Resumo: A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) foi edificada para sancionar o mau administrador. Regulamentou o art. 169, da CF, trazendo ao ordenamento jurídico limites ao controle da despesa pública, sobretudo com pessoal. Dentro desta temática passou-se a questionar: os limites impostos por essa lei ofendem o princípio da eficiência, que, aposto no art. 37, da CF, pela EC 19/98, exige uma prestação dos serviços públicos com qualidade? Foi com este objetivo a que destinou este artigo. Inicialmente, abordou-se sobre a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, passando a observar o que significa o princípio da eficiência e analisar os artigos 21 a 23 da LC 101/2000.
Palavras-chave: Lei de Responsabilidade Fiscal – Despesa com pessoal – Princípio da eficiência
Abstract: The Fiscal Responsibility Law (LC 101/2000) was built to punish the bad manager. Regulating the art. 169 of the Brazilian Constitution, it brings the legal limits on the control of public spending, especially with staff. Within this theme has to question: the limits imposed by this law undermine the principle of efficiency, which, affixed to the art. 37 of the Brazilian Constitution, by the EC 19/98, requires the provision of public services with quality? It was with this objective, which has provided this article. Initially, we dealt with on its own Fiscal Responsibility Law, passing the note which means the principle of efficiency and analyze the articles 21 to 23 of LC 101/2000.
Keywords: Fiscal Responsibility Law – public spending – principle of efficiency
Sumário: 1. Introdução. 2. Sobre o Princípio da Eficiência. 3. Sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. 4. O controle da despesa com pessoal imposto pela LRF. 4.1 Dos limites percentuais impostos pela lei. 4.2 Do controle da Despesa Total com Pessoal. 5. Os limites do controle da despesa com servidores públicos: por uma efetivação[1] do princípio da eficiência. 6. Conclusão. Referências Bibliográficas
1. Introdução
No Brasil, historicamente priorizou-se o estudo do fenômeno tributário. Enfatizou-se a arrecadação em detrimento do gasto. Esta é a razão pela qual o Direito Tributário se desenvolveu mais do que o Direito Financeiro.
Entretanto, toda atuação estatal pressupõe um gasto. Não adianta que o Estado concentre seus esforços na arrecadação quando é pela despesa que irá realizar os Direitos Fundamentais dos cidadãos, priorizados no plano de governo. A partir de então, passou-se a focalizar o Direito Financeiro, sobretudo na realização da atividade financeira.
Esta não é um fim em si mesma, mas um meio para a realização de outros fins. E estes visam o atendimento das necessidades públicas. Estas carências estão contidas na Constituição Federal. Educação, Saneamento Básico, Saúde, todos estes são direitos dos cidadãos e que devem ser efetivados pelo Estado.
O ente político dispõe-se da despesa pública para agir. Esta, por sua vez, deve estar delimitada no orçamento público que não poderá ser constituído de forma descontrolada. Para nortear a criação das leis orçamentárias foi editada a LC 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual traz em seu bojo normas de controle para a efetuação de despesas públicas.
Mas o controle deverá ser eficiente, para que a Administração Pública atue eficientemente. Dessarte, até que ponto se poderá limitar o gasto com pessoal de forma que este gasto não venha prejudicar a atuação eficiente da Administração Pública?
Solucionar este e outros questionamentos que poderão surgir, é o que se tentará fazer nas breves linhas que se seguem.
