Os programas motivacionais e suas implicações jurídicas

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Resumo: A importância das práticas motivacionais no desempenho e produtividade das empresas e dos empregados e as implicações jurídicas quando tais práticas são aplicadas arbitrariamente.

Sumário: I – Introdução: A – necessidades empresariais; B – necessidades profissionais; C –  Motivação dos empregados II – Repercussões jurídicas e III – Conclusões

Área:  Direito do Trabalho – 02  de março de 2004

I – Introdução

A – Necessidades empresariais

Em decorrência da globalização e da competitividade de produtos oferecidos no mercado, inclusive os estrangeiros, as empresas brasileiras, nos últimos tempos, viram-se obrigadas a dar maior atenção a fatores como: a modernização das suas fábricas, informatização dos procedimentos e preocupar-se em obter os diversos ISO´s e enfatizar a qualidade total.

Este cenário ocasionou uma mudança no quadro empresarial brasileiro, uma vez que se tornou vital para a sobrevivência das empresas e a permanência de seus produtos no mercado, a adoção de um novo ponto de vista quanto à gestão de negócios, administração de pessoal e estrutura organizacional.

Neste mesmo contexto, até porque intrinsecamente ligado a ele, estavam os trabalhadores, dos quais passou-se a exigir uma maior qualificação profissional e, conseqüentemente, um aumento na sua produtividade. Em contra-partida, as empresas ofereceram esses empregados mais benefícios, participação nos lucros, bonificações e, eventualmente, maiores salários.

Teoricamente, a situação seria a ideal, não fossem dois fatores cruciais que surgiram no dia-a-dia das empresas e dos empregados e que abalaram essa pseudo-harmonia: o mercado não absorveu, necessariamente, todas essas modernidades, tampouco essas alterações geraram um aumento nas vendas ou no faturamento das empresas, uma vez que todo o mercado voltou-se para o mesmo objetivo e, portanto, manteve-se igualado.

Do ponto de vista dos empregados, o aumento da produtividade, obtida nos primeiros momentos, com a intensificação dos benefícios e vantagens oferecidos, não se manteve no decorrer do tempo:

(i) porque o nível de cobrança das chefias aumentou exarcebadamente, combinada, provavelmente com o fato de que,

(ii) os empregados bem remunerados, com o passar do tempo, assimilaram que, todas aquelas vantagens a eles concedidas já faziam parte do seu “status” profissional, quebrando, assim, o vínculo criado entre a sua atuação como empregado participativo e o recebimento das benesses.

A produtividade alcançada pelo empregado não era mais vista como um mérito seu e, os benefícios concedidos pela empresa foram enquadrados como um pagamento nada mais do que devido. O que inicialmente era visto como um atrativo, passou a ser considerado como mais um item recebido no final do mês.

Diante deste quadro, observou-se que diversos trabalhadores, alguns inclusive com excelente qualificação profissional e alta remuneração, encontravam-se desmotivados em relação à sua atividade profissional.

Muitas vezes, o empregador somente tomava conhecimento desses fatos quando o empregado informava que estava se desligando da empresa devido ao fato de ter recebido uma outra proposta de emprego. Neste momento, o empregado era elogiado sobre sua performance profissional e, com a intenção de mantê-lo na empresa, era oferecido um aumento salarial.

Essa estratégia não funcionou porque esses profissionais já haviam superado uma antiga idéia sedimentada na mentalidade dos trabalhadores de que o principal contrato existente entre empregadores e empregados é aquele em que o trabalhador dá seu trabalho e, em troca, o empregador paga-lhe um salário.

Observa-se, portanto, que a necessidade de manter os maquinários atualizados e modernos, os altos níveis de produtividade e padrões de qualidade – até internacionais –  permaneceu, no entanto, uma nova preocupação surgiu quando as partes da relação de trabalho concluíram que, não era somente o acesso a uma infinidade de benefícios e remunerações variáveis que assegura o bom desempenho dos profissionais, por maior que sejam suas qualificações.

B – Necessidades profissionais

Segundo o trainer em PNL, Dr. L. Michael Hall: “ganhar dinheiro exclusivamente para ter mais dinheiro não enriquece nossa experiência interior de vida, nem nos dá mais qualidade de pensamento ou sentimento”.[1]

Ao perceberem que a remuneração não era o único ponto de atração para o bom desempenho de uma atividade, as empresas voltaram seus olhos para a força de trabalho que dispunham em seu quadro de profissionais.

Conclui-se, então, que há necessidade de uma remuneração satisfatória e condizente com o nível profissional do trabalhador, mas esse não é único fator que gera satisfação dos trabalhadores pois, a falta de perspectiva de crescimento do empregado na organização, o excesso de procedimentos burocráticos e antiquados e o posicionamento autoritário das chefias minam qualquer possibilidade do trabalhador manter o prazer em trabalhar, ainda que goste muito da atividade que desenvolva.

Daí a importância de valorizar fatores como a motivação dos empregados, o fortalecimento das lideranças e os trabalhos em equipe, que passaram a ser considerados pelas áreas de Recursos Humanos e Departamento Pessoal das empresas.

C – Motivação dos empregados

A manutenção de equipes motivadas envolve uma série de fatores que mantêm os trabalhadores fazendo o que gostam e tendo prazer em desenvolver suas atividades profissionais. A combinação dos fatores é que geram o sentimento de satisfação nos trabalhadores e trazem, como conseqüência, o aumento da produtividade.

Os novos desafios apresentados ao trabalhador no seu dia-a-dia profissional, que decorrem das novas atribuições e responsabilidade que lhe são incumbidas, é um desses fatores que, efetivamente, geram motivação.

Além das novas tarefas, deve haver um reconhecimento da eficiência e da qualidade do trabalho apresentado, bem como a percepção de um determinado talento e o seu aproveitamento.

A figura de uma liderança também é muito importante, uma vez que é o chefe direto que conhece sua equipe e pode criar, ou não, as oportunidades para que novos trabalhos sejam realizados. O líder é, ainda, responsável por demonstrar  atenção e confiança à equipe e respeitar o trabalhador, como pessoa e profissional, servindo também de canal de comunicação para a possibilitar aos empregado um feedback do seu trabalho.

II – Das repercussões jurídicas

A fim de alcançar a excelência de suas atividades empresariais e de seus profissionais, as empresas buscaram formas de motivar os profissionais e, muitas delas, encontraram respostas nas dinâmicas de grupos e nos encontros periódicos das equipes para discutir as metas alcançadas, os meios para tais metas serem alcançadas, os novos objetivos a serem atingidos e, para “brindar” os empregados que obtiveram os melhores desempenhos com elogios  coletivos.

Ocorre que, apesar das boas intenções e das diversas técnicas utilizadas pelos “motivadores”, alguns excessos foram cometidos e, julgando não ser suficiente a aclamação dos bem sucedidos, nas reuniões das equipes passaram a ser apontados os trabalhadores que ficaram aquém dos objetivos desejados.

A idéia de algumas dinâmicas de grupo era de que, apontando também os profissionais com baixa performance, toda a equipe ficaria motivada a melhorar seu desempenho nas próximas atividades, justamente para não serem expostos como os “perdedores do mês”.  Os apontados naquela reunião teriam ainda mais motivação para atingir os novos objetivos determinados.

Era de se esperar, no entanto, que a adoção dessa prática deturpada, além de ser nociva para o próprio andamento das dinâmicas motivacionais do grupo, implique conseqüências jurídicas, especialmente no caso dos empregados rotulados como “perdedores”.

Esses profissionais, após serem expostos a essas situações vexatórias, vêm manifestando seu repúdio às essas práticas através do ajuizamento de reclamações trabalhistas, onde pleiteiam a rescisão indireta do contrato de trabalho, com fundamento no artigo 483, da CLT[2] e o pagamento de indenizações a título de dano moral ou assédio moral.

As sentenças proferidas nos processos ajuizados, já servem de norteador para demonstrar o entendimento adotado pelos tribunais, senão vejamos:

“Dano moral – “práticas motivacionais`- o constrangimento e a humilhação sofridos pelo empregado exposto a situações vexatórias empreendidas pela empresa a título de “práticas motivacionais”, autorizam a indenização de dano moral postulada”. (TRT 18a. R. – RO 00278.2003.010.18.00.7 – Rel. Juiz Octávio José Magalhães Drummond Maldonado – DJGO 12.08.2003)

“Dinâmica grupal – desvirtuamento – violação ao patrimônio moral do empregado – assédio moral – indenização. A dinâmica grupal na área de Recursos Humanos objetiva testar a capacidade do indivíduo, compreensão das normas do empregador e gerar a sua socialização. Entretanto, sua aplicação inconseqüente produz efeitos danosos ao equilíbrio emocional do empregado. Ao manipular tanto a emoção, como o íntimo do indivíduo, a dinâmica pode levá-lo a se sentir humilhado e menos capaz que os demais. Impor pagamentos de prendas publicamente, tais como, “dançar a dança da boquinha da garrafa”, àquele que não cumpre sua tarefa a tempo e modo, configura assédio moral, pois, o objetivo passa a ser o de inferiorizá-lo e torná-lo “diferente” do grupo. Por isso, golpeia a sua auto-estima e fere o seu decoro e prestígio profissional. A relação de emprego cuja matriz filosófica está assentada no respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o dever de zelar pela dignidade do trabalhador. A CLT, maior fonte estatal dos direitos e deveres do empregado e empregador, impõe a obrigação de o empregador abster-se de praticar lesão à honra e boa fama do empregado (art.483). Se o empregador age contrário à norma, deve responder pelo ato antijurídico que praticou, nos termos do art. 5º,X da CF/88.” (TRT 17a. R. 1294.2002.007.17.00.9 – Rel. Juíza Sônia das Dores Dionísio – DJES de 19.11.03)[3]

III – Conclusão

Diante de todo o exposto, tem-se que é válida a preocupação com a motivação dos profissionais e a conseqüência geração desse sentimento nos empregados, envolvendo-os em atividades construtivas que visem, dentre outros, o aumento da produtividade e o desenvolvimento motivado dos trabalhadores da empresa.

Evidente, no entanto, que a aplicação abusiva de práticas motivacionais têm conseqüências prejudiciais ao ambiente de trabalho, além de criar uma contingência jurídica trabalhista para a empresa, uma vez que tais práticas, arbitrariamente aplicadas, servirão de fundamento para os pedidos de rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme o disposto no artigo 483, da CLT, além dos pedidos de pagamento de indenização por dano moral e assédio moral.

Notas:
[1] Hall, L.M. “ A few secrets about wealth building”. Pp. 25-31 em Anchor Point journal, vol. 14, abril de 2000
[2] Artigo 483, da CLT “ O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a)       forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b)       for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c)       correr perigo manifesto de mal considerável;
d)       não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e)       praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f)        o empregador ou seus prepostos ofenderem-no, fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g)       o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
[3] A condenação desse processo foi arbitrada em 300 salários mínimos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fernanda Cavalcante Batista Rodello

 

Advogada, Pós-graduada em Direito Empresarial e em Direito do Trabalho pela PUC/SP.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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