Resumo: O presente artigo busca dissertar brevemente sobre um dos assuntos mais caros ao sistema de Seguridade Social e que é pouco abordado pela doutrina tradicional, qual seja, o Plano de Custeio, que é fundamental para a viabilidade futura da seguridade. Assim, compreender profundamente o Plano de Custeio é essencial para a compreensão de como a sociedade planeja sustentar um grande sistema de proteção social, pois só haverá verdadeira seguridade, quando se sabe que amanhã o sistema ainda terá condições de ser mantido.
Palavras-chave: Direito; Plano de Custeio; Seguridade Social; Risco Social.
Abstract: This article seeks to expatiate briefly on one of the most valuable issues to the Social Security system that is poorly studied by traditional doctrine, namely, the Funding Plan, which is key to the future viability of social security. Thus deeply understand the funding plan is essential to understanding how the society plans to hold a large social protection system, because only there will be real security, when we know that tomorrow the system still will be able to be maintained.
Keywords: Law; Funding Plan; Social Security
Sumário: Introdução – 1. Definição de Seguridade Social – 1.1. Saúde – 1.2. Assistência Social – 1.3. Previdência Social – 2. Definição do Plano de Custeio da Seguridade Social – 3. Objetivos do Plano de Custeio da Seguridade Social – 4. Natureza Jurídica e Relação Jurídica do Plano de Custeio da Seguridade Social – 5. Princípios do Plano de Custeio da Seguridade Social – 5.1. Regra da Contrapartida – 5.2. Equidade na Forma de Participação no Custeio – 5.3. Diversidade na Base de Financiamento – Conclusão – Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Dentro da atual sistemática e organização da Seguridade Social, tem-se que este sistema se destina à proteção social através de prestações ou serviços que cubram determinados riscos ou contingências sociais selecionadas que revelam a existência de dois importantes princípios da seguridade social, seletividade e distributividade.
O Plano de Custeio da Seguridade Social tem sido estudado de forma geral por muitos estudiosos do Direito Previdenciário, que fazem uma análise do tema como um simples apanhado de contribuições destinadas à manutenção da Seguridade Social, deixando de lado análises científicas importantes quanto à natureza do Plano de Custeio, seu conceito, sua necessidade para a manutenção deste sistema e os princípios que guiam a formação de um plano como este.
Este estudo indicará o quão importante é o instituto do Plano de Custeio para garantir aos segurados que o Sistema da Seguridade Social para o qual contribuem hoje é atuarialmente viável e que terá condições de atendê-los no futuro, quando dele necessitarem.
Portanto, é importante entender bem o Plano de Custeio da Seguridade Social para que se possa fazer uma análise se o sistema de receitas hoje estipulado, face às necessidades de prestações futuras, se encontrará em equilíbrio, atingindo a finalidade precípua deste plano, garantindo a viabilidade deste sistema no futuro.
O estudo que se fará tem por objetivo explorar através da Legislação e Doutrina, o conceito, origem histórica, a natureza, objetivos e princípios que guiam o Plano de Custeio da Seguridade Social, demonstrando sua importância para garantir o futuro deste sistema, mas se pretende também fazer análises de previsões de gastos e receitas atinentes à saúde, à assistência social e à previdência social.
Cabe dizer, que o estudo mais profundo do Plano de Custeio é raro, havendo poucos autores que se dedicam a uma análise tão profunda quanto à do Professor Wagner Balera sobre o tema, sendo que se trata de um instrumento sistemático, dos mais importantes para a manutenção da Seguridade Social, constituindo verdadeira garantia para as pessoas que hoje começam a contribuir para com esse sistema tenham a certeza de que poderão gozar de sua proteção, no futuro, quando necessitar.
Nesse sentido, vale a pena destacar que o Professor Wagner Balera diz que “As contribuições que financiam programas sociais deveriam estar fundamentadas em bem estruturado plano de custeio”[1].
