Poder constituinte controlador

Resumo: O presente artigo gravita acerca dos limites operacionais de manifestações de soberania em uma perspectiva democrática que conduz a uma visão atual e uma tendência de relativização da soberania em prol dos direitos humanos; a metodologia adotada foi a bibliográfico, do tipo qualitativo. [1]

Palavras-chave: Poder constituinte controlador; Direitos humanos fundamentais; Mitigação da soberania.

Abstract: The present article gravitates concerning the operational limits of sovereignty manifestations in a democratic perspective, behaving to a current vision and a tendency of mitigation of the sovereignty on behalf of the human rights. 

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Keywords: To can controlling representative; Fundamental human rights; Sovereignty.

Sumário: Introdução. 1. Soberania – do conceito, fins e seus limites operacionais numa perspectiva democrática. 2. Poder constituinte controlador. 2.1. Fundamento. 2.2. Do conceito, da titularidade e da legitimidade. 2.3 momentos de manifestação. 2.3.1. Guerra civil. 2.3.2. Guerra internacional. 2.3.2.1. Legítima defesa. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O poder constituinte controlador é a expressão suprema da humanidade, que reflete os anseios de toda comunidade internacional e, dado a sua natureza, é de titularidade da humanidade, consoante se depreende da composição do órgão que o exerce – o Conselho de Segurança da ONU – cujas vistas volta-se a dirimir conflitos de grandes proporções que, direta ou indiretamente, atinge toda a comunidade mundial. No entanto, o modo pelo qual se compõe o Conselho de Segurança é motivo de relutância em admitir a atuação de tal poder, posto a ocupação perpetua de cinco vagas e a imprescindível anuência dos membros permanentes para tomar decisões atinentes a questões relevantes.

O Estado se identifica através de uma constituição estabelecida pelo poder soberano – que revela o nível de amadurecimento intelectual e moral do homem em face das instituições –, a qual o protege de eventuais ingerências em face dos outros Estados. Se for assim, como justificar a eficácia e efetividade do poder constituinte controlador, uma vez que se abstém perante a soberania dos Estados? Tal abstenção se ausenta quando se verifica atuação espúria e contrária a sua essência. Ademais, o Direito moderno está voltado aos interesses superlativo da humanidade, o que evidencia o inter-relacionamento entre os Estados em prol de otimizar arquétipos universais de direitos humanos, sem, contudo, olvidar os fatores históricos/sociais e competência de cada comunidade.

Tendo presente a vital necessidade de readequação do ideário de soberania a uma concepção na qual se molda a nova tendência de proteção dos direito fundamentais, o presente estudo dedica sua primeira parte a perquirir, de forma concisa e adotando a metodologia de pesquisa qualitativa, do tipo bibliográfico, os limites operacionais de manifestação da soberania em uma perspectiva democrática no contexto contemporâneo. Em outro momento elucubra-se pontos referentes a guerras civis e internacionais, que constituem objeto deste estudo.

1. SOBERANIA – DO CONCEITO, FINS E SEUS LIMITES OPERACIONAIS NUMA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Neste item, será esboçado conceitos iniciais, sem os quais tornar-se-á inviável a compreensão do presente estudo. Nesse passo, analisaremos inicialmente o conceito e a finalidade da soberania, para, adiante, adentramos no mérito do artigo: essência do poder constituinte controlador. Senão vejamo-los.

Denominou-se de soberania o poder que não reconhece outro superior a si, e, por isso mesmo, considerado supremo e independente, do ponto de vista externo (em relação aos outros poderes é insubordinável) e interno (com relação às personalidades que interagem no seu interior): summa potestas[2] (JELLINEK, 2000, p. 432). Para Miguel Reale, esse poder é outorgado ao Estado para se organizar juridicamente e, nos limites dos fins éticos de conveniência, fazer valer, dentro do seu território, a universalidade de suas decisões.

