Resumo: O objetivo consiste analisar o estado atual do instrumento pagamento por serviços ambientais nas perspectivas das legislações e políticas públicas relacionadas existentes no Brasil. Por meio de levantamento bibliográfico aliado à técnica de estudo de casos e pesquisas sobre legislações, políticas públicas existentes, foram sistematizadas informações para o desenvolvimento do presente referencial teórico, com utilização de métodos qualitativo e interdisciplinar. Como resultados verificou-se que as melhorias em qualidade de vida, preservação ambiental e ganhos econômicos, são constatados na atualidade pela pró-atividade de alguns municípios e estados brasileiros que criaram legislações específicas e instituíram programas de pagamento por serviços ambientais. Os principais desafios para a efetivação dos pagamentos por serviços ambientais consistem na aprovação e consequente implementação de uma Política Nacional.
Palavras-chave: serviços ambientais – políticas públicas – legislação ambiental – economia verde – pagamento ambiental
Resumen: El objetivo consiste analizar el estado actual del instrumento de pago por servicios ambientales en las perspectivas de las legislaciones y políticas públicas existentes en Brasil. Por medio del levantamiento bibliográfico aliado con la técnica de estudios de casos e investigaciones de legislaciones, políticas públicas existentes, se sistematizaron informaciones para el desarrollo del presente referencial teórico, con utilización de métodos cualitativos e interdisciplinares. Como resultado, se verificó que las mejorías en la calidad de vida, preservación ambiental y logros económicos, son constatados en la actualidad por actividades del algunos municipios y estados brasileños que crearán legislaciones específicas e instituirán programas de pago por servicios ambientales. Los retos principales para que se efectúen los pagos por servicios ambientales consisten en la aprobación y consecuente implementación de una Política Nacional.
Palabras-claves: servicios ambientales – políticas públicas – legislación ambiental – ecnomía verde – pago ambiental
Sumário: Introdução. 1. Meio ambiente e Economia: Interdisciplinaridade para o desenvolvimento. 2. Conceito de Pagamento por Serviços Ambientais. 3. Desenvolvimento das Políticas Públicas de PSA no Brasil. 3.1 Pagamento por Serviços Ambientais no plano legislativo Federal. 3.2 Exemplos de legislações e programas locais e estaduais de PSA. 3.2.1 Projeto Conservador de Águas. 3.2.2 Programa Bolsa Floresta. 4. Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil: avanços e desafios. Conclusão.
Introdução
Após notável evolução da ciência ambiental e do experimento, pelo ser humano, das consequências em degradar o meio ambiente de forma ilimitada, percebeu-se a necessidade de se harmonizar os interesses econômicos e ecológicos, para a manutenção da espécie humana. Com esta visão, surgiram legislações, nacionais e internacionais, limitadoras das atividades antrópicas para garantir a coexistência do ser humano enquanto produtor de bens, que também necessita dos serviços naturais prestados pelos ecossistemas.
Nusdeo (2012, p. 1) observa que a destruição de ecossistemas acaba por gerar a necessidade de soluções artificiais para a disponibilização de alguns serviços ambientais, quando há viabilidade para tanto, mediante um grande aporte de recursos financeiros públicos e privados. Desse modo, quando a restauração do meio ambiente não é possível, a piora na qualidade de vida da sociedade afetada é irrevogável.
A partir disso, com grande debate internacional, notadamente nas Conferências Internacionais sobre o Meio Ambiente, o desenvolvimento sustentável surgiu como meio hábil para a conciliação entre o exercício das atividades econômicas, a preservação ambiental e o desenvolvimento social.
Nessa perspectiva, o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) se apresenta como instrumento econômico que visa remunerar as ações de conservação e restauração do meio ambiente, ao invés de apenas punir quem o degrada.
No intuito de disciplinar este instrumento, destaca-se no Congresso Nacional brasileiro o Projeto de Lei nº 5.487/2009, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais. Referida proposta define os conceitos, as situações e as formas em que o reconhecimento das boas práticas irá incidir.
Por outro lado, a demora do legislativo Federal e a necessidade de evoluções das políticas ambientais, levou os Municípios e Estados brasileiros a desenvolverem suas próprias políticas públicas de PSA, sendo os primeiros resultados práticos já perceptíveis.
Dessa forma, com o intuito de apresentar o estado da arte institucional do Pagamento por Serviços Ambientais, o presente trabalho suscita os precedentes, contextualiza a discussão, apresenta as potencialidades de melhoria e as dificuldades na concretização desta nova ferramenta, que busca a concretização do desenvolvimento sustentável.
