Resumo: O objectivo deste artigo é o de apresentar, partindo da categoria genérica de intervenientes processuais, uma já clássica distinção do processo penal português: entre participantes processuais e sujeitos processuais. Depois de explicarmos em que consiste a distinção entre as duas categorias processuais citadas, iremos dar conta do diferente estatuto que a lei do processo penal português atribui a cada delas. Posteriormente, devido ao papel central que assumem no processo penal, o alvo da nossa atenção recairá sobre os considerados sujeitos processuais, segundo a classificação legal, e já não sobre os restantes intervenientes processuais. Sem, contudo deixar de referir a importante função que os órgãos de polícia criminal assumem na cena processual penal portuguesa – coadjuvantes das autoridades judiciárias –, mas que devido à sua dependência funcional das autoridades judiciárias são meros participantes processuais e já não sujeitos processuais. Para tal revisaremos, de perto, a bibliografia penal portuguesa, em especial: de Jorge de Figueiredo Dias; de Maria João Antunes, e de Quirino Soares.
Palavra-passe: Sujeito processual. Participante processual. Direito processual penal. Direito português.
Abstract: The objective of this article is to present, from the generic category of procedural actors, an already classic distinction between Portuguese criminal proceedings: between procedural participants and procedural subjects.After explaining the distinction between the two procedural categories cited above, we will be aware of the different status that the Portuguese criminal procedure law assigns to each of them. Subsequently, because of the central role they play in criminal proceedings, the focus of our attention will be on those considered as procedural subjects, according to the legal classification, and no longer on the other procedural actors. Without failing, however, to mention the important role that criminal police agencies play in the Portuguese criminal procedural scene − supporting to the judicial authorities −; but that due to their functional dependence on the judicial authorities they are mere procedural participants and no longer procedural subjects. For this we will review, closely, the Portuguese penal bibliography, in particular: Jorge de Figueiredo Dias; of Maria João Antunes, and of Quirino Soares.
Keywords: Procedural subject. Procedural participant. Criminal procedural law. Portuguese law.
Sumário: Introdução. 1. Distinção entre Sujeitos Processuais e Participantes processuais. 2. Sujeitos Processuais. 2.1.Tribunal (juiz). 2.2. Ministério Público. 2.3. O arguido. 2.4. O defensor. 2.5. O assistente. 2.6. As partes civis. 3. Participantes Processuais: Os órgãos de polícia criminal. Conclusão. Referências.
Introdução
Partindo da categoria genérica de intervenientes processuais, iremos apresentar a já considerada clássica distinção, no direito processual penal português, entre sujeitos processuais e participantes processuais.
Assim, o processo penal português conta com um número considerável de intervenientes processuais. Dentro deste grande grupo de intervenientes é habitual distinguir-se entre participantes processuais e sujeitos processuais.
Os sujeitos processuais correspondem aos chamados participantes processuais maiores (SOARES, (s.d.), p. 1). São, eles, segundo a classificação legal: tribunal (juiz); Ministério Público; arguido e defensor, assistente e partes civis. Os restantes são meros participantes processuais.
Os sujeitos processuais, como titulares que são da relação jurídica processual, apresentam um estatuto qualificado que o Código do Processo Penal Português (doravante CPP) regula e estabelece nos artigos 8.º e seguintes. Já os restantes participantes processuais não beneficiam desse referido estatuto.
O que distingue, como veremos, em sentido estrito, os sujeitos processuais dos participantes processuais é o poder que os primeiros têm da chamada: “conformação processual”, ou seja: o poder de, nos termos da lei, vir a moldar o processo em conformidade com os seus actos (SOARES, (s.d.), p. 1).
Dada a relevância que assumem os sujeitos processuais, ou os chamados participantes processuais maiores no processo penal português, que enquanto titulares da relação jurídica processual, com poderes de conformação processual poderão ser considerados os actores principais do processo penal, serão o objecto principal do nosso estudo ao longo deste artigo. Contudo não deixaremos de dar nota dos órgãos de polícia criminal (OPC) que assumem o relevante papel na cena processual penal de coadjuvarem as autoridades judiciárias, mas que devido à dependência funcional que têm em relação a estas torna-os meros participantes processuais, e já não sujeitos processuais.
1. Distinção entre Sujeitos Processuais e Participantes Processuais
O processo criminal português conta com a intervenção de um número considerável de intervenientes. São eles: o tribunal (o juiz), o ministério público, os órgãos e as autoridades de polícia criminal, o ofendido, o assistente, o suspeito, o arguido, o defensor, a testemunha, o perito, o consultor técnico, e o lesado. No processo penal português todos eles podem ser considerados genericamente como participantes processuais (DIAS, 1989, p. 6). No entanto, como já se apontou na introdução, dentro deste grande círculo de intervenientes processuais é habitual distinguir-se entre participantes processuais e sujeitos processuais (ANTUNES, 2016, p. 29).
Assim, enquanto os participantes processuais “praticam actos singulares cujo conteúdo processual se esgota na própria actividade”, os sujeitos processuais são titulares de “direitos (que surgem, muitas vezes, sob a forma de poderes-deveres ou de ofícios de direito público) autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final” (DIAS, 1989, p. 9). Ou, por outras palavras, “têm uma participação constitutiva na declaração do direito do caso” (ANTUNES, 2016, p. 29).
Correspondendo os sujeitos processuais aos chamados participantes processuais maiores (SOARES, (s.d), p. 1). Ou seja, aqueles entre os quais se desenrola e estabelece a relação jurídica que se inicia com a notícia do crime
Deste modo, o que distingue, em sentido estrito, os sujeitos processuais dos participantes processuais é o poder que os primeiros têm de, nos termos da lei, nomeadamente do Código do Processo Penal Português, moldar o processo em conformidade com os seus actos: um poder chamado de conformação processual (SOARES, (s.d), p. 1). Dado este poder que assumem os sujeitos processuais poderão mesmo vir a ser considerados como os actores principais do processo penal.
Os sujeitos processuais enquanto titulares da relação jurídica processual têm um estatuto qualificado que o Código Processual Penal prevê nos seus artigos 8.º e seguintes. Segundo a classificação legal, são sujeitos processuais: tribunal (juiz); Ministério Público; arguido e defensor, assistente e partes civis.
Os outros participantes processuais, que não beneficiam portanto do estatuto de sujeitos processuais, são: os funcionários de justiça, os órgãos de polícia criminal, os peritos, os consultores técnicos, os intérpretes, as testemunhas e outros intervenientes ocasionais.
2. Sujeitos Processuais
2.1. Tribunal (juiz)
O juiz é o titular do tribunal, recaindo, por esta razão, sobre ele a competência para administrar a justiça (SOARES, (s.d.), p. 5). Os tribunais judiciais são os órgãos competentes para decidir as causas penais e aplicar penas e medidas de segurança criminais (cfr. artigo 8.º, do CPP).
Para garantir a independência do tribunal, a lei revestiu os juízes, seus titulares, das garantias de: independência, inamovibilidade e irresponsabilidade (nos termos do artigo 216.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
Assim, surge a independência como garantia de não vinculação a quaisquer ordens ou instruções. A inamovibilidade como garantia de uma nomeação tendencialmente vitalícia, assim esta emerge como uma garantia intimamente ligada ao princípio fundamental do juiz natural. Por último, a irresponsabilidade como garantia de não prestar conta, de qualquer natureza, pelas suas decisões, salvas as excepções previstas na lei, quer em matéria criminal, quer civil, quer disciplinar.
As três garantias mencionadas supra não devem ser vistas como um privilégio dos e para os juízes, mas, antes, como uma salvaguarda para os próprios cidadãos, na medida em que os seus direitos e liberdades perante os poderes e perante a sociedade só estarão verdadeiramente assegurados se o juiz − quem tem a função de dirimir os conflitos − for independente, inamovível e irresponsável (SOARES, (s.d.), p.6).
Como já referimos, a competência para a administração da justiça penal pertence aos tribunais judiciais. A organização destes tribunais, em Portugal, faz-se em forma de pirâmide, encontrando-se no vértice desta o Supremo Tribunal de Justiça, com jurisdição sobre todo o território; no centro, os tribunais da Relação, com jurisdição sobre a área do respectivo distrito judicial; e, na base daquela, os tribunais de 1ª instância, com jurisdição sobre área da comarca ou do círculo judicial.
Os tribunais judiciais de 1ª instância podem ser de competência genérica, de competência especializada e de competência específica (SOARES, (s.d.), p. 7-8).
O estatuto de sujeito processual do tribunal (do juiz) funda-se nos seguintes princípios jurídico-constitucionais: o princípio do monopólio da função jurisdicional; o princípio da independência judicial; e o princípio do juiz natural ou legal, nos termos dos artigos 27.º, n.º 2, 34.º, n.º 2, 202.º, n.º 1 e n.º 2, artigo 203.º, e, 32.º, n.º 9 da CRP, (ANTUNES, 2016, p.29-34).
2.2. Ministério público
Em Portugal, o Ministério Público é o titular da acção penal, nos termos do artigo 219.º, da CRP, artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na sua redacção actual, (doravante EMP) e artigo 48.º, do CPP, orientado pelo princípio da legalidade.
O Ministério Público é um órgão do Estado ao qual competem funções definidas constitucionalmente: representação do Estado e defesa dos interesses que a lei determinar; participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania; exercício da acção penal; garante da legalidade democrática, nos termos do artigo 219.º, n.º1, CRP e artigo 1.º, do EMP, (SOARES, (s.d.), p. 35-36).
Sendo o Ministério Público o titular da acção penal, não surpreenderá referir que uma das suas mais importantes funções, e que interessa ao domínio do processo penal, é a acção penal.
É nesta qualidade que lhe compete promover o processo penal. Exerce, para tal, os poderes que constam do artigo 53.º, n.º 2 do CPP: “ (…) receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes; dirigir o inquérito; deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento; interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa; promover a execução das penas e das medidas de segurança”.
Ainda na qualidade de titular da acção penal, a lei atribui ao Ministério Público, além de funções de promoção do processo penal − isto é, uma actuação apenas repressiva − , também funções de promoção e cooperação em acções de prevenção criminal, nos termos do artigo 3.º, n. º 1, al. i), do EMP, (SOARES, (s.d.), p.36).
De salientar que o Ministério Público é um órgão com dignidade constitucional, com relevantes funções de representação do Estado, de defesa da sociedade e dos incapazes.
O órgão superior do Ministério Público é a Procuradoria-Geral da República, presidindo-lhe o Procurador-Geral da República. Constituem ainda órgãos do Ministério Público, por ordem de hierarquia: as Procuradorias-Gerais Distritais, nas sedes dos distritos judiciais; e as Procuradorias da República, estas nas sedes dos círculos judiciais e nas comarcas sede de distrito judicial, dirigidas, respectivamente, por procuradores-gerais adjuntos e por procuradores da República. Os agentes de base do Ministério Público são os procuradores-adjuntos, os quais exercem funções em comarcas ou em grupos de comarcas (SOARES, (s.d.), p. 37).
O Ministério Público é uma magistratura autónoma mas não independente, como acontece com a magistratura judicial (SOARES, (s.d.), p. 38).
A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela vinculação a critérios de legalidade e objectividade, bem como pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens ou instruções previstas na lei (cfr. artigo 2.º, n.º 2, do EMP). O Ministério Público apresenta, assim, autonomia orgânica e funcional, estando excluída a interferência de outros poderes, nomeadamente o político e o judicial, na sua esfera de acção concreta. Estão exceptuados os casos em que este actua como advogado do Estado, na defesa dos interesses privados ou específicos do Estado, em que se encontra obrigado a cumprir as instruções de ordem específica que o Ministro da Justiça lhe transmita (SOARES, (s.d.), p. 38).
Sendo uma magistratura autónoma, a do Ministério Público, ela não é, contudo, independente. Não é independente, externamente, porque o Procurador-Geral da República, que constitui o seu dirigente máximo, é nomeado e exonerado pelo poder político (cfr. artigos 133, alínea m) e artigo 220.º, n.º 3 da CRP) e, internamente, porque os seus agentes estão submetidos a uma estrutura funcionalmente hierarquizada, que se traduz na obrigação dos magistrados acatarem as directivas, as ordens e as instruções que recebam dos magistrados de grau superior, nos termos do artigo 76.º, do EMP (SOARES, (s.d.), p. 39).
Deste modo, e no que ao processo penal importa, a autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela não ingerência do poder político no exercício concreto da acção penal e por um princípio de separação e paralelismo para com a magistratura judicial (SOARES, (s.d.), p. 38).
Enquanto titular da acção penal, a lei confere ao Ministério Público a legitimidade para promover o competente processo. Apresentando contudo as seguintes restrições: no procedimento dependente de queixa, nos termos do artigo 49.º do CPP: nestes casos, a queixa, do ofendido ou de outra pessoa a quem a lei atribua o direito de queixa, é conditio sine qua non da instauração e promoção do processo; e, no procedimento dependente de acusação particular, nos termos do artigo 50.º do CPP: nestas situações, a posição do Ministério Público é, ainda, mais reservada, pois a instauração e prossecução do processo fica dependente não só da queixa, nos mesmos termos anteriormente mencionados, mas, também de que o queixoso se constitua assistente e venha a deduzir acusação (SOARES, (s.d.), p. 40-41).
O Ministério Público tem a primeira e a última palavra no inquérito, primeira fase do processo. Competindo neste âmbito a este, em exclusivo, apreciar o destino a dar às denúncias, participações ou queixas, ainda que apresentadas a outras entidades (cfr. artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea a) e artigo 241.º e seguintes do CPP); bem como proferir despacho final: de arquivamento ou de acusação, respectivamente, nos termos do 277.º e 283 .º do CPP (SOARES, (s.d.), p. 42-43).
2.3. Arguido
A lei de processo penal portuguesa não define arguido. A passagem de suspeito a arguido, quando isso sucede, tem o importante significado da passagem de mero objecto de investigação a parte principal do processo, com poderes para influenciar o seu decurso. Dito de outro modo, com a constituição de arguido este passa de mero participante processual a sujeito processual.
A constituição de arguido é um dever da autoridade competente, uma vez verificados os pressupostos legais, e constitui simultaneamente um direito de todo o suspeito (cfr. artigos 57.º, 58.º e 59.º do CPP). A constituição de arguido é um acto com vantagens de carácter garantístico-processuais para todo aquele contra quem corre qualquer inquérito (SOARES, (s.d.), p. 47-48).
O arguido é, antes de mais, um sujeito processual. O arguido goza em especial, e designadamente, dos direitos previstos no n.º 1 do artigo 61.º do CPP. Assim, de acordo com este preceito o arguido goza do direito de: alínea a) estar presença – nos actos processuais que directamente lhe digam respeito, referindo-se àqueles actos que se encontram sujeitos ao princípio do contraditório, sem prejuízo, porém, do segredo a que, em certas circunstâncias, estão votados os actos de inquérito); alínea b) de audiência – ou seja, de se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados e de ser ouvido sempre que o juiz possa tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; alínea c) e h) de informação –; a reforma processual de 2007 veio acrescentar ao elenco dos direitos de que o arguido “goza em especial”, o de ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade, incluindo-o na actual alínea c); na redacção anterior do artigo 61. º, n.º 1, o direito de informação especialmente destacado naquela disposição legal, era o relativo, apenas, “aos direitos que lhe assistem” (antiga alínea g, agora alínea h); a inovação da citada reforma processual, nesta matéria, foi, deste modo, o da elevação do referido direito à categoria dos direitos especiais assegurados no artigo 61.º, n.º 1; alínea d) ao silêncio – ; sem que isso o possa prejudicar, quer na definição da culpa quer na aplicação da pena; o direito ao silêncio de que aqui se prevê tem um sentido, e alcance, que vão muito para além da liberdade de declaração ou de expressão, pois envolve o direito de recusar a contribuição activa para a sua própria incriminação ou condenação; alínea e) e f) a ter defensor –; o arguido tem direito a constituir advogado ou a solicitar a nomeação de um defensor, e a ser assistido pelo defensor em todos os actos processuais em que participar, e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele; a comunicação em privado com o defensor pode ser, porém, à vista, por razões de segurança; alínea g) de intervenção –; direito de intervir não só no inquérito e na instrução, mas em qualquer fase do processo, através de exposições, memoriais e requerimentos, e, designadamente, em audiência, por meio de declarações, e, mesmo, a requerer instrução; e alínea i) de recurso –; o arguido tem o direito a recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis; o direito ao recurso é, inclusive, uma garantia constitucional nos termos do artigo 32.º, n.º 1, parte final, da CRP, (SOARES, (s.d.), p. 49-53).
Está em causa, contudo, como resulta do mencionado supra, de enumeração não taxativa de direitos. O legislador terá pretendido destacar os direitos mais importantes, dando-lhes uma formulação emblemática. Sendo, contudo, possível descortinar muitos outros direitos ao longo do Código de Processo Penal, v.g., artigo 140.º, n.º 1 (SOARES, (s.d.), p. 53).
2.4. Defensor do arguido
O defensor em processo penal português tem o estatuto de sujeito processual (ANTUNES, 2016, p. 44). O direito a defensor, que é um advogado, constitui uma garantia constitucional do arguido, nos termos do artigo 32.º, n.º 3, da CRP; e artigo 62º, do CPP.
O arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo (cfr. artigo 62.º, n.º 1 do CPP), mesmo que ainda na fase de inquérito.
Contudo, a assistência de defensor é obrigatória em certos momentos e fases do processo, casos em que, não o tendo o arguido constituído, deve ser oficiosamente providenciada a sua nomeação, mesmo que o arguido seja advogado ou magistrado, nos termos do artigo 64.º do CPP, (SOARES, (s.d.), p. 54).
O defensor não dispõe de poderes ou de meios de investigação, apenas tem o direito de requerer a realização de diligências (SOARES, (s.d.), p. 56).
2.5. Assistente
Constitui também sujeito do processo penal português: o assistente (ANTUNES, 2016, p. 47).
O assistente será, na maior parte dos casos, quem se considera ofendido com o ilícito penal praticado. Contudo, a lei processual penal portuguesa distingue assistente de ofendido (cfr. artigos 68.º, n.º 1, alínea a). A lei processual ao efectuar esta distinção entre o assistente e o ofendido pressupõe que à constituição de assistente se liga o reconhecimento do estatuto de sujeito processual − artigos 68.º, n.º 1, alínea, e artigo 69.º do CPP − , por contraposição ao de mero participante processual (ANTUNES, 2016, p. 47).
O assistente é, salvo disposição especial que disponha noutro sentido, o sujeito processual que encarna os interesses particulares prejudicados pelo crime.
O artigo 69.º, n.º 1, do CPP, coloca o assistente na posição de auxiliar do Ministério Público, a cuja actividade tem de subordinar a sua, no processo.
Competindo ao assistente, em especial (n.º 2): intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias; deduzir acusação independente da do Ministério Público, e, no caso de procedimento dependente de acusação particular − ainda que este último não a deduza − , deduzir acusação; e, interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito (SOARES, (s.d.), p. 63).
Quanto ao momento da intervenção do assistente depende. No procedimento por crime público ou semipúblico, a intervenção pode dar-se em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeira até cinco dias antes do início do debate instrutório ou do julgamento, ou no prazo da acusação ou o do requerimento da instrução, se pretender exercer aquelas faculdades (artigo 68.º, n.º 3, a) e b) do CPP. No procedimento por crime particular, no prazo de 10 dias a contar da advertência a que se refere a parte final do n.º 4, do artigo 246.º do CPP, isto é, a advertência, feita pela entidade que recebeu a denúncia verbal, sobre a obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a adoptar, nos termos do artigo 68.º, n.º 2 do CPP, (SOARES, (s.d.), p. 65).
Quanto à representação judiciária do assistente, nos termos do artigo 70.º do CPP, o assistente é sempre representado por advogado, ainda que ele próprio o seja ou seja magistrado. Tal como acontece com a representação judiciária do arguido, a natureza das causas criminais é também incompatível com o exercício da advocacia em causa própria que, em geral, é permitida àqueles profissionais (SOARES, (s.d.), p. 65).
A versão primitiva do Código de Processo Penal previa somente o ofendido e o assistente como participantes processuais, reconhecendo a este último o estatuto de sujeito do processo penal. O recurso ao termo vítima fazia-se apenas em dois artigos (artigo 1,º, n.º 1, alínea g) e artigo 88.º), estando reservada para os casos em que fosse necessário recorrer à categoria criminológica que concretiza (ANTUNES, 2016, p. 52).
Contudo, na versão actual, por via de recentes alterações legislativas que, de acordo com a opinião de Maria João Antunes, certamente desconhecem o sentido de cada um destes conceitos, a vítima acaba por aparecer também como um participante processual, na acepção geral do conceito (ANTUNES, 2016, p. 52).
Se não veja-se: a Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que numa solução legislativa já considerada criticável vem introduzir agora um novo artigo no CPP: o artigo 67.º- A (Vítima); ao qual correspondeu a introdução de um novo título no livro I da parte I – Título IV – Vítima. Assim, este artigo para além de vir estabelecer o que se deve entender por “vítima” e por “vítima especialmente vulnerável”, nos termos dos n.ºs 1 a 3, vem também determinar que assiste à vítima o direito de participação activa no processo penal, bem como o direito de colaborar com a autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias á descoberta da verdade e à boa decisão da causa, nos termos dos n.ºs 4 e 5, (ANTUNES, 2016, p. 52).
Criticando esta solução legislativa refere Maria João Antunes que: “[c]om isto perde a categorização criminológica e a distinção ao nível processual dos diversos papéis que a vítima pode desempenhar no processo penal português (ofendido, assistente ou lesado). Ganhará certamente o discurso político, o discurso «politicamente correcto»” (ANTUNES, 2016, p. 52-53).
2.6. Partes civis
Enquanto a intervenção processual do ofendido e do assistente ocorre na “acção penal” propriamente dita, por sua vez na “acção civil”, a qual corresponde ao pedido de indemnização de perdas e danos emergentes da prática de crime, intervém o lesado. O lesado corresponde, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º do CPP, à pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente, o que demostra que lesado e assistente, o que demonstra a autonomia destas figuras (ANTUNES, 2016, p. 53).
Deste modo, o lesado pode não corresponder ao ofendido da prática do crime, do mesmo modo que o pedido de indemnização de perdas e danos pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil. Logo, o demandado do pedido de indemnização civil, não tem que ser necessariamente de ter a posição de arguido do processo (cfr. artigos 73.º e 74.º do CPP).
Assim, as partes civis que intervém no processo penal são, do lado activo, o lesado, e, do lado passivo, as pessoas com responsabilidade civil – podendo ser estas: pessoas com responsabilidade meramente civil, ou o arguido (ANTUNES, 2016, p. 53).
O processo penal português, tal como se encontra estruturado, engloba a possibilidade e, por regra, a obrigatoriedade da acção indemnizatória decorrer em simultâneo com a acção penal propriamente dita, e no interior desta. Contudo, a indemnização civil alicerçada na prática do crime é encarada, do ponto de vista das leis penal e processual penal portuguesas, como um instituto de natureza estritamente civilístico, e deverá ser enquanto tal substantivamente encarado e tratado (SOARES, (s.d.), p. 66).
Deste modo, tal como previsto no artigo 129.º do Código Penal Português (doravante CP), a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é disciplinada pela lei civil. Contudo, dando cumprimento ao princípio de adesão, o correspondente pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado nos casos estipulados pela lei (cfr. artigos 71.º, 72.º e 74.º do CPP). A acção de indemnização mantém a sua especificidade de verdadeira acção civil, respeitando, nomeadamente, o princípio do pedido, o que faz das partes civis sujeitos da acção civil e não da acção penal (ANTUNES, 2016, p. 53).
Deste modo, ainda que segundo a classificação legal (artigo 71.º e seguintes do CPP) as partes civis estejam incluídas nos sujeitos do processo penal, não estranhará a conclusão que se “as partes civis, se podem (e porventura devem) ser consideradas sujeitos do processo penal num sentido eminentemente formal, já de um ponto de vista material são sujeitos da acção civil que adere ao processo penal e que como acção civil permanece até ao fim” (DIAS, 1989, p. 15).
3. Participantes Processuais: Os órgãos de polícia criminal
Vamos agora referir-nos aos órgãos de polícia criminal, os quais apesar de terem um importante papel no âmbito do processo penal português, não são considerados sujeitos processuais, mas meros participantes processuais.
A definição de órgãos de polícia criminal (OPC) consta do artigo 1.º, alínea c), do CPP. Segundo este preceito são órgãos de polícia criminal: todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo citado código.
Competindo aos órgãos de polícia criminal, nos termos do artigo 55.º, n.º 1, do CPP,: “coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo”.
Do exposto resulta que, são órgãos de polícia criminal as entidades e agentes policiais coadjuvantes das autoridades judiciárias nas tarefas do processo penal.
Além da função de coadjuvação das autoridades judiciárias, competem-lhes ainda tarefas especialmente prescritas no Código de Processo Penal Português, e que podem assumir mesmo por iniciativa própria (SOARES, (s.d.), p. 43).
São, assim, órgãos de polícia criminal em Portugal, de competência genérica: Polícia Judiciária; Guarda Nacional Republicana; Polícia de Segurança Pública, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto, na sua redacção actual, que aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC).
Os órgãos de polícia criminal portugueses de competência específica são aqueles aos quais a lei atribui tal estatuto e exercem as competências próprias dos órgãos de polícia criminal em áreas específicas da criminalidade; v.g., é o caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a quem compete proceder à investigação do crime de auxílio à imigração ilegal e de outros com este conexos (SOARES, (s.d.), p. 44-47).
Os órgãos de polícia criminal, os quais se devem mútua cooperação, nos termos do artigo 10.º, da LOIC, actuam no processo, sob a direcção das autoridades judiciárias (ministério público, juiz e juiz de instrução), e na sua dependência funcional, competindo-lhes coadjuvá-las com vista à realização das finalidades do processo; v.g., artigo 56.º; artigo 288.º, n.º 1; e artigo 290.º, n.º 2 do CPP, (ANTUNES, 2016, p. 53).
Adoptou-se um modelo que consegue harmonizar a autonomia orgânica destes órgãos, no sentido de que se mantém a sua dependência organizatória, administrativa e disciplinar perante o poder executivo; com a dependência funcional em relação às autoridades judiciárias, nos termos do artigo 56.º, do CPP. Contudo, a dependência funcional referido faz dos órgãos de polícia criminal meros participantes processuais (ANTUNES, 2016, p. 56).
Conclusão
São vários os intervenientes processuais, mas só alguns são considerados sujeitos do processo penal português.
Enquanto os participantes processuais praticam actos singulares cujo conteúdo processual se esgota na própria actividade, os sujeitos processuais são titulares de direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final.
Segundo a classificação legal, são sujeitos processuais: tribunal (juiz); Ministério Público; arguido e defensor, assistente e partes civis.
Os outros participantes processuais, que não têm o estatuto de sujeitos processuais, são: os funcionários de justiça, os órgãos de polícia criminal, os peritos, os consultores técnicos, os intérpretes, as testemunhas e outros intervenientes ocasionais.
Da exposição supra podemos concluir, por um lado: que os principais actores do processo penal português são os sujeitos processuais, ou os participantes processuais maiores, daí terem merecido a nossa principal atenção ao longo do presente artigo. Por outro lado: os órgãos de polícia criminal, apesar do relevantíssimo papel de coadjuvantes na cena processual penal portuguesa, devido à dependência funcional que apresentam face às autoridades judiciárias, são apenas meros participantes processuais e não sujeitos processuais.
Docente do Ensino Superior Mestre e Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
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