurários.
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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