1. Meio ambiente e Economia: Interdisciplinaridade para o desenvolvimento
A ciência jurídica como mecanismo de regulação das relações interpessoais encontra limitações diante do dinamismo social. Assim, a investigação científica aliada às necessidades de compatibilização do meio ambiente com as atividades humanas produtivas, levou, necessariamente, à inteiração entre ciência jurídica ambiental e economia.
Destacando a peculiaridade da ciência ambiental, Freiria (2015, p. 41) leciona que, as leis ambientais, como condição de eficácia e efetividade, devem refletir os conhecimentos e fundamentos das ciências ambientais, sociais e econômicas.
Nesse contexto, a economia trouxe conceitos ao direito ambiental para viabilizar a análise da realidade vivida pelo planeta. Sob a ótica de Niencheski (2014, p. 342), tem-se o surgimento do que alguns denominam de economia ecológica, campo de estudo transdisciplinar que aborda a relação entre os ecossistemas naturais e o sistema da economia de maneira a integrar diversas perspectivas para alcançar a sustentabilidade.
Mediante outra expressão, a chamada economia verde traz um modelo de desenvolvimento econômico que leva em consideração a preservação ambiental, melhoria de qualidade de vida e bem-estar, além dos fatores de produção e lucratividade.
Por sua vez, o relatório desenvolvido pelo PNUMA[1] (2011, p. 2), intitulado Rumo a uma economia verde, define este tipo de economia como aquela que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica.
Com esses avanços, a comunidade internacional passou a quantificar e precificar os impactos (externalidades) que as atividades econômicas geram no meio ambiente e, por consequência, iniciou-se a busca da redução dessas externalidades, com a internalização e responsabilização dos agentes poluidores.
Quanto à internalização das externalidades negativas, em um primeiro momento os chamados instrumentos de comando e controle atuam para impor limites às atividades consideradas lesivas ao meio ambiente e conferem poderes aos Estados para regular referidas atividades e fiscalizar o cumprimento da legislação.
Nusdeo (2006, p. 234) exemplifica os instrumentos de comando e controle como as normas de controle da poluição atmosférica ou da água que estabelecem padrões, as normas de zoneamento, estabelecendo restrições para a utilização de áreas protegidas e alguns procedimentos como o licenciamento ambiental.
No Brasil, a Lei nº 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e disciplinou os instrumentos de comando e controle, conferiu ao Estado o poder de regular e fiscalizar os limites das atividades produtivas em território nacional.
Destarte, em um segundo momento percebeu-se a insuficiência do controle Estatal na internalização das externalidades negativas e concretização do desenvolvimento sustentável, diante de todas as dificuldades de ordem prática, tais como fiscalização eficiente e mudança de comportamento dos empresários e produtores.
Para corrigir esta falha Altman (2015, p. 31) defende que a internalização de tais externalidades pode ocorrer através da utilização de instrumentos econômicos que oneram quem polui e, por outro lado, remuneram ou premiam quem preserva o meio ambiente.
A oneração dos agentes mediante a utilização dos instrumentos econômicos se dá com a incorporação das externalidades negativas no preço final do produto, dando lugar aos denominados instrumentos precificados.
Em outra vertente, os instrumentos de mercado, criam, aos agentes econômicos, o direito de utilização de recursos naturais, transformando-os em créditos, o que possibilita a venda em um mercado financeiro.
Nesse sentido, Borges (2016, p. 342) observa que a única possibilidade de garantir preservação ambiental é a inserção dos processos ecológicos e dos bens ambientais no mercado.
Referido posicionamento é adotado a partir da constatação de que, ao se deixar de lado a ideia dos produtos ambientais como meros recursos e se adotar a postura de possibilidades mercadológicas com a preservação desses recursos, a competitividade e intenção em preservar o meio ambiente será maior do que os avanços conquistados através dos instrumentos de comando e controle.
Desse modo, Costa (2011, p. 19) defende que o pagamento por serviços ambientais prestados pode ser visto como um novo paradigma na proteção ambiental, que tem por fundamento a possibilidade de indenizar ou compensar pela conservação e restauração do meio ambiente, promovendo a utilização da natureza de forma sustentável.
No entanto, não se pode olvidar que os instrumentos de Pagamento por Serviços Ambientais devem ser harmônicos com as políticas de comando e controle, bem como com os princípios e regras existentes nos ramos da ciência ambiental, notadamente a busca pela sustentabilidade real.
