Resumo: O presente artigo visa abordar os limites do poder fiscalizatório quando ao monitoramento do correio eletrônico, de natureza pessoal e corporativa no ambiente de trabalho.
Sumário: 1. Os direitos de personalidade; 1.1 O direito fundamental à intimidade; 1.2 O direito fundamental à vida privada; 2. Os limites do poder empregatício; 2.1 O monitoramento do e-mail corporativo; 2.2 O monitoramento do e-mail pessoal; 3. Conclusão
1. Os direitos de personalidade
O poder empregatício conferido ao empregador, que se estabelece no contexto da relação de emprego através do exercício do poder diretivo, regulamentar, disciplinar e fiscalizatório, não pode ser exercido de forma ilimitada. Os direitos fundamentais à intimidade e à vida privada, alicerces dos direitos de personalidade (liberdade, intimidade, vida privada, imagem, honra, igualdade, imagem) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, compreendem fontes limitadoras do poder empregatício.
Em razão disso, quando surge a prática do exercício ilegal do poder empregatício pelo empregador, é conferido ao empregado o direito de resistência (art. 483, alíneas a e b, da CLT), para que possa recusar a submissão quanto a procedimentos invasivos e a ordens arbitrárias do empregador durante a execução do seu labor diário.
Assim, havendo rigor excessivo no exercício do poder empregatício conferido ao empregador, cabe ao empregado a denúncia indireta do contrato de trabalho (art. 483, alínea d, da CLT), sem prejuízo da indenização por danos materiais e/ou morais no caso de decorrente lesão, nos moldes do art. 5, inciso X da CF/88.
Segundo Ribeiro (2008, p. 29):
“O direito à intimidade, ou à privacidade, surge como projeção de um direito especial dentre os direitos de personalidade: é o direito de cada indivíduo de excluir do conhecimento público ou de certo número de pessoas fatos, dados ou acontecimentos que considere ser de sua esfera estritamente pessoal ou familiar.”
A ideia de proteção à personalidade do ser humano representa algo próprio e inerente à sua natureza, irradiando direitos essenciais e fundamentais ao seu desenvolvimento e necessários à realização e à preservação da sua personalidade.
Por derradeiro, pode-se afirmar que os direitos de personalidade são inatos e inerentes à pessoa humana e a ela ligados de maneira perpétua e permanente. São direitos que nascem com a pessoa humana e a acompanham durante toda a sua existência, tendo como finalidade primordial a proteção aos atributos e à dignidade da pessoa humana – em todos os aspectos (físico, moral e intelectual).
Destacam-se, nesse enleio, como direitos de personalidade do ser humano, dentre outros: o direito ao nome, à vida, à liberdade, ao próprio corpo, à proteção à imagem, à honra, à dor, à vergonha, à igualdade, à integridade física, psíquica e moral, à vida privada e à intimidade.
De acordo com Jabur (2000, p. 28): “os direitos da personalidade são […] carentes de taxação exauriente e indefectível. São todos indispensáveis ao desenrolar saudável e pleno das virtudes psicofísicas que ornamentam a pessoa”.
Consoante ensina Leite (2007, p. 44), “os direitos de personalidade são espécies de direitos inerentes à dignidade humana que têm por objeto a proteção da incolumidade física, psíquica e moral da própria pessoa”.
Este último ainda preceitua que
“O contrato de trabalho tem aspectos especiais em relação a outros tipos de contratos. A relação de desigualdade econômica e a subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador frente ao empregador é um deles, em função do que há maiores possibilidades do primeiro ser atingido moralmente por ato ou omissão do segundo” (LEITE, 2007, p. 48).
Assim, também em conformidade com este mesmo autor,
“Na relação empregatícia o empregador exerce poderes como corolário do direito de propriedade, ficando o trabalhador num estado de subordinação jurídica e econômica e, em razão disso, o ambiente de trabalho se torna fértil para as lesões aos direitos da personalidade do trabalhador” (LEITE, 2007, p. 52).
Importante pontuar que a Constituição Federal de 1988 protege os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade e, por conseqüência, a sua condição de dignidade no que tange à tutela aos direitos de personalidade do empregado.
Veja-se:
“Artigo 5. […]
Inciso X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” […]
A CLT prevê norma expressa sobre direitos de personalidade, nos seguintes dispositivos normativos.
Veja-se ainda:
a) Art. 373-A, inciso VI, introduzido pela Lei n. 9.799, de 26.05.1999, que veda a revista íntima nas empregadas;
b) Artigos 482, alínea j, e 483, alínea e, que consideram motivo justo para resolução do contrato de trabalho à ofensa, à honra e boa fama.
Como se verifica, a CLT não tratou de forma detalhada e específica acerca dos direitos de personalidade no âmbito da relação de emprego.
Apesar disso, assevera Leite (2007, p. 40)
“Sem embargo da autorização do parágrafo único do art. 8 da CLT para a aplicação subsidiária do Código Civil de 2002, o certo é que a própria Constituição Federal de 1988, por ser a fonte de todo o ordenamento jurídico brasileiro, já é condição suficiente para sanar a lacuna do texto consolidado.”
