Pais, escola e alienação parental

Resumo: O presente artigo objetiva apresentar aspectos psicológicos do envolvimento da escola no processo de instauração da Síndrome de Alienação Parental nas crianças durante um conflito conjugal entre os pais e suas consequências. Muitos pais/mães alienadores exigem que a escola impeça o acesso às informações do outro pai/mãe. A criança também apresenta uma série de sintomas, como queda de rendimento escolar ou problemas de comportamento na escola ou com excessiva racionalização dos estudos para evitar o conflito. Por fim, o artigo trata da importância da Mediação Escolar como forma de amenizar os sintomas de rendimento escolar da criança no litígio dos pais.

Palavras-chave: Pais, filhos, Alienação Parental, escola, Mediação escolar.

Abstract: This article aims to present psychological aspects of the school's involvement in the process of introducing the Parental Alienation Syndrome in children during marital conflict between parents and their consequences. Many alienator parents/mothers require that the school prevent access to he other parent. The child also features a number of symptoms, such as falling academic achievement or behavior problems at school or with excessive streamlining of studies to avoid conflict. Finally, the article deals with the importance of School Mediation as a way to ameliorate the symptoms of child academic achievement in parental disputes.

Key words: Parents, children, Parental Alienation,  school, School Mediation.

Sumário: 1. O que é a Síndrome de Alienação Parental? 2. Diferenças entre Alienação Parental e Síndrome de Alienação Parental – a tipificação legal. 3. Quando a escola é envolvida na Alienação Parental. 4. Considerações finais.

“(…)
 Se eu soubesse o quanto doi a vida,
Essa dor tão doída não doía assim…
(…)
Naquela mesa ‘tá’ faltando ele,
E a saudade dele está doendo em mim…” (“Naquela mesa” – música composta por Sérgio Bittencourt, em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim)

1. Introdução: O que é a Síndrome de Alienação Parental?

Conforme o conceito de seu pesquisador, o psiquiatra estadunidense Richard A. Gardner (1985 e ss)[1],

“A síndrome de alienação parental (SAP) é uma disfunção que surge primeiro no contexto das disputas de guarda. Sua primeira manifestação é a campanha que se faz para denegrir um dos pais, uma campanha sem nenhuma justificativa. É resultante da combinação de doutrinações programadas de um dos pais (lavagem cerebral) e as próprias contribuições da criança para a vilificação do pai alvo.”

Segundo SILVA (2011)[2], a Alienação Parental (AP) é uma patologia psíquica gravíssima que acomete o genitor que deseja destruir o vínculo da criança com o outro, e a manipula afetivamente para atender motivos escusos. Quando a própria criança incorpora o discurso do(a) alienador(a) e passa, ela mesma, a contribuir com as campanhas de vilificação do pai/mãe-alvo, instaura-se a Síndrome de Alienação Parental (SAP). A Alienação Parental deriva de um sentimento neurótico de dificuldade de individuação, de ver o filho como um indivíduo diferente de si, e ocorrem mecanismos para manter uma simbiose (um tipo de vínculo de dependência extrema, que impede o outro de ser o que é mesmo) sufocante entre mãe e filho, como a superproteção, dominação, dependência e opressão sobre a criança. O pai/mãe acometido(a) pela AP não consegue viver sem a criança, nem admite a possibilidade de que a criança deseje manter contatos com outras pessoas que não com ela. Para isso, utiliza-se de manipulações emocionais, sintomas físicos, isolamento da criança com outras pessoas, com o intuito de incutir-lhe insegurança, ansiedade, angústia e culpa. Por fim, mas não em importância ou gravidade, pode chegar a influenciar e induzir da criança a reproduzir relatos de eventos de supostas agressões físicas/sexuais atribuídas ao outro genitor, com o objetivo único (do(a) alienador(a), é claro!) de afastá-lo do contato com a criança. Na maioria das vezes, tais relatos não têm veracidade, dadas certas inconsistências ou contradições nas explanações, ou ambivalência de sentimentos, ou mesmo comprovação (por exemplo, resultado negativo em exame médico); mas se tornam argumentos fortes o suficiente para requerer das autoridades judiciais a interrupção das visitas e/ou a destituição do poder familiar do “suposto” agressor (o outro genitor).