2. Conceito de Pagamento por Serviços Ambientais
De forma pioneira Wunder (2005, p. 3) conceituou os instrumentos de pagamento por serviços ambientais como a transação voluntária onde um serviço ambiental bem definido é comprado por, pelo menos, um comprador de, pelo menos, um provedor, sob a condição de que o provedor garanta a provisão deste serviço.
Nesse sentido, é possível se concluir pela existência de cinco requisitos essenciais para que o pagamento por serviços ambientais seja caracterizado, quais sejam, i) transação voluntária; ii) existência de um comprador interessado em remunerar atitudes que conservem ou recuperem áreas que forneçam serviços ecossistêmicos; iii) a disponibilidade de um provedor dos serviços ambientais; iv) definição do objeto desse contrato, ou seja, o tipo de serviço que será prestado e remunerado e, por fim, v) adimplemento da obrigação contratual, tida com o pagamento pelo serviço prestado mediante a efetiva provisão dos serviços.
A transação é voluntária, pois em se tratando de PSA, não existe nenhum meio coercitivo para que alguém provenha serviços ambientais. Desse modo, a opção pela não prestação de tais serviços não gera nenhuma sanção de caráter civil, administrativo ou penal.
Por sua vez, os compradores e provedores dos serviços assumem um papel peculiar no caso do pagamento por serviços ambientais. Nusdeo (2012, p. 70) leciona que a situação do fornecimento do serviço ambiental é diferente, pois, na medida em que é provido pela natureza e tem características de bem público, existe a possiblidade de beneficiários não pagarem por ele.
Em certa medida esse fato justifica a importância do Estado e, muitas vezes, a ausência de iniciativas particulares nas políticas de Pagamento por Serviços Ambientais.
Nesse sentido, Shiki, Shiki e Rosado (2014, p. 282) indicam que as experiências mundiais têm mostrado que este livre mercado simplesmente não existe, porque a sua criação depende de instituições de mediação e sustentação, ou seja, a implementação destes mecanismos tem alto custo de transação e a ação do Estado.
Tratando-se do objeto acordado entre os compradores e provedores, têm-se, predominantemente, quatro possíveis serviços que podem ser prestados pela natureza, quais sejam a conservação da biodiversidade, a proteção de bacias hidrográficas, sequestro e estocagem de gases de efeito estufa e a manutenção da beleza cênica[2].
Por fim, a recuperação, manutenção e o melhoramento dos serviços ecossistêmicos prestados pelo provedor, tornam a obrigação contratual adimplida, o que autoriza o pagamento pelo serviço prestado.
Importante, nesse ponto, a observação de Eloy, Coudel e Toni (2013, p. 24) que esclarecem as características da voluntariedade, condicionalidade[3] e adicionalidade[4], como centrais na criação de mercados de serviços ambientais, vistos como uma solução pragmática, eficaz e eficiente para resolver os problemas ambientais e para promover, ao mesmo tempo, a luta contra a pobreza.
Por sua vez, essas características devem ser valorizadas para nortear os objetivos, o planejamento e a coordenação das Políticas de PSA, para que os resultados esperados sejam concretizados.
3. Desenvolvimento das Políticas Públicas de PSA no Brasil
O Brasil em particular se destaca por suas potencialidades nas áreas agroambientais, uma vez que possui geografia variada e abundante, o que torna seus biomas ricos, produtivos e rentáveis para os proprietários dessas terras.
Não obstante, a ocupação dessas áreas por produtores e o comportamento voltado à degradação ambiental, fizeram com que o poder público, local e regional, buscasse meios além da utilização dos instrumentos de comando e controle, na tentativa de mitigar a devastação ambiental.
Shiki, Shiki e Rosado (2014, p. 283) esclarecem que neste processo, há décadas o Brasil vive um estado de conflito de ocupação de áreas de fronteira e áreas consolidadas, de natureza ambiental, social, fundiária e econômica, envolvendo grandes fazendeiros, agricultores familiares e povos indígenas e tradicionais da floresta, de equacionamento complexo e multifacetado.
A partir disso pode-se constatar que, ao contrário de países-modelos em Pagamento por Serviços Ambientais, tais como Costa Rica, Equador e México, que iniciaram e ampliaram os investimentos com o apoio de entidades mais abrangentes e centralizadas, o Brasil começou a desenvolver suas políticas públicas de forma regionalizada, para atender as necessidades mais urgentes de cada região.