Por essa forma, o poder soberano funciona, no plano externo, como garantia protetiva ao seu detentor, impedindo que os demais poderes soberanos atuem tolhendo a sua liberdade de escolha na busca por seus fins, impondo-lhe decisões e, conseguintemente, subordinando-o a sua vontade. No plano interno, a soberania opera como fonte de equilíbrio entre os poderes, na medida em que evidencia sua superioridade aos demais poderes interno, inibi-os e mantém a estabilidade das relações em seu interior e, insurgindo conflitos internos, equaciona-os.

A soberania, pois, é entregue legitimamente ao Estado que na pessoa do seu representante busca um complexo de meios e condições nobres e condignas que promoverá a dignidade, autonomia e liberdade da pessoa humana, assegurando a paz, liberdade, segurança, justiça, em síntese: o bem comum. Se, porém, esses ideais se ausentam, deve-se reprimir, em parte, radicalmente o conceito de soberania – como queria Hans Kelsen. Suprimir não significa subtrair soberania de um determinado Estado por outro (s), senão relativizá-la como meio corretivo do Estado infrator, viabilizando intervenção em proveito do povo que se encontra em situação de fragilidade em face da maquina estatal.

Diante disso, nota-se a fundamental função da soberania: “manter o equilíbrio entre os poderes e assegurar a consecução dos fins estatais”, pois a competição pelo poder quando não forem cuidadosamente administradas, pode gerar instabilidade que, casualmente, tomarão feição de crise constitucional, e esta, em seu turno, poderá ocasionar o rompimento do equilíbrio constitucional e, de consequência, trazer grande onerosidade aos direitos fundamentais e as instituições.

2. PODER CONSTITUINTE CONTROLADOR

2.1 Fundamento

“O assunto é inteiramente novo está ainda por achar a definição da lei… (J.J Rousseau apud CRUET, 1908, p ???)”

Com o término da Segunda Grande Guerra, cuja violência atingiu intimamente toda a humanidade, onde milhões de vidas deixaram de existir, mudando toda sociedade e cultura, sobretudo, o modo de ver o mundo, o homem e sua capacidade destrutiva atroz “que desafiam a imaginação e chocam profundamente a consciência da humanidade”, e, por outro lado, reconheceu-se o valor, a dignidade da pessoa humana: inerente e indissociável de todos os membros da família humana, fundamento de toda a sociedade, instituições e da própria Constituição; valor este inalienável, sustentáculo da liberdade, justiça e da paz no mundo, ponderando “essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito,” constituiu-se a ONU, organismo de vocação universal, tendo por finalidade assegurar a paz e o equilíbrio universal – levando em conta “que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade”, “decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla”[3] –, preservando ou prontamente restabelecendo a paz (por meio de manifestação do poder controlador), intervindo, quando já existente, em conflitos de grandes proporções entre os Estados ou entre este e o seu povo.

Portanto, fundamenta-se, o poder constituinte controlador, em um sentimento humanitário comum, compartilhável e cultuado entre os Estados, voltado a preservar a paz, mormente a pessoa humana, ou findar, quando existente, guerra civil ou guerra entre os Estados-pátria. Ressalte-se que, na atualidade, é tema recorrente a agenda dos Estados assuntos concernentes à soberania; já se elucubram “questões em torno da adequação da soberania estatal diante das transformações no panorama mundial estão levando ao surgimento de novas interpretações dos princípios e normas vigentes desde a formação do moderno sistema de Estados” (RODRIGUES, 2000. p. 1.), pois as manifestações de soberania, em uma perspectiva democrática, nos reporta a uma visão contemporânea e uma tendência de relativizá-la em prol dos direitos humanos, redefinindo, em última análise, o papel das instituições estatais em face do homem e reforçando e contribuindo a efetivação do poder controlador.

2.2 Do conceito, da titularidade e da legitimidade

É o poder de editar resoluções com vista a dirimir conflitos de grandes proporções. Vê-se, portanto, que o poder constituinte controlador é a expressão suprema da humanidade, que reflete os anseios de toda a comunidade internacional e, por sua natureza, é de titularidade da humanidade, uma vez que, apesar do Conselho de Segurança ser integrado por cinco membros permanentes (além de outro membros que ocupa vagas transitórias), sua manifestação revela os interesses supremo da humanidade em buscar a paz e estabilidade nas relações entre os Estados, e entre este e o seu povo. Manifesta-se com o Conselho de Segurança da ONU, assumindo forma de resoluções, podem ter por conteúdo determinações interventivas militares, missões de paz, ou de cunho econômico.