Ainda, o professor Wagner Balera ensina que o Plano de Custeio constitui importante instrumento de equilíbrio atuarial do sistema da Seguridade Social. A saber:
“O Plano de Custeio é o instrumental válido para que se alcance, a um só tempo, o equilíbrio atuarial do sistema, por meio de detalhadas previsões de despesas e de receitas, e o concreto agir em favor da comunidade protegida.[2]”
Ou seja, compreender profundamente o instituto do Plano de Custeio é essencial para compreender como a sociedade planeja sustentar um grande sistema de proteção social, pois só haverá verdadeira seguridade, quando se sabe que amanhã o sistema ainda terá condições de ser mantido.
O que se pretende com a pesquisa é justamente demonstrar o funcionamento e a importância do Plano de Custeio, demonstrando os princípios que regem esse sistema que tem como valor final a garantia da Dignidade da Pessoa Humana, para revelar que esse instituto não é apenas um apanhado de leis que estabelecem contribuições sociais para financiar a Seguridade Social, mas um verdadeiro conjunto de normas, estudos econômicos que levem em conta projeções sociais e econômicas que causem impacto nas receitas e despesas do sistema e destinas à planificação econômica do regime e seu equilíbrio financeiro.
1. DEFINIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL
A Seguridade Social é o conjunto complexo de ações relativas às áreas de saúde, assistência social e previdência social, organizada em um sistema jurídico destinado a conferir quantidade necessária de saúde, de previdência e de assistência a todos que dela necessitam, combinando igualdade e solidariedade para atingir seu objetivo, que é a justiça social, que só se atinge quando a promoção do bem de todos deixar de ser um mero programa.
Na lição dos professores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari Seguridade Social é assim definida:
“A Seguridade Social, segundo o conceito ditado pela ordem jurídica vigente, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade nas áreas da saúde, previdência e assistência social, conforme previsto no Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal, sendo organizada em Sistema Nacional, que é composto por conselhos setoriais, om representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e da sociedade civil.[3]”
A justiça social é o objetivo do Sistema Nacional de Seguridade Social, que para atingir essa meta, se vale de um conjunto integrado de estrutura e recursos capazes de institucionalizar este objetivo.
Obviamente, que muito poderia ser dito sobre Seguridade Social, em especial, sobre sua forma de gestão, organização, evolução histórica, entre outros, mas este não é o objeto deste estudo, servindo a presente definição apenas para contextualizar o real objeto estudado, qual seja, o Plano de Custeio da Seguridade Social.
2. DEFINIÇÃO DO PLANO DE CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL
Antes de definir a expressão Plano de Custeio, é importante analisar separadamente os vocábulos Plano e Custeio de forma individualizada para que possa identificar também o seu conceito a partir de elementos exógenos.
Plano no sentido da expressão analisada pode ter diversas acepções, mas a que preocupa este estudo é aquela relacionada à ideia de planejamento, ou elaborar uma estratégia para fazer algo. Já Custeio é uma expressão muito rica, mas neste sentido, é relativa a um método contábil utilizado para apuração e apropriação dos custos de um produto ou serviço, ou seja, ele é um instrumento importante que auxilia gestores e administradores a apurar os custos totais necessários para manter a produção de um produto ou de um serviço. Assim, a locução Plano de Custeio se revela como uma ferramenta estratégica para a correta administração da Seguridade Social, estabelecendo-se previsões reais de custos para a manutenção de todo o sistema a longo prazo, o que possibilita a busca de receitas que façam frente a estes gastos, mantendo o sistema em equilíbrio e garantindo o seu futuro.