A proteção aos direitos de personalidade também está prevista em legislações especiais, como a Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250/67), a Lei dos Transplantes (Lei nº. 9.434/97 e Lei nº. 10.211/2001) e a lei que protege os Direitos Autorais (Lei nº. 9.610/98).
Insta destacar que a vida privada do homem é direito assegurado inclusive pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 12: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.
Da mesma forma, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, apresenta disposição semelhante em seu artigo 17.
Veja-se:
“1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação; Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.”
O novo Código Civil Brasileiro, em consonância com a CF/88, dedicou um capítulo específico (Cap. II, art. 11 a 21) à proteção aos direitos de personalidade. Cabe ressaltar que o Direito Civil é o ramo da ciência jurídica responsável por instaurar uma tutela genérica da personalidade no âmbito da sociedade.
Convém destacar também que, em decorrência do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, ambos verdadeiros corolários dos Direitos Humanos Sociais do trabalhador, os direitos de personalidade, nos quais se inserem os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade não poderão sofrer qualquer alteração in pejus pelo legislador constituinte derivado, na medida em que se encontram devidamente inseridos no rol das cláusulas pétreas, consoante o disposto no art. 60, § 4, inciso IV da Carta Magna de 1998.
Diante do exposto, para que exista respeito aos direitos de personalidade do empregado e, por consequência, à dignidade da pessoa humana, o exercício do poder empregatício deve estar em consonância com os dispositivos legais indicados.
1.1 O direito fundamental à intimidade
A intimidade atua como uma espécie dos Direitos de Personalidade do empregado e compreende um direito humano fundamental assegurado ao mesmo de não ter a revelação de aspectos pessoais da sua intimiadade e dos seus sentimentos e/ou pensamentos a terceiros.
Consoante ensina Calvo (2009):
“[…]a intimidade qualquer pessoa tem, em qualquer lugar onde se encontre, pois ela significa a esfera mais íntima, mas subjetiva e mais profunda do ser humano, com as suas concepções peossoais, seus gostos, seus problemas, seus desvios, etc..”
No direito à intimidade, o empregado, na qualidade de sujeito de direitos, possui a liberdade de escolher as suas convicções religiosas e políticas, as suas tendências sexuais, as suas opções, os seus desejos, e de manifestar livremente seu pensamento ou, da mesma forma, de ocultar ou de guardar segredo acerca das suas ideias e preferências.
1.2 O direito fundamental à vida privada
A vida privada está diretamente ligada aos relacionamentos de ordem social e familiar estabelecidos pelo empregado para o desenvolvimento das suas relações humanas no seio da sociedade.
Consoante também aos ensinamentos de Calvo (2009): “a privacidade é uma forma de externar essa intimidade, que acontece em lugares onde a pessoa esteja ou se sinta protegida da interferência de estranhos, como a casa onde mora”.
Calvo (2009) assevera que “o direito à privacidade constitui-se na escolha entre divulgar ou não o que é íntimo, e, assim, construir a própria imagem. A privacidade é um direito natural”.
Assim, o empregador não pode se intrometer nas escolhas traçadas pelo empregado, pois somente o ser humano, individualmente, e de forma plena, é capaz de escolher os relacionamentos que possam lhe trazer bem-estar e felicidade e, por conseguinte, uma vida pessoal e social harmônica e saudável.
Ao traçar a distinção entre intimidade e vida privada, esclarece Calvo (2009) que “Por íntimo se deve entender tudo o que é interior ou simplesmente pessoal (‘somente seu’, como se costuma dizer popularmente); e por privado, o caráter de não-acessibilidade às particularidades contra a vontade do seu titular”.
Constitui-se, assim, invasão de privacidade quando o empregador interfere no tipo de amizade nutrida pelo empregado, se é homossexual, se deseja se casar ou se mantém um relacionamento íntimo com colega de trabalho na mesma empresa.
Entretanto, existem casos em que a conduta do empregado em sua vida pessoal e privada pode influir diretamente no seu cotidiano de trabalho. É o caso dos animadores de programa de TV dirigido a crinças, bem como a situação do empregado que participa de filmes pornográficos (BELMONTE, 2004, p. 38).
Diante disso, o empregado não está obrigado a responder questões relativas à sua vida íntima ou à sua vida privada e/ou pessoal nas fases de seu contrato de trabalho – pré-contratual, execução do contrato e pós-contratual.
Como se vê, os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade visam a tutelar a liberdade do ser humano em todas as suas dimensões – pessoal, familiar e profissional.
Calvo (2009) enfatiza: “o direito fundamental de privacidade e intimidade do empregado amparado constitucionalmente (art. 5, inciso X, CF e art. 20 e 21 do CC) representa um espaço íntimo intransponível por intromissões de terceiros, principalmente do empregador”.
2. Os limites do poder empregatício
Existem procedimentos de natureza organizacional, derivados do poder empregatício que são adotados pelo empregador como forma de proteger o seu patrimônio e de fiscalizar a prestação de serviços dos empregados. Dentre os vários procedimentos existentes, cabe destacar a verificação do e-mail que pode ensejar abusos pelo empregador.
Convém ressaltar que o e-mail pode ter cunho corporativo ou particular. Este último é utilizado pelos internautas de maneira pessoal e íntima, sendo o seu acesso livre por qualquer meio de comunicação eletrônica. Ao passo que o e-mail corporativo é acessado no computador fornecido pela empresa aos empregados, estando, desse modo, relacionado a assuntos estritamente profissionais, a menos que exista consentimento expresso do empregador no sentido da utilização do e-mail corporativo par fins de natureza particular.
Sobre isso, afirma Calvo (2009): “as empresas devem permitir um uso mínimo do correio eletrônico corporativo para fins particulares ou alternativamente o acesso ao próprio e-mail particular do empregado de forma moderada e razoável”.
Segundo Belmonte (2004, p. 116),
“As novas tecnologias, entre elas o computador, a informática e a telemática, aliadas a fatores como globalização, o barateamento dos custos e a massificação do crédito instauraram a sociedade de consumo municiada pela informação, impondo grandes modificações no mercado e no ambiente de trabalho.”
A legislação trabalhista não possui uma normatização específica acerca do monitoramento do e-mail no ambiente de trabalho. Por essa lacuna, o caso fica à mercê do exercício do “poder regulamentar”, que é conferido ao empregador. Tal modalidade de poder compreende a prerrogativa atribuída ao empregador para a fixação das normas disciplinadoras das condições gerais e específicas relativas à prestação de serviços por parte do empregado no âmbito empresarial. Compreendem normas de caráter técnico, às quais o empregado está subordinado, com o objetivo de manter a ordem interna na empresa. O poder regulamentar materializa-se por meio de cartas, avisos, instruções ou circulares, e pode ser regido pelo regulamento interno da empresa, quando houver. São instrumentos que se efetivam de acordo com as particularidades de cada estabelecimento empresarial.
Entretanto, é relevante destacar que o próprio regulamento, ao estabelecer as normas de conduta do empregado, de certa forma, limita o poder empregatício do empregador, fazendo com que o mesmo respeite o que foi entabulado, pois, através do regulamento empresarial, são traçadas as normas fundamentais quanto ao modo de exercício do trabalho por todos os integrantes do pacto contratual.
Estabelece Barros (1997, p. 23) que,
“Embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécie dos direitos de personalidade consagrados na Constituição, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis.”
2.1 A monitoração do e-mail corporativo
Em decorrência das inovações constantes da tecnologia, notadamente nos meios de comunicação e de monitoramento visual nas relações de trabalho, surgiram novas formas de controle e de vigilância em variados ramos de labor.
Assevera Ribeiro (2008, p. 49) que
“A introdução de certos meios tecnológicos no âmbito laboral, v. g. internet, correio eletrônico, videocâmaras, telefonia fixa e móvel, webcams, fax, dentre outros, fez crescer a potestade fiscalizadora e controladora do empregador, repercutindo na vida privada do trabalhador, a ponto de causar-lhe sérios danos psicológicos, bem como alguns transtornos fisiológicos, por sentir-se continuamente monitorado na prestação laboral.”
Contudo, ao mesmo tempo em que a tecnologia representou um avanço, ela acarretou uma ameaça aos direitos de personalidade do empregado, especialmente ao direito fundamental à liberdade, à privacidade e à intimidade. É preciso estabelecer, também, as possibilidades, bem como os limites do poder fiscalizatório exercido pelo empregador no que tange ao monitoramento do e-mail no ambiente de trabalho de modo que não seja afetada, em momento algum, a dignidade da pessoa humana do trabalhador.
Segundo Calvo (2009),
“[…] dentro do cenário atual de pressão por diminuição de custos devido à crescente concorrência empresarial, a comunidade deve tomar o cuidado de não acabar privilegiando a esfera patrimonial-financeira da empresa em detrimento da dignidade do empregado.”
E, ainda, “o empregado antes de tudo é cidadão e deve ter respeitada a sua dignidade humana, já que este é o princípio máximo de uma sociedade pluralista e democrática, que todos temos o dever de defender e proteger” (CALVO, idem).
Atestando o entendimento de Júnior (2008, p. 100),
“Todo jurista eve manter compromisso com a defesa dos direitos humanos, direcionando a exegese do texto legal e das situações passíveis de enquadramento jurídico no sentido de dar máxima proteção aos direitos fundamentais, rechaçando condutas que ameacem esses direitos, através de uma interprestação restritiva.”
É cediço que, em razão do uso intensivo dos equipamentos tecnológicos postos à disposição do empregado, independentemente da sua presença física no local de trabalho, o empregador passou a controlar o envio e o recebimento de e-mails utilizados pelos empregados.
Em face à tal realidade, observa-se que tem aumentado o controle efetuado pelos empregadores em relação ao uso da internet pelos empregados, pois é do mesmo a titularidade de organizar a sua atividade produtiva e a de fiscalizar a correta utilização dos instrumentos de trabalho colocados à disposição do empregado para o exercício de sua atividade profissional.
Uma das razões que leva à prática do rastreamento pelas empresas das navegações na internet e à verificação de e-mails está relacionada à associação do mau uso do bom nome e da boa imagem do estabelecimento (BELMONTE, 2004, p.61).
O correio eletrônico é um meio de correspondência ou de comunicação eletrônica em que é armazenado o depósito de mensagens eletrônicas enviadas para um endereço virtual.
Para Belmonte (2004, p. 63), o correio eletrônico “é um meio de comunicação muito utilizado pelas empresas em razão do baixo custo, da rapidez e da economia de papel”.
Tal fato potencializou a problemática relativa ao controle da correspondência virtual utilizada pelo empregado para a execução da sua prestação de serviços. Além disso, os novos tempos apontam para o surgimento de um novo ambiente de trabalho, originado do avanço da informática e da automação que dispensam a presença física do empregado no local de trabalho. Contudo, o empregado ainda permanece conectado ao poder diretivo do empregador e tem o seu trabalho virtualmente controlado através de programas computacionais em decorrência do aparecimento dos novos fatores de produção.
Segundo Belmonte (2004, p. 63),
“Hoje o ambiente de trabalho é diferente daquele em que as normas trabalhistas protetivas tiveram a sua gestação: a sociedade – globalizada, diga-se – busca a eficiência econômica em um ambiente racional no qual é indispensável a utilização de novas ferramentas de trabalho, que operam no pressuposto do conhecimento continuado e em a necessidade da presença física do trabalhador.”
Belmonte (2004, p. 28) ainda enfatiza que “está cada vez mais difícil delimitar o espaço do trabalho, pela mistura crescente entre os elementos relacionados ao trabalho ou à vida profissional com os relacionados à vida íntima do empregado”.
Em razão disso, o monitoramento de e-mail pelo empregador acarretou o conflito que envolve o confronto entre os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade do empregado e os direitos à propriedade privada e à livre iniciativa assegurados ao empregador.
Assim, havendo controvérsia entre os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade do empregado com os direitos de propriedade e de livre iniciativa do empregador, deve o intérprete e aplicador do Direito do Trabalho invocar o princípio da ponderação como critério solucionador entre os direitos em choque.
O juízo de ponderação visa a estabelecer a solução de tal conflito, fundamentando-se em três princípios, quais sejam: o da unidade da Constituição, que consiste na interpretação sistemática das normas e dos princípios; o da concordância prática, obtida por meio da harmonização que permita o melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes na busca da máxima concretização dos direitos envolvidos; e o da proporcionalidade, que objetiva, por meio de balanceamento e do estabelecimento de limites, a prevalência de um direito sobre o outro, quando absolutamente necessário para a resolução do conflito (BELMONTE, 2004, p.73).
Ainda conforme Belmonte (2004, p. 73),
“Utilizados os critérios de resolução de colisão de direitos, conclui-se que o direito à propriedade do empregador, do qual resulta o poder diretivo e o direito à intimidade do empregado têm por limite a dignidade do empregado. Mas ambos precisam, diante das características próprias e especiais das relações de trabalho, ser exercidos conforme as necessidades do serviço, o que justifica a harmonização ou a prevalência diante da máxima operacionalidade conforme as circunstâncias.”
O empregado, ao ser contratado, inicia o seu contrato de trabalho, abrindo mão de uma parcela de sua intimidade em decorrência da vigilância que é exercida sobre a sua pessoa pelo uso da máquina. Essa vigilância atua de três formas básicas: a) através do acesso às informações pessoais armazenadas no computador; b) por intermédio do acesso ao conteúdo e registros dos e-mails enviados e recebidos e web pages visitadas; c) e o acesso ao registro de uso, possibilitando saber como o empregado utiliza o computador, medindo-se tanto a quantidade quanto a qualidade do trabalho realizado (FILHO, 2001, apud BELMONTE, idem, p.28).
É cediço que o correio eletrônico representa um instrumento de comunicação e de tansmissão de informações que auxilia o desenvolvimento da atividade laborativa executada pelo empregado. Ele compreende um meio pelo qual o empregador, através do controle da sua atividade econômica, possa tornar indispensável o alcance das suas atividades funcionais empresariais. Na relação de emprego, como é o empregador que detém o direito de propriedade e que assume os riscos do empreendimento, respondendo pelos danos causados pelos empregados a outros empregados, bem como a terceiros, ele tem o objetivo de preservar as confidências relacionadas ao seu estabelecimento empresarial. Entretanto, esse meio não pode ser utilizado pelo empregador no sentido de acarretar a intromissão na esfera íntima da vida privada do trabalhador.
Toda conduta empresarial constrangedora ou desagradável, capaz de acarretar uma situação vexatória ao empregado, em virtude do controle indevido do uso do seu e-mail, caracterizará transgressão à sua privacidade e à sua intimidade.
O e-mail corporativo é o fornecido pela empresa aos empregados como ferramenta de trabalho para desempenhar o seu labor. Não se pode olvidar, contudo, que o empregado deve ter ciência da fiscalização do empregador.
Quando o e-mail for corporativo, por se tratar de uma ferramenta de trabalho, porque destinado à realização do serviço, será possível ao empregador acessar o conteúdo material do mesmo por meio de rastreamento, desde que haja prévia comunicação ao empregado da fiscalização no regulamento da empresa e desde que não o faça de forma abusiva. Como a sua conta é fornecida pelo empregador, a sua utilização deve ser estritamente relacionada ao trabalho.
Segundo Ribeiro (2008, p. 85), “o controle do e-mail corporativo ou profissional, insistimos, é livre para o empregador, que tem a liberdade, inclusive, de limitar ao conhecimento de quem lhe convier a senha de acesso à internet”. E ainda afirma que
“[…] se o correio eletrônico é de uso excçusivo da empresa, o empregado não pode utilizá-lo para nenhum fim pessoal, tanto menos para fins distorcidos, tipo divulgação de fotos discriminatórias atentatórias à moral e aos bons costumes, que até colocam em risco os aparelhos da empresa pela possibilidade de invasão por vírus, causando prejuízo econômico à entidade patronal.” (RIBEIRO, idem, ibidem)
Visto que a relação de emprego deve pautar-se pela boa fé, pela lealdade e pela transparência, é necessário que o empregador informe ao trabalhador a existência de meios de controle de fiscalização laboral com o objetivo de evitar surpresas desagradáveis, como a intromissão na sua esfera pessoal, por mais que a existência de atividades com monitoramento eletrônica seja indispensável à proteção da propriedade e à segurança dos trabalhadores (RIBEIRO, 2008, p. 56).
Através do e-mail corporativo concedido ao empregado para a execução do seu labor, o empregador poderá controlar os sites visitados pelo empregado, bem como ter acesso às mensagens eletrônicas enviadas e recebidas pelo mesmo, já que é da propriedade do empregador o correio eletrônico profissional de que se vale o funcionário apenas como instrumento de trabalho.
Tal procedimento se faz necessário para proteger o patrimônio do empregador, no sentido de evitar possível divulgação de informações sigilosas, disseminação de vírus de computador, distribuição de fotos pornográficas, assim como o mau uso dos equipamentos colocados à disposição do empregado.
O empregado possui o dever de obedecer às formas de exteriorização do poder empregatício (poder diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar), conferidas ao empregador, como consequência do art. 2 da CLT, tendo em vista que, violando o dever que lhe compete no contrato de trabalho, estará sujeito às punições disciplinares pertendentes ao empregador – advertência, suspensão contratual não superior a 30 dias (art. 474, CLT) e justa causa (art. 482, CLT).
Em que pese inexistir uma lei específica acerca dos limites do poder empregatício quanto à atuação do controle patronal nas comunicações eletrônicas, o empregador poderá fazer uso de seu poder fiscalizatório para monitorar os e-mails enviados e recebidos pelos empregados, apenas quando se tratar de e-mail corporativo, ou seja, de correspondência eletrônica destinada somente à execução de conteúdos estritamente profissionais e derivados de assuntos ligados ao contrato de trabalho do empregado, desde que, no regulamento empresarial, o mesmo seja previamente comunicado pelo empregador. Nesta hipótese, haverá limitação quanto ao exercício dos direitos de personalidade; o direito à intimidade e à vida privada se relativizará em prol do poder empregatício e do direito de propriedade, no sentido de conferir ao empregador a prerrogativa de adoção de medidas adequadas para vigilância e verificação do correio eletrônico corporativo.
Diante disso, o e-mail corporativo deve ser utilizado exclusivamente para o desempenho da função exercida pelo empregado.
Como justifica Junior (2008, p. 96):
“As empresas que utilizam os recursos da internet passam por situações de má utilização da rede de computadores pelos emrpegados: são casos de acesso a sites pornográficos, envio de mensagens ofensivas, humorísticas ou pornográficas que podem acarretar um desconforto no ambiente do trabalho e produzir queda da produtividade, pois, com tais práticas, há relativa desconcentração e desvirtuamento das atividades laborativas sem uma justificativa razoável, desperdiça-se tempo com assuntos não relacionado ao trabalho, além de se tornar improdutivo sob qualquer ótica.”
Tal procedimento encontra fundamento no poder diretivo do empregador, que tem por finalidade organizar e controlar a atividade econômica no âmbito empresarial e emitir ordens gerais ou individuais a respeito da atividade a ser executada pelo empregado. É a atribuição conferida ao empregador de estipular orientações técnico-profissionais e administrativas ao empregado, no que tange à sua atividade ou ao modo da prestação de serviços, que será executada pelo mesmo ao longo do contrato de trabalho.
Segundo Belmonte (2004, p. 92),
“Deve a empresa dar ciência aos empregados das condutas que não são admitidas pela empresa; de eventuais limitações no uso dos equipamentos eletrônicos e penalidades decorrentes da transgressão; bem como conscientizar os seus empregados, de forma a evitar a prática de atos que possam lhe causar prejuízos. A empresa responde, junto a terceiros, pelos danos causados pelo empregado e deles de ressarcirá em caso de culpa ou dolo.”
Pode-se verificar, através do julgado abaixo transcrito, a situação de verificação de e-mail corporativo destinado aos empregados pelo empregador.
Veja-se:
“PROVA ILÍCITA. EMAIL CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO. 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (email particular). Assim, apenas o email pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado email corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço. 3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a existir, de uns tempos a esta parte, entre internet e/ou correspondência eletrônica e justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e, pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente acontece revela que, notadamente o email corporativo não raro sofre acentuado desvio de finalidade, mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui, assim, em última análise, expediente pelo qual o empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador. 4. Se se cuida de email corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à internet e sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, III), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de email de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em email corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é lícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5, X, XII e LVI, da Constituição Federal. 6. Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento.” (TST 10 R., RR 613/007, 1 T., Rel. Min João Oreste Dalazen, DJU 10.06.2005, p. 901).
A verificação de e-mail corporativo do empregador deverá ser realizada de modo razoável.
Conforme menciona Válio (2006, p. 98): “o direito à intimidade não é absoluto, como qualquer liberdade pública, todavia, isso não leva ao absolutismo do poder diretivo do empregador”.
Adverte, ainda, Nascimento (2009, p. 136):
“Embora o empregador seja detentor do poder de direção e tenha o direito de dirigir a prestação pessoal e subordinada e serviços do trabalhador, resta claro que não possa exercê-lo indiscriminadamente e em descompasso com os limites fixados pelas normas jurídicas e em respeito aos direitos fundamentais do trabalhador.”
Deve o empregador, através do seu poder regulamentar, mencionar os limites da utilização da correspondência eletrônica pelo empregado no ambiente de trabalho, mesmo em se tratando de e-mail corporativo. Todos os empregados devem ter conhecimento das condutas que são exigidas pelo empregador referentes ao modo de utilização do e-mail corporativo. Se houver abuso de direito no exercício do poder empregatício conferido ao empregador, principalmente na situação de desconhecimento do empregado quanto à forma de utilização da correspondência eletrônica, afetados serão os direitos de personalidade do empregado, e, por consequência, os aspectos da sua vida íntima e privada. Ao trabalhador, será assegurada a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base nas situações enumeradas no art. 483 da CLT, e o mesmo poderá ser recompensado por intermédio do ressarcimento por danos morais.
Então, não apenas o trabalhador terá direito de ser ressarcido pela violação à sua intimidade e à sua vida privada, como também a empresa poderá pleitear, judicialmente, ressarcimento dos danos morais e materiais, quando prejudicada economicamente pelo uso indevido das tecnologias de comunicação e de informação por conduta ilícita de seu empregado (BELMONTE, 2004, p. 92).
É o caso, por exemplo, do empregado que ingressa em chats obscenos para enviar mensagens de conteúdo de interesse particular sem qualquer conexão com o fim da atividade laboral
Assim, se o empregado se utilizar do e-mail corporativo do empregador para remeter mensagens pornográficas ou mensagens com vírus a pessoas estranhas ao contrato de trabalho e acarretar prejuízos, o seu empregador poderá ser responsabilizado pelo ressarcimento decorrente de eventuais danos materiais ou morais. Como é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica (art.2, caput da CLT), ele responde pela culpa in vigilando e in eligendo pelos atos de seus empregados. Nesse sentido, há responsabilidade direta ou indireta do empregador por atos de empregados conforme disposto no art. 932, inciso III do CC.
Como os e-mails profissionais enviados pelo empregado podem acarretar danos a terceiros, justificando a responsabilização do empregador, em decorrência do art. 932, inciso III do CC, o poder diretivo conferido ao empregador autoriza o monitoramento do e-mail corporativo colocado à disposição do empregado para a realização de seu labor profissional.
Segundo Calvo (2009),
“No local de trabalho, o empregador tem uma preocupação legítima para que o empregado não divulgue informações confidenciais da empresa a outrem ou que não transmita correios eletrônicos com conteúdo não apropriado que não sejam relacionados ao trabalho, tais como materiais pornográficos ou piadas para não sobrecarregar a rede da empresa causando, em alguns casos, a perda de conexão resultando no não recebimento de arquivos importantes ou na necessidade de aquisição de placas de memória para ampliação da capacidade dos sistemas.”
O rompimento culposo do contrato de trabalho do empregado, em decorrência da má utilização de e-mail corporativo, está prevista no art. 482, alínea b, da CLT. Tal dispositivo trata da dispensa por justa causa do empregado por motivo de mau procedimento, em virtude de ter havido violação do seu dever de fidelidade. Também poderá ocorrer o rompimento contratual culposo com base na prática de negociação habitual e concorrência desleal praticada pelo empregado (art. 482, c, da CLT). Nesta última hipótese, como exemplo, tem-se a utilização dos meios eletrônicos disponibilizados pelo empregador ao empregado para a realização de negócios alheios ao contrato ou a utilização da posição ou do horário de trabalho para a realização de negócios do mesmo ramo empresarial. Em tais situações, vê-se a má fé contratual do empregado (BELMONTE, 2004, p. 95).
Da mesma forma, o empregado poderá ser advertido, suspenso, ou até mesmo dispensado, por ato de indisciplina (art. 482, h, da CLT), caso desrespeite cláusula normativa prevista em regulamento da empresa, estipulando a restrição do uso do e-mail corporativo para fins pessoais.
2.2 A monitoração do e-mail pessoal
O e-mail pessoal é aquele que não é fornecido pelo empregador e é utilizado pelo empregado para tratar de assuntos estritamente pessoais e particulares, não relativos a assuntos atinentes ao local em que trabalha, e, por isso, é de propiedade exclusiva do mesmo.