Ocorre, porém, que o modo pelo qual se compõe o Conselho de Segurança é motivo de relutância em admitir a atuação de tal poder, posto a ocupação permanente de cinco vagas (Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Rússia) e a imprescindível anuência dos membros permanentes para tomar decisões atinentes a questões relevantes (intervenção militares, por exemplo), o que restringe, de certa forma, a titularidade do poder controlador; no entanto, tem-se proposta no sentido de expandir o Conselho de Segurança, consubstanciada na criação de novas cadeiras, haja vista que não mais reflete fielmente a realidade dos membros da ONU. Portanto, a tendência é a ampliação do órgão que ostenta o poder controlador, o que significa ampliação da sua titularidade.

2.3 Momentos de manifestação

É impossível alcança um resultado jurídico cientificamente aceitável, se se ignora inteiramente o conteúdo das relações da vida. A jurisprudência ou a construção jurídica não pode perder a visão desse conteúdo, pois, do contrário, se abastardaria da escolástica, isto é, naquela diretriz do pensamento e da especulação que cria um mundo de noções sem realidade, de formas sem substancia, de resultados sem valor”. (Jellineck apud HUNGRIA; FRAGOSO, 1976. p. 107).

Em dois momentos pode se manifestar o poder controlador, quais sejam: a) caso de guerra civil e b) guerra internacional.

2.3.1 Guerra civil

Podemos conceituar guerra civil como sendo o conflito armado, ou não, no interior de um Estado; pode ser entre o povo e o governante ou somente entre determinados grupos, abrangendo todo o território estatal ou apenas parte dele.

Pois bem. Nos países em que se adota o regime político democrático, o titular do poder é o povo; vigora o princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder emana do povo, (como diz à Constituição Federal brasileira no parágrafo único do art. 1°). Corroborar que o poder pertence ao representante do povo, independentemente como ele é investido no poder, é despir de liberdade decisória o titular de tal poder: o povo.

Certo é que as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, dotadas de razão  e consciência para escolher o regime pelo qual irão ser governadas, sendo, portanto, inadmissível quem quer que seja se assenhorar de um dado povo impondo decisões incompatíveis com os interesses da comunidade, submetendo-os a um regime não querido, tampouco proveitoso para o desenvolvimento do Estado e de seus habitantes.

Nesse contexto, uma situação digna de nota emerge com a atual realidade da Síria, onde perdura uma violenta guerra civil que tem proporcionado milhares de mortes.

Nesse caso, como se chegar a uma conclusão precisa acerca do culpado sobre a fatídica situação bélica? Ou, ainda, como resolver tal conflito, pode a comunidade internacional intervir nesse ‘Estado soberano’? Quando o povo se rebela contra o seu representante (e não contra o Estado) – como sucede na Síria, aconteceu no Egito etc. –, tal manifestação não se funda em meros caprichos que tentam abalar a ordem pública causando instabilidade no governo, mas, ao contrário, nas insatisfações que floresceram ao longo do governo, quer seja pela inaptidão administrativa ou pelo descumprimento da vontade popular manifestada em ações excedente ao âmbito de competência para o qual fora investido na função, ou em ações ilícitas que desrespeitam os direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão.

Nessa perspectiva, a Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 21°, o direito de resistência, segundo o qual “todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. Nota-se, pois, que advindo, por parte do poder público, violações a direitos, liberdades e garantias, pode o ofendido resistir a elas; tais violações podem da causa a uma guerra civil quanto, estas, desrespeitarem direitos, liberdades e garantias da coletividade, que casualmente poderá repeli-la mediante o uso da força, uma vez que tais violações provêm do poder público, logo se torna impossível recorrer a este para que faça cessar as referidas violações que dele advém. Portanto, a própria Constituição portuguesa legitima, implicitamente, hipótese em que o povo pode, excepcionalmente, iniciar uma guerra civil, exigindo-se, para tanto, que esteja presente os quesitos do artigo 21°, e que a violação seja proveniente de autoridade pública.

