Resumo: o presente artigo pretende discorrer sobre os poderes da administração pública, com o escopo de mostrar que não há desculpa para um descuido com a coisa pública, principalmente se formos levar em conta a época de desmandos pela qual passa nosso país, cujos resultados são sentidos, sem sombra de dúvidas, e com maior gravidade, pelos menos favorecidos.
Palavras-chave: Administração Pública. Poder. Coisa pública. Interesse público sobre o privado.
Abstract: this paper aims to discuss the powers of public administration, with the aim of showing that there is no excuse for neglect of public affairs, especially if we take into account the time of excesses for which passes our country, the results of which will be felt, no doubt, and with greater severity, the least favored.
Keywords: Public administration. Power. Public affairs. Public interest over private.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1. Conceito de Administração Pública em sentido subjetivo. 1.2. Administração Pública em sentido objetivo. 1.3. Poderes da Administração. 1.3.1. Poder vinculado e poder discricionário. 1.3.2. Poder hierárquico. 1.3.3. Poder de chefia. 1.3.4. Poder de fiscalização e coordenação. 1.3.5. Poder de revisão de ato. 1.3.6. Poder de transferência administrativa de competência. 1.3.6.1. Delegação de competência. 1.3.6.2. Avocação administrativa. 1.3.7. Poder de iniciativa disciplinar. 1.3.8. Poder disciplinar. 1.3.9. Poder de autotutela. 1.3.10. Poder de polícia. 1.3.11. Poder regulamentar ou normativo. Conclusão. Referências.
Introdução
A nossa Lei Maior vigente consagrou a constitucionalização dos preceitos básicos do Direito Administrativo, ao fazer previsão de que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, isto além dos preceitos básicos devidamente distribuídos nos 21 incisos e 10 parágrafos do artigo 37 e das demais regras previstas nos artigos 38 a 42.
Cabe ser ressaltado que remonta ao fim do século XVIII, início do século XIX, o nascimento do Direito Administrativo como ramo autônomo do Direito, cindindo-se do Direito Civil, ramo que estabelecia até então esparsas normas administrativas a serem desempenhadas pelo Poder Público, bem como as funções, os cargos e a estrutura administrativa.
Nesta exposição, ver-se-á os poderes de que dispõe a Administração para bem cuidar da coisa pública.
1 Desenvolvimento
1.1 Conceito de Administração Pública em sentido subjetivo
Alexandre de Moraes[1] bem explana que Administração Pública pode ser definida, de forma objetiva, como sendo uma atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos, e subjetivamente como sendo um conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.
A Administração Federal, em uma visão mais doutrinária, compreende a administração direta e a administração indireta:
– administração direta: constitui-se dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios;
– administração indireta: compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias; empresas públicas; sociedades de economia mista; fundações públicas.
Não pode deixar de ser lembrado que a regra de definição da amplitude da administração pública contém, em seu bojo, os princípios norteadores que devem ser aplicados, de maneira obrigatória, à administração dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
1.2 Administração Pública em sentido objetivo
Como já visto, Administração Pública é o conjunto de atividades concretas e imediatas que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos[2]. É exercida pelos órgãos do Poder Executivo, dentro da conhecida tripartição dos Poderes estatais.
Em linhas gerais, sem adentrar a demais subdivisões de outros doutrinadores, a Administração Pública engloba: fomento, polícia administrativa, serviço público e intervenção:
– fomento: corresponde à atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública, por meio de subvenções, financiamentos, favorecimentos fiscais e desapropriações;
– polícia administrativa: corresponde ao concreto exercício de restrições ao exercício dos direitos individuais em benefício do interesse maior da coletividade, exteriorizando-se por intermédio de sanções, notificações, licenças, fiscalizações. Trata-se da execução das limitações administrativas que, de maneira obrigatória, devem estar previstas em lei;
– serviço público: corresponde a toda atividade, sob regime predominantemente público, executada direta ou indiretamente, pela Administração Pública, com a finalidade de satisfazer à necessidade da coletividade;
– intervenção: corresponde à regulamentação e à fiscalização da atividade econômica de natureza privada, e da atuação direta do Estado no domínio econômico, por meio de empresas estatais.
1.3 Poderes da Administração
Baseado nas atividades exercidas pelo Estado, mais especificamente de forma concreta e imediata[3], para a consecução dos interesses coletivos, a Administração Pública deve sobrepor a vontade da lei à vontade particular dos administrados, de modo a privilegiar o interesse público em detrimento do interesse individual.
Logo, pode ser percebido que um dos pilares do regime jurídico-administrativo é a observância do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, do qual surgem as prerrogativas da Administração.
Dentre as prerrogativas supramencionadas, ocupam lugar de destaque os poderes que são conferidos ao Ente Público, poderes esses dotados de capacidades exorbitantes. E, através do seu correto uso, pode ser dito que o Estado se instrumentaliza para a realização do seu maior objetivo, que é o real atendimento do bem comum, de interesse de toda população.[4]
Logo, para que haja possibilidade de realização de suas atividades e para a satisfação do bem comum, o ordenamento jurídico confere à Administração tais poderes, tudo com o intuito de instrumentalizar a realização de suas tarefas administrativas. Estes são conhecidos por poderes da administração ou poderes administrativos.