2. Sobre o Princípio da Eficiência
O princípio da eficiência, explicitamente, foi acrescido ao caput do art. 37, da CF, por meio da Emenda Constitucional nº 19/98. Como ressalta José dos Santos Carvalho Filho, isto resultou da insatisfação da sociedade com a prestação dos serviços públicos.[2]
Conforme Celso Antonio Bandeira de Mello, o princípio da eficiência é juridicamente bastante fluido e de difícil controle, que não pode ser concebido senão em consonância com o princípio da legalidade. Para o autor, o princípio da eficiência é uma vertente do princípio da “boa administração”, concebido no Direito italiano.[3]
No entanto, este princípio passou a deixar sua vaguidão quando a EC nº 45/04 acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º, da CF. Neste dispositivo exige-se eficiência para a celeridade processual e duração razoável do processo.[4]
Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta dois aspectos do princípio da eficiência: quanto ao modo de atuação do agente público, o qual deverá agir com a maior presteza que for capaz; e em relação à organização da Administração Pública.[5] Por isso, a Administração deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos de administração gerencial, para incentivar os seus servidores (como em uma empresa privada) e cumprir o princípio em comento.[6]
Carvalho Filho aponta que o núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade. Exige-se redução dos gastos públicos, mediante a execução de serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional.[7]
Maria Paula Dallari Bucci, afirma que o termo eficiência denota a alocação de recursos em que o valor é maximizado, mas que se limita ao critério ético da tomada de decisões sociais.[8] E política, acrescenta-se, o que ultrapassa a fronteira jurídica alcançando o âmbito das decisões políticas. E, uma vez situado neste campo, desemboca nas discussões orçamentárias.[9]
Em meio ao orçamento público, o princípio da eficiência relaciona-se com o princípio da economicidade. Para Ricardo Lôbo Torres, a economicidade é “a relação favorável entre os meios e os fins, que consiste ou em obter um certo resultado com a menor utilização de meios possíveis ou o melhor resultado possível com a utilização de certos meios.”[10] Para o doutrinador, o controle da economicidade implica no controle da eficiência na gestão financeira. Implica na redução de despesas e elevação da exação. Não se trata de apenas economizar gastos, mas de equilibrar as finanças públicas.[11]
Diante disso, observa-se que o princípio da eficiência foi trazido pela EC 19/98 graças à insatisfação da sociedade. E o foi em atraso, já que se passaram dez anos em relação a promulgação da Carta Magna para que subsistisse a exigência constitucional.[12]
A busca por uma Administração Pública mais eficiente parte não só do âmbito jurídico, mas também do aspecto orçamentário. Eis a razão pela qual surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.
3. Sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal
Ao contrário do que aponta a maior parte da doutrina, a Lei de Responsabilidade Fiscal não estréia uma nova fase das finanças públicas brasileiras. Por outro lado, encerra um processo iniciado na década de 1970,[13] quando se alterou o padrão de financiamento do sistema econômico brasileiro.[14] E diante da finalização daquele processo, a LC 101/2000 foi edificada, tendo por objetivo controlar o déficit público, estabilizando-se a dívida do ente político.[15] Mas este não é um fato isolado no cenário brasileiro. A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – expõe a necessidade mundial do equilíbrio financeiro. Isso porque o equilíbrio financeiro global repercute na própria economia mundial. Quando os países estão estabilizados, suas relações econômicas fluem, proporcionando geração de renda e empregos. Ademais, com a desarticulização com o direito econômico, o direito financeiro passou a se concentrar na organização do capitalismo “impondo a rigidez dos instrumentos financeiros às boas intenções do constitucionalismo econômico do século XX”[16]
A LRF sofreu influências de diversos outros países, tais como a Nova Zelândia, quanto à transparência na Administração Pública, e os Estados Unidos, no que tange à limitação de empenho.[17] Mas no cenário nacional, esta lei foi edificada para “sanar espaço punitivo contra o mau administrador público” [18]. Para tanto, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.[19] O art. 1º, § 1º, da LC 101/2000 estabelece o que vem a ser tal forma de responsabilidade:
“§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.”
Segundo a exposição de motivos da referida lei, são regulamentados por ela os arts. 163, I, 165, § 9º, e 169, da CF. Estes dispositivos permitem unicamente à Lei Complementar dispor sobre o exercício financeiro, prazo, despesa pública, dentre outros institutos de direito financeiro. Estes artigos, conforme dispõe André Pereira Menezes, sofreram suas primeiras modificações pelas Emendas Constitucionais 3/93 e 19/98 e pelas Leis Complementares nº 82/95, que disciplina os limites das despesas com o funcionalismo público, e 96/99, que dispõe sobre os limites das despesas com pessoal.[20] Mas foi com a edificação da LRF que se conseguiu avançar no controle das finanças públicas, sobretudo quanto às despesas públicas. Esta análise é o que se fará.