Com maestria Kelsen observa que

“Os revoltosos não dizem da sua ação guerreira que ela se dirige contra o Estado, mas sim que apenas se dirige contra o governo de então; quer dizer, não atribuem o padecimento do mal, que essa sua atuação causa aos indivíduos, ao Estado. Mas o governo contra o qual, no dizer dos insurretos, a ação revolucionária é dirigida e que – enquanto detiver o controle efetivo – é o governo legítimo que representa o Estado, considerará esta atuação, em conformidade com a linguagem de muitas leis penais, como “antiestadual”, quer dizer, como dirigida contra o Estado” (KELSEN, 1998. p. 271.).

Ora, se se considera ‘antiestadual’ – ainda com base na lição de Kelsen – leis que legitimam o povo (sua própria fonte de validade, portanto) a resistir contra o Governo que contraria os princípios gerais de justiça, a dignidade da pessoa humana e outros valores que sustenta a convivência harmônica no seio da comunidade, não há de se levar em consideração como ilegal tal manifestação, uma vez que o governo é do povo, “é governo das leis e não dos homens (Mc Ilwain)” (TAVARES, 2012, p. 24); significa dizer, em outras palavras, que a atuação do governante estar adstrita à Constituição, que esboça suas competências e delineia o

âmbito de sua atuação. E sim assim não era, devido à forma de governo (monarquia, por exemplo), pode o povo reclamar a qualquer tempo alterações em tal regime, o que significa manifestação de democracia, para que o homem não seja compelido, como último recurso, a rebelião contra a tirania da sua própria pátria. Pode-se dizer, dessarte, que o sentimento constitucional insurge, revelando amadurecimento do Estado-constitucional nas reivindicações sociais que, neste momento histórico, clama por rechaçar com a ordem presente, criando um novo Estado e uma nova Constituição que corresponda com a novel realidade, vinculando, satisfatoriamente, todo um povo as suas disposições.

Muito significativa é a advertência de Hobbes (p. 61), quando aduz que os atos e decisões que são praticados em nome do povo, devem ser havidas como destes, posto que o pacto os obrigue a tal reconhecimento. Assim, “cada homem conferiu a soberania àquele que é portador de sua pessoa, portanto se o depuserem estarão tirando-lhe o que é seu, o que também constitui injustiça” (HOBBES, p. 62). A referência diz respeito à Monarquia.  A Primeira assertiva confirma a soberania popular, manifesta indiretamente por meio do seu representante, concretizando a vontade popular. No entanto, não se verifica a transferência de responsabilização do administrador para o povo, quando de maneira espúria, ou manifestamente extrapole, na sua atuação, a abrangência de sua competência. Diga-se de passagem, que a problemática reside no caso do representante do povo incorrer em infração, alegando não ter perpetrado e não renunciar ao poder e o povo, ou ao menos uma parcela do povo, constatá-la e como consequência ocasiona uma guerra civil. Em todo caso, o Conselho de segurança sempre intervirá; sucede, no entanto, que a mencionada intervenção é burocrática e tardia, e nesse meio termo, violações impetuosas acontecem à dignidade da pessoa humana, ultrajando os direito e garantias fundamentais. Volta-se, então, transitoriamente a um estado de inexistência de um tribunal apto a exercer sua jurisdição ‘sem fronteira’ a fim de equacionar, “em tempo hábil”, o conflito.