Geralmente a AP eclode após a separação, quando há disputa de guarda, regulamentação de visitas, em que o pai/mãe-alvo reivindica aumento de convívio com os filhos. Mas, pode surgir também durante a convivência marital, através de atitudes e palavras de um dos pais para desqualificar e desautorizar o outro na frente dos filhos.

Na maioria das vezes, dado o elevado índice de guardas de menores concedidas às mães (cerca de 95 a 98% no Brasil, segundo dados do IBGE), o alienador é a mãe, por ser a detentora da guarda monoparental, tem mais tempo para ficar com a criança, está movida pela raiva e ressentimentos pelo fim do relacionamento conjugal, e mistura sentimentos. Mas, o alienador pode ser também: avós, familiares, padrasto/madrasta, o pai, amigos, que manipulam o pai/mãe contra o outro para envolver o(s) filho(s) menor(es) na rejeição ao outro pai/mãe.

O(a) alienador(a) age desta forma sórdida devido ao seu perfil psicológico:

– Papel de “vítima” perante os outros (profissionais, amigos, Judiciário);

– Esquizo-paranoide: faz uma divisão rígida das pessoas em “boas” (a favor dela) e “más” (contra ela), e sente-se perseguida, injustiçada, indefesa;

– Psicopata: não sente culpa ou remorso; não tem a mínima consideração pelo sofrimento alheio – nem dos filhos -, e não respeita leis, sentenças, regras

Os casais utilizam-se dos recursos judiciais para atacarem um ao outro, pois não se sentem capazes de lidar com os conflitos diários da convivência íntima nem de interrompê-los, preferindo mantê-los à distância através do Judiciário, processos judiciais e advogados (o denominado “luto patológico”, uma elaboração inadequada do luto, que o torna prolongado e doentio, um tipo de distúrbio que não pode ser resolvido apenas por meras mudanças no procedimento legal, e sim mediante intervenções terapêuticas). Essa é uma utilização inadequada das leis e do sistema judiciário, porque a função original destas últimas é estabelecer regras de convivência e de procedimentos, e proteger os cidadãos, mas se tornam um instrumento de manutenção de vínculos neuróticos – assim, o casal estaria servindo-se do sistema jurídico para não modificar as leis internas (patológicas), apesar da separação.

Pode-se considerar que esses conflitos neuróticos que permeiam o inconsciente comum do casal (e que podem influenciar também na maneira como ocorre a separação), sirvam de modelo também aos filhos, através da manutenção dos pactos de lealdades destes com seus pais (e/ou com um deles), e desencadeiem dificuldades de relacionamento com o(a) pai(mãe) até que este(a) seja excluído(a) da relação. A criança, envolvida pela simbiose do(a) genitor(a) alienador(a), assimila também suas dificuldades afetivas contra o(a) genitor(a) alienado(a), formando uma triangulação familiar; mais tarde, forma-se nova triangulação, em que a criança, unida simbioticamente (da simbiose, o tipo de vínculo de dependência extrema, que impede o outro de ser o que é mesmo) ao(à) genitor(a) alienador(a), demanda ações judiciais contra o(a) genitor(a) alienado(a), de execução de pensão alimentícia ou acusações (geralmente, falsas) de abuso sexual para destituir-lhe o poder familiar e assim excluí-lo(a) do vínculo, e o Judiciário passa a ocupar o terceiro vértice do triângulo, e passa a ser um mero instrumento de manipulação do(a) alienador(a) para outorgar a Alienação Parental por sentença (de destituição do poder familiar, ou de restrição de horários de visitas, ou ainda de regimes de visitas em locais inadequados como o Visitário Público do Tatuapé monitoradas por equipes técnicas despreparadas).

E assim, com a alienação, a criança aprende a:

– mentir compulsivamente;

– manipular as pessoas e as situações;

– manipular as informações conforme as conveniências do(a) alienador(a), que a criança incorpora como suas (“falso self”);

– exprimir emoções falsas;

– acusar levianamente os outros (um professor ou um chefe que a repreenda por má qualidade da tarefa, pode ser acusado de assédio moral ou até assédio sexual);

– não lidar adequadamente com as diferenças e as frustrações = INTOLERÂNCIA;

– mudar seus sentimentos em relação ao pai/mãe-alvo: de ambivalência amor-ódio à aversão total;

– ter dificuldades de identificação social e sexual com pessoas do mesmo sexo do pai/mãe-alvo;

– exprimir reações psicossomáticas semelhantes às de uma criança verdadeiramente abusada.