Os poderes administrativos são, portanto, inerentes ao exercício da atividade administrativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tudo em observância a suas competências previstas constitucionalmente, e somente podem ser exercidos nos limites da lei. São poderes administrativos em sentido próprio, uma vez que consistentes em prerrogativas públicas propriamente ditas: o poder de polícia, poder regulamentar, poder disciplinar, poder de autotutela e o poder hierárquico. Ainda, existem outros que podem ser chamados de poderes em sentido impróprio, representando modos de concretização de regras de atribuição de competência, como é o caso do poder vinculado e do poder discricionário. Rapidamente, discorrer-se-á sobre estes.
1.3.1 Poder vinculado e poder discricionário
Inicialmente, em sede de poder vinculado e de poder discricionário, doutrinariamente[5] explica-se que é conveniente que o poder vinculado e o poder discricionário sejam compreendidos em conjunto. Embora se apresentem, e sejam, nitidamente diferentes, possuem em comum o fato de não se tratarem de poderes, no sentido de prerrogativas. Consistem em formas pelas quais são previstas as regras de atribuição de competência. Em um sentido mais técnico, sequer seria correto falar em poder vinculado e em poder discricionário, sendo mais adequado falar em regra de atribuição de competência vinculada ou discricionária. Na verdade, trata-se de tema sobre o qual muito se comentou e tal fato apresenta-se de maneira plena e justificável devido ao teor relevante do assunto. Aliás, em virtude de tal relevância, todos os institutos do Direito Administrativo giram ao redor da diferença entre o poder vinculado e o poder discricionário.
Uma correta compreensão temática induz ao correto entendimento dos verdadeiros limites do controle jurisdicional as Administração Pública[6]. Por outro lado, a incorreta apreensão do que seja poder vinculado, poder discricionário, bem como outros conceitos que lhe são conexos, pode originar, no que se refere ao controle jurisdicional da Administração Pública, dois severos equívocos, estes infelizmente comuns em nossa jurisprudência:
1) o primeiro deles consiste em reconhecer como matéria de mérito administrativo, este elemento nuclear da noção de discricionariedade, o que, de fato, consiste em matéria de validade da ação administrativa, com o que o Poder Judiciário fica indevidamente aquém do controle da Administração Pública para o qual se encontra legitimado constitucionalmente num non liquet, fundamento este utilizado de maneira errônea nos argumentos relacionados à discricionariedade;
2) o outro equívoco, talvez ainda mais grave, consiste no manejo indevido de tais conceitos, com vistas a outorgar ao Poder Judiciário mecanismos de controle de que constitucionalmente não dispõe, intrometendo-se em searas que não são suas.
Adentrando na esfera de vinculação, discricionariedade e legalidade administrativa, não parece conveniente estudar a vinculação e a discricionariedade de maneira separada. Embora sejam diferentes, são ambos instrumentos de concretização direta de um mesmo princípio, qual seja, o princípio da legalidade administrativa, especialmente na sua feição de reserva legal.
A legalidade, como reserva legal, impõe que a atuação do administrador fique adstrita às regras de atribuição de competência outorgadas pelo legislador. Em outras palavras, é a lei quem estabelece a atuação do administrador.
Tendo essa realidade por princípio, deve ser entendido que a lei nem sempre prevê a atuação do administrador de um mesmo modo, fazendo-o, basicamente, de duas formas: uma de ordem vinculada e outra de ordem discricionária. Assim, é possível a conclusão de que a vinculação e a discricionariedade nada mais são do que formas pelas quais o legislador prevê as regras de atribuição de competência ao administrador. Neste sentido, haveria um poder vinculado ou um poder discricionário, mas, tão-somente, regras de atribuição de atribuição de competência vinculada ou discricionária. Disso se depreende uma conclusão importante sobre o tema: não é a doutrina, a Administração Pública ou o Poder Judiciário que dizem o que é vinculado ou o que é discricionário. Quem define, portanto, se a atuação administrativa é vinculada ou discricionária é a lei, ou seja, a regra de atribuição de competência endereçada ao administrador.
Adentrando a seara das regras vinculadas[7], a vinculação administrativa ocorre sempre que a lei atribuir a competência ao administrador, de modo que, diante de uma determinada previsão de hipótese fático-jurídica, prevê como consequência jurídica uma única solução juridicamente válida. Logo, pode ser deduzido que numa regra vinculada, concretizada a hipótese legal, não restará ao administrador nenhuma outra forma de agir senão aquela prevista na regra de atribuição de competência.
No que se refere às condutas administrativas vinculadas, duas observações devem ser feitas. Inicialmente, deve-se advertir que, embora a definição da vinculação seja singela, a aplicação de regras vinculadas, no caso concreto, não deve ser entendida como automática. A interpretação acompanha necessariamente todas as situações de aplicação de regras legais, inclusive as vinculadas. Assim, apesar do esquema normativo contido nas regras vinculadas, não se pode olvidar que existem, algumas vezes, determinadas questões de interpretação altamente complexas, tanto da hipótese normativa quanto da consequência jurídica que dela decorre. Em outras palavras, em alguns casos não se denota simples a subsunção do caso concreto a uma determinada regra vinculada. Em outros, a própria consequência, que não deixa de ser única, trará consigo algumas dificuldades de aplicação concreta. De qualquer modo, a definição do que seja uma regra vinculada é, como pode ser visto, singela. Trata-se de regra de atribuição de competência administrativa pela qual, diante de uma hipótese, a lei prevê um único comportamento válido.