Exemplo dessa situação se encontra no desenvolvimento de projetos que visam conservação de áreas verdes para a recuperação e aumento da produção de água. Eloy, Coudel e Toni (2013, p. 25) exemplificam esse fato ao dizer que o Brasil se difere de outros países latino americanos, na medida em que os recursos arrecadados, como critério geral, são geridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica e não pelo governo central.
Deve se notar também que as peculiaridades de cada região do país fazem com que os programas de Pagamento por Serviços Ambientais sejam norteados pelo tipo de serviço ambiental que mais se necessita.
Shiki, Shiki e Rosado (2014, p. 290), esclarecem que o Programa Bolsa Floresta surge a partir da recente leitura do valor da floresta amazônica na mitigação dos efeitos da emissão dos gases de efeito estufa causada pelo desmatamento, sobretudo pela manutenção da floresta em pé.
Contudo, apesar das diversidades e necessidades apresentadas pelos projetos brasileiros, se nota que os programas municipais e regionais tiveram e ainda possuem o importante papel de disseminar o pagamento por serviços ambientais.
Pagiola, Von Glehn e Taffarello (2013, p. 22) descrevem que os municípios de Extrema e Montes Claros, em Minas Gerais, abriram o caminho com programas locais de PSA em 2006. Eles foram rapidamente seguidos por outros, bem como por vários estados e muitas organizações ambientalistas não governamentais (ONGs).
Como se verá adiante, o cenário atual do Brasil em termos de pagamento por serviços ambientais ultrapassa a criação e condução de planos pilotos e projetos locais e regionais.
Apesar dos desafios práticos, o poder público brasileiro tem mostrado interesse em aprovar leis de PSA em âmbito federal, estadual e municipal.
3.1 Pagamento por Serviços Ambientais no plano legislativo Federal
Como resultado da recente experiência em termos de políticas de pagamento por serviços ambientais, o Brasil ainda não possui um sistema único ou centralizado que fomente, desenvolva e fiscalize esses programas.
Por outro lado, iniciativas do legislativo federal em propor projetos de lei com a visão de centralizar as ações em termos de instrumentos econômicos, acenam para uma aceitação do pagamento por serviços ambientais.
Nesse sentido, Shiki, Shiki e Rosado (2013, p. 27) suscita que, desde a década de 2000, algumas leis e programas procuram dar um quadro mais unificado e centralizado a essa política. Exemplo disso são, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), de 2000, o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) de 2004, e o do Cerrado (PP-Cerrado), de 2010, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF), de 2006.
Nesse ponto deve, ainda, se destacar o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que trouxe em seu artigo 41 a previsão do Pagamento por Serviços Ambientais como nova ferramenta para a consecução dos objetivos nacionais e internacionais em termos de preservação ambiental e desenvolvimento.
Com esta iniciativa, é possível vislumbrar a intenção em se criar um novo mercado que possui, além do interesse econômico e social, o intuito de avançar em termos de preservação ambiental e mudança comportamental.
Além disso, no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 792/2007 e seus apensos[5], tentam disciplinar um sistema de pagamento por serviços ambientais que coloque o poder público federal como principal ator dessa política. Para Eloy, Coudel e Toni (2013, p. 27) a iniciativa traduz a necessidade de se normatizar a diversidade de projetos locais já existentes.
Pela leitura dos projetos, no total de oito, é possível constatar até mesmo certa redundância nas proposições que, na maioria das vezes tentam criar um sistema de arrecadação de recursos destinados a financiar ações que gerem serviços ambientais e conferir ao poder público o papel de coordenação, fiscalização e financiamento desses programas.
Entretanto, não há que se estranhar, o número de projetos apresentados, uma vez que, com a multiplicidade de partidos políticos e amplitude de regiões que o país apresenta, é natural que cada parlamentar pretenda representar os interesses de seu estado ou região de origem.
Nesse cenário, o Projeto de Lei nº 5487/2009 se destaca, pois, pretende instituir a Política Nacional e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais.
Referida proposta prevê quais tipos de serviços podem ser prestados[6] e o respectivo pagamento como o reconhecimento das boas práticas ambientais[7]. Se tratando de uma transação voluntária que envolve, no mínimo, dois sujeitos, o projeto também define quem serão os provedores e pagadores[8] dos serviços ambientais. Por sua vez, os princípios estabelecidos pela proposição legislativa, externam os objetivos da boa gestão para a consecução da melhora na qualidade ambiental e promoção de inclusão social[9]. Por fim, a criação do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais instrumentaliza a política em questão, conferindo ao Estado poder de fiscalizar e atribuir os pagamentos, mediante as condições impostas por ele.
Com o debate do cenário legislativo federal, nota-se que o atual desafio se encontra na efetivação das políticas públicas apresentadas. De nada adianta vários projetos de lei que visam instituir e promover o pagamento por serviços ambientais, se os mesmos não são discutidos de forma séria e ampla, o que demanda planejamento e organização estatal.
Com efeito, acredita-se que para o melhor aproveitamento das políticas de pagamento por serviços ambientais, todos os entes federativos devem unir esforços para sua concretização.
Os municípios e estados, de fato, têm maior facilidade nos aspectos operacionais, tais como capacitação dos provedores e servidores públicos e fiscalização do cumprimento dos contratos firmados. Por sua vez, a União Federal, deve convergir para apoiar, financiar e nortear as regras de aplicação dos entes menores e, para isso, uma política nacional de pagamento por serviços ambientais cumpriria muito bem esse papel.
3.2 Exemplos de legislações e programas locais e estaduais de PSA
Como já suscitado nesse trabalho, os programas locais e estaduais envolvendo pagamento por serviços ambientais foram os responsáveis por dar visibilidade a este novo instrumento, uma vez que, pela elaboração de planos pilotos e implantação desses projetos em âmbitos menores foi possível verificar os avanços na melhora da qualidade ambiental, social e econômica dos envolvidos, bem como as dificuldades para o aprimoramento das políticas implementadas.
Para demonstrar a quantidade de projetos locais e estaduais de PSA, Veiga e Gavaldão (2014, p. 124) indicam que a ferramenta econômica de PSA tem mostrado seu dinamismo e seu potencial para a conservação. Envolvendo 848 prestadores de serviços ambientais, há na Mata Atlântica 40 projetos de PSA-Água que englobam uma área total de aproximadamente 40 mil hectares.
O presente trabalho não possui o propósito de relatar todos os programas de PSA já instituídos no Brasil, mas os exemplos a seguir, pela abrangência e pioneirismo, são aptos a contribuir para o estado da arte das políticas de pagamento por serviços ambientais brasileiras.
3.2.1 Projeto Conservador de Águas
Concebido pela iniciativa do município de Extrema-MG, o projeto conservador de águas visa adequar as propriedades rurais às normas ambientais.
Antes de se tornar o atual conservador de águas, em 1996 o município se filiou a outras seis cidades e integrou o Projeto de Execução Descentralizados (PED), desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente. Nessa etapa, foram executadas ações de plantio em matas ciliares, topos de morro, conservação de solo, implantação de fossas sépticas e monitoramento da qualidade e quantidade dos cursos d’água.
Após isso, no ano de 2002, foi investido pelo município, mediante convênio com o Ministério do Meio Ambiente, R$ 200.000,00 em levantamentos e diagnósticos ambientais, para estruturar e viabilizar a execução do projeto de pagamento por serviços ambientais.
Na lição de Pereira (2013, p. 30), o desafio para consolidar o Conservador de Águas consistia na elaboração de uma lei que permitisse o repasse de dinheiro público aos proprietários rurais, que era e é, até hoje, a dificuldade que os estados e a ANA[10] encontram para executar diretamente o Programa Produtor de Água.
No ano de 2005, o Projeto de Lei nº 2.100 foi aprovado na Câmara Municipal de Extrema e o Projeto Conservador de Águas foi institucionalizado.
Na busca dos provedores, foram iniciadas as tratativas com os agricultores e elaborados critérios de elegibilidade para a adesão ao projeto, conforme localização e tamanho da propriedade, além do interesse em unir esforços para a concretização dos objetivos do projeto.
Desse modo, o projeto foi instituído com as metas de: i) gerar práticas conservacionistas de solo; ii) implantar um sistema de saneamento rural; iii) implantar Áreas de Preservação Permanentes e de Reserva Legal.
Sobre a transação, Pereira (2013, p. 35) que o apoio financeiro aos proprietários rurais habilitados inicia-se com a assinatura do termo de compromisso e a implantação do início das ações do projeto executivo. O valor para o PSA de Extrema utilizou o custo de oportunidade das propriedades, valor de arrendamento médio de pastagem por hectares por ano.
Assim, os produtores, à época da implantação do projeto, foram remunerados em R$ 120,00 por hectare por ano, além de receberem os projetos técnicos, insumos e mão de obra necessária para o cumprimento das metas estabelecidas.