No tocante à verificação de e-mail pessoal ou particular do empregado, não é possível a fiscalização pelo empregador do conteúdo contido nas mensagens enviadas e recebidas durante o seu horário de trabalho, muito menos dos endereços que foram utilizados para o envio e o recebimento dessas mensagens eletrônicas de caráter pessoal.
Caso contrário, o empregador estará violando os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade do empregado; o que assegurará ao trabalhador rescisão indireta do contrato de trabalho e indenização por dano moral e/ou material.
Em razão disso, o empregador poderá estabelecer, através do exercício do seu poder regulamentar, limites quanto ao uso do computador da empresa, ao restringir, ou até proibir, a utilização do e-mail pessoal quando em horário de trabalho. Caso o empregado utilize o computador para acessar o seu e-mail pessoal e desrespeite as normas traçadas pelo empregador, poderá sofrer os efeitos decorrentes da manifestação do poder disciplinar deste. Afinal, entende-se que, por intermédio de seu poder regulamentar, o empregador, em decorrência do exercício do seu poder diretivo, pode restringir ou mesmo proibir o acesso do empregado ao seu e-mail pessoal. Assim sendo, a empresa poderá limitar o acesso à internet e ao e-mail particular para fins pessoais durante a realização do trabalho.
O poder disciplinar compreende a faculdade atribuída ao empregador destinada à aplicação de penalidades disciplinares aos empregados em situações de descumprimento de regras contidas no contrato de trabalho, no regulamento de empresa, na norma coletiva e na Lei. O direito disciplinar se manifesta pela possibilidade de execução de sanções ou faltas disciplinares aos trabalhadores cujo comportamento se revele incompatível com os seus deveres profissionais. A punição disciplinar aplicada pelo empregador vai desde a advertência, passando pela suspensão contratual (não superior a 30 dias – art. 474, CLT), até a dispensa por justa causa (art. 482, CLT), quando houver violação das obrigações de diligência, obediência e fidelidade por parte do empregado.
Existem mensagens eletrônicas enviadas pelos trabalhadores que não chegam diretamente ao destinatário, por transitarem, antes, pelo servidor do correio empresarial, que os memoriza e os conserva. Esse sistema de comunicação utilizado pelo empregador viola a privacidade do empregado, pois o conteúdo do e-mail passa a ser de conhecimento da empresa através de programas e de outros meios instalados no processador da mesma (RIBEIRO, 2008, p. 80).
O e-mail particular representa um meio de comunicação estritamente pessoal, inviolável e intrasponível. Somente poderá ser interceptado mediante prévia autorização do empregado ou judicialmente. Nesta hipótese, para fins de prova, nos processos de natureza processual penal, civil e trabalhista. Qualquer intromissão não autorizada pelo empregado será considerada invasão de intimidade e quebra de sigilo de correspondência ou violação da intimidade (BELMONTE, 2004, p. 79).
A Constitução Federal em seu art. 5, inciso XII, garante a inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, como forma de preservar a intimidade e a privacidade, salvo, em ultimo caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Veja-se:
“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
Pode-se, por exemplo, justificar a autorização judicial para a quebra do sigilo de correspondência eletrônica, a conversa que o empregador involuntariamente ouve, na qual o empregado admite que está utilizando o e-mail particular em serviço, para fazer negócios particulares. Da mesma forma, o recebimento e/ou o envio de grande quantidade de mensagens, capturado via controle formal, para endereço postal eletrônico de um concorrente do empregador ou pessoa sabidamente não ligada ao serviço prestado pelo empregador (BELMONTE, 2004, p. 79).
Simón (2000, p. 158), corroborando o entendimento acima consubstanciado, assevera que “os e-emails particulares dos trabalhadores poderão ser checados, se houver fundado receio da prática de atividades irregulares ou ilícitas, já que as liberdades públicas não se prestam ao acobertamento destas […]”.
Como se vê, o e-mail pessoal está abrangido pela proteção da privacidade e da intimidade, não possuindo os mesmos efeitos jurídicos do e-mail corporativo, cuja verificação é colocada à disposição do empregado para a execução das suas tarefas. Em nenhum momento, o empregador poderá monitorar o conteúdo das mensagens enviadas ou recebidas por intermédio do e-mail pessoal do empregado.
E isso é o que se extrai do aresto a seguir transcrito:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTA CAUSA. O Tribunal de Origem entendeu que o uso de email particular para envio de mensagens pessoais não caracteriza justa causa. Entender diversamente encontra óbice na Súmula 126/TST. Sustenta a Recorrente que todo empregado contratado é orientado a não utilizar sites de entretenimento na internet ou enviar mensagens eletrônicas (emails) particulares, afirmando que o próprio Recorrido reconheceu em seu depoimento que foi dispensado por justa causa porque ofendeu o supervisor através de email que passou para seus amigos, devendo ser validade a dispensa por justa causa, julgando-se improcedente o pedido de diferenças de verbas rescisórias e indenização relativa ao suposto período de estabilidade. Não lhe assiste razão. Essencial destacar, para o deslinde da controvérsia, que a rede mundial de computadores (internet) e as correspondências eletrônicas (emails) incorporam-se ao cotidiano das pessoas, como uma forma rápida de comunicação e acesso à informação, motivo pelo qual, no âmbito das relações empregatícias, deve haver uma ponderação e interesses entre o sigilo das comunicações e dados do empregado com o direito de propriedade e livre iniciativa da empresa. Ambos com amparo em normas fundamentais da Constituição Federal (arts. 1, IV, e 5, XII e XXII, CF). Em importante julgamento proferido recentemente pelo C. Tribunal Superior do Trabalho (RR n. 613/00.7), o ilustre Ministro João Oreste Dalazen esclareceu brilhantemente em seu voto que os direitos do empregado à privacidade e ao sigilo de correspondência concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual, ressaltando que apenas o email pessoal ou particular do empregado desfruta da proteção constitucional, o que não ocorre com o email corporativo, por se tratar de endereço eletrônico que lhe é disponibilizado pela empresa, visando a transmissão de mensagens de cunho estritamente profissional, ostentando natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço. A disparidade de tratamento jurídico, conforme as lições do próprio Ministro Josão Oreste Dalazen, decorre do fato de ser o email corporativo destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, envolvendo o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar a rede mundial de computadores (internet) e sobre o próprio provedor, levando-se em conta também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (art. 932, III, CC), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional. Evidente que o empregado, ao receber uma caixa de email de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, podendo o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, o que não se justifica em se tratando de email particular, pois nesta hipótese o direito à intimidade protege a vida privada do empregado, salvaguardando um espaço íntimo não passível de intromissões ilícitas externas (art. 5, X, CF), incluside por parte de seu empregador. Compulsando o caderno processual, verifica-se que a dispensa por justa causa aplicada ao Reclamante, de acordo com a informação trazida com a 1 Reclamada (CBCC – Participações S/A), decorreu do envio de mensagens eletrônicas não relacionadas ao seu trabalho para pessoas da sua relação de emprego, restando esclarecido em audiência de instrução que em uma ocasião houve ofensa a honra e boa fama de superior hierárquico, enquadrando-se na hipótese prevista no art. 482, K, da CLT. Entretanto, ainda que o empregador possa tipificar a justa causa para fins de resolução do contrato de trabalho, não se afasta a posterior averiguação pelo Poder Judiciário (art. 5, XXXV, CF), levando-se em conta o princípio da razoabilidade e a gravidade do ato praticado pelo empregado, o que não restou comprovado no caso subjudice, uma vez que a suposta ofensa perpetrada pelo empregado teria ocorrido através de email particular (conta no Yahoo, fls. 723/724), não passível de acesso por parte do empregador (art. 5, LVI, CF), inexistindo qualquer elemento nos autos que demonstre a prévia ciência do Reclamante quanto à suposta proibição de utilização de correio eletrônico para tratar de assuntos pessoais. Processo: AIRR – 3058/2005 – 013-09-40.0. Data de Julgamento: 06/05/2009, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8 Turma, Data de Divulgação: DEJT 22/05/2009.”
3. Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que os e-mails particulares não podem ser objeto de fiscalização por parte do empregador, pois estão protegidos pelo direito fundamental à intimidade e à privacidade do empregado, caso contrário, estará caracterizada a violação direta à intimidade e à vida privada deste, e, por conseguinte, aos seus direitos de personalidade. Caso esses direitos sejam ameaçados ou lesados pelo empregador, o empregado poderá pleitear judicialmente indenização pela violação dos direitos fundamentais à sua intimidade e à sua privacidade para obter o ressarcimento dos danos morais e/ou materiais.
O correio eletrônico pessoal do empregado não é passível de fiscalização pelo empregador em decorrência dos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade assegurados ao empregado. Em razão disso, o empregador possui a prerrogativa de restringir ou até de proibir o acesso ao correio eletrônico pessoal em horário de trabalho.
No que concerne ao correio eletrônico corporativo, por se tratar de mera ferramenta de trabalho, não está abrangido pela inviolabilidade do sigilo de correspondência (art. 5, inciso XII, da CF/88). Assim, é possível a sua fiscalização pelo empregador, mesmo porque o empregado pode utilizá-lo de forma abusiva ou ilegal, acarretando prejuízos à empresa. Na ponderação de direitos, deve prevalecer a tutela do direito de propriedade e de livre iniciativa do empregador em detrimento ao da privacidade e da intimidade do empregado, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana. Por isso, é imprescindível o conhecimento prévio do empregado no ato da contratação, sob pena de violação de sua privacidade ou de sua intimidade.
Diante das considerações, convém ressaltar que o direito de propriedade e o poder de direção do empregador não são absolutos e encontram limites nos direitos fundamentais do trabalhador. Logo, o empregador poderá exercer o seu poder fiscalizatório das ferramentas de trabalho eletrônicas, como computadores, internet e correio eletrônico, colocadas à disposição do empregado para a realização de seu labor, desde que não haja violação dos direitos de personalidade deste.
Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense e membro pesquisadora do Instituto Cesarino Junior. Integrante do grupo de pesquisa da UFF – Direito, Estado, Cidadania e Políticas Públicas. Advogada.
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