Nessa sentido,

se algum ou mais de um deles pretender que houve infração do pacto feito pelo soberano quando de sua instituição, e outros ou um só de seus súditos, ou mesmo apenas ele próprio, pretender que não houve tal infração, não haverá nesse caso qualquer juiz capaz de decidir a controvérsia. Volta portanto a ser a força a decidir, e cada um recupera o direito de se defender por seus próprios meios, contrariamente à intenção que o levara àquela instituição”. (HOBBES, p. 62)

Nesse ponto final, do ensinamento acima, é que jaz a legitimidade de manifestação desse movimento revolucionário – revolução do povo direcionada ao seu Representante –, pois, como visto, o Estado possui um fim que o norteia no desenvolver de suas atividades meios para a consecução da promoção, realização da pessoa humana que é o fim do Estado, sob pena do povo insurgir contra o Representante, que dá causa a ruptura dos objetivos, buscando fins estranhos a natureza da instituição.

Apesar da existência do Tribunal Penal Internacional no presente, nada do disposto, no Estatuto de Roma, “deverá ser entendido como autorização a um Estado Parte para intervir, em uma situação de conflito armado, nos assuntos internos de outro Estado” (preâmbulo do referido estatuto). Desse modo, tem-se um prolongamento da composição do conflito, que fica condicionado a deliberações dos membros que compõe o Conselho de Segurança; considera-se aprovada a resolução que obtiver os cinco votos dos membros permanentes e, além disso, de mais quatro Estados que ocupe cadeiras transitórias. Assim, pois, se um membro permanente discrepar do conteúdo que constitui objeto da resolução, votando contra a sua aprovação, arquiva-se o projeto. A abstenção de um membro permanente, porém, não equivale a veto e, por consequência, não põe fim à proposta de resolução, que poderá ser aprovada se obtiver quatro votos positivos dos demais membros permanentes e mais quatro dos membros que ocupa vaga transitória.

Segundo Immanuel Kant

“enquanto esta luta interna não se dê por terminada, a interferência de potências extrangeiras seria uma violação dos direitos de um povo independente que combate uma enfermidade interna; seria, inclusive, um escândalo e colocaria em perigo a autonomia de todos os Estados” (sic) (KANT, 2006, p. 65.).

Vê-se, então, que na visão clássica, prima facie, inexiste juiz competente a por fim ao conflito (Hobbes) ou possibilidade de intervenção de outros Estados nos assuntos internos de outro (Kant).

Toda a problemática aloca-se em questões concernentes a soberania. Na visão clássica, “a soberania é o poder absoluto e perpetuo de uma República”[4], ou, em uma visão mais recente, tem-se uma ideia basilar de um poder que se opõe a outros poderes (JELLINEK, 2000, p. 405), transparecendo um ideário de independência e supremacia de um poder político ou jurídico (REALE, 2000, p. 156).

Hodiernamente, já não se concebe a soberania em termos absolutos. Parece prevalecer uma compartilhação de soberania entre os Estados, evidenciando cessão, bastando, para isto, um fato grave que a fundamente: desrespeito e violação diuturna aos direitos fundamentais do homem por parte daqueles que deveriam buscar o bem comum etc. Nessa linha pode ocorrer que, de modo voluntário, o Estado abra mão de parcela, da qual é titular, de soberania. Isso se verifica, por exemplo, com o Brasil que, ao se submeter à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (CFB/88 art. 5°, § 4°), permite que este exerça sua jurisdição, complementada pela sua. “Em seu âmago, o Estatuto contém disposições que certamente enfraquecerão a soberania daqueles que o absorvam”(TAVARES, 2012. p. 564.). Os fins a serem perseguidos justifica tal medida, uma vez que se busca a proteção aos direitos fundamentais.

Desse modo, constatado guerra civil em um determinado Estado, que esteja trazendo onerosidade exacerbada aos direitos fundamentais, e caso este não seja signatário de tratados internacionais que legitime uma eventual intervenção, haverá, indubitavelmente, deliberações sobre a contenda e medidas circunspectas há de serem tomadas. Se, por ventura, houver medidas interventivas, estas não configurará ingerência ilícitas, posto que os direitos fundamentais  do cidadãos estão sendo violados gritantemente. Por isso faz-se mister que haja consenso entre os Estados-pátria, intentando uma harmonia entre o povo e o Estado e entre este e os demais Estados. Doutro lado, mesmo não se aderindo – o (s) Estado (s) – a tratados internacionais que visam à proteção dos direitos humanos fundamentais, e verificado transgressão de grande proporção que viole, hostilizando a dignidade da pessoa humana, o Conselho de Segurança da ONU tomará parte e pós-sapientes ponderações optará pela intervenção, ainda que tarde. Diz, nesse episódio, que a intervenção é involuntária.