Em relação aos financiadores do projeto, a parceria entre poder público (Prefeitura e Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Extrema-MG, Agência Nacional de Águas), ONGs (The Nature Conservancy, SOS Mata Atlântica), comitês de atuação e até mesmo indústrias (Bauducco Industria de Alimentos, Indústria Dalka do Brasil), se mostrou eficiente, na medida em que cada ator ajudou contribuiu da melhor forma para a remuneração dos provedores, capacitação de equipes e financiamento dos insumos e materiais necessários ao desenvolvimento do projeto.
Com esse cenário de administração competente, hoje, o projeto está consolidado, contando com equipe capacitada, credibilidade social entre os agricultores e parceiros, além da melhora ambiental alcançada com a mudança de comportamento dos envolvidos.
Nesse sentido, Pereira (2013, p. 38) esclarece que os primeiros beneficiados são os 28.500 habitantes de Extrema com atividades que utilizam 100 litros de água por segundo, além da geração de mais de 30 empregos diretos, capacitação de mão de obra para a restauração florestal, práticas de conservação de solo e saneamento ambiental.
No aspecto econômico, o projeto também ajudou no enriquecimento dos provedores de serviços e fomentou o comércio local através da aquisição de insumos, contratação de máquinas e manutenção de equipamentos e técnicos.
Na vertente ambiental, o projeto também evidencia os benefícios da adoção do pagamento por serviços ambientais, uma vez que, segundo Pereira (2013, p. 39) não há evidencia de que os problemas tenham sido deslocados para outro local, por causa do projeto e, ainda, o que se tem percebido é o contrário, os proprietários que desejam aderir ao projeto já não estão roçando seus pastos nas áreas estratégicas para produção de água, com o intuito de preservar e, em breve, receber por isso.
3.2.2 Programa Bolsa Floresta
Criado no ano de 2007, o Programa Bolsa Floresta possui o objetivo de beneficiar os residentes das Unidades de Conservação estaduais, existentes na Amazônia Legal. Desse modo, o projeto valoriza ações de conservação da natureza, para que serviços ambientais como fluxos hídricos, sequestro de carbono, manutenção do clima e da biodiversidade e qualidade do solo, sejam preservados.
Tejeiro e Stanton (2014, p. 88) lecionam que o Bolsa Floresta possui um inovador arranjo institucional, na medida em que a gestão do Programa é compartilhada entre o Governo do Estado do Amazonas (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas – SDS) e a Fundação Amazonas Sustentável – FAS, pessoa jurídica de direito privado com autonomia administrativa e financeira, constituída para esta finalidade.
Nessa gestão, o poder público é responsável pela gestão das Unidades de Conservação Estaduais, e a Fundação privada é incumbida de implementar e gerir o Bolsa Floresta.
Por sua vez, os beneficiários e prestadores de serviços desse programa são os próprios moradores, tradicionalmente chamados de “ribeirinhos”, e as Associações de Moradores das comunidades das Unidades de Conservação.
Outra peculiaridade do programa, se encontra nos componentes, que subdivididos em sub-programas, formam um pacote de fomento à melhora da qualidade de vida, tendo em troca a remuneração dos beneficiários quando do cumprimento das metas de cada sub-programa.
Nesse sentido, Viana, Tezza, Salviati, Ribenboim, Megid e Santos (2013, p. 257) citam os componentes do programa bolsa floresta sendo o PBF-Familiar, PBF-Associação, PBF-social, e PBF-Renda. Esses componentes totalizam um investimento de R$ 1.360 por família por ano.
O PBF-Familiar é caracterizado pelo pagamento de R$ 50,00 a cada unidade familiar e destinado às mulheres, mães de família, que se comprometam com o desmatamento zero em matas primárias. Importante notar que, neste sub-programa, os pagamentos não se restringem à remuneração monetárias, mas sim transcendem para atividades voltadas a educação, saúde, transporte, o que gera grande melhora social para as comunidades envolvidas.
O PBF-Associação remunera as Associações de moradores no valor médio de R$ 30.000,00 por Unidade de Conservação. Seu objetivo é fortalecer a organização e o controle social do programa através da atuação dessas entidades.
Por sua vez, o PBF-Social corresponde à R$ 350,00 por família beneficiada e também se destina à melhoria da qualidade de vida dos prestadores de serviço.
Da mesma forma, o PBF-Renda apoia a produção de quaisquer atividades que não produzam desmatamento, tais como extração de madeira manejada, mel, peixes, óleos vegetais e frutas. Em particular, esse sub-programa possui investimento médio antual de R$ 160.000,00 por Unidade de Conservação.