Além disso, o Plano de Custeio da Seguridade Social consiste no conjunto de contribuições destinadas à manutenção da Seguridade Social, que deve levar em consideração a necessidade de manutenção do equilíbrio necessário para o pagamento de benefícios e prestação de serviços hoje e no futuro, analisando possíveis cenários econômicos e demográficos que possam influir no equilíbrio do sistema, a fim de identificar as medidas necessárias para o seu equilíbrio no longo prazo. O professor Miguel Horvath assim define Plano de Custeio:
“É um conjunto de normas que codificam as receitas, as quais deverão ser auferidas pelo sistema, que estabelecem o modo pelo qual essas receitas serão geridas. O plano de custeio nada mais é do que uma previsão do dispêndio do sistema de seguridade social.[4]”
Ainda, complementando a definição do referido professor, importante destacar aquilo que ensina o professor Wagner Balera que “Só existe verdadeira seguridade quando se sabe que o dia de amanhã está coberto pelo plano protetivo”[5], ou seja, o Plano de Custeio é aquilo que dá a certeza de que a pessoa que entrou hoje no sistema poderá dispor dos benefícios aos quais faz jus, no futuro, quando diante de uma contingência social coberta pela Seguridade.
Custeio não é mero financiamento e não visa o lucro, mas manter a Seguridade Social, sendo que o plano deve levar em consideração o equilíbrio atuarial do sistema.
O Plano de Custeio é, sobretudo, um instrumento apto a impor a manutenção em caráter permanente do necessário equilíbrio financeiro e atuarial da Seguridade Social a longo prazo, ao contrário, do Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, cujos aspectos de custeio da seguridade abrangem períodos mais curtos.
Apenas para fins de esclarecimentos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) serve para orientar a elaboração dos orçamentos fiscais e da Seguridade Social do Poder Público. Ela é de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo, sendo que, a Constituição não admite a rejeição do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Ela dá diretrizes a Lei Orçamentária Anual, fixando objetivos e metas da administração pública que são fixadas no Plano Plurianual.
O Plano Plurianual (PPA), também está previsto no artigo 165 da Constituição Federal, ao contrário do Plano de Custeio que é de longo prazo, é um plano de médio prazo, que, também, estabelece as diretrizes, objetivos e metas que devem ser seguidas pelo Poder Público, pelo período de quatro anos. Essa lei é quadrienal e é elaborada no primeiro ano de governo de cada Chefe do Poder Executivo, passando a ter vigência a partir do segundo ano de um governo até o final do primeiro ano do mandato seguinte, ou seja, guarda relação com o período de um mandato e se estende para o primeiro ano do mandato seguinte para garantir um tempo de transição para a nova equipe do Chefe do Poder Executivo, destinando-se a orientar a atuação do Governo em programas de duração continuada que já foram instituídos ou que vierem a ser constituídos na sua vigência. A fim de respeitar-se o Plano Plurianual o Governo deve seguir estritamente as diretrizes nele fixadas, dando preferência a investimentos contidos no plano.
O planejamento é essencial, pois permite identificar os objetivos e eleger os meios necessários para que eles sejam alcançados, pelo que, o Plano de Custeio deve orientar Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, de forma, que eles caminhem na direção de alcançar os objetivos lá definidos, sendo que este é um instituto de longo prazo, que deve se referir a previsões dos próximos 20 (vinte) anos pelo menos.
Nesse sentido, convém destacar a definição legal de Plano de Custeio contida no artigo 273 do Decreto n° 72.771/73 e no artigo 1° do Decreto n° 84.245/79:
“Art. 273 – O Plano de Custeio consistirá em um conteúdo de normas e previsões de despesas e receitas estabelecidas com base em avaliações atuariais e destinas à planificação econômica do regime e seu consequente equilíbrio técnico-financeiro. Ressaltam dessa definição as duas precípuas, finalidade do plano de Custeio: a planificação econômica do regime e a busca do equilíbrio técnico-financeiro.”
“Art. 1º – O Plano Plurianual de Custeio do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social é um conjunto de normas e indicadores apoiados em previsões de receita e despesa, calculados com base na experiência de riscos, na prestação de serviços e nas expectativas futuras de desenvolvimento do regime de previdência e assistência social, a cargo das entidades do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, tendo como objetivo orientar a programação econômica do sistema e assegurar o seu equilíbrio financeiro.”
