Os efeitos da constitucionalização do direito e a função social dos contratos

1. Introdução


A Constituição de 1988 objetivou a manutenção da equação e o justo equilíbrio contratual, desta forma, todos os interesses em jogo na formulação de um contrato estariam harmonizados.


Este novo entendimento não se mostrava compatível com o Código Civil de 1916, que tinha como uma de suas características mais marcantes o pacta sunt servanda. Com o Código Civil de 2002, procurou-se o afastamento das concepções individualistas do diploma anterior, buscando através do princípio da sociabilidade adequar-se aos novos paradigmas constitucionais, daí o surgimento da função social do contrato no corpo do atual Código Civil.


Neste ensaio, pretende-se analisar os efeitos da constitucionalização do direito civil no âmbito do direito contratual, com ênfase na função social do contrato, que hodiernamente é um dos pilares da Teoria Contratual atual.


2. Código Civil de 1916 e o Pacta Sunt Servanda


O Código Civil de 1916 tinha uma concepção individualista, representando os ideários do Estado Liberal.  Na época em que o Código Civil entrou em vigor, a Constituição ainda não ocupava papel central em nosso ordenamento jurídico, papel este ocupado na época pelo próprio Código Civil.


O Direito Contratual detinha como característica mais marcante a autonomia da vontade, ou seja, liberdade contratual plena. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:


“O princípio da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado…”


O princípio da autonomia da vontade contratual teve o seu apogeu após a Revolução Francesa, tendo como principais características o individualismo e a pregação de liberdade em todos os ramos do direito, inclusive o contratual.


Com efeito, a transição do Estado Liberal para o Estado Social, e a busca por uma maior justiça contratual; mudanças ocorridas a partir do momento em que a Constituição Federal ocupou o centro do ordenamento jurídico pátrio, elencando como um de seus principais objetivos garantir a igualdade tanto nas relações sociais quanto nas relações econômicas; o princípio da autonomia da vontade sofreu uma redução  considerável de papel e importância.


3. Função Social do Contrato


Após a Constituição Federal de 1988, o núcleo do contrato passou a seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. Podemos localizar o Princípio da função social do contrato inserido no texto constitucional no artigo 170, caput, ao conciliar a livre iniciativa à justiça social.


Por identificação dialética o Princípio da Função Social do Contrato guarda intimidade com a função social da propriedade também previsto na Constituição Federal.


A função social do contrato tem como escopo limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia choca-se com o interesse social, devendo este prevalecer, ainda que esta limitação importe em atingir a liberdade de não contratar, como bem leciona o ilustre Professor Caio Mario.


Nessa consonância, o Código Civil de 2002 em seu artigo 421 estabelece que: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Nota-se que por este dispositivo, subordina-se a liberdade contratual à sua função social, prevalecendo os princípios condizentes com a ordem pública.


Parece-nos acertado o entendimento de Haina Eguia Guimarães em seu ensaio sobre o mesmo tema:


“A função social do contrato surge para proporcionar maior equilíbrio nas relações contratuais, tornando-as mais próximas do ideal de justiça, através da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Somente os contratos que cumprem a sua função social são dignos da tutela do Direito”


Ressalte-se que o contrato cumpre a sua função social respeitando também a sua função econômica, promovendo a circulação de riquezas, ou a manutenção das trocas econômicas, na qual o lucro não pode ser desprezado, já que contemporaneamente vivemos em uma economia de mercado.


4. Conclusão


Este ensaio analisa brevemente a Constitucionalização do Direito Civil e sua influência no Direito Contratual, com ênfase na função social do contrato.


Em decorrência da mudança do paradigma constitucional, que colocou a Dignidade da Pessoa Humana como centro de todo o ordenamento jurídico, abandonando assim o caráter patrimonialista, uma mudança profunda ocorreu em todos os campos do direito e no que tange ao direito civil, com relação aos contratos a necessidade de um equilíbrio maior entre as partes contratantes.


Daí o surgimento do Princípio da Função Social dos Contratos no Código Civil, fazendo uma releitura à luz da constituição, do artigo 170 caput.


Observamos que o modelo contratual do Estado liberal, já não atende mais a socialização do direito contemporâneo. 


Atualmente as cláusulas contratuais que proclamam a função social do contrato exigem um comportamento condizente com a probidade, a boa-fé objetiva, a tutela dos hipossuficientes e a equivalência das prestações contratuais, tendo sempre como escopo uma melhor interpretação dos contratos, ocorrendo assim a justiça contratual.


A perspectiva civil-constitucional com relação a função social do contrato é de que esta funcione como um dos corolários do valor social da livre iniciativa, mitigando assim o Princípio da Autonomia da Vontade , pilar de uma teoria contratual alicerçada no individualismo e no desequilíbrio latente das partes contratantes, fulcro de um Estado Liberal.


Assim, comungo da opinião com aqueles que entendem que o contrato deve além de gerar riquezas e movimentar a economia de mercado, também possuir uma função social.


 


Referências bibliográficas:

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais – 6. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2009.

GUIMARÃES, Haina Eguia. A função social dos contratos em uma perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5814>. Acesso em: document.write(capturado()); 19 mar. 2010.

http://posestacio.webaula.com.br. A constitucionalização das relações privadas e sociedade. Biblioteca 2006.

Informações Sobre o Autor

Vanessa Pinheiro da Silva Barroso


Equipe Âmbito Jurídico

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