Como resultado da implementação desses programas, já são perceptíveis as melhorias alcançadas nas três vertentes fundamentais das políticas de PSA, quais sejam, a ambiental, econômica e social.
No aspecto ambiental, já foi detectada diminuição nas taxas de desmatamento e queimadas nos locais que adotam o programa Bolsa Floresta. Viana, Tezza, Salviati, Ribenboim, Megid e Santos (2013, p. 263) relatam que, segundo análise interna, nas áreas onde o PBF está presente registraram, durante a seca de 2010, a menor incidência de focos de incêndio por milhão de hectare do que nas UCs federais e estaduais sem o Programa Bolsa Floresta no Amazonas.
Não há também notícia de que os desmatamentos se deslocaram de região e, ao contrário, a recuperação da natureza nos entornos das UCs também tem sido notadas.
No aspecto social, Viana, Tezza, Salviati, Ribenboim, Megid e Santos (2013, p. 264) afirmam que o número de famílias atendidas pelo PBF tem crescido a cada ano, de 971 em abril de 2008, para 7.295 em março de 2012. Considerar que todos os envolvidos estão sendo remuneradas por preservar a natureza, desenvolver atividades sustentáveis e receber auxílio com saúde, transporte e educação, leva a crer que o ganho em qualidade de vida é uma realidade nas regiões que adotaram o Projeto Bolsa Verde.
Em conclusão, Viana, Tezza, Salviati, Ribenboim, Megid e Santos (2013, p. 267) defende que o PBF representa um instrumento inovador com grande potencial para promover a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Deve-se concordar com referida afirmativa, na medida em que, apesar das peculiaridades e dificuldades que a Amazônia apresenta, quando políticas públicas são bem planejadas e aplicadas, por consequência os resultados positivos.
4. Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil: avanços e desafios
Em análise aos programas de pagamento por serviços ambientais, notadamente os exemplos deste trabalho, verifica-se os benefícios da adoção dessa nova política. Apesar dessas políticas públicas regionalizadas serem relativamente novas, a partir das experiências tidas em âmbito local e estadual, é possível concluir que o pagamento por serviços ambientais: (i) induz uma mudança comportamental, fazendo com que os prestadores de serviços adotem práticas sustentáveis de manejo e conservação de suas propriedades; (ii) melhora a qualidade de vida dos envolvidos, promovendo inclusão social, com a restauração da qualidade de vida através da recuperação da natureza e da alocação de valores; (iii) contribui significativamente para a manutenção dos ecossistemas responsáveis pela manutenção do clima, biodiversidade, florestas e bacias hidrográficas; (iv) obriga a regularização dos imóveis rurais pelos potenciais provedores de serviços, à medida que os programas exigem dados para cadastramento e informações acerca da situação jurídica, geográfica e ambiental das propriedades, e (v) permite a união de esforços conjuntos entre poder público e instituições privadas para instituir e promover novas políticas voltadas à preservação ambiental, rumo a uma economia verde.
Não obstante os benefícios percebidos, também há espaço para o aprimoramento dos projetos instituídos.
Em análise ao cenário econômico, Tejeiro e Stanton (2014, p. 89) acenam que, muito embora o modelo de parceria público-privada apresente grandes vantagens, tais como uma maior capacidade de captação de recursos e maior agilidade na sua aplicação, sofre críticas por adotar alguns vícios do modelo de gestão pública. Segundo o representante do CEUC-SDS entrevistado, buscar resultados “para amanhã” com o objetivo de mostrar número, resulta em dados quantitativos, e não qualitativos.
Esse é um ponto de extrema relevância e que deve ser aprimorado com o avanço das políticas de pagamento por serviços ambientais uma vez que assegurar a qualidade dos programas com a certeza de que os serviços estão sendo prestados, é o que se busca desde a concepção dos referidos projetos.
Outra dificuldade que merece a atenção e dedicação dos diversos setores da sociedade, diz respeito à dificuldade em se precificar os serviços ambientais prestados, levando em consideração as oportunidades e os serviços gerados pela conservação e restauração da natureza.
Nesse sentido, Foleto e Leite (2011, p. 14) questionam que um dos problemas é que o Pagamento por Serviços Ambientais dificilmente computará a totalidade dos benefícios ambientais oferecidos, já que mecanismos de mercado não refletem o valor total desses benefícios. É difícil definir o valor do ar puro que respiramos, da água pura que bebemos. O valor deve estar vinculado à sua disponibilidade na natureza.
Válida a observação anterior, no entanto, não se pode perder de vista a verdadeira finalidade dos programas de pagamento por serviços ambientais, em conciliar os aspectos ambientais, sociais e econômicos. Nessa perspectiva, a remuneração é consequência, e não objetivo das políticas de PSA.
Nesse sentido, Tejeiro e Stanton (2014, p. 110) alertam sobre o temor quanto à criação de incentivos perversos de que o PSA possa incentivar a chantagem ambiental, o que fere frontalmente os objetivos basilares desse instrumento.
Outro aspecto a ser melhorado, diz respeito à interação entre os vários mecanismos legais existentes no Brasil que, juntos, podem conferir maior efetividade aos programas de pagamento por serviços ambientais. De fato, as tecnologias existentes podem ajudar no controle e avanço das políticas, notadamente com as inovações do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que trouxe o Cadastro Ambiental Rural e a utilização de georeferenciamento para a fiscalização e delimitação das propriedades.
Nesse aspecto, o desafio está nas mãos do poder público em conferir efetividade às leis que já vigoram, tomando como exemplo os benefícios já comprovados pelos diversos programas de PSA consolidados em âmbitos municipais e estaduais para, então, instituir uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais apta a harmonizar e integrar os microssistemas já existentes.
Conclusão
A análise do pagamento por serviços ambientais permite concluir que, aos poucos, o Brasil desenvolve essa nova forma de gestão ambiental.
Passo importante para o reconhecimento do valor dos instrumentos econômicos está na crise ambiental gerada pelo consumo e degradação desenfreados dos recursos naturais, com o pensamento de que os produtos ambientais eram apenas matéria prima para o processo produtivo.
No entanto, após a conscientização acerca da necessidade em se preservar o meio ambiente, dada sua essencialidade para a manutenção da vida, é preciso avançar, e não somente em discussões diplomáticas, mas também na implementação de políticas públicas capazes de alcançarem o desenvolvimento sustentável.
No caso do Brasil, ao contrário de outros países, tais como México, Costa Rica e Colômbia, o pagamento por serviços ambientais tomou espaço primeiramente nas agendas municipais e estaduais como meio complementar e aliado aos instrumentos de comando e controle para o desenvolvimento ambiental.
Como já exposto, os programas implementados no Brasil apresentam notável êxito ao cumprirem os ideais do desenvolvimento sustentável, melhorando a sociedade em seu aspecto ambiental, social e econômico. No entanto, ainda há espaço para aprimoramento das políticas em curso, como maior divulgação e inteiração entre agentes públicos e públicos-privados, troca de experiências, capacitação de mão-de-obra para a concretização, manutenção e desenvolvimento dos projetos de pagamento por serviços ambientais.
Além disso, em âmbito federal, o desafio atual está na aprovação de uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais que traga harmonia, coesão e uma orientação nacional geral ao sistema de normas ambientais já existentes, para garantir a máxima efetividade dos projetos já instituídos e fomentar novos outros nos Estados e Municípios.
Finalmente, há que se concluir que a política de pagamento por serviços ambientais se apresenta como excelente alternativa para a concretização de significativos avanços rumo ao desenvolvimento sustentável e à economia verde, notadamente no Brasil, que possui uma gama de biomas, e vasto território destinado ao desenvolvimento de atividades agrícolas, que podem ser compatibilizadas com a preservação ambiental.
Portanto, os desafios para a efetivação dos pagamentos por serviços ambientais, enquanto instrumento institucional efetivo voltado para uma nova perspectiva de planejamento territorial, consistem na aprovação e consequente implementação de uma Política Nacional, prevista atualmente no Projeto de Lei nº 5487/2009, que está em discussão no Congresso Nacional brasileiro. E também na conscientização e reconhecimento da sociedade acerca dos benefícios que este instrumento inovador pode trazer, sendo a discussão científica e sua divulgação, fatores determinantes para o êxito do pagamento por serviços ambientais, enquanto instrumento com grande potencialidade para contribuir na busca da sustentabilidade real.
Advogado Pós-Graduando em Direito Processual Civil e pesquisador na área de Direito Ambiental
possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR 2000; mestrado em Direitos Difusos e Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP 2005; doutorado em Saneamento e Ambiente pela UNICAMP 2010; pós-doutorado no Programa de Direito Ambiental e Sustentabilidade da Universidade de Alicante – Espanha 2013. Atualmente é Professor da Faculdade de Tecnologia da Unicamp. Atua principalmente nos seguintes temas: direito e legislação ambiental avaliação de impactos ambientais políticas públicas ambientais planejamento e gestão ambiental e direito agrário
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