Nesse caso, o Conselho de Segurança da ONU edita resoluções que, no mais das vezes, se tornam inócuas, quer seja pela ineficácia burocrática ou para que haja uma possível intervenção, no Estado-transgressor, é necessário que haja tratados internacionais que os permitam, para que, assim, haja intervenção de outros Estados; de outra forma, os Estados se absterão de recorrer à ameaça ou ao uso da força contra a integridade  territorial ou a independência  política de qualquer Estado, como estabelece o Estatuto de Roma. Não obstante, essa adesão e o disposto no referido Estatuto, nada deverá ser entendido como autorização a um Estado Parte para intervir, em uma situação de conflito armado, nos assuntos internos de outro Estado.

Observa-se, portanto, tratar-se de medida excepcional, visto o entrelaçamento imprescindível entre questões que torna legítimo a manifestação do poder controlador e a gravidade, in concretu, do conflito, figurando sempre, e sem exceções, como ultima ratio.

2.3.2 Guerra internacional

Existindo controvérsias irredutíveis entre os Estados, que rejeitam soluções pacíficas e não chegam a um acordo, fruto de um consenso, tem-se lugar a guerra.

Pode-se definir guerra, em linhas gerais, como o conflito armado entre grupos políticos que buscam proteger interesses nacionais, mediante o emprego de violência contra o oponente, visando submetê-lo a sua vontade. O Fim da guerra, portanto, é a satisfação imediata de um interesse em detrimento de outro. Nesse contexto, o poder constituinte controlador funciona como poder cogente que impõe uma solução jurídica, diplomática e pacífica ao conflito, respeitando a soberania dos Estados envolvidos no conflito, mas, no caso concreto, relativizando-a em benefício dos direito humanos.

Como dissemos, em linhas atras, a guerra reflete interesses supremos ou não de um dado Estado, que busca satisfazê-los. Todavia, indaga-se: esses interesses estatais refletem fielmente os interesses do povo? Acreditamos que sim, porém, eis outra pergunta: a opção pela guerra corresponde a vontade popular? Partindo do pressuposto que a resposta seja negativa, ganha lugar a seguinte obsevação: se a guerra não é desejada pelo povo porque ela acontece? Os motivos são mais políticos. Em todo caso, nunca é demais lembra as consequências draconianas que dela provém.

Historicamente falando, houve diversos conflitos armados na humanidade, onde a comunidade internacional, inicialmente, os consideravam lícitos, justos, ainda que não o fosse; bastava o soberano indicar os motivos – e motivos não faltavam – que justifacasse a guerra, e assim iniciava a guerra “justa”, “lícita”, regida pela lei do mais forte, uma vez que inexistia o direito internaiconal para regulamentar as relações entre os Estados. Os Estados vencidos eram subjugados pela vontade do vencedor, e, no mais das vezes, eram escravizados.

No transcurso do tempo, a mentalidade humana foi-se amadurecendo, e apatir deste momento, passou-se, os beligerantes (chefes militares), a proteger as vítimas e não mais vilipendiar a dignidade humana, amenizando, pois, com os efeitos da guerra, mediante a celebração de tratados internaiconais que objetiva prevenir eventuais conflitos. Porém, esses acordos não traziam obrigatoriedade e eram desrespeitados com frequência pela ausencia se sanção.

Só com o término da primeira Grande Guerra mundial cogitou-se instituir um organismo com função preventiva e repreensiva aos conflitos internacionais. Em 1919, o presidente americano, Woodrow Wilson, editou um documento que o denominou de os 14 pontos de Wilson, com a fialidade de criação de um Liga de Nações, cujos fins era evitar novