Do injusto ônus processual para se executar obrigação pecuniária

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É oportuno, agora que se propala uma revisão do Código de
Defesa do Consumidor e ainda no espectro das reformas do CPC, discorrer-se
acerca das dificuldades e dos efeitos reversos do nosso processo de execução
notadamente no que tange à obrigação de pagar, de devolver dinheiro, a chamada
execução por quantia certa, que se torna mais tortuosa que o próprio processo
de conhecimento, máxime se o devedor é empresa (dificuldades decorrentes de sua
própria natureza jurídica e econômica, entre outras) até na falência ela (ou o
empresário) logra vencer de fato, mesmo sendo condenada de direito.

O processo de execução visa, em princípio, proporcionar
ao credor resultado prático  igual ao que obteria se o devedor cumprisse
desde logo sua obrigação. No caso de tal obrigação ter por título executivo uma
sentença podemos dizer que há outro importante escopo
para o aquele processo, a saber, a atuação pratica e efetiva da norma jurídica
individual concreta veiculada na sentença (e vale dizer : atuação da vontade da
lei também) que conheceu e pôs fim ao litígio. Ambos os desideratos deviam e
devem ser buscados,  sobretudo pelos magistrados
com o afinco de quem carece demonstrar diuturnamente a alta razão de ser de seu
mister profissional e de quem não perdeu a consciência de seus objetivos. Não
obstante, a longa esgrima processual no chamado processo de conhecimento, que,
a rigor, deveria incorporar a pressuposição não só do conhecimento, mas também
da satisfação (do já conhecido e reconhecido) do jurisdicionado vitorioso, há
ainda outra peleja: o processo executivo (outro processo dentro da mesma
demanda que visa, não sentença, não título, mas
satisfação de direito) deveria ser, por isto mesmo, exceção à regra do
cumprimento automático da decisão judicial, estímulos deveriam ser previstos na
lei e nas sentenças para tanto e não ao inverso como se dá na prática diária do
fórum. Execução de sentença mesmo na hipótese de obrigado, de devedor
(ao credor, ao Direito e à comunidade civilizada pela Justiça estatal)
renitente, contumaz (2 ou 3 vezes) na via executiva, que por isto mesmo teria
este seu péssimo hábito sancionado com as conseqüência
da declaração (em todas as demais execuções: reincidência específica civil) de
litigância de má-fé (coisa rara entre nós ou inércia legal-judicilal
?!). É o bolso que move a procrastinação executiva, logo o antídoto para a mal
há de se voltar contra o bolso do procrastinador reincidente.

A lei processual vem de distinguir, segundo a natureza da
prestação devida : a execução para entrega de coisa
(art.651, segs.CPC);  execução das obrigações de fazer e de não fazer
(art.632 e segs.) entre as quais têm destaque a de emitir declaração de vontade
(art. 639 a
641) e por fim a execução por quantia certa, desdobrada conforme seja solvente
(art.646 e segs.) ou insolvente (art.748, segs.) o devedor. Do ponto de vista
do credor-exeqüente, ou da razão última da execução judicial, que busca é a
satisfação tão rápida quanto possível do direito subjetivo; não importando muita as classificações teóricas dos  instrumentos para
se alcançar este objetivo.

De toda sorte a execução forçada (e processualmente toda
execução será forçada), que contrapõe-se à execução
voluntária da obrigação (expressa na sentença ou noutro título), ocorre quando
se dá a inexecução da obrigação, seu inadimplemento. É a instrumentalidade do
direito processual que garante, subsidiária e secundariamente, através da
execução forçada, processual, ou imprópria, satisfazer inteiramente o direito
subjetivo e dar efetividade plena ao preceito concreto de direito material.
Assim pode-se dizer que tal execução só tem lugar quando malogram as forças
coativas internas da própria obrigação que, aliás, amiúde falham em se tratando
de obrigação pecuniária de empresas ou de quem troca o deságio ético pela
vantagem econômica da protelação processual.

É louvável a evolução dos sistemas executivos através dos
tempos: da execução corporal dos romanos, da execução universal da missio in bona e da infâmia ao
insolvente medieval, hoje há o respeito à pessoa e ao patrimônio do devedor
(vide o bem de família).Todavia , o nosso cotidiano
forense tem demonstrado que inverteu-se os valores e as razões práticas da
execução forçada, que longe de garantir a satisfação do direito do credor e
a atuação da lei da sentença/acórdão
, para bem mais promover os interesses
protelatórios, já por mera chicanas, já por espírito de emulação e quase
invariavelmente por patético estímulo econômico, assim é que com os juros e
outros ganhos no mercado financeiro sempre acima das taxas legais, só os
assalariados e consumidores, os hipossuficientes de
nossa estrutura social, estão jubilados desta escola de lucrativa incivilidade.
A infâmia agora volta-se contra o devedor e contra a
justiça de nossos dias. Este desserviço jurídico e cívico se
verifica nas execuções em geral; contudo, mais naquelas desprovidas dos
eficientes meios de coerção psicológica, que aceleram a vontade na adimplência (voluntária) quase espontânea e previne a
satisfação substitutiva pelo estatal (a invasão patrimonial).

O ideal na execução é a equivalência não só econômica,
mas também jurídica, entre o adimplemento e a própria
execução enquanto atividade do Estado-juiz substitutiva da vontade do
obrigado. De sorte que na falência dos meios morais e sócio-jurídicos conducentes
à pronta execução espontânea das obrigações em geral (entre nós, no entanto,
estes meios parecem mais voltados à inexecução até in judicium)
é que desponta a execução processual, de caráter secundário (aliás
como toda  jurisdição), de último instrumento lícito para forçar a
satisfação do direito material, ou seja, tensão entre força estatal e força
individual visando a expropriação patrimonial contra o devedor resistente.

Esta derradeira e agressiva
(mais para os fracos que para os fortes) fase da execução das obrigações, a
execução forçada, daí porque processual (substitutiva da força individual,
tendência natural, mas socialmente vedada) é que vem merecendo maior reflexão
dos processualistas, notadamente nas obrigações caracterizadas por  desembolso
financeiro, máxime quando o obrigado é um hipersuficiente,
um não-assalariado, um não-consumidor (empresas incorporadoras, construtoras,
bancárias…). Neste quadro é
habitual, quase cultura forense, a inversão de valores e objetivo do processo
de execução, que deixa de ser o remédio derradeiro para ser o melhor e mais
recomendado tratamento daquelas obrigações de devolver quantia certa, de
ressarcir, de pagar… A advertência de Nietzche: “A
mais comum forma de estupidez humana é esquecer o que a gente está tentando
fazer”, é bem apropriada à temática em foco. Não
podemos, com efeito, nos esquecer que o ideal, que o salutar é o cumprimento
espontâneo, voluntário das obrigações, porque mais rápido e menos violento.
Este distanciamento dos objetivos aliado ao excesso de trabalho repetitivo que
gera o embotamento mental, funcional e logo à indolência operacional é sempre
bem aproveitado pelo devedor, com ou sem o pálio de teorias pseudo jurídicas, é “um
lento exaurimento da consciência, que a torna
aquiescente e resignada: uma crescente preguiça moral”, como diagnostica Cappelletti.

A satisfação forçada das obrigações devem
ser desestimuladas, por todos os meios e por várias razões (desafogo da
Justiça, …). Em não se podendo evitar a demanda executiva, mal menor será
reduzir-lhe a duração, até porque a cognição que se impunha já é matéria
passada, isto é tanto mais verdade (e longamente depurada) em sede de execução
de sentença. Se houver meios e modos de se incentivar judicialmente a vontade
do obrigado para conduzi-lo a adimplência voluntária (ainda que compelida) isto
será muito mais coerente com a liberdade volitiva e respectiva responsabilidade
que deve imperar nos sistemas de direito contemporâneos. Disto são bons
exemplos: a astreinte do Direito francês (cujo amplo expectro foi quase anulado entre nós) e as severas sanções
do Direito inglês (contempt of
court ), tudo visando poupar
ao credor (e ao Judiciário) as delongas e os desgastes com eventual ação
executiva do que já foi julgado.

Vale dizer, já que a execução forçada tem mais atrativos
(com ela ganha-se tempo e dinheiro e isto até às
vésperas da longínqua expropriação de bens) que a espontânea (isto porque
esquecemos dos nossos objetivos primordiais), deve-se, ao menos, evitar a todo
custo a situação limite e pouco nobre para a humanidade da substituição da
vontade individual pela estatal culminando com a invasão, manu
militari, do patrimônio do devedor; tal agravo não
deveria extrapolar sua necessária natureza  de exceção (só admissível dada
a virtual imperfeição do homem) à regra do cumprimento voluntário, espontâneo
(o melhor dos ideais) ou induzido (o ideal possível), das obrigações e,
a fortiori, as judiciais.

Toda sentença, aliás, deveria conter dispositivo mais
eficaz (que a mera boa vontade) de desencorajamento
de atos atentatórios à sua própria dignidade, que precisa ser preservada, a
qualquer preço, eis que é ponto central do travejamento político-social do
Estado de Direito. Ora, se o particular, mediante sua autonomia privada, pode
impor cláusulas penais, amiúde excessivamente onerosas, para pressionar a
vontade do obrigado, por que o Estado-juiz também e com maior prudência não
poderia impor contra-incentivos (para prevenir a violência da
expropriação de bens, que deveria ser o último estágio da execução)
àqueles atos atentatórios a tudo e a todos. Tal dispositivo desencorajador
da perversão executiva seria aplicado de logo pela sentença, após o longo
processo legal, repleto de garantias e seguranças que muitas vezes são
habilmente manejadas por advogados (parciais que são) e se transformam, sob às vistas de boa parte dos magistrados (imparciais que são),
em vantajosos duelos que só protelam a obrigação (e a exação judicial)
sobretudo as pecuniárias.

A desconsideração da personalidade jurídica de empresas
(direito-instrumento de progresso do homem, jamais de abuso e fraude) carece
também de melhor acolhida nos espíritos de nossos legisladores e julgadores,
tudo segundo um critério de salvaguarda da justa composição dos conflitos
(máxime os  entre hiper X hipossuficientes)
e prestigiamento do papel social do Judiciário.

É urgente, pois, que se dote as
sentenças de contra-incentivos a toda esta vexatória situação processual, em
que o obrigado-sucumbente tripudia sobre a sentença e
conseqüentemente sobre o favorecido por ela. São recursos, embargos,
inviabilidade prática de alcançar e/ou se pracear bens do devedor e para
agravar deturpações de preceitos legais. São, enfim, publicações, petições,
termo de conclusão e decisões que demandam meses e tudo movido por razões
inconfessáveis (só formalmente, mas de todos conhecidas) transvestidas
de razões “técnicas” (se tanto) quase sempre já reiteradamente vencidas em
todas as instâncias.

O duplo grau de jurisdição, virtual imposição dada a falibilidade do gênero humano, é um direito do
jurisdicionado, porém jamais uma obrigatoriedade (é, por assim dizer, um
recurso voluntário e não necessário); todavia, entre nós, é como se fosse uma
regra obrigatória (quase sempre estimulada pelo sistema) ainda que improvável o
êxito, ou mesmo certo o insucesso da apelação (do agravo no recurso
especial…).É preciso se repensar a cultura do recurso assumidamente
protelatório ou por “dever (?!) de ofício” (aqueles tolos recursos do poder
público). E isto ainda ocorre porque há incentivos econômicos (gratuidade ou
insignificância das custas, pelo menos os mais abonados) e
nenhum desestimulo ao que pretenda desvirtuar o duplo grau de jurisdição
convertendo-o em mera dilação de justas, devidas e sentenciadas obrigações.Por que não percentuais crescentes tendo por
referencial básico a maior taxa de remuneração do mercado financeiro ou algo
análogo ? Acréscimo financeiro este que reverter-se-ia
ao credor-vitorioso e se porventura bem sucedido o recurso tornar-se-ia ineficaz
eis que desestimulo à dilação infundada. Algo, enfim, precisa ser feito para
acabar ou reduzir com os despropósitos e pior, com a perversão social da
execução judicial, que aliada ao fato de um juiz apático ou
encharcado de “teorias” viabilizadoras de todo
este quadro patético, é o quanto basta para o descredito
da Justiça e para ultrajar o jurisdicionado “vencedor” (?!) da demanda.

É comum nas execuções de sentenças (por quantia certa e
pior se for incerta) contra empresas não se acharem bens disponíveis/viáveis
para penhora (até a sede da executada é da propriedade de outra empresa do
grupo ou não e os meio para se superar tais complicações procedimentais são,
ilogicamente, sempre mais demorados e tortuosos para o exeqüente).Quando se
lograr penhorar um bem a praça é impiedosa contra o credor (carro p.ex.: pagará
multas, impostos etc. e não raro após anos esta garantia nada garantir ou só
parte do crédito). Para assegurar o juízo, as empresas executadas amiúde
costumam ter um mesmo bem para todas estas ocasiões (há um caso emblemático: um
caminhão só existente no documento e sempre oferecido como ‘segurança’ (?!) do
juízo em embargo protelatório da devolução ao consumidor de seus salários
poupado para aplicar em imóvel residencial). Nomeiam-se bens cuja titularidade
provoque discussões, ou bens de difícil conversão em dinheiro, tudo com o fito
de protelação. Aliás, a tal ‘segurança do juízo’ (art.737, CPC) é norma cujo
peso é irrelevante para o hipersuficiente da relação
processual, contudo altamente limitativa para muitos hipossuficientes
e faz-nos lembrar de lei tão criticada por Anatole France: “Fica proibido dormir sob as pontes de Paris”.
Tratar desiguais como iguais é a suma injustiça in concreto !

Por que será que raramente se vê, nestes casos, nomeação
de bens conforme a ordem legal (art.655, CPC) imposta ao devedor (porém sem
qualquer sanção eficaz, eis que a comutação no ‘direito’ de nomear mais
protela/onera o credor)? Prefere-se nomear bens
imóveis cuja conversão em dinheiro gera delongas. Nestes casos  sempre às
vésperas da praça vem o depósito da condenação (que para sua atualização
ensejará novas demandas “calculatórias”, como almeja
o devedor) se isto for do planejamento econômico do executado. Se houver
necessidade de conversão de arresto em penhora ainda  pior  será, eis
que da ida ao oficial de justiça, o ato em si e até o retorno dos autos para
publicação respectiva, leva-se na melhor das hipóteses meses, tudo só
favorecendo ao devedor-perdedor na Justiça (perdedor ?!),
como é regra conquanto não concebida muito praticada no dia-a-dia das
execuções. E se o executado transita bem pelos meandros do Fórum, tudo poderá
se prolongará ad eternum.
Ora, tal conversão deveria ser automática e por ato do juiz: se ele pode
expropriar por que não poderia, ele mesmo, praticar o ato formal daquela
conversão. Há, por assim dizer, uma estranha e enrustida sensação de que o
pobre devedor merece mais a severidade da lei e o rigor de sua interpretação
que o devedor mais poderoso.

Outra inversão da lógica social, é
o fato da força atrativa dos concursos de credores. Por que o concurso de
credores falencial ou não (art.762, CPC e art.24, Lei
de Quebras) terá o condão de prejudicar, retardando, protelando como convém aos
devedores empedernidos, a satisfação do direito do credor (cuja ‘culpa’ de
estar em juízo é menor que a do devedor) pelo fato da “conveniência” genérica da vis atractiva do juízo do
concurso creditício ? Sem  embargo daquela
conveniência, há outras de mor valor social que a do
comerciante falido ou do insolvente civil a excepcionar tal força atrativa concursal. Como esta “conveniência” não convém, senão ao
devedor, o Estado tratou de livrar-se dela e assim a execução fiscal (até por
razões de ordem) não se submete ao delongado concurso. E por que o socialmente
mais vulnerável, o hipossuficiente (o consumidor, o
assalariado…) deve ter seu crédito arrastado em disputa desigual (c/ bancos,
fornecedores e credores outros melhor aquinhoados pela lei)?
As mesmas razões que justificam a exceção para a fazenda pública  devem
servir para excluir, por justiça, os créditos (de natureza alimentícia,eis
que parcelas de salários) de consumidores e trabalhadores, assim definidos,
enquanto tais, pela lei.

Na mesma linha de raciocínio, é de se questionar o privilégio
do Estado-fisco em detrimento de hipossuficientes
(vulneráveis econômica, social, técnica e juridicamente) lesados em seus
direitos de trabalhador e consumidor por empresas e atividades
autorizadas/fiscalizadas deficientemente pelo poder público? Lembremos
apenas como referência, o caso da Encol e seu cápo, ambos tratados a “pão-de-ló” até às vésperas da
quebra monumental da empresa, e só agora o Estado, que tudo podia prevenir, vem
de ser acordado para tomar seu lugar na fila dos credores à frente de quem foi
lesado e nada podia contra tal desfecho se não planejado, pelo menos esperado e
consentido a partir de omissões de bancos credores (maus analistas de
empréstimos) e do poder público, que não fiscaliza bem nem mesmo seu próprio
interesse. São pois conflitos de interesses e
direitos que pelo princípio da proporcionalidade carecem de revisão ponderada reequilibrando-se interesses em jogo, máxime em prol dos
desprotegidos e menos ligados à causa do mal.

No tocante à execução judicial em geral e mais sensivelmente
a da obrigação de cunho pecuniário o grande avanço seria aplicação daquele
sistema gaulês da astreinte, não com a restrição que,
entre nós, se lhe impôs: só cabível às obrigações de fazer e de não fazer.
Restrição esta muito alegada para não cominá-la e pouco explicada para
esclarecer a impossibilidade de extensão (só o fato da lei é
pouco para magistrados despertos para as necessidades diuturnas, também não há
boa explicação para aquela restrição, antes ao contrário, senão vejamos.

A aplicação da multa diária (astreinte)
às espécies como a presente, em que há condenação de devolver parcelas pagas em
função de contrato de compra e venda rescindido/resolvido judicialmente, é uma
garantia da efetividade do processo (celeridade, não-protelação e efetividade),
eis que é meio de coerção do devedor (art.645, 644 e 287, do CPC) mais
eficiente do que a atividade manu militari do Estado (expropriar bens do devedor) que
serve mais a propósitos procrastinatórios que para aviar o crédito (que em face
desta delonga procedimental costuma até se inviabilizar :
é o “ganha, mas não leva !”). Ora se as astreintes
substituem, como ensina Alcides Mendonça Lima (‘Com. CPC’, Forense, 1987, 5ª ed. p.740), a atividade manu militari, a violência do Estado-juiz que seriam inoperantes
diante das obrigações de querer prestar ou de querer não-prestar (de fazer ou
de não fazer), por que não haver a mesma substituição (violência por
não-violência) nas demais obrigações ? Afinal, a violência patrimonial atinge
também à pessoa, não em seu corpo físico, mas por certo em corpo psíquico.

Assim sempre que coubesse seria infinitamente melhor para
todos (rapidez, efetividade, querer adimplir) o querer
cumprir as obrigações, ainda que induzido pela pena econômica; só mesmo para os
casos de resistência para além desta pressão psicológico-econômica
restaria o procedimento da invasão patrimonial. Não haveria tanta conveniência
em se aguardar e protelar o desfecho violento da expropriação de bens, neste
contexto, no mais das vezes, a sucumbência judicial se inverte (ganha o
perdedor e perde o ganhador).

Ainda poderíamos sustentar, para coadjuvar a tese da extensibilidade de nossa astreinte,
que a objeção se tem aludido para impedir tal conveniência, ou seja, a de que a
obrigação de devolver dinheiro não é de fazer. Tal tese conquanto muito
repetida, não resiste ao mais leve crivo da lógica  jurídica. Em verdade,
a obrigação (que já existia desde a fase pré-processual) que tem o executado,
nestes casos, desde o trânsito em julgado da sentença que lhe determina
devolver dinheiro ao exeqüente, não é outra senão a de fazer (não um facere manufatura, obra) a restituição da verba. As
obrigações são sempre classificadas em sistema tripartite: a de fazer, a de dar
(obrigações positivas) e a de não fazer (obrigação negativa). Indubitavelmente
a obrigação de pagar ou devolver dinheiro não é de outra natureza senão
variação da obrigação de fazer  o pagamento, a  devolução. De
tal sorte não sendo, a determinação judicial de devolver dinheiro, uma
obrigação de não fazer, só forçadamente poderá ser de dar, eis que a entrega
(núcleo, suporte fático do dar) não absorve o pagar (núcleo da condenação
pecuniária) da devolução de dinheiro (antes pago ao executado).

Para Pontes de Miranda o facere
envolve: escrever, inventar, residir, esculpir, pagar… (cf. Tratado Dir.
Privado, Ed.RT, 3ªed., SP, 1984, vol
23, p. 45, § 2778). Noutra passagem o mestre dos mestre,
leciona que: “Dar é fazer. Fazer é todo ato positivo.” (op.cit.p.50, § 2779). Fácil é perceber-se que não há consenso doutrinário na
distinção de obrigação de fazer e de dar, até porque ontologicamente não há,
ali, o que estremar.

Ensina a propósito, o mestre Sílvio Rodrigues que a
obrigação de fazer consiste na prática de um ato, até mesmo de ato jurídico, verbis :

“Na obrigação de fazer o devedor se vincula a um
determinado comportamento, consistente em praticar um ato, ou realizar
uma tarefa, donde decorre uma vantagem para o credor. Pode a mesma constar de
trabalho físico ou intelectual, como também da prática de um ato jurídico.”(Direito Civil, Parte Geral das Obrigações, Vol 2, Saraiva, 21ª ed., 1993, cap. III,  Das
Obrigações de Fazer ou de não faze
r,p.33, grifamos).

E  linhas adiante, continua
o  mestre:

“De um certo modo se poderia
dizer que dentro da idéia de fazer, encontra-se a de dar”. (grifos do
doutrinador).

Também o insuperável  Serpa Lopes confirma
:

“A distinção entre obrigação de fazer e obrigação de dar,
reputada inútil por alguns autores
, entretanto, tem grande alcance pratico
no sistema onde a obrigação não é elemento translativo
do domínio.Entretanto, difícil é encontrar-se o
critério revelador dessa distinção, atento a que, no fundo, como observa M.I.
Carvalho Mendonça, toda obrigação representa um facere.(Curso
D.Civil, Vol.II, 3ª ed.,1961, F.Bastos, p.75,grifamos).

Como se pode depreender, no que diferem (se há
diferenças) as obrigações de fazer e de dar (só na pratica e não no jurídico)
nada há de relevante que possa impedir a previsão já no título executivo
judicial, já no despacho de recepção da inicial da execução, da multa diária.
Antes ao contrário, a atual Carta Magna vem de garantir, como direito
fundamental, a promoção, pelo Estado, da defesa do consumidor, inclusive como
princípio norteador da atividade empresarial (art.5º, XXXII e 170,V) e por outro lado o Código do Consumidor prevê a
facilitação da defesa dos direito deste polo mais
vulnerável da relação jurídica de consumo (art.6º,VIII e 4º, I, CDC). Afinal
toda norma jurídica deve ser reconduzida aos valores  constitucionais
vigentes. Uma coisa é ler um código, uma lei sob a ótica da velha ordem
constitucional; outra coisa bem diferente é relê-los à luz da nova opção
ideológico-jurídica inaugurada pela Lei suprema e o juiz não pode ser mero
imitador servil da norma, de modelos decisórios incompatíveis com aqueles
valores constitucionais.

O índice de eficiência do sistema processual de um povo, está fixado precipuamente no grau de versatilidade de seu
processo de execução. Com efeito, “a força da lei, e com ela a autoridade do
Estado, está em jogo no processo execução tanto ou mais que no processo de
cognição.” (Micheli, ‘Derecho
Procesal, ed.1970, Vol III,
p.380). Vale ressaltar, a propósito, que a tutela jurisdicional executiva é de
caráter excepcional, eis que satisfeita a pretensão confirmada na sentença a
ordem jurídica estará restaurada. No entanto tal  verdade já está quase
esquecida, porque são insignificantes as estatísticas de pronta satisfação
daquela pretensão e resguardo da autoridade e dignidade da decisão judicial.

Sucede que nas demandas cujo
substrato conflitivo seja expresso pela dialética,
perversa por natureza, hipersuficiente versus hipossuficiente, tanto faz seja de dar ou de fazer a
obrigação, é ai que mais se exige uma interpretação construtiva e consciente
das aspirações e vicissitudes de nossa época, o que por si só impõe a superação
do reducionismo do direito à legalidade e da resistência em abandonar
envelhecidas e já injustas concepções.

A hora presente requer o pronto desmentido da
proverbial inércia natural do jurista que se contenta na ”rotina das idéias
recebidas” e às vezes mal recebidas. O processo de execução carece, pois, de
profunda reforma, não à luz de meros ideais teóricos, mas na perspectiva da
lógica do dia-a-dia forense e da necessidade social de eficácia e celeridade
judicial. Recepcionemos, não como história, mas ainda
como repto atualíssimo, o ensinamento de Paula Batista que em 1855 concebia o
processo nesta síntese admirável: “Brevidade, economia, remoção de todos os
meios maliciosos e supérfluos, tais são as condições que devem acompanhar o
processo em toda a sua marcha.” Vale registrar, a propósito, que ao tempo do
mestre pernambucano vigorava a concepção francesa da passividade e inércia do
juiz no processo.

A multa diária, contra-incentivo à procrastinação e seus
eventuais ganhos econômicos, é certamente a melhor opção e seria exigível
desde o trânsito em julgado daquela sentença (favorável, é claro, ao
exeqüente), mas devida desde o dia de sua publicação ou 24 horas após
isto (quando se configurada o não-cumprimento nem mesmo da ordem judicial).Reitere-se o duplo grau de jurisdição, enfim o recurso,
não é, máxime nestas hipóteses, imposição ao sucumbente, mas conveniência que
ele há de sopesar melhor antes de reutilizar a máquina judicial e o tempo de
todos.

Como bom exemplo deste reforço à dignidade em juízo,
pode-se citar o § 3º, do art. 213, da Lei nº 8069, de
13/07/90 (Est. da Criança e
do Adolescente), superada também, como se vê, a orientação do STF no
RE-94966/81-RJ, em que se vedava a retroação da astreinte
a data anterior a do trânsito em julgado da sentença que a cominou. Está lei,
no entanto, enclausurou a possibilidade de aplicação da astreinte,
nas obrigações de fazer e de não fazer, tal como fez o “Código do Consumidor”,
até porque ambos são resultante do mesmo estágio de evolução que a legislação
processual experimentou sobretudo logo após a nova
Constituição Federal.

Um novo avanço nesta evolução processual
(desconectando-se das envelhecidas e ocas teorias) e bom referencial para
reforma aqui defendida, é o art. 67, da Lei nº 8.884,
de 11/06/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a
ordem econômica, em
seu Título “Da execução judicial das decisões do CADE (que
pelo jeito devem ser executadas de modo mais eficiente que as da própria Justiça!). Ali já não se limita o campo de aplicação da
multa diária (até porque ilimitadas são as necessidades dela) senão ao objetivo
visado, isto é, a cessação da infração, que pode ser um  entregar, ou um
dar, segundo o que for ordenado na decisão do CADE.

Melhor ainda é o descortino (estágio último daquela
evolução) do art. 52, V, da Lei nº 9.099, de 26/995,
que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis; neste dispositivo legal reza-se que : “ nos casos de obrigação de entregar, de fazer, o
juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária…”
(destacamos). Ora, é consabido que entrega é o núcleo
da obrigação de dar (não dar que  não pressuponha entrega), contudo para
ficar claríssima e indiscutível a abertura (de toda conveniência) para as
virtuais necessidades do dia-a-dia, o mesmo dispositivo arremata que “…
incluída a multa de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor
na execução do julgado;” Como se vê, a Súmula 500 do STF está superada pela
evolução ocorrida posteriormente aos seus precedentes, todos da década de
sessenta. Tratava-se da então ação cominatória manejada para compelir a entrega de jornais a assinante (RE 61068/67-SP;
RE62942/67-SP; 63726/68-SP; RE62942/67-SP). Aliás, a execução de sentença
regulada neste diploma recente, mostra bem alguns dos avanços agilizadores (eliminação de nova citação…) que deveriam,
além de outros, ser ajustados aos objetivos e às necessidades práticas de hoje
no que tange, pelo menos, à conversão da sentença  (mero meio) em
direito satisfeito (este sim o fim).

Pode e deve haver, como se vê,
cominação de multa diária na hipótese de obrigação de dar (devolver dinheiro,
eis que é aqui que convém protelar) e também pode e deve tal multa retroagir
para melhor alcançar seu desiderato: satisfação rápida do exeqüente (mormente o
hipossuficiente) e pronto  prestigiamento
das decisões judiciais (já longamente debatidas).

O Código do Consumidor (antítese contemporânea do Código
dos Comerciantes) é bem o espelho desta necessidade dos dias coevos, porém o seu art.84 ficou aquém da melhor concepção
que viabiliza a pronta (tanto quanto a prática possibilitar) satisfação
das obrigações em geral. (Art. 84: “Na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação em geral, o juiz…”). A mesma adequação é de se
propor, com mais razão, quanto ao CPC (Art.646: “A execução por quantia certa
tem por objeto expropriar bens do devedor, após
exauridos todos os meios de coerção psicológica visando o  cumprimento antecipado
da obrigação…”; § único :“O juiz poderá impor, independente de pedido, multa
diária objetivando a antecipação do cumprimento da obrigação…”). Não há, em
princípio, incompatibilidade entre as obrigações em geral (de fazer, de
não fazer, de dar…) e a multa diária, antes ao contrário.

O processo e a jurisdição não podem se prestar à
injustiça social e a atos atentatórios à dignidade da Justiça, como sói ocorrer
nas execuções de obrigações pecuniária, em abono disto há a precisa lição de
Cândido Dinamarco afirmando que a jurisdição possui
pelo menos três escopos básicos:

“social:
pacificação com justiça, educação; político: participação, afirmação da
autoridade do Estado e do seu ordenamento e jurídico: atuação da vontade
concreta do Direito.” (“A Instrumentalidade do Processo”, Ed.RT,
1987, SP, p. 447).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Otávio de O. Amaral

 

advogado militante há mais de 27 anos e professor de Direito há mais 25 anos. Já lecionou na UnB e UDF. Ex-Diretor de Faculdade de Direito em Brasília. Atualmente leciona na Universidade Católica de Brasília-UCB. Foi assessor de Ministros da Justiça; do Min. da Desburocratizarão/P. Rep. Secret. Nacional de Dir. Consumidor. Autor de “Relações de Consumo” (04 v.); “O Cidadão e Consumidor” (co-autor); “Comentários ao Código Defesa do Consumidor, coord. Prof. Cretela Júnior (Ed.Forense) e “Legislação do Advogado”, MJ, 1985. Autor de “Lutando pelo Direito” (Consulex, 2002); e de “Direito e Segurança Pública – juridicidade operacional da Polícia” (Consulex, agosto/2003) e ainda de “Teoria Geral do Direito” (Forense, mai/04).

 


 

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