Assim, essencialmente, o Plano de Custeio da Seguridade Social é um instrumento indispensável para a gestão da seguridade, sendo que o custeio é bancado de forma equânime por trabalhadores, empregadores e pelos entes federados (União, Estados e Municípios), por meio de contribuições diretas e indiretas diversas, de forma a não visar uma simples equivalência de receitas e despesas, mas de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do sistema no futuro e planificar a seguridade.
Importa destacar que a Lei n° 8.212/91 é apresentada como Plano de Custeio da Seguridade Social, contudo, faltam-lhe elementos para que assim possa ser reconhecida, pois trata-se de uma lei com um apanhado de contribuições que devem ser vertidas para a manutenção da seguridade, mas sem apresentar quaisquer critérios econômicos, demográficos ou atuariais que possam justificar a necessidade de receitas e que garantam a viabilidade financeira do sistema.
Portanto, Plano de Custeio envolve mais do que a simples previsão de gastos e receitas em um futuro próximo ou longínquo, exigindo um estudo das previsões econômicas e demográficas em diferentes cenários, fixando também metas que devem ser atingidas, de forma, a delimitar a necessidade de custeio futuro do sistema e garantir aos novos ingressantes que o sistema é confiável, equilibrado e continuará existindo no futuro para quando essa pessoa necessitar.
3. OBJETIVOS DO PLANO DE CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL
A Doutrina, o artigo 273 do Decreto n° 72.771/73 e o artigo 1° do Decreto n° 84.245/79, já citados acima, identificam duas finalidades precípuas do Plano de Custeio, quais sejam: a planificação econômica do regime e a busca do equilíbrio técnico-financeiro do sistema, que nada mais é do que traçar planos para que o sistema possa ser mantido por muito tempo.
Na Doutrina, vale citar trecho de lição do Professor Miguel Horvath Júnior sobre o tema:
“O Plano de Custeio consistirá em um conteúdo de normas e previsões de despesas e receitas estabelecidas com base em avaliações atuariais e destinadas à planificação econômica do regime e seu consequente equilíbrio técnicofinanceiro.
São fins do Plano de Custeio:
a) Planificação econômica do regime;
b) A busca do equilíbrio técnico-financeiro do sistema.[6]”
Planificação econômica neste sentido não se relaciona de forma estrita com a economia planificada das ditaduras socialistas do século XX, aqui a ideia de planificação não é fixar metas obrigatórias de produção com o controle absoluto dos meios de produção nas mãos do Estado, mas de orientar e estimular a economia para, de forma livre, buscar determinadas metas que possam garantir receitas futuras para a manutenção da Seguridade Social, através de previsões de gastos futuros com a manutenção do sistema. Ou seja, a ideia aqui é de estímulo a obtenção de resultados que garantam o financiamento da Seguridade Social e de estudo de previsões de receitas e despesas.
Em relação à busca do equilíbrio técnico-financeiro do sistema, não parece haver dúvidas de que o Plano de Custeio se presta a garantir, fundamentalmente, que a seguridade se mantenha em equilíbrio, planejando obtenção de recursos suficientes para atender à necessidade atual e futura de gastos, de forma, que as pessoas que hoje contribuem para a Seguridade Social possam ter a certeza de que poderão contar com ela no futuro, quando dela necessitarem, sem que isso signifique que sua operação deva gerar lucros ou prejuízos, inobstante, caiba ao Estado cobrir eventuais déficits do sistema com cotização para a seguridade de seu orçamento fiscal.
Enfim, os objetivos da planificação econômica e do equilíbrio atuarial do sistema se prestam a um objetivo maior que é garantir o bom funcionamento da seguridade e que o sistema possa ser autossustentável e, com isso, garantir sua existência para as futuras gerações, cumprindo ressaltar que sem previsão não existe proteção efetiva e que a falta de planejamento pode provocar distorções e desequilíbrios sistêmicos que podem comprometer sua viabilidade.
4. NATUREZA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA DO PLANO DE CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL
No que concerne à natureza jurídica do Plano de Custeio, convém inicialmente revelar que ele se destina à gestão da Seguridade Social, logo, revela-se que ele tem natureza de direito administrativo. No mesmo sentido, convém referir que normas de direito tributário referentes às contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade Social o compõem, pelo que outra natureza do Plano de Custeio é demonstrada, qual seja, natureza de direito tributário.
Ainda, analisando o referido instituto sob a ótica de arrecadação e gastos de recursos públicos, o Plano de Custeio deixa transparecer uma natureza de direito financeiro, mas, sobretudo, do ponto de vista dos direitos e garantias dos cidadãos, este instituto guarda uma natureza de Direito Constitucional e aos direitos sociais. Esta breve análise demonstra que o Plano de Custeio da Seguridade Social é um instituto complexo e com uma natureza heterogênea que obedece a princípios de diversas áreas do direito.
Quanto à natureza jurídica tributária, hoje em dia é certo que as contribuições sociais têm natureza de tributos, pelo que o custeio da seguridade é sim de natureza tributária e não constitui um fenômeno diverso, estando sua parafiscalidade adstrita ao direito tributário, tendo a Constituição Federal de 1988 encerrado a discussão sobre a natureza das contribuições sociais de uma vez por todas.
No que tange às relações jurídicas, duas merecem ser tratadas, eis que diretamente ligadas à seguridade, uma relacionada ao financiamento do sistema (receitas) e a outra ligada às prestações pagas pelo sistema (custos), obviamente, estas relações fazem re.
Na relação jurídica atinente a custeio, o Estado é identificado como o sujeito ativo, destinatário das contribuições sociais, ainda, que as contribuições sociais sejam destinadas à Seguridade Social, fazendo parte do orçamento parafiscal e não do fiscal, sendo os contribuintes (empregadores, segurados e entes federados) os sujeitos passivos. Nessa relação a subsunção de um fato à hipótese de incidência dá início ao dever de pagar as contribuições sociais.
Já na relação jurídica relativa às prestações da Seguridade Social, os beneficiários é quem são os sujeitos ativos e o Estado o sujeito passivo, ocorrendo uma inversão dos polos. Nesta outra relação, o dever de prestar um benefício se inicia com a ocorrência de um risco social protegido, havendo um beneficiário e, desde que ele o requeira.
Ainda, por se tratar de uma relação jurídica de natureza tributária deve-se ter em mente que os princípios de direito tributário são aplicados ao Plano de Custeio, como a legalidade, a anterioridade, nesse caso a nonagesimal, isonomia, entre outros, mas principalmente, por tratar-se também de uma relação de direito da Seguridade Social, é necessária a aplicação de princípios próprios da seguridade, sobremaneira importantes no que concerne o custeio, como a necessidade de planejamento, a regra da contrapartida, diversidade da base de financiamento e equidade na forma de participação no custeio, como se verá adiante.
5. PRINCÍPIOS DO PLANO DE CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL
Como referido acima, conquanto sua natureza seja complexa, estando o Plano de Custeio ligado às áreas do direito tributário, administrativo, financeiro, constitucional e social, ele se pauta pelos princípios jurídicos inerentes a estes ramos, entre outros princípios, podem ser citados a necessidade de planejamento, anterioridade, legalidade, etc.
Contudo, o presente estudo não fará uma alargada análise de todos os princípios orientadores do Plano de Custeio, concentrando-se em três que podem ser considerados os principais como: Regra da Contrapartida (entendido pelo professor Wagner Balera como uma regra e não um princípio, mas considerada neste estudo, para fins didáticos, como princípio, conquanto sua função seja orientar o Plano de Custeio); equidade na forma de participação do custeio e; diversidade da base de financiamento.
Porém, é preciso deixar claro que estes princípios não chegam perto de esgotar a orientação do instituto, mas serve como corte epistemológico para limitar o objeto deste estudo, já que o tema atinente a princípios jurídicos é extenso e precisaria ser explorado com muito mais profundidade em um estudo maior e mais complexo, talvez voltado exclusivamente aos princípios que orientam o Plano de Custeio da Seguridade Social.
5.1. Regra da Contrapartida
A regra da contrapartida é expressa no artigo 195 e, mesmo em se tratando de uma norma que fixa um guide para o sistema da Seguridade Social, ela é uma regra constitucional que não pode ser relativizada. Por essa regra se define que para cada benefício ou serviço deve haver uma correspondente fonte de custeio, sendo que o sistema deve ser mantido em equilíbrio, sem objetivar lucros ou ter prejuízos. Assim, ao aumento de uma despesa social deve corresponder o aumento de uma receita, sendo o inverso também verdadeiro. Esse é o texto constitucional da regra da contrapartida:
“Art. 195 (…)
§ 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”
Apesar desta diretriz vir explicitada pela Constituição Federal de 1988 e estar fora do rol de objetivos da Seguridade Social que constam no artigo 194 da Carta Magna, este é um princípio inerente ao ideal de qualquer sistema de seguro social, pois através dele é que se determina que os legisladores fixem metas e estipulem fontes de recursos suficientes para custear o sistema de seguridade e, de outra forma, não se poderia conceber um sistema de proteção social com natureza de seguro. Neste ponto, importante ressaltar importantes lições do professor Wagner Balera:
“Conquanto não tenha sido inscrita no elenco inicial dos objetivos da seguridade social, temos considerado a diretriz estabelecida pelo art. 195,§5°, que cognominamos regra da contrapartida, como sendo esse guide que. A certa altura da evolução da proteção social brasileira foi necessário explicitar. (…)
A regra da contrapartida, acrescentada como §2° ao art. 157 da Constituição de 1946 pela Emenda n° 11, de 31 de março de 1965, faz parte do ideário básico sem o qual seria de todo inconcebível qualquer sistema de proteção que tivesse buscado inspiração no modelo alemão do seguro social. Por conseguinte, sempre esteve implicitamente, pelo menos, presente em nosso direito constitucional positivo.
Ninguém poderia supor que o ordenamento jurídico autorizasse o descompasso entre metas a serem atingidas e recursos disponíveis.[7]”
Quando o professor Balera chama a contrapartida de regra e não de princípio, não quer desmerece-lo perante outras normas de caráter principiológico constitucionalmente explícita, mas o contrário, quer garantir sua supremacia para o correto funcionamento do sistema de seguridade, evitando, que tal regra pudesse ser flexibilizada perante outra regra ou princípio, assegurando o seu lugar verdadeira garantia da seguridade, é o que diz Balera “A restrição imposta pela regra da contrapartida funciona assim, como garante do sistema”[8].
O verdadeiro alcance da regra da contrapartida é de verdadeira limitação constitucional ao poder do legislador de criar benefícios populistas sem que haja viabilidade econômica que o garanta, ou ao contrário, permitir que um tirano exija contribuições sociais cada vez maiores, sem retribuir em benefícios para aqueles que necessitem da seguridade, por isso, essencial para o Plano de Custeio da Seguridade Social, que deve se manter em equilíbrio econômico-financeiro.
Ainda, da regra da contrapartida decorre o princípio do direito administrativo e financeiro, que compõem a natureza deste sistema, qual seja, o princípio da necessidade de planejamento.
Desvios de receitas da Seguridade Social, sejam através da Desvinculação das Receitas da União (DRU), Encargos Previdenciários da União (EPU) ou outras autorizações legislativas são violações à regra da contrapartida, comprometendo o equilíbrio do sistema previsto no Plano de Custeio, cujo objetivo é garantir às próximas gerações que a Seguridade Social é um sistema sólido e vantajoso do qual vale a pena fazer parte e contribuir.
5.2. Equidade na Forma de Participação no Custeio
A equidade na forma de participação no custeio, outro princípio essencial que dirige as normas atinentes ao Plano de Custeio da Seguridade Social, advém da aplicação dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva no Direito Previdenciário, sendo um princípio expresso na Constituição Federal. Por ele se define que quem tem melhores condições econômicas contribuirá mais para o custeio do sistema e quem pode menos contribuirá menos, de forma a se respeitar as desigualdades entre as pessoas e não serem as contribuições sociais um novo fator de iniquidade social. O professor Wagner Balera assim define esse princípio:
“A necessária congruência estrutural entre isonomia e equidade, exige ponto de equilíbrio entre a capacidade econômica dos contribuintes e o esforço financeiro que, dele e dos poderes públicos, será cobrado para a constituição do fundo comum de proteção social.
Aplicado o critério em comento, esse meio indispensável para a concretização da seguridade – a forma de participação no custeio – não pode propulsionar ou agravar as desigualdades sociais que, como fatores de risco, a ordem econômica acaba criando.
Em suma, a regra ordena que o legislador, ao produzir a norma de custeio, atue com o propósito indireto de reduzir as desigualdades, mediante a prudente e adequada repartição dos encargos sociais.[9]”
Este princípio está expresso entre os objetivos da Seguridade Social estipulados no artigo 194 da Constituição Federal:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (…)
V – eqüidade na forma de participação no custeio;”
Os princípios da isonomia e da capacidade contributiva são próprios do direito tributário e merecem uma breve análise, conquanto formem o princípio da equidade na forma de participação no custeio.
Isonomia, também denominado princípio da igualdade, neste contexto, analisado sob a ótica do direito tributário, que é a que importa para o Plano de Custeio, cabe aduzir que, ele está expresso no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, que limita textualmente o poder de tributar dos entes federados no que tange a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, sendo proibida, ainda, qualquer distinção em razão de profissão ou atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.
Aqui dois aspectos merecem destaque: (1) proibição de tratamento desigual entre contribuintes e; (2) que esse tratamento desigual não ocorra na para contribuintes em situações equivalentes. Pelo princípio da isonomia tem-se que contribuintes em situações iguais devem ser tratados de modo igual, contudo, é admitido o tratamento desigual entre contribuintes em situação desigual como forma de se respeitar as diferenças entre eles, restituindo-lhes à condição da igualdade.
No que tange à capacidade contributiva, este princípio é indissociável da própria noção do princípio da isonomia, conquanto, a capacidade econômica do contribuinte é justamente uma das situações que permite o tratamento desigual entre as pessoas (importante salientar que o tratamento desigual deve se prestar a diminuir as desigualdades entre os contribuintes e não para acentuar suas diferenças ou garantir privilégios injustos). Por este princípio se estabelece que: "Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte", consoante se extrai do texto do artigo 145, §1°, da Constituição Federal. Ao legislador, quando da criação de contribuições sociais devido ao princípio da equidade na participação do custeio, compete, na medida do possível, estabelecer tributos com alíquotas diferenciadas e progressivas, que respeitem a situação particular de cada contribuinte, permitindo com isso que seja realizada a justiça tributária ao não exigir imposto acima do suportável, exigindo-se mais de quem possui mais recursos e menos de quem tem menor capacidade econômica.
Em outras palavras, como já visto, tratando-se a equidade na forma de participação no custeio da exata expressão dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva (próprios do direito tributário) na Seguridade Social, significando verdadeira medida de justiça social que deve orientar o sistema, pelo que se cobrará maiores contribuições sociais para aqueles que tem mais capacidade econômica e que causem maiores despesas à seguridade.