Os efeitos nas crianças vítimas da Síndrome de Alienação Parental podem ser: depressão crônica, incapacidade de adaptar-se aos ambientes sociais, transtornos de identidade e de imagem, desespero, tendência ao isolamento, comportamento hostil, falta de organização, consumo de álcool e/ou drogas e algumas vezes suicídios ou outros transtornos psiquiátricos. Podem ocorrer também sentimentos incontroláveis de culpa quando a criança, quando adulta, constata que foi cúmplice inconsciente de uma grande injustiça ao genitor alienado. Quando a criança, a qualquer momento, percebe que tudo o que ela vivenciou até o momento era uma farsa que interessava ao alienador, pode sentir culpa e remorso por ter agido de forma tão hostil ou esquiva ao pai/mãe afastado(a), e ódio ao(à) alienador(a), por ter se considerado uma “marionete” deste(a), chegando mesmo a pedir para ir morar com aquele(a) pai/mãe de quem ficou afastada tanto tempo. Ou seja: a criança passa 10-15 anos de sua vida odiando um dos pais, e depois alguns outros anos odiando o outro!!!…

2. Diferenças entre Alienação Parental e Síndrome de Alienação Parental – a tipificação legal:

Após longos anos de espera, finalmente foi aprovada em 26/08/2010 (véspera do Dia do Psicólogo), a Lei nº 12.318/2010, que trata da Alienação Parental[3].

Houve uma diferença entre a tipificação legal proposta pela Lei e o conceito original de GARDNER, basicamente em 2 aspectos:

1. GARDNER falava em “síndrome” porque, quando ele atendia as crianças que tinham histórico de separação dos pais, estas já estavam acometidas pelas campanhas difamatórias do alienador, repetiam seu discurso e se identificavam patologicamente; a Lei nº 12.318/2010 se preocupa com o risco da exposição da criança aos atos de Alienação Parental, mesmo que não manifeste os sintomas da “síndrome”. Assim:

– A Alienação Parental (AP) caracteriza o ato de induzir a criança a rejeitar o pai/mãe-alvo (com esquivas, mensagens difamatórias, até o ódio ou acusações de abuso sexual).

– A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é o conjunto de sintomas que a criança pode vir ou não a apresentar, decorrente dos atos de Alienação Parental.

2. No conceito de GARDNER, o alienador era um dos pais contra o outro, disputando o afeto dos filhos. No conceito legal brasileiro, geralmente é a mãe, por ser a detentora da guarda monoparental, tem mais tempo para ficar com a criança, está movida pela raiva e ressentimentos pelo fim do relacionamento conjugal, e mistura sentimentos. Mas, o alienador pode ser também: avós, familiares, padrasto/madrasta, o pai, amigos, que manipulam o pai/mãe contra o outro para envolver o(s) filho(s) menor(es) na rejeição ao outro pai/mãe.

Conforme o art. 2º da referida Lei, “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”, e seus incisos apresentam alguns exemplos de condutas que podem caracterizar o ato, como realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, impedir o pai/mãe não-guardião(ã) de obter informações médicas ou escolares dos filhos, criar obstáculos à convivência da criança com o pai/mãe não-guardião(ã) e familiares deste(a), apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar sua convivência com a criança ou adolescente, ou mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”

O artigo 3º da Lei equipara a alienação parental a abuso moral contra a criança/adolescente, ao prejudicar a convivência social e afetiva desta com o grupo familiar pelo descumprimento dos deveres da guarda parental. Devido à manipulação emocional do alienador sobre a criança, fragilizando seu psiquismo, SILVA (2009/2012)[4] inclui a SAP dentre as vitimizações psicológicas.

Importante: A Lei da Alienação Parental será aplicada a todos os processos em andamento, e não apenas a processos protocolados a partir da assinatura presidencial. Processos com sentença negando a alienação ou punição quando a alienação for existente poderão ser reabertos ou peticionar novos processos.