A outra consideração a ser feita em relação às regras de atribuição de competência vinculada diz como o modo pelo qual sobre ela incide o controle judicial da Administração Pública. Em princípio, o controle jurisdicional de condutas administrativas vinculadas não apresenta maiores complicações, por se tratar de uma espécie de controle de cotejo: o Poder Judiciário analisa qual é a hipótese legal e qual é a consequência única que dela resulta e, concretamente, pesquisa se há adequação entre o que a lei, no plano abstrato, prevê e o que, no caso concreto, foi levado a efeito pela Administração Pública. Existindo compatibilidade entre o que a lei dispunha e o que concretamente foi realizado pela Administração Pública, restará ao Poder Judiciário tão-somente promover o controle do conteúdo da lei, no que tange a questões de razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, impessoalidade, etc. Neste caso, contudo, a eventual invalidação da ação administrativa vinculada que seguiu rigorosamente a hipótese e a consequência previstas em lei terá de ser precedida da invalidação, por inconstitucionalidade, da regra vinculada em questão.
No que se refere às regras discricionárias, tem-se que a existência da discricionariedade administrativa parece decorrer da conjugação de duas realidades incontrastáveis: de um lado, por melhor que seja o legislador, em uma perspectiva meramente técnica, a atividade legislativa se torna suscetível de cometer imprecisões, uma vez que se trata de atividade de prognose[8]. De outro lado, a atividade administrativa é dotada de grande riqueza de situações cotidianas. Da confluência de tais realidades depreende-se que não seria possível, e muito menos conveniente, que todas as condutas administrativas fossem embasadas sempre através de regras vinculadas. Surge, pois, a necessidade de uma espécie de válvula de escape, não do princípio da legalidade, mas da metodologia vinculada de atribuição legal de competências aos administradores.
A discricionariedade reside na existência de regras legais que prevejam a atuação administrativa. Cabe lembrar que, na seara do Direito Administrativo, a falta de regras legais sobre determinada conduta não induz a liberdades, mas sim à proibição. Do mesmo modo, a discricionariedade não resulta das entrelinhas de regras legais. Não se trata, pois, de uma espécie de sobra da lei. Ao contrário, a discricionariedade consiste em uma técnica de concretização do princípio da legalidade, o qual decorre de uma atribuição legal expressa de competência.
Nas regras referentes à atribuição de competência discricionária, a lei, diante de uma determinada hipótese legal, prevê mais de uma consequência jurídica, sendo, ao menos em princípio, válidas todas essas condutas administrativas previstas em tal margem legal de liberdade. Há de se atentar, nesse passo, para real e importante diferença entre discricionariedade e arbitrariedade. A discricionariedade consiste em uma margem, devidamente legal, de liberdade, que contempla mais de uma conduta administrativa válida, dentre as quais o administrador terá de optar, casuisticamente, por uma. Já a arbitrariedade consiste em condutas concretizadas fora das margens legais de validade, ou sem o devido embasamento legal, apresentando-se, em qualquer caso, inválida.
Continuando, na concretização das regras discricionárias, o administrador, deparando-se com a concretização da hipótese legal, terá de eleger, portanto, uma das várias consequências que se descortinam validamente previstas. Tal eleição deve, obviamente, ocorrer segundo a ordem jurídica e seguirá critérios de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito administrativo.
Em termos de discricionariedade administrativa e de controle jurisdicional, explica-se que o controle jurisdicional de condutas administrativas é tema muito corrente nos estudos de Direito Administrativo[9]. Existem variadas teses, de um extremo, que prevê a absoluta impossibilidade de controle judicial da discricionariedade administrativa, a outro, pelo qual se trataria de tema absolutamente sindicável pelo Poder Judiciário. Obviamente, a razão não reside em nenhum desses extremos, devendo, como sempre, posicionar-se de forma equilibrada entre ambos.
Inicialmente, é importante lembrar que o Poder Judiciário, obviamente, poderá promover o controle, difuso ou concentrado, da constitucionalidade das regras discricionárias. Tal fato poderia ser denominado de controle de atribuição da discricionariedade administrativa. Todavia, a controvérsia não mora nesse aspecto. Muito é discutido acerca da viabilidade jurídica de um controle de exercício da regra discricionária. Em relação ao controle jurisdicional da concretização das regras discricionárias, pode ser dito que questões de conveniência e de oportunidade na seara da Administração Pública, estas consideradas de modo depurado e pressupostamente válidas, não podem se tornar objeto de controle jurisdicional. Em caso de uma conclusão contrária, isto significaria permitir que o Poder Judiciário se imiscuísse em temas para os quais não existe legitimação constitucional, por se tratarem de alçada exclusiva da Administração Pública. Se falando em condutas administrativas inválidas, o Poder Judiciário poderá, e deverá se for provocado, reconhecer o presente vício com a finalidade de proceder a respectiva anulação de tal conduta administrativa. E neste caso, não estará se intrometendo nas questões de conveniência e de oportunidade, mas sim estará cumprindo o seu dever constitucionalmente previsto, este de figurar como o verdadeiro guardião da ordem jurídica.
Logo, em outras palavras, nas regras discricionárias, a lei outorga determinada margem de liberdade ao administrador, que, obviamente, deverá exercê-la de forma válida sob pena de ser possível o controle jurisdicional, não do mérito administrativo, mas da juridicidade da ação administrativa. O tema tem favorecido discussões por uma simples razão. Como já mencionado, em épocas passadas, a estrita legalidade correspondia ao único vetor da validade da ação administrativa, de sorte que bastava a Administração Pública agir de acordo com a lei formalmente considerada para que se chegasse a uma automática conclusão de que a presente conduta administrativa devesse ser considerada efetivamente válida. Há que ser lembrado que, com o passar do tempo, e com a nossa Constituição Federal vigente, outros princípios, relacionados de forma direta com os aspectos substanciais das ações estatais, foram sendo reconhecidos como outros elementos da definição da validade dos atos administrativos[10]. Diante dessa nova perspectiva, de legalidade ampla ou juridicidade, toda a principiologia, e não somente a legalidade estrita, passou a fundamentar o controle judicial das condutas discricionárias, com o que se ampliou, de forma significativa, o espectro de temas devidamente controláveis.
Em outras palavras, pode ser dito que o Poder Judiciário sempre foi legitimado a promover o controle da validade das condutas discricionárias. O que sofreu evolução foi a definição de validade, que, anteriormente, se resumia a aspectos formais de legalidade estrita e que, hodiernamente, se relaciona com os aspectos mais abrangentes, estes de cunho formal e substancial, devidamente determinados por todo arcabouço de princípios formadores da noção de juridicidade administrativa.
Em sede de mérito administrativo, é importante lembrar que tal mérito consiste em um instituto relacionado, de forma direta, com o que se entende por discricionariedade administrativa.[11]
A discricionariedade administrativa se dá pela concretização de uma regra de atribuição de competência portadora de uma estrutura normativa pela qual a concretização da hipótese legal enseja a possibilidade de eleição, pelo administrador, de uma dentre as várias soluções previstas legalmente.
Esta eleição é calcada através de um critério de oportunidade e conveniência, a que se dá o nome de mérito administrativo. Cabe salientar que o mérito administrativo consiste em um critério de escolha que, obviamente, somente poderá ser considerado presente nos casos onde existirem espaços legais para os devidos juízos de valor. Em virtude dessa razão é que pode ser concluído que não há que ser falado em mérito administrativo em relação a regras vinculadas de atribuição de competência, uma vez que, em tais casos, nenhuma escolha há de ser promovida.
Continuando, em se tratando de mérito administrativo, apontando-se o binômio oportunidade/conveniência para tanto, podem advir algumas perplexidades, as quais não encontram justificativa. Embora recheada de elementos subjetivos, a definição do que sejam oportunidade e conveniência não se mostra difícil. Quando a figura do administrador público se depara com a necessidade de concretização de uma regra discricionária, não bastará o simples exercício de subsunção da hipótese à regra, uma vez que, além disso, terá de eleger qual dos comportamentos tidos como legalmente admitidos será o melhor para a satisfação do interesse público, em face das circunstâncias fático-jurídicas havidas naquele determinado caso concreto. Obviamente, tudo se dá de forma válida, de modo a não contrariar a ordem jurídica. Nesse sentido, embora a oportunidade e conveniência sejam conceitos inseparáveis na concretização de escolhas discricionárias, poder-se-ia relacionar a conveniência com as soluções legalmente previstas, com vistas à eleição daquela que melhor satisfaça ao interesse público, e a oportunidade, com a valoração de caso concreto em que tal escolha ocorrerá. Cabe ser lembrado que nas condutas vinculadas a atuação administrativa estará condicionada somente à subsunção legal, não sendo viável qualquer escolha de soluções ou valoração de caso concreto.
Podem ser encontradas na doutrina, de um lado, diversas posições que defendem a impossibilidade de controle judicial do mérito administrativo e, de outro lado, aquelas que entendem ser viável tal controle. Rogando-se vênia aos que se imbuíram na presente discussão, ao menos nos dias de hoje tal questão se dá por meramente terminológica. Não se discute mais o quê e como o Poder Judiciário pode promover o controle das condutas discricionárias. Controverte-se, exclusivamente, sobre o modo de se denominar o objeto de tal controle.
Com o objetivo de um melhor esclarecimento, a questão será analisada através de dois questionamentos. Se existir questionamento sobre a viabilidade de o Poder Judiciário promover o controle de decisões de mérito administrativo exaradas de forma válida, ou seja, caso se trate de decisão válida de oportunidade e conveniência, obviamente, a resposta se dará por negativa. Isto é, no sentido de se controlar as decisões válidas de conveniência e oportunidade, é claro que o Poder Judiciário não estará legitimado a promover tal fiscalização. Nesse sentido, costuma-se corretamente afirmar que o Poder Judiciário não pode controlar o mérito administrativo.
De outro lado, se pretextando uma decisão discricionária de mérito administrativo, o administrador obrar de modo inválido, seja por desrespeitar as regras legais aplicáveis, seja por afrontar aos demais princípios do Direito Administrativo, por certo estará o Poder Judiciário habilitado a controlar tal conduta em juízo, em regra, negativo, ou seja, invalidando a decisão administrativa discricionária. Embora se trate de questão de validade, há quem considere tal controle como um controle judicial do mérito administrativo. Não se pode, contudo, concordar com tal perspectiva, uma vez que, como já afirmado, trata-se de um controle jurisdicional pautado por noção de validade, mesmo que esta se encontre devidamente ampliada.
Comenta-se que seria possível afirmar que o Poder Judiciário não pode promover o controle do mérito administrativo, no sentido de não poder se intrometer em questões administrativas de conveniência e oportunidade propriamente ditas; poderá, contudo, fazer o controle do mérito administrativo no sentido de que está legitimado a realizar o controle da validade formal e substancial das decisões discricionárias, mesmo que para isso tenha de analisar a escolha que foi realizada pela Administração Pública.[12]
Continuando, o mesmo raciocínio se mostra aproveitável em relação aos chamados atos políticos, ou de governo, e também em relação aos atos interna corporis, uma vez que ao Poder Judiciário não é dada a possibilidade de se intrometer em questões de conveniência estritamente política ou de conveniência interna. Havendo, todavia, a concretização inválida de atos políticos ou de atos interna corporis, daí, sim, num controle de validade da ação administrativa poderá o Poder Judiciário promover o controle de tais matérias.
O que precisa estar devidamente esclarecido é que não mais se pode tratar a discricionariedade ou o mérito administrativo como círculos de imunidade de poder. Toda e qualquer atuação estatal, inclusive a discricionária, está sujeito à ordem jurídica e, assim, ao controle jurisdicional da observância a tal submissão.
Assimiladas as definições de vinculação e discricionariedade, aparece a necessidade de se analisar a questão dos conceitos jurídicos indeterminados, sobretudo para se vislumbrar se também seriam casos de discricionariedade administrativa.
Os conceitos jurídicos indeterminados possuem, incontroversamente, uma margem de interpretação a ser preenchida, em cada caso concreto pelo administrador quando da aplicação da regra legal em que está inserido. A questão que é posta é a de se saber se a presença de um conceito jurídico indeterminado em regras de atribuição de competência geraria outra espécie de discricionariedade, intelectiva e não volitiva, como a supra estudada. Tal discussão vem de há muito tempo no Direito Administrativo. Além disso, podem ser encontrados na doutrina setores importantes que vislumbram nos conceitos jurídicos indeterminados uma espécie de discricionariedade, bem como outros setores, não menos importantes, que rechaçam tal condição.
Quer parecer que a razão está com aqueles que diferenciam a discricionariedade dos conceitos jurídicos indeterminados. A discricionariedade permite ao administrador que se produza um juízo de valor, ou seja, impõe ao administrador que pratique um ato de vontade, escolhendo uma dentre várias formas de ação legalmente previstas. Os conceitos jurídicos indeterminados ensejam que o administrador produza um juízo de interpretação, no sentido de, na aplicação da regra, o administrador promoverá um ato de inteligência.
No que se refere ao controle jurisdicional da concretização, pelo administrador dos conceitos jurídicos indeterminados, esse deve possuir uma dimensão ainda maior do que aquela existente em relação à discricionariedade administrativa. Como é sabido, na discricionariedade, sendo a decisão validamente promovida, existirá um espaço que é da alçada exclusiva da Administração Pública, qual seja, a valoração da conveniência e da oportunidade. O controle jurisdicional de condutas administrativas discricionárias restringe-se a questões de validade, ainda que entendidas de forma a abarcar não só a estrita legalidade, mas também a principiologia do Direito Administrativo. No que diz respeito aos conceitos jurídicos indeterminados, tratando-se de questão de interpretação jurídica, o controle jurisdicional possui a plena sindicabilidade da correção de tal interpretação, por se tratar de questão de validade da ação administrativa.
Pode ser dito que é verdade que, em relação aos conceitos jurídicos indeterminados, não é incomum a necessidade de o intérprete socorrer-se de outras áreas do conhecimento científico. Por vezes, o preenchimento do significado do conceito indeterminado reclama conhecimentos técnicos que exorbitam a Ciência Jurídica. Nesses casos, para fins de controle judicial, a demonstração do significado técnico do conceito em análise será uma incumbência do interessado na desconstituição levada à apreciação judicial.
1.3.2 Poder hierárquico
A Administração Pública organiza-se através de uma estrutura que costuma ser altamente complexa. Os órgãos públicos e as entidades administrativas recebem do ordenamento jurídico um conjunto complexo de competências. Eles se organizam internamente através de várias outras unidades administrativas, cada uma das quais dispondo de vários agentes públicos. A necessidade de que tudo isso seja devidamente organizado impõe uma sistemática racionalmente elaborada, que, hodiernamente, segue o modelo hierárquico.
O poder hierárquico, em uma boa visão doutrinária[13], consiste no instrumento de organização da Administração Pública através de mecanismos de distribuição de escalonamento das funções cometidas às unidades administrativas em patamares hierárquicos diferenciados. Forma-se, em virtude do poder hierárquico, uma espécie de teia de atribuições em que cada unidade poderá estar colocada, concomitantemente, acima e abaixo de outras unidades administrativas. Basta ter-se em mente a imagem de um organograma, o qual nada mais é do que a representação gráfica do poder hierárquico.
Pode ser constatado que uma boa visão cobre a definição do que seja poder hierárquico não ocasiona maiores perplexidades. O que deve ser analisado, de forma mais detalhada, são os seus consectários, ou seja, os resultados fáticos de tal modelo de organização administrativa. Seguem-se tais consectários.
1.3.3 Poder de chefia
Uma das decorrências mais óbvias do poder de hierárquico consiste no poder de chefia, pelo qual os agentes públicos que estiverem colocados em posição superior terão a prerrogativa de emitir ordens a seus subordinados que, por seu turno, estarão submetidos a um dever de obediência.[14] É importante salientar que tal poder de chefia, de maneira óbvia, sofre alguns limites, dos quais dois são destacados:
1) deve haver um vínculo de pertinência entre a ordem emitida e as atribuições legais de quem emite, bem como de quem a recebe;
2) não pode ser a ordem ilegal, havendo, inclusive, o dever de o subordinado não atendê-la quando apresentar ilegalidade manifesta.
1.3.4 Poder de fiscalização e coordenação
Também resulta do poder hierárquico a prerrogativa de os superiores fiscalizarem e coordenarem a atuação de seus subordinados. Trata-se de uma prerrogativa perene, embora possam existir mecanismos de formalização periódica de fiscalização. Mesmo quando existirem tais mecanismos de formalização periódica de fiscalização, estes não afastam o permanente dever de fiscalização e coordenação inerentes ao poder hierárquico. Demais disso, em face do poder de coordenação, eventuais conflitos de competência administrativa entre subordinados serão, em nome da hierarquia, solucionados por aquele que estiver situado em patamar superior na escala de subordinação.
1.3.5 Poder de revisão de ato
Do poder hierárquico decorre, também, a possibilidade de os superiores reverem condutas administrativas perpetradas pelos seus subordinados, seja por razões de legalidade, seja por questões de conveniência e oportunidade. Em tal sentido, o poder hierárquico se aproxima, não ao ponto da identidade, de outro poder administrativo, qual seja, o de autotutela.
1.3.6 Poder de transferência administrativa de competência
Em função do poder hierárquico, podem ocorrer mecanismos de transferência de competências administrativas. Torna-se importante salientar que a delegação e a avocação são instrumentos de transferência temporária e excepcional de competências, não se traduzindo em formas de renúncia, a qual, aliás, é inadmitida no Direito Administrativo, em face do princípio da indisponibilidade do interesse público.
1.3.6.1 Delegação de competência
Consiste em um instrumento de transferência administrativa de competência de um órgão ou autoridade a outros órgãos e autoridades que estejam submetidos a vínculos hierárquicos ou outros mecanismos de controle. Nesse sentido, o art. 12 da Lei 9.784/1999 inovou ao dispensar a necessidade de vínculo hierárquico entre o delegante e o delegatário. Embora a referida regra não mencione, quer parecer que se faz necessário, no mínimo, um vínculo de controle, mesmo que não seja hierárquico. Algumas leis estaduais, contudo, ainda determinam que a delegação de competências seja condicionada à existência de tal vínculo de subordinação. Os limites à delegação podem ser de três espécies:[15]
1) limites conceituais ou ontológicos: são aqueles que resultam da própria definição de delegação, relacionados notadamente com a atenção que se deve ter para que dela não se utilize para fins de renúncia de competência. Assim, a delegação deve ser temporária, excepcional e extraordinária. Isso significa dizer que a delegação há de se fundamentar em relevantes questões de ordem técnica, social, econômica, jurídica, territorial, etc. A delegação permanente ou ordinária significaria, por vias indiretas, caso indevido de renúncia de competência.
2) limites específicos: há também limites específicos à delegação, que são aqueles que se encontram fundamentados nas próprias regras de competências das autoridades administrativas. Exemplo disso é o que ocorre com as competências constitucionais privativas do Presidente da República. Tal regra constitucional enumera uma série de atribuições privativas do Presidente da República, das quais, segundo o parágrafo único do mesmo preceito, somente algumas poderiam ser objeto de delegação.
3) limites gerais: correspondem aos casos em que a delegação é vedada em face das características da conduta administrativa, independentemente das autoridades competentes. No plano federal, tais limites gerais são previstos no art. 13 da Lei 9.784/1999, pelo qual não pode ser objeto de delegação a edição de atos de caráter normativo, as decisões de recursos administrativos e os atos de competência exclusiva.
1.3.6.2 Avocação administrativa
A outra forma de transferência administrativa de competência consiste na avocação, pela qual o superior hierárquico assume, de modo peremptório, uma competência que originariamente é atribuída a um dos seus subordinados. Cumpre salientar que, mesmo no plano federal, ao contrário do que ocorre com a delegação, a avocação pressupõe a existência de um vínculo hierárquico. Em outras palavras, somente pode haver a avocação onde houver um vínculo de natureza hierárquica.
Em relação aos seus limites, o art. 15 da Lei 9.784/199, aplicável somente na esfera federal, embora traduza o que a melhor doutrina costuma a referir, estabelece que a avocação deve ser excepcional, temporária e devidamente fundamentada em motivos relevantes devidamente justificados, além do já referido vínculo de subordinação entre a autoridade avocante e aquela outra originariamente titular da competência.
1.3.7 Poder de iniciativa disciplinar
Os poderes hierárquico e disciplinar não podem ser confundidos. O que existe, entre eles, é um ponto de convergência. Trata-se de fato de que a iniciativa de qualquer providência tendente à incidência do regime disciplinar deverá, necessariamente, seguir a cadeia hierárquica. Tal observância à estrutura hierárquica para fins de concretização do regime disciplinar é imperiosa, seja nos casos em que a relação é direta, seja no caso em que a relação é indireta. De qualquer forma, existe uma regra geral que precisa ser seguida: não podem subordinados deter a prerrogativa de iniciativa de providências tendentes à incidência do regime disciplinar, embora tenham a prerrogativa, que, aliás, se traduz em dever, de representar contra irregularidades cometidas por seus superiores.
1.3.8 Poder disciplinar
É importante mencionar que para a compreensão do poder disciplinar da Administração Pública, faz-se necessário entender uma premissa teórica.[16] Os administrados podem estar subordinados à Administração Pública, basicamente, de dois modos. Uma das formas de subordinação, denominada subordinação geral, decorre da simples condição de cidadão, de administrado, ou seja, de destinatário da função administrativa. Diante disso, pode ser dito que todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, que são destinatárias da atividade estatal de Administração Pública encontram-se submetidas a tal vínculo de subordinação geral. A outra forma de subordinação, denominada especial ou específica, é aquela a que estão submetidos os administrados, e também subordinados de forma geral, que mantiverem outro vínculo jurídico regular e específico perante a Administração Pública. Cabe enfatizar que não são subordinações que se apresentam alternativamente. A subordinação geral atinge a todos. Além desta, alguns administrados estarão subordinados de modo especial por manterem vínculos jurídicos específicos com a Administração Pública. Logo, aquele que não possuir qualquer espécie de vínculo jurídico perante o Poder Público, ainda assim deverá ser considerado submetido à subordinação geral. Os agentes públicos, concessionários, contratados da Administração Pública, e outras tantas condições resultantes de vínculos jurídicos específicos, além da subordinação geral, estarão sujeitos a uma subordinação específica.
Após as explicações anteriormente efetuadas, já se pode definir o poder disciplinar como sendo a prerrogativa que tem a Administração Pública de promover atos e determinados procedimentos tendentes à aplicação de penas administrativas àqueles que a elas estiverem relacionadas através de um vínculo de subordinação específica.
Torna-se imperioso advertir que a Administração Pública também possui prerrogativas de imposição de limites e de aplicação de penalidades em decorrência da subordinação geral. Todavia, em tal caso, não se poderá considerar tais sanções resultantes do poder disciplinar, mas de outras formas de atividade estatal, como é o caso, por exemplo, do poder de polícia.
Uma questão importante, sobre a natureza jurídica do ato que concretiza o poder disciplinar, se apresenta.[17] A doutrina encontra-se dividida entre os que entendem se tratar de um ato administrativo vinculado e, o que é mais comum, e aqueles que defendem ser um ato administrativo discricionário.
A questão parece estar sendo analisada de modo simplista. Ele nos lembra que não existem condutas administrativas que sejam vinculadas ou discricionárias segundo a sua essência, ou seja, não é a doutrina que deve dizer o que é vinculado ou o que é discricionário, por meras imposições conceituais. A vinculação e a discricionariedade decorrem da estrutura das regras de atribuição de competência endereçadas aos administradores.
Dessa forma, o ato de concretização do poder disciplinar será vinculado ou discricionário dependendo tão-somente da estrutura normativa da regra legal que o embasa devidamente. O que ocorre é que existem vários regimes disciplinares, tais como servidores, contratados, etc., alguns dos quais são normatizados por um complexo conjunto de regras legais, o que significa dizer que seria precipitado afirmar que os atos de concretização do poder disciplinar seriam, inicialmente, vinculados ou discricionários.
Ainda sobre o tema em pauta, embora se apresente frequente a colocação de que o poder disciplinar é, essencialmente, discricionário, não se pode concordar com tal afirmação. O que de fato ocorre, é que a evolução dos regimes disciplinares vem determinando, como decorrência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que as regras dos regimes disciplinares sejam cada vez mais detalhadas, tanto na tipificação das infrações puníveis, quanto na capitulação das punições administrativas que lhes são decorrentes. Assim, pode ser percebido que a noção mais atual do poder disciplinar remete a uma tendência de que os atos administrativos que lhe dão concretização são embasados em regras predominantemente vinculadas. Não pode ser negada, contudo, a existência de regras discricionárias, contidas em regimes disciplinares.
Concluindo, pode ser dito que os regimes disciplinares podem prever atos administrativos vinculados ou discricionários, tudo dependendo exclusivamente da estrutura normativa das regras de atribuição de competência, embora possa ser afirmado que devem ser considerados predominantemente vinculados em face do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.
1.3.9 Poder de autotutela
O poder de autotutela é de singela compreensão. Para alguns doutrinadores, trata-se de um princípio. Em determinada visão doutrinária[18], é tratado como poder administrativo.
Autotutela administrativa deve ser entendida como a prerrogativa que a Administração Pública possui de manter-se permanentemente controlada, tanto em relação à validade de suas condutas, a legalidade em sentido amplo, quanto em relação a questões de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito administrativo. Possui status constitucional reconhecido, de forma expressa, no art. 74 de nossa Carta Magna. Mesmo que assim não fosse, ainda se poderia reconhecer sua natureza constitucional, uma vez que resulta da própria submissão da Administração Pública à ordem jurídica. Nesse sentido, pode-se afirmar que a autotutela administrativa é subproduto do princípio da legalidade.
Existem vários instrumentos de concretização da autotutela administrativa. De qualquer modo, há necessidade do entendimento de que a autotutela é prerrogativa permanente, que, embora possa ter instrumentos de formalização, a eles não fica vinculada. Do mesmo modo, tal permanente poder de controle, do qual é titular a Administração Pública, está casuisticamente submetido aos limites formais, materiais e temporais.
A existência de tais limites não significa comprometimento ao exercício da autotutela. Representa, sim, formas de ponderação de princípios, no sentido de que a autotutela administrativa deve ser interpretada em cotejo com outros valores e princípios, disso podendo resultar os referidos limites.
1.3.10 Poder de polícia
O poder de polícia corresponde a uma das mais importantes atividades administrativas.[19]
A polícia administrativa encontra-se definida no art.78, do Código Tributário Nacional. Contudo, esta situação é justificável, uma vez que, conforme o constante do art.145, II, de nossa Carta Maior, uma das formas de contraprestação da atividade de polícia administrativa, e não a única, se dá através da cobrança de taxas, a qual, por seu turno, se presta a remunerar várias outras espécies de atividade estatal. Assim, embora não se apresente como absoluta ou necessária, há uma relação entre taxas e poder de polícia administrativa, razão pela qual o CTN define o poder de polícia quando trata daquela espécie de tributos.
Conforme o diploma supramencionado, pode ser considerado poder de polícia
“…atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão e autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade”.
Pode ser dito que o art.78, parágrafo único, de nosso Código Tributário faz referência às características que, somadas, compõem a noção de exercício regular, devidamente válido, de poder de polícia. Continuando, uma advertência deve ser feita quanto a isso: o poder de polícia, como espécie de ação administrativa que é, terá sua validade condicionada à observância de todo o Direito Administrativo, no sentido de que não bastará o respeito formal às regras legais aplicáveis, sendo também necessária a observância de toda principiologia de tal área da Ciência Jurídica.
Ainda sobre o tema, o art. 78 do CTN, em seu parágrafo único, destaca os principais elementos integrantes da noção de regularidade ou validade do poder de polícia.
A primeira característica é ser o poder de polícia desempenhado por órgão e autoridade competentes.
A segunda característica, esta óbvia e ao mesmo tempo muito relevante, é ser o poder de polícia exercido nos limites da lei aplicável. Sendo feição da atividade de Administração Pública, é, como citado, óbvio que o poder de polícia deve se submeter ao princípio da legalidade. No entanto, tal advertência é muito pertinente, porque é comum que maus administradores imponham restrições a direitos alheios sem qualquer embasamento legal, em nome de um suposto interesse público. Ora, o interesse público é a finalidade nuclear da ação administrativa, mas não é o administrador o seu titular, fato este que torna imprescindível o entendimento de que somente se exerça o poder de polícia em nome do interesse público que estiver cristalizado nas regras legais de atribuição de competência.
Ainda, deve ser observado o devido processo legal, o que, aliás, figura como imposição constitucional, devidamente expressa no inciso LIV do art. 5º de nossa Carta Magna, especialmente nos casos como o poder de polícia, que se trata de uma atuação estatal potencialmente restritiva de direitos alheios. Pode ser entendido, de tal característica, que, de um lado, o chamado devido processo legal, em sentido procedimental, consubstancia-se na necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa como requisitos de efetivação do poder de polícia, devendo ocorrer precedentemente, ressalvadas as situações de urgência onde que se permite a mitigação de tais direitos procedimentais no sentido de postergá-los, não os eliminando. De outro lado, extrai-se de tal sobreprincípio, o denominado devido processo legal em sentido substancial, pelo qual o poder de polícia administrativa há de se submeter ao postulado da proporcionalidade, no sentido de que as restrições, impostas em nome do interesse público, incidentes sobre os direitos dos administrados, não podem ser excessivas ao ponto de esvaziá-los. Trata-se, portanto, de uma interdição de excessos.
Finalizando, o art. 78, parágrafo único, do CTN cita que deve o poder de polícia ser exercido sem abuso ou desvio de poder, quando se tratar de atividade discricionária, restrição esta indevida, uma vez que a vedação ao abuso e ao desvio de poder ou finalidade existe tanto para regras discricionárias quanto para regras vinculadas. E, em termos de atributos, para a efetiva e eficaz aplicabilidade do poder de polícia, é necessário entender que o poder de polícia é, em regra, discricionário, em regra é auto executório, é imperativo e coercitivo.
1.3.11 Poder regulamentar ou normativo
Trata-se de prerrogativa excepcional de expedição de normas gerias e abstratas, normalmente secundárias em relação àquelas oriundas do Poder Legislativo, justamente para sua regulamentação. Tal prerrogativa é o que se pode denominar de poder regulamentar ou poder normativo da Administração Pública, a qual se concretiza através de variados instrumentos, tais como decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções normativas, regimentos, etc.
Conclusão
Diante do exposto, pode ser constatado, através da análise de tão singela doutrina, bem como da verificação devidamente centrada nas exposições de motivos proferidas por muitos de nossos administradores, com o intuito de defenderem-se de acusações que não possuem defesa, que não existem argumentos plausíveis para justificar medidas descabidas, de cunho meramente eleitoreiro, que coloquem em risco o bem público. O Estado possui excelentes ferramentas de controle e verificação, mas carece, como pode ser verificado mediante a mera assistência aos noticiários, de administradores competentes, em todas as esferas de Poder, para bem cuidar do que é de todos. A doutrina mais simples e, a meu ver, a melhor, por ser acessível intelectualmente a todos, está aí, presente, clamando para ser lida, ouvida e, sem mais demora, posta em uso, com o escopo de criar uma verdadeira Administração Pública, que a todos assiste e que de todos cuida, dando efetivamente o retorno que o contribuinte espera, por ser de direito, tendo em vista os tributos que paga.
Assim, para aqueles que querem enveredar no ramo de administrar o bem público, exige-se, no mínimo, o respeito e o interesse em cuidar, em zelar pelo que é de toda população, atendendo seus anseios, ouvindo suas reais necessidades e, acima de tudo, respeitando o contribuinte, mola propulsora ao financiamento e ao incremento construtivo de uma verdadeira nação. E, para isso, o administrador conta com uma gama de poderes de que poderá valer-se para, no fim, atingir o verdadeiro bem comum.
Advogado especialista nas áreas de Direito Penal e Processo Penal Direito da Administração Pública e Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Possui vasta experiência na área de Licitações e Contratos Administrativos e do Direito Militar. Professor e autor de artigos publicados em sítios de cunho jurídico
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