Recentemente, fomos convidados a elaborar parecer jurídico a respeito de intrigante questão envolvendo os cursos de pós-graduação em análises clínicas, no tocante à possibilidade ou não de os biólogos poderem se matricular nos cursos de especialização em análises clínicas.
Trata-se de questão que está sendo discutida pelos respectivos Conselhos, de Farmácia e de Biologia, e que visa a produzir efeitos sobre a possibilidade de oferta dos cursos de especialização em análises clínicas para os profissionais formados em Biologia, apenas.
O objeto da presente discussão é, na realidade, a descoberta da vontade legal, ou seja, vislumbrar se o direito positivo brasileiro prevê e permite que os profissionais de Biologia sejam aceitos nos cursos de especialização em análises clínicas ofertados por diferentes órgãos e ou exerçam a profissão de análises clínicas.
Resta saber se a realização da especialização em análises clínicas por parte de bacharéis em biologia é permitida por lei, e se, necessariamente, o biólogo especialista em análises clínicas poderá exercer esta última profissão, ou ainda, qual seria a razão de impedir que um graduado em curso superior realizasse a continuidade de seus estudos em área afim a sua formação.
Um outro questionamento que deve ser elucidado é o que concerne à presença ou a ausência das disciplinas de análises clínicas na grade curricular do curso de biologia e se, ausentes, qual a razão de tal impedimento, afinal, presume-se que o biólogo lida cotidianamente com análises clínicas. Isto porque é alegada a impossibilidade de se abranger biólogos no curso de especialização em análises clínicas por:
“ausência de formação acadêmica ao nível de graduação e de norma legal”.
O Conselho Federal de Farmácia recomenda aos seus órgãos estaduais que adotem as medidas cabíveis, sendo estas até mesmo medidas judiciais em face de suposta:
“ilegalidade do exercício das análises clínicas pelo profissional formado em biologia (sic), por ausência de formação acadêmica e amparo legal, conforme, precedentes judiciais oriundos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, inobstante a matéria ainda estar em trâmite e discutida na justiça federal da Seção Judiciária Federal do Estado de São Paulo”.
Em virtude das alegações do Conselho de Farmácia, procedeu-se a pesquisa também concernente no que dizia respeito às possibilidades dos farmacêuticos serem matriculados nos cursos e exercerem o ofício das análises clínicas.
A pesquisa jurídica envolve necessariamente o estudo aprofundado das leis que tratam das matérias analisadas. Procede-se, então, à busca na rede mundial de computadores das páginas que trazem as fontes de consulta legislativa, para, a partir daí, descobrir-se as leis que disciplinam o assunto pesquisado.
No presente caso, foram estudadas, dentre outros, os seguintes repositórios normativos, ou seja, as seguintes leis, decretos, resoluções e portarias:
Constituição Federal de 1988, art. 5º incisos II e XIII;
leis ordinárias federais nº – 1254/50, 6684/79, 6686/79 e 7135/83;
decretos nº – 63285/68, 66164/70, 76608/75, 81411/78, 82. 526/78, 85005/80, 97705/89;
decretos-lei – 4430/42 e 778/69;
resoluções do CFF – 118/75, 236/92, 179/87, 279/96 , 295/96, 296/96;
resoluções do CFE – 12/83;
resoluções do CFBiom. – 001/86;
resoluções do Senado Federal nº – 86/86;
representações no STF nº – 1256/DF, de 1985.
ASPECTOS LEGAIS
Constituição da República Federativa do Brasil
A Constituição da República federativa do Brasil determina a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, observados o princípio da legalidade, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e a liberdade no exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Lei nº 6684, de 3 de setembro de 1979
A lei ordinária federal nº 6684 de 03 de setembro de 1979 regulamenta as profissões de Biólogo e de Biomédico, cria os respectivos conselhos federais e regionais, além de outras previsões.
A análise do texto normativo revela que a profissão de biólogo pode ser exercida pelos bacharéis ou licenciados nos cursos de História Natural, ou de Ciências Biológicas, em todas as suas especialidades ou de licenciado em Ciências, com habilitação em Biologia, com diploma expedido por instituição brasileira oficialmente reconhecida ou expedido por instituições estrangeiras de ensino superior, regularizado na forma da lei, cujos cursos forem considerados equivalentes aos mencionados anteriormente.
O biólogo poderá, dentre outras atividades:
I – formular e elaborar estudo, projeto ou pesquisa científica básica e aplicada, nos vários setores da Biologia ou a ela ligados, bem como os que se relacionem à preservação, saneamento e melhoramento do meio ambiente, executando direta ou indiretamente as atividades resultantes desses trabalhos;
II – orientar, dirigir, assessorar e prestar consultoria a empresas, fundações, sociedades e associações de classe, entidades autárquicas, privadas ou do poder público, no âmbito de sua especialidade;
III – realizar perícias e emitir e assinar laudos técnicos e pareceres de acordo com o currículo efetivamente realizado.
Já os biomédicos, diferentemente dos biólogos, serão bacharéis em Ciências Biológicas, modalidade médica.
Note-se que os biomédicos exercem profissão que lhes é privativa, segundo o art. 3º da lei em apreço.
O Biomédico atua em equipes de saúde, em nível tecnológico, nas atividades complementares de diagnósticos.
O Biomédico poderá realizar análises físico-químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio ambiente, poderá exercer serviços de radiografia, excluída a interpretação; atuar, sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de radiodiagnóstico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado e planejar e executar pesquisas científicas em instituições públicas e privadas, na área de sua especialidade profissional.
Para o exercício das atividades acima, o biomédico deve ter um currículo efetivamente realizado que definirá a especialidade profissional.
Pela simples comparação das determinações legais já se detecta as consideráveis diferenças entre biólogos e biomédicos.
Como se não bastasse, para aprofundar mais ainda a diferença das profissões em apreço, a mesma lei criou distintos conselhos federais e regionais de Biologia e de Biomedicina.
Lei nº 6686, de 11 de setembro de 1979
A lei ordinária federal nº 6686 de 11/09/1979, por sua vez, disciplinava o exercício de análise clínico-laboratorial pelos biomédicos que realizassem em seus cursos as disciplinas indispensáveis ao exercício desta atividade. Trata da regulamentação do exercício profissional em análises clínicas. Originalmente, em seu art. 1º, possibilitava aos biomédicos e aos biólogos formados até julho de 1983 o exercício das análises clínico-laboratoriais, desde que comprovassem os mesmos a realização das disciplinas indispensáveis para o exercício da referida atividade.
Recebeu a mesma lei alterações pela lei 7135 de 27/10/1983, em seus artigos 1 e 2. Posteriormente, no ano de 1986, em virtude de declaração de inconstitucionalidade, foi editada, pelo Senado Federal, a Resolução nº 86, de 25 de junho do mesmo ano, a qual suspendeu totalmente os efeitos do seu artigo 1º.
Resolução do CF de Farmácia de nº 296, de 25 de julho de 1996
A resolução do Conselho Federal de Farmácia de nº 296, de 25 de julho de 1996, normatiza o exercício das análise clínicas pelo farmacêutico bioquímico.
Baseada no texto do Decreto 202.377, de 8 de setembro de 1931, conforme o que dispõe o Decreto 85.878 de 7 de abril de 1981, resolve que o Farmacêutico-bioquímico, devidamente registrado no Conselho Regional de Farmácia respectivo, poderá exercer a responsabilidade técnica de laboratório de análises clínicas competindo-lhe realizar todos os exames reclamados pela clínica médica, nos moldes da lei, inclusive, no campo de toxicologia, citopatologia, hemoterapia e bilogia molecuclar. Isto além de falar também que
o Farmacêutico-bioquímico poderá exercer as funções e responsabilidades de Diretor do Laboratório, Supervisor ou Técnico a que pertencer.
Resolução do CF de Farmácia nº 179 de 18 de março de 1987
A resolução do Conselho Federal de Farmácia nº 179 de 18 de março de 1987, ratifica a competência legal que tem o farmacêutico para realizar exames de citologia esfoliativa, oncótica e hormonal.
O texto da norma resolve que:
“Art. 1º – O Farmacêutico-Bioquímico (Analista Clínico) é detentor de competência legal para executar, exames de Citologia Esfoliativa: Oncótica e Hormonal”.
Resolução nº 236, de 25 de setembro de 1992
Esta resolução dispõe que são atribuições do Farmacêutico-Bioquímico, as atividades de direção, responsabilidade técnica e o desempenho de funções especializadas exercidas em órgãos ou laboratórios de análises clínicas ou de saúde ou seus departamentos especializados.
Resolução nº 279 de 26 de janeiro de 1996
Serve esta resolução para ratificar a competência legal do farmacêutico para atuar profissionalmente e exercer chefias técnicas e direção de estabelecimentos hemoterápicos.
Diz o texto do seu art.1º: “O Farmacêutico Bioquímico (habilitado em análises clínicas) é detentor de competência legal para assumir e executar o processamento de sangue, suas sorologias e exames pré-transfusionais e capacitado legalmente para assumir chefias técnicas, assessoras e Direção de estabelecimentos hemoterápicos”.
Resolução nº 295, de 25 de julho de 1996
Esta resolução reconhece o programa de controle de qualidade estabelecido pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas.
No seu texto, é levado em consideração que o Programa Nacional de Controle de Qualidade é planejado, orientado e executado por profissionais farmacêuticos bioquímicos e reconhecido que Reconhecer o Programa Nacional de Controle de Qualidade da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas para laboratórios de Análises Clínicas.
CONCLUSÃO
Em virtude do que foi aqui exposto, de acordo com as disposições normativas trazidas, podemos concluir que, no tocante à contenda entre biólogos e farmacêuticos a respeito de análises clínicas:
somente os biomédicos (biólogos com formação biomédica) e os bioquímicos (farmacêuticos com formação em bioquímica) podem trabalhar com análises clínicas e, portanto, freqüentar a especialização em análises clínicas.
É o nosso entendimento, s.m.j.
Prof. Dr. Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
OAB/MG 64.282
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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