Uma das formas mais sórdidas de alienação parental – e que caracteriza o nível grave da Síndrome de Alienação Parental – vai além das habituais estratégias para bloquear o contato da criança com o genitor, como não dar recados deixados por telefone ou “esquecer” de avisar sobre a festa no colégio. As falsas acusações de abuso sexual têm sido identificadas cada vez mais nas delegacias de polícia.  Consiste em sabotar a aplicabilidade da Guarda Compartilhada através das acusações falsas de abuso sexual, induzindo-os a formularem relatos incoerentes, mas que pela repetitividade, são fixados como falsas memórias. E, para isso, o(a) alienador perde a noção do bem-senso, faz “peregrinação” com a criança por profissionais até encontrar quem emita laudos que “atestam” a ocorrência do abuso.     

Uma acusação de abuso sexual, agressão física ou atentado ao pudor é um fato gravíssimo, e reflete as relações despóticas de força e poder, as dificuldades afetivas e a descaracterização do outro como ser humano (e sim como um mero objeto de sua satisfação pessoal). O problema é que deve ser grave demais para ser leviana, mas a leviandade costuma prevalecer nessas situações, justamente porque refletem a cultura da gratuidade e da  impunidade. Pressupõe-se que o relato de uma criança acerca de um evento dessa natureza seja sempre verdadeiro, o que reflete o total despreparo dos profissionais para avaliar a credibilidade do testemunho da criança e os interesses pardos dos responsáveis por ela – além do mais, este é um dos maiores equívocos que o profissional de Psicologia chamado a juízo para manifestar-se pode cometer.

Conforme descrito anteriormente, a AP (Alienação Parental) se torna um sério entrave às vinculações parentais, justamente porque condicionam a criança/adolescente a formar ações, sentimentos e comportamentos contra o(a) outro(a) genitor(a) diferentes do que havia há um tempo atrás – tudo por influência de quem tenha interesse direto na destruição do vínculo parental. Para isso, não há escrúpulos ou critérios éticos e morais para induzir a criança a relatar episódios de agressão física/sexual que não ocorreram, confundindo-a na noção de realidade/fantasia, forçando-a a encenar sentimentos e simular reações. Se soubessem o mal que causam a seu(s) filho(s) fazendo isto, nunca pensariam em utilizar recursos sórdidos para destruir o vínculo parental. O verdadeiro agressor, nestes casos, não é aquele a quem é atribuída a “autoria” do suposto ato, mas sim aquele que influencia a criança a desvirtuar a noção de realidade e o senso de ridículo (SILVA, 2011 a)[5].

Pais/mães seriamente comprometidos com a AP não possuem condições de lidar com as situações da separação de forma amadurecida, permanecem infantilizados, discutindo elementos de menor importância e utilizando o(s) filho(s) como “moeda de troca” ou como meros transmissores de mensagens. Se não há diálogo, reduzem-se as possibilidades de se pensar na Guarda Compartilhada, porque nenhum dos pais aceita conversar, discutir (sem brigar!) os aspectos realmente importantes, acompanhar o desenvolvimento dos filhos…

Nestes casos, é preciso que haja um intenso trabalho psicológico para sustar os efeitos nocivos da SAP nas famílias, e especialmente nas crianças – inclusive a interrupção temporária dos contatos da criança com o(a) genitor(a) alienante, pois de um lado o(a) genitor(a) alienante precisa se conscientizar das carências e dificuldades emocionais que o(a) levam a tomar tal postura, e de outro lado a criança precisa observar que as mensagens que lhe foram incutidas pelo(a) genitor(a) alienante não correspondem à realidade dos fatos, os relatos de abuso/agressão não constituem elementos verídicos, e que as distorções da imagem do(a) genitor(a) alienado(a) são produto de manipulação emocional alheia, não autêntico para a criança.

3. Quando a escola é envolvida na Alienação Parental:

Um dos incisos do artigo 2º da Lei tipifica ato de Alienação Parental ocultar informações médicas e escolares relevantes sobre a criança a genitor. Ora, muitos alienadores, geralmente guardiães, matriculam seus filhos em escolas e obrigam diretores, coordenadores pedagógicos e professores a não revelarem informações escolares, boletins de notas, calendário, reuniões, festas, passeios e excursões. E muitas escolas, sobretudo as particulares, acabam cedendo às pressões, temendo que os alienadores tirem seus filhos das escolas (o que representa prejuízo financeiro) e por desconhecimento da Lei da Alienação Parental e da Lei 12.013, que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira.

Até o advento da Lei nº 12.013/2009, muitos alienadores impediam e até proibiam as instituições escolares de fornecerem informações acerca do rendimento escolar e de comportamento do filho ao outro pai, alegando “não ser o guardião” e “não ser o provedor financeiro”. Diante desse quadro, as escolas cometiam (e, infelizmente, ainda cometem…) a postura equivocada de confundir guarda com poder familiar (o poder familiar é inerente à condição de ser “pai” ou “mãe” de um menor, independente de exercer a guarda ou não…), e não poderiam/podem afirmar que “não seja o provedor financeiro” porque então a escola não seria paga com a pensão alimentícia?

O pai paga pensão alimentícia, que engloba as despesas escolares, mas não pode saber onde o filho estuda, nem obter informações do rendimento e do comportamento???

Ou o verdadeiro provedor financeiro (no caso, o pagador de pensão) só é “lembrado” quando as mensalidades escolares estão atrasadas, ou quando o filho apresenta problemas de aprendizagem ou comportamento, frequência insuficiente, notas baixas, desacato a colegas, professores, funcionários, uso de drogas, vandalismo e depredação do patrimônio da escola???

Adotando essa postura equivocada, a escola estaria também agravando a alienação, por ser mais um instrumento que o alienador utiliza para sua conveniência, objetivando afastar a criança do convívio com o outro genitor.

É importante esclarecer que a instituição de ensino que alega que as informações escolares são privativas do genitor guardião, sob pretexto deste ser o cuidador direto da criança, ou de ser o responsável pelo pagamento das mensalidades escolares (embora esteja incluída nas despesas de pensão alimentícia a cargo do genitor não-guardião!), ou qualquer outro motivo esdrúxulo, estará sendo conivente com o genitor guardião em suas manobras para a destruição dos vínculos com o genitor não-guardião, e assim contribuindo para a instauração da Síndrome de Alienação Parental (SAP), que será descrita adiante – e portanto, será co-responsabilizada (em âmbito moral, civil e penal) pelos prejuízos psíquicos causados à criança que tal situação certamente acarretará.

Os danos morais a que tal instituição incorre serão irreparáveis! Estará preparada para arcar com as consequências de haver colaborado para a ocorrência de um crime (violação do art.1589 do atual Código Civil – Lei n.º 10.406/02)[6]? Assim preceitua o referido artigo:

Art. 1.589 – CC (Lei n.º 10.406/02): O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”

Ora, o dispositivo legal preceitua: “fiscalizar sua (…) educação”, o que inclui obter informações acerca do rendimento e desempenho escolar, desenvolvimento cognitivo e social, proposta pedagógica, atividades e eventos curriculares e extra-curriculares, conhecer os professores, participar das reuniões de pais, ser notificado de doenças ou acidentes dentro do ambiente escolar, bem como faltas e atrasos justificados ou não, e ainda avaliações e exames regulares e extraordinários. Então há algum argumento plausível para que uma instituição de ensino sonegue informações educacionais da(s) criança(s) ao genitor não-guardião, apenas por esta condição? Segundo SILVA (2009), em seu artigo “O direito do genitor não-guardião ao amplo, geral e irrestrito acesso às informações escolares do filho”[7]:

A escola comete um ato ilícito grave ao optar por uma conduta que contraria a legislação vigente e que prejudica a criança e o genitor não-guardião, potencializando os efeitos nocivos dessa conduta no lapso temporal da evolução escolar.

Em verdade, é um conjunto de abusos e distorções nas relações sociais (e até mesmo de consumo) que causa indignação e perplexidade, traduzido em sofrimentos emocionais para pai e filhos e com graves consequências ao desenvolvimento infantil, posto que afronta os mais elementares direitos do cidadão brasileiro e ameaça, com maldade, a dignidade da pessoa humana.

O dano moral aqui exposto não só é evidente, mas também é repulsivo.”

Ocorre que, conforme mencionado anteriormente, vigora desde 2009 a Lei federal nº 12.013[8], que altera o art. 12 da Lei nº 9.394/96 (lei de Diretrizes e Bases da Educação)[9] e determina às instituições de ensino obrigatoriedade o envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus filhos. Portanto, a referida Lei é extremamente positiva na medida em que, abre a possibilidade de um novo espaço à relação paterno-filial, legitimando a incursão do pai não-guardião na vida do filho fora dos momentos da visita (que, de regra, são bastante restritos e rigorosamente controlados), independentemente de intervenção judicial ou de autorização do pai guardião, favorecendo e estimulando o pai não-guardião a tomar parte, de modo ativo e continuado, de todo o processo de ensino e aprendizagem a que o filho é submetido na escola, elemento de extrema importância à construção da personalidade do filho. Merece importante destaque, também, porque permite o pleno acesso ao pai não-guardião às instalações físicas da escola, bem como aos projetos pedagógicos, quando se sabe que, muitas vezes, o pai guardião chega a proibir expressamente o ingresso do outro pai na escola, inclusive o contato dele com o filho no local, ordem que, de regra, é obedecida pela escola – e acaba com a postura da escola de omitir ou sonegar informações escolares aos pais, alegando que, por não serem os “guardiões”, não “têm direito” (sic, de diversos diretores e orientadores pedagógicos) a tais informações, mas “têm direito” (ou melhor, o “dever”) ao pagamento das mensalidades (somente!) e a “tomar providências” em casos de indisciplina, uso de drogas, repetência ou faltas frequentes do filho na escola (ou seja, é somente para as obrigações que o pai serve?).

E é importante destacarmos que as divergências e conflitos na família se refletem, em maior ou menor grau, no comportamento da criança na escola e em seu rendimento escolar. E as manobras sórdidas de implantação da Síndrome de Alienação Parental também. Por exemplo, torna-se enganoso acreditarmos que a criança envolvida na SAP terá problemas escolares, comuns em crianças que estejam atravessando a conturbada situação de divórcio dos pais. Geralmente as crianças sofrem com a separação dos pais e com o afastamento do pai (na situação padrão, em que os filhos ficam com a mãe e o pai é quem sai de casa…), e isso se expressa em queda de rendimento escolar, perda da concentração, diminuição da motivação para outras tarefas, excessiva preocupação com as mudanças de rotina e com o padrão de vida, culpa ou raiva pelo afastamento do pai, medo do abandono e de que “nuca mais” vai ver o pai afastado, diminuição da autoestima da criança, medo de ser ridicularizado(a) ou estigmatizado(a) como “filho(a) de pais separados” etc. Situações como essas normalmente atrairiam a atenção dos professores e diretora, para o sofrimento que a criança estaria atravessando. Porém, quando a criança está se envolvendo na SAP (em graus leve e moderado), os sentimentos positivos e negativos se misturam, formando ambivalências que também são fontes de sofrimento para a criança. Mas, em grau profundo de envolvimento na SAP, esses conflitos “desaparecem”: a criança estrutura uma “personagem” de que “tudo está bem”, que “não precisa do pai” e “não sente falta do pai”, para que os professores e diretores não percebam que, no fundo, está sofrendo sim com a falta do pai alienado (afastado) e para que a escola não tome nenhuma providência para reaproximá-lo ou conscientizar a mãe (alienadora) de que esta situação está causando sofrimento na criança, o que seria terrível para o(a) alienador(a)…

Na SAP, a criança desenvolve os seguintes mecanismos de defesa psíquica frente aos estudos e desempenho escolar, dentre outros (SILVA, 2011, cit.)[10]:

Racionalização: sempre encontra uma “explicação lógica” para tudo;

Sublimação: utiliza os estudos ou recursos socialmente aceitáveis para não lidar com o “caos” familiar (discórdias e brigas entre os pais, ou conflitos psíquicos referentes à acusação falsa de abuso sexual contra o pai/mãe alvo);

Negação: negar a ocorrência de conflitos em casa.

A raiz do sofrimento da criança, na alienação parental reside exatamente no temor de que aconteça com ela o que aconteceu com o outro genitor – ou seja, o afastamento sem volta, ou de qualquer cura dos ressentimentos, a "morte" emocional do outro. Não podemos esquecer que a criança vive a intersubejtividade do casal também. Daí a incapacidade da criança de confrontar o adulto alienador, pois qualquer imposição gerará briga e possível afastamento, rejeição sem cura dela também, isto na fantasia infantil.

Ou seja, é um sentimento de sucumbir na impotência, acossado pela carência e sentimento de abandono, baixa estima etc. A mais pura maldade …

Em tempo: uma pesquisa[11] realizada nos Estados Unidos com crianças de pré-escola até a 5ª. série, cujos pais são separados, constatou a existência de dificuldades de matemática e de relacionamento social. As crianças passaram a apresentar problemas de desenvolvimento depois que seus pais começaram o processo do divórcio, e essas questões continuaram a persegui-los mesmo depois que esse período termina.  O coordenador da pesquisa esclarece que os fatores que levam à desestabilização da família podem incluir o estresse que as crianças vivem como resultado de ver seus pais culpando um ao outro pelo divórcio ou argumentando sobre a custódia; uma situação instável, na qual a criança é levada de uma casa a outra ou são obrigadas a mudar para outro local com o responsável que recebeu a custódia, desfazendo suas relações sociais; dificuldade econômica devido a uma diminuição repentina na renda familiar; e efeitos residuais de uma depressão de um dos pais por causa do divórcio.

Contudo, o pesquisador esclarece também que esses impactos negativos não pioram na etapa pós-divórcio, assim como não há sinais de que filhos de pais separados reproduzem tal comportamento com seus parceiros. O estudo concluiu que, enquanto o divórcio tem efeitos adversos no rendimento em matemática e relações pessoais, além de comportamentais, em geral, filhos de pais separados não vivem impactos negativos em suas habilidades de leitura ou têm dificuldade em externar seus problemas de comportamento, o que indicam que geralmente eles argumentam, discutem ou ficam com raiva.

4. Considerações finais:

É importante também incentivarmos os trabalhos de Mediação Escolar, que possam orientar pais e filhos a deixarem os conflitos e litígios de lado e auxiliarem a criança a se desenvolver física, emocional e cognitivamente. Assim, os pressupostos da Mediação escolar são:

 Feita por professor(a), orientador(a), diretor(a) ou terceiro aceito pelas partes;

– Orientar o(a) alienador(a) a não prosseguir com a alienação;

– Orientar a criança a buscar auxílio profissional (ex.: psicólogo) para lidar com os conflitos referentes à separação dos pais e inautenticidade das acusações de abuso sexual (indicadores de SAP).

As transformações, os questionamentos, as direções por que passam a sociedade obrigam os profissionais, instituições e grupos sociais a pesquisar, discutir, orientar-se e atualizar-se quanto aos aspectos sociais, jurídicos, psicológicos e institucionais dessas mudanças. Os ordenamentos jurídicos devem refletir a realidade social, e com isso corresponder o melhor possível às necessidades e demandas que essa sociedade impõe.

Toda a sociedade deve se mobilizar para erradicar os atos nocivos de Alienação Parental e seus efeitos destrutivos no psiquismo (e também na cognição!) das crianças, para que não se perpetue esse modelo patológico e não cause prejuízos à estruturação emocional dos nossos filhos. Os pais, profissionais e professores/diretores escolares têm que se unir e colaborar para isto.

As mudanças estão aí, conclamando todos nós pais, filhos, profissionais, juristas, legisladores, instituições publicas e privadas a modificamos nossa postura, nossa mentalidade e nossas atitudes. Da mesma forma como a sociedade passou da arcaica estrutura patriarcal a um contexto mais participativo e igualitário, as políticas públicas, os projetos privados e as iniciativas (remuneradas ou não) terão que corresponder a essas novas demandas sociais. São importantes desafios, mas o resultado será a formação de novas gerações de crianças/adolescentes saudáveis, amadurecidos, compreensivos, tolerantes, íntegros, com vínculos afetivos e sociais fortalecidos! Pode-se desejar um lucro maior do que este?

“E o filho disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. 22Então o pai disse aos servos: Tirai depressa o mais belo vestido e vesti-lho, e metei-lhe um anel no dedo e calçado nos pés. (…) 24pois este meu filho estava morto e reviveu, tinha-se perdido e foi achado. (Lc 15:21-22,24 – a “parábola do Filho Pródigo”).”

Você sabe o que significa a palavra Família em inglês?

'FAMILY' = (F)ATHER (A)ND (M)OTHER (I) (L)OVE (Y)OU:

Pai e Mãe Eu Amo Vocês.

 

Referências bibliográficas:
[s.a.] Filhos de pais divorciados manifestam dificuldades para se relacionar e aprender matemática, indica estudo. O Globo, 02/06/2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mulher/mat/2011/06/02/filhos-de-pais-divorciados-manifestam-dificuldades-para-se-relacionar-aprender-matematica-indica-estudo-924590070.asp#ixzz1ODtgavAS>. Acesso em 30 jul. 2011.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em jan. 1997.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 10.402, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 11 jan. 2002.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 12.013, de 06 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatoriedade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12013.htm>. Acesso em 08 ago. 2009.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm>. Acesso em 27 ago. 2010.
GARDNER, R.A. (1998). The Parental Alienation Syndrome (=A Síndrome de Alienação Parental), Segunda Edição, Cresskill, NJ: Creative Therapeutics, Inc. Disponível em<http://www.rgardner.com>).
SILVA, C.H.B. O direito do genitor não-guardião ao amplo, geral e irrestrito acesso às informações escolares do filho. Jus Navigandi, set./2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13402/o-direito-do-genitor-nao-guardiao-ao-amplo-geral-e-irrestrito-acesso-as-informacoes-escolares-do-filho>. Acesso em jul. 2012.
SILVA, D.M.P. Mediação e Guarda Compartilhada – conquistas para a família. Curitiba: Juruá, 2011 a.
SILVA, D.M.P. Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação Parental: o que é isso? Campinas (SP): Autores Associados, 2ª. ed., 2011 b.
SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1ª. ed., 2009 (no prelo, para publicação da 2ª. ed., 2012).
Notas:
[1] GARDNER, R.A. (1998). The Parental Alienation Syndrome (=A Síndrome de Alienação Parental), Segunda Edição, Cresskill, NJ: Creative Therapeutics, Inc. Disponível em<http://www.rgardner.com>).
[2] SILVA, D.M.P. Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação Parental: o que é isso? Campinas (SP): Autores Associados, 2ª. ed., 2011 b.
[3] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm>. Acesso em 27 ago. 2010.
[4] SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1ª. ed., 2009 (no prelo, para publicação da 2ª. ed., 2012).
[5] SILVA, D.M.P. Mediação e Guarda Compartilhada – conquistas para a família. Curitiba: Juruá, 2011 a.
[6] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 10.402, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 11 jan. 2002.
[7] SILVA, C.H.B. O direito do genitor não-guardião ao amplo, geral e irrestrito acesso às informações escolares do filho. Jus Navigandi, set./2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13402/o-direito-do-genitor-nao-guardiao-ao-amplo-geral-e-irrestrito-acesso-as-informacoes-escolares-do-filho>. Acesso em jul. 2012.
[8] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 12.013, de 06 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatoriedade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12013.htm>. Acesso em 08 ago. 2009.
[9] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em jan. 1997.
[10] SILVA, D.M.P. Op. cit., 2ª. ed., 2011.
[11] [s.a.] Filhos de pais divorciados manifestam dificuldades para se relacionar e aprender matemática, indica estudo. O Globo, 02/06/2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mulher/mat/2011/06/02/filhos-de-pais-divorciados-manifestam-dificuldades-para-se-relacionar-aprender-matematica-indica-estudo-924590070.asp#ixzz1ODtgavAS>. Acesso em 30 jul. 2011.

Informações Sobre o Autor

Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica – SP, Psicopedagoga, Espec. Educação Especial e LIBRAS, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana (UNIFESP), Autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica de Família


Equipe Âmbito Jurídico

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