5.3. Diversidade na Base de Financiamento
Outro princípio expresso no artigo 194 da Constituição Federal e que é fundamental para a orientação do Plano de Custeio da Seguridade Social é a diversidade na base de financiamento, expresso na Carta Magna da seguinte forma:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (…)
VI – diversidade da base de financiamento;”
Por este princípio tem-se que a Seguridade Social deverá ser financiada por uma larga base de recursos provenientes de toda a sociedade, em especial, trabalhadores, empregadores e o Estado. Dele decorre a regra constitucional que define a competência da União para identificar novos signos de riqueza para poder instituir novos tributos que possam contribuir para a manutenção do sistema da Seguridade Social. Assim, ele se expressa sobre dois aspectos: um objetivo (diversidade de contribuições sociais) e outro subjetivo (toda a sociedade é chamada a contribuir para a seguridade). Assim o professor Wagner define esse princípio:
“Do ponto de vista objetivo, o princípio impõe a diversificação dos fatos que gerarão contribuições sociais.
Em perspectiva subjetiva, o comando exige consideração das pessoas naturais, ou jurídicas que serão chamadas a verter contribuições …
A diversificação só ganhará pleno sentido se operar mediante adequação do esquema de custeio à evolução das atividades econômicas, identificando novos signos de riqueza que se integrem à cópia dos preceitos de financiamento e apreendendo fenômenos relevantes para a mais equitativa distribuição dos encargos entre todos os atores sociais.[10]”
Os trabalhadores são chamados a financiar a Seguridade Social pagando contribuição previdenciária sobre os frutos do seu trabalho, ou no caso dos contribuintes especiais ou produtores rurais, pagando uma parte sobre o faturamento da produção agrícola. Já os contribuintes facultativos podem contribuir sobre o valor que queiram declarar, sempre respeitando o piso e o teto da Previdência Social.
Os empregadores são obrigados a verter contribuições sociais sobre o faturamento/receita (Cofins, PIS/PASEP), sobre o lucro (CSLL) e sobre a folha de salários (GILRAT, Contribuição Previdenciária e Contribuição Adicional da Aposentadoria Especial).
Ainda, pelo princípio da diversidade na base de financiamento da Seguridade Social, cabe ao Estado o dever de contribuir para o sistema, tendo a função de cobrir eventuais rombos da seguridade, no que se convencionou chamar de financiamento indireto da Seguridade social, bem como, compete à União instituir novas contribuições sociais necessárias para o custeio da seguridade, além de caber ao Estado repassar à seguridade parte das receitas dos concursos de prognósticos e contribuição sobre a importação de bens e serviços.
A finalidade da diversificação na base de financiamento da Seguridade Social é evitar frustração de receitas em razão de problemas na atividade econômica no país, atribuindo, ainda, competência para a União buscar novas fontes de receitas neste caso, pelo que, a diversidade é outra garantia necessária para o correto funcionamento da seguridade.
CONCLUSÃO
Como visto, o Plano de Custeio da Seguridade Social é um extenso e complexo tema, muito caro importante para a estabilidade deste sistema de proteção social, sendo que o presente estudo trouxe algumas conclusões importantes que devem ser reafirmadas.
A primeira conclusão é que Plano de Custeio não é um amontoado de normas que regulamentam contribuições sociais, como pode levar a crer o texto da lei n° 8.212/91, mas muito mais que isto, ele é, sobretudo, um conjunto de normas e indicadores que devem se apoiar em previsões de receita e despesa, calculados com base na experiência de riscos, na prestação de serviços e nas expectativas futuras de desenvolvimento da Seguridade Social.
Uma segunda conclusão importante é que o Plano de Custeio tem como objetivo a planificação econômica do sistema e o seu equilíbrio econômico-financeiro, como forma de garantia que o sistema é autossustentável e estará saudável quando aquele que hoje contribui para o pagamento dos benefícios de quem necessita, poderá contar com a proteção social quando dela necessitar.
De forma singela, respeitando o formato do presente trabalho, ele demonstrou a complexidade do tema em estudo, demonstrando a importância do instituto do Plano de Custeio da Seguridade Social para o sistema, bem como mostrando que um plano bem elaborado e fundamentado em estudos econômicos realistas permitem que o sistema seja constantemente ajustado para garantir seu correto funcionamento no futuro, certamente, sem pretender esgotar um tema tão longo e complexo.
Advogado e Mestrando em Direito Previdenciário pela PUC-SP
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