4. O controle da despesa com pessoal imposto pela LRF
4.1 Dos limites percentuais impostos pela lei
Controle é uma finalidade normativa. Para cumprir a função de controlar as interações humanas, o Estado estende o poder de controle por seus órgãos. Observam-se, então, as mais variadas formas de controle (interno, externo, social, jurídico, etc.). Mas, para fins deste artigo, delimitar-se-á o controle ao seu aspecto jurídico, cujo exame será realizado a partir de agora.
De início, aduz o art. 74, da CF, que todos os poderes farão um controle interno de forma integrada, cuja finalidade é avaliar o cumprimento das metas previstas nas leis orçamentárias e comprovar a legalidade e resultados da gestão orçamentária. Quis dizer o dispositivo que o controle interno é cabível às três esferas de Poder. Cada uma deverá realizar o seu controle individual, conforme suas características “e, ao mesmo tempo, integrar o sistema com o dos outros órgãos, a fim de que haja coordenação e uniformização de comportamentos e providências.” [21]
O controle da despesa com pessoal efetuado pela LRF inicia-se a partir do seu art. 18. Este foi bastante exaustivo ao configurar como despesa de pessoal todas as espécies de gastos que tenham alguma relação com servidores públicos (ativos e inativos), empregados públicos e terceirizados.
Para fins deste este trabalho, não cumpre analisar outras formas da despesa com pessoal que não se refiram aos ativos. Quer-se dizer: verte-se somente à limitação de despesa com servidores e empregados públicos. Foi utilizado este corte, porque se vislumbrou que o Estado, ao limitar a despesa pública com os ativos, em atendimento à LRF, poderá ofender o princípio da eficiência. Ao mesmo tempo, poderá este princípio ser mitigado quando em conflito com outro, que poderá ser relevado em atendimento a uma situação emergencial, por exemplo.
O art. 19, da mesma lei, traz os limites globais da despesa pública. Impõe que para a União não serão ultrapassados 50% da receita corrente líquida, enquanto aos Estados e Municípios foram atribuídos 60%.[22]
Felipe Vasconcelos Correia afirma que parcela da doutrina reputa o art. 20, da LRF, inconstitucional, porque define os percentuais de receita a serem distribuídos para os poderes. Isso ofenderia o princípio da divisão de poderes, visto que os entes possuem autonomia para administração de pessoal.[23] Desrespeitar-se-ia, então, o disposto no art. 24, § 1º, da CF.
Conforme Kiyoshi Harada, o art. 20, da LC nº 101/2000, não pode ser eivado de inconstitucionalidade. Se assim o fosse, o Poder Executivo seria o único a vincular-se ao limite imposto, em respeito ao princípio da separação dos poderes. Os demais outros superariam os limites globais impostos pelo art. 19, da LRF.[24] Contudo, como se sabe, os poderes são independentes e autônomos, razão pela qual a Lei de Responsabilidade Fiscal deverá impor limites aos Poderes Legislativo e Judiciário, já que é imposta à toda Administração Pública.
Para Regis Fernandes de Oliveira, o art. 20, da LC 101/2000, ofende o princípio federativo, ao impor limites a estados e municípios. Aduz o doutrinador que não poderia a União expedir normas gerais que estabelecessem percentuais.[25] Segundo ele, normas gerais são princípios, já que orientam todo o ordenamento jurídico e a elaboração de outras normas. Este motivo impede a União de estender os limites para a despesa com pessoal para estados e municípios, face ao art. 24, § 1º, da CF.[26]
No entanto, não pactuamos com semelhante posicionamento. Para nós, normas gerais são diretrizes normativas generalizadas. Impõem-se aos demais entes políticos, seja por critérios territoriais, seja por critérios materiais.
Um bom exemplo de normas gerais é a Lei nº 8.666/93, que trata das licitações e contratos no âmbito da administração pública. No seu art. 23, estabelece limites para as modalidades de licitação. Com a devida vênia, caso fossem considerados os argumentos expostos pelo renomado financista, este dispositivo seria reputado inconstitucional. Mas não o foi.
Semelhante pode-se dizer quanto à LRF, quando traz normas gerais para limitação de gastos com pessoal. E as estende aos estados e municípios por critérios materiais e territoriais. Tal posicionamento foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 2.238-5. O Partido Comunista do Brasil, o Partido Socialista Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores ajuizaram esta ação com o fito de suspender os efeitos do art. 20, da LRF.
Foi alegado que o presente dispositivo estava ofendendo o art. 169, da CF, na medida em que este impõe que a despesa com pessoal dos Entes Políticos não deverá ultrapassar os limites estabelecidos em lei complementar. Assim, não poderia subsistir uma limitação por Poder, mas sim por esfera de governo, em observância ao art. 99, § 1º, da CF. Segundo os autores, o art. 20, da LRF, transferiria matéria de LDO para uma lei complementar.
No entanto, dissentimos de tal interpretação. Não nos parece que os limites do art. 20, da LRF, ofendam os critérios dos arts. 99, § 1º, e 169, ambos da CF. Conforme se observa nestes dispositivos, o que há é a limitação de gastos dos Entes Políticos pela Constituição Federal, mediante uma lei complementar.
A própria Lei Complementar nº 101/2000 não introduz no rol de matérias da LDO, a limitação do gasto do Ente Político. Esta lei orçamentária tão-somente expõe quais são as metas que deverão ser cumpridas pelo plano de governo, orientando a elaboração da Lei Orçamentária Anual. E nesta é que será contida a despesa pública que será efetuada, já em relação ao limites trazidos por uma lei complementar. Ademais, a LDO é uma lei ordinária que jamais poderá se contrapor a uma lei complementar ou regulamentar matéria desta, afinal, não é a sua finalidade.
Ao se deparar com esta argüição de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo indeferimento do pedido, ante o argumento de que o art. 169 da Carta Magna não veda que se faça uma distribuição entre os Poderes dos limites de despesa com pessoal. Pelo contrário, para tornar eficaz o limite, há de se dividir internamente as responsabilidades.[27] Contudo, ainda se aguarda o julgamento definitivo.
Ainda que se critique, como o fez Regis Fernandes de Oliveira, a constitucionalidade do art. 20, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o § 5º deste dispositivo permite que o percentual para os Poderes Legislativo e Judiciário e para o parquet seja desconsiderado, desde que pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.[28]
Mas sê-lo-ia somente para menos, em nossa opinião. Ora, se fosse ultrapassado, não haveria a razão de ser do § 5º, do art. 20, da LRF. Os entes afirmados acima, sempre que quisessem, poderiam exceder o limite percentual, bastando para tanto, a edificação da LDO neste sentido. Contudo, proceder desta maneira seria afrontar a ordem jurídico-orçamentária, já que superar o limite extrapolaria a receita do ente político.
É de se afirmar, ainda, que o parágrafo em análise perde a razão de ser diante do veto do parágrafo posterior. Estabelecia o § 6º, que “somente será aplicada a repartição dos limites estabelecidos no caput, caso a lei de diretrizes orçamentárias não disponha de forma diferente”.
Este dispositivo foi vetado ante o seguinte fundamento:
“A possibilidade de que os limites de despesas com pessoal dos Poderes e órgãos possam ser alterados na lei de diretrizes orçamentárias poderá resultar em demandas ou incentivo, especialmente no âmbito dos Estados e Municípios, para que os gastos com pessoal e encargos sociais de determinado Poder ou órgão sejam ampliados em detrimento de outros, visto que o limite global do entes da Federação é fixado na Lei Complementar.
Desse modo, afigura-se prejudicado o objetivo da lei complementar em estabelecer limites efetivos de gastos de pessoal aos três Poderes.
Na linha desse entendimento, o dispositivo contraria o interesse público, motivo pelo qual sugere-se a oposição de veto.”
Depreende-se da leitura deste veto que a exceção ao limite que seria produzida pela LDO estimularia a ampliação de despesas com pessoal de um Poder em mitigação aos demais. Não haveria um equilíbrio dos gastos com pessoal. Enquanto um ente público poderia pagar, v.g, um alto vencimento ao seu servidor, um outro Poder ou órgão não poderia fazê-lo, vez que o limite legal já havia sido alcançado. Tal comportamento mitigaria o princípio da eficiência, já que o órgão em desvantagem contaria com baixa produtividade em razão de servidores desmotivados. Portanto, para nós, o veto foi acertado.
No entanto, Di Pietro o critica. Fundamenta-se no desrespeito ao princípio da autonomia orçamentária dos entes políticos. Aduz ainda, que o interesse público é variável e as necessidades públicas, mutáveis. Deveriam os gastos públicos, portanto, variar conforme as diretrizes tomadas pelos entes.[29]
Com relação aos demais artigos da LRF, ela é, semelhantemente à Lei nº 4.320/64, bastante didática. Estabelece em seu § 2º o que deverá ser entendido por órgão para fins da LC 101/2000. Por isso, o Ministério Público, mencionado no inciso I, foi elencado junto aos poderes, por causa de sua autonomia orçamentária, atribuída pelo art. 127, §§ 2º e 3º. Com relação ao Tribunal de Contas, foi incluído no limite fixado para o Legislativo por exercer funções auxiliares a este Poder, quanto à fiscalização financeira, orçamentária e contábil.[30]
O limite trazido pelo art. 20, I, c, da lei em comento impõe seja destacado 3%, dos 40,9% estabelecidos para o Poder Executivo para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21, da CF. Como se sabe, o Distrito Federal pertence diretamente à União e por isso, deverá ser mantido por ela.
Eis a razão de ser dos 3%. Como compete à União manter os órgãos do Distrito Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal impôs uma limitação inserta em outra: dos 40,9% que o Executivo federal poderá gastar com pessoal, 3% deverão ser destinados aos órgãos a que se refere o art. 21, XIII e XIV, da CF.
O § 4º do art. 20, da LRF é criticável. Isso porque a percentagem de 0,4% é acrescida ou reduzida do limite imposto ao estado. Ocorre que o próprio dispositivo delimita o gasto com pessoal no âmbito municipal. Se o legislador quisesse estipular novo limite no caso da existência de Tribunal de Contas Municipal, que o fizesse quanto ao município, mas não quanto ao estado. Tal imposição, além de prejudicar o orçamento estatal, fere a autonomia orçamentária.
4.2 Do controle da Despesa Total com Pessoal
Passa-se a análise do controle da despesa total com pessoal. Inicialmente, cumpre transcrever os dispositivos da LC 101/2000:
“Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
I – as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1o do art. 169 da Constituição;
II – o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.
Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.”
Como aduz Di Pietro, “a expressão nulidade de pleno direito é utilizada quando a própria lei já define, com precisão, os vícios que atingem o ato, gerando nulidade que cabe à autoridade competente apenas declarar, independentemente de provocação. Não se trata de nulidade relativa, passível de convalidação, mas de nulidade absoluta”[31]
Os arts. 16 e 17 da LC 101/2000 impõem sejam realizados demonstrativos do impacto orçamentário-financeiro. Já o inciso XIII do art. 37 da CF, como se sabe, veda a vinculação ou equiparação de qualquer espécie remuneratória para efeito de remuneração de pessoal do serviço público.
Nota-se que a nulidade afirmada no caput do art. 21, da LRF, decorreu devido a descumprimento constitucional.[32] Esta imposição é trazida pelo art. 169, da CF, como sendo um silêncio eloqüente do constituinte, que é preenchido com a norma infraconstitucional. Ademais, o art. 21, da LRF, impinge de nulidade a majoração de despesa com pessoal expedida nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder. A razão de ser deste dispositivo é impossibilitar o comprometimento do orçamento subseqüente, o que prejudicaria o mandato posterior.
Ao nosso ver, esta disposição possui alto teor ético. Isso porque se afastam as disparidades políticas entre as chefias predecessora e sucessora. Prioriza-se o interesse público e não o interesse privado dos chefes do Poder.
Superado o art. 21, da LRF, passa-se a analisar o seu art. 22, aqui transcrito:
“Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.
Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:
I – concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;
II – criação de cargo, emprego ou função;
III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;
V – contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.”
Não obstante este dispositivo não afirmar quem é o responsável para realizar a verificação, o art. 59, da LC 101/2000, atribui esta tarefa ao Poder Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas, assim como aos sistemas de controle interno dos Poderes e do Ministério Público.[33]
O inciso I do artigo supracitado expõe quatro exceções à vedação. A primeira refere-se à decisão judicial.[34] Deveras, não poderia o artigo em comento exigir semelhante vedação. Agir dessa forma seria contrapor os efeitos da coisa julgada. Ofenderia, conjuntamente, o art. 5º, XXXIV, da CF.
A segunda exceção tange à determinação legal. Como afirma Di Pietro, todos os aumentos e concessões de vantagens dos servidores públicos decorrem de lei, sendo que alguns deles devem obrigatoriamente ser concedidos (como adicional de atividade insalubre ou gratificação de atividade realizada em região inóspita). O que o dispositivo veda é “a concessão de novas vantagens, mas não impede o pagamento daquelas já asseguradas em lei.” [35]
Com respeito à terceira exceção, esta é aplicada sobre a proibição de concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título derivada de determinação contratual. Esta última exceção trata da revisão anual do art. 37, X, da CF. Ocorre sempre na mesma data e sob os mesmos índices, quais sejam IPC-FIPE, IPCA-IBGE, INPC-IBGE e IGP-FGV. Por isso, não poderá a LC 101/2000 vedar aquela revisão.
Retornando as vedações, o inciso II trata da criação de cargo, emprego ou função. Ao ser exposto desta maneira, o dispositivo é inócuo, pois o que acarreta o aumento não é a criação, mas a nomeação dos servidores. Desta forma, a disposição do inciso em comento completa-se com o inciso IV, que proíbe o provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal.
Por fim, o inciso V, veda a contratação de hora extra, excetuando-se nos casos das parcelas indenizatórias pagas aos parlamentares em decorrência de convocação extraordinária e quanto a situações previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O último artigo referente ao controle da despesa total com pessoal é o art. 23. Nele está escrito:
“Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3o e 4o do art. 169 da Constituição.
§ 1o No caso do inciso I do § 3o do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos. (Vide ADIN 2.238-5)
§ 2o É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.(Vide ADIN 2.238-5)
§ 3o Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:
I – receber transferências voluntárias;
II – obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;
III – contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.
§ 4o As restrições do § 3o aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.”
Na forma do caput, deverá haver, inicialmente, uma redução em 20% das despesas com cargos em comissão, exoneração dos não estáveis e perda do cargo dos estáveis. Na hipótese destas medidas não reduzirem a despesa com pessoal para abaixo do limite, deverão ser exonerados os servidores estáveis.[36] Regis Fernandes de Oliveira reforça que não estáveis são todos aqueles não atingidos pelo art. 19 da ADCT, isto é, que não possuíam mais de cinco anos de serviço quando da entrada em vigor da CF/88.[37]
Com respeito à disposição do § 2º do art. 23 da LRF, Di Pietro aduz que é inconstitucional. Isso porque a redução de jornada somente é admitida mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. [38] Como se sabe, o art. 7º, XIII, da CF, é aplicável ao servidor público, por força do art. 39, § 3º da mesma Carta. Nesse sentido, o ministro Ilmar Galvão reputou o § 2º do art. 23 da LRF, inconstitucional. A doutrinadora aduz ainda que o § 3º do art. 23 da LRF ultrapassa o estabelecido no art. 169, § 2º, da CF. Este dispositivo impõe a suspensão dos repasses de verbas da União para os demais entes políticos que inobservaram os limites expostos pela LC 101/2000.[39] Para a administrativista:
“(…) as medidas previstas nos incisos II e III não encontram fundamento na Constituição, não ó porque impõem restrições nela não previstas como porque interferem com a autonomia financeira dos Estados e Municípios, invadindo ainda matéria de competência do Senado, prevista no art. 52, VII, VIII e IX (…)” [40]
Observa-se que os arts. 19 e 20, LRF, são o antecedente normativo. Expõem a hipótese normativa, pela qual se impõem os limites de gastos com pessoal. Por sua vez, os arts. 21, 22 e 23 trazem o conseqüente normativo, isto é, sancionam o descumprimento dos limites estabelecidos pelos artigos anteriores.
Não cabe no presente estudo tratar dos arts. 70 e 71, da LC 101/2000. É que estes dispositivos, para nós, já tiveram superados os seus limites de eficácia temporal. O art. 70 tinha eficácia até o ano 2002, enquanto o art. 71 produziu efeitos até o ano 2003.
Observado o sistema de controle da despesa com pessoal ativo pela LRF, cabe analisar se tais limites percentuais ofendem o princípio da eficiência.
5. Os limites do controle da despesa com servidores públicos: por uma efetivação [41] do princípio da eficiência
Foram demonstrados os limites a que podem ser impostos os gastos com pessoal. E, no decorrer deste trabalho, um questionamento continua a subsistir: até onde se poderão limitar as despesas públicas, sem que tal ato ofenda o princípio da eficiência?
Inicialmente, faz-se imperioso afirmar que o princípio da legalidade, em relação ao princípio da eficiência, é uma restrição dentro de outra. Isto é, o Estado deverá agir sob o império da lei, e, nesta esfera de atuação, deverá ser eficiente. E é na esfera de atuação eficiente do estado que se passa a analisar até onde devem limitar os gastos com pessoal.
O Prof. Vladimir da Rocha França, em artigo publicado na Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, questiona: “quem melhor senão o próprio destinatário do serviço público para determinar se existe materialmente a conciliação entre a prática administrativa e o ditame constitucional da eficiência?” [42]
Como se sabe, o controle da despesa com pessoal faz parte da atividade financeira do Estado. Esta, por sua vez, é uma ação administrativa. Assim o sendo, a eficiência é objeto do controle interno de cada Poder. Basta cotejar o art. 74, II, da CF:
“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;”
A LRF traz em seu bojo uma série de limites percentuais para os órgãos e entes públicos. Uma vez descumpridos estes limites, o ente será sancionado na forma do art. 23, § 3º, da LC 101/2000. Ocorre que, determinados estados da federação necessitam das transferências voluntárias explicitadas pelo inciso I do § 3º do art. 23 da LRF.
O ente público, como já dito, não pode contrapor ou desconsiderar os limites legais. Fazê-lo seria ofender o princípio da legalidade. Dessarte, se por um caminho, o ente ofende o princípio da eficiência e por outro o da legalidade, qual seria a solução para este impasse? Uma resposta que se pode atribuir é o gerenciamento das despesas públicas.
Quando assim é dito, quer-se dizer que, não somente a Administração Pública controlaria os seus gastos, como aduzido pelo art. 74, da CF, mas também a população faria sua parte. E não unicamente pelo orçamento participativo. Durante todo o exercício financeiro deverão as entidades de representação popular expor a carência no serviço público. Assim, o povo poderá reconhecer-se como elemento do Estado.
Não se cuida de controlar as finalidades públicas. Como se observa, o princípio da eficiência é um meio para a realização dos fins do Estado. Pela boa gestão das receitas, não se descumprirão os limites da LC 101/2000 e não se ofenderá, igualmente, o princípio da eficiência. Ademais, para esta boa gestão, deve-se cortar os males da Administração. Deve-se desburocratizar o aparato administrativo e reduzir gastos com atividades desnecessárias.
Mas tal não ocorre. Com efeito, o que se observa é um jogo político de ganha-perde, isto é, de “tirar vantagem de tudo”. Assim como o orçamento é norteado por decisões políticas, deverá também ser guiado por uma Administração livre de negligência, lentidão e morosidade.[43] É isto o que a população exige. É isto o que deverá fazer o Estado.
É de se questionar ainda: e se a próxima gestão já encontrar o ente endividado, sem recursos para se livrar das dívidas? Como poderá fazer para desafogá-lo sem desobedecer ao princípio da eficiência?
Note-se que de boa finalidade é o parágrafo único do art. 21 da LRF. Como já dito, este impede seja aumentada a despesa com pessoal nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do chefe do Poder Executivo. Este limite coíbe incrementos de despesa que visam prejudicar o mandato do próximo governante que, por exemplo, pode advir de partido político diverso ao daquele que ordenou o aumento da despesa com pessoal.
Ainda, não é ocioso ressaltar que o princípio da eficiência é um meio e não um fim da Administração. Assim o sendo, poderá ser mitigado quando em confronto com outra prioridade, como a saúde pública. Ou seja, a qualidade da prestação do serviço poderá cair em detrimento de sua prestação.
Mas não de forma perene. Atente-se que, na situação em análise o ente está passando por dificuldades financeiras que precisam ser solucionadas. Não é um fato constante. É uma ocorrência isolada. Por isso, há as transações. Os governos reúnem-se afim de que se refinancie a dívida.
Finalmente, conclui-se que os limites impostos pela LRF não prejudicam a efetivação do princípio da eficiência. O que a prejudica é má gestão do erário, que normalmente é desviado ou mal destinado. Não se focam as finalidades essenciais do Estado. E quando são realizadas, não se fazem com qualidade, presteza ou celeridade. Trata-se, então de uma ofensa ao administrado, que se encontra desrespeitado ante a negligência estatal.
Deve-se, então, incentivar os servidores públicos para que efetuem seu trabalho de maneira eficiente. Por isso, deverá o Administrador Público dispor de técnica da administração empresarial, limitando demasiadamente os gastos com os servidores, sob o medo de ultrapassar os limites estabelecidos. Deverá, repita-se, agir com boa gestão dos recursos, para que se possam atingir os fins estatais com qualidade.
Atente-se que o Direito Financeiro é aquele que mais se aproxima da política. Assim o é porque as leis orçamentárias traduzem o significado do plano de governo, das intenções políticas. Os limites da LC nº 101/2000 subsistiriam, então, como forma de controle da aplicação das despesas. Sem eles, haveria instabilidade jurídica, econômica e social, na medida em que não seriam atendidas as necessidades sociais.
6. Conclusão
O que torna inefetivo o princípio da eficiência, portanto, é a gestão política. Mesmo em situações não-emergenciais, a má gestão dos recursos públicos, ou principalmente o desvio das verbas públicas, torna impossível a realização dos direitos. Sobretudo de maneira eficaz. Não se pode esquecer que o cidadão tem o direito não só a um serviço, mas também de forma hábil e eficaz, afinal ele é quem sustenta o Estado mediante o pagamento de tributos.
Por isso, que ineficácia do princípio da eficiência não se resume a uma questão jurídica. Supera-a, já que as normas limitadoras estão em compatibilidade com ordenamento jurídico. A problemática não tem origem jurídica, portanto. A ineficácia reside na má atitude dos administradores públicos, que agem de forma ímproba, ou em interesse particular (ou de ambas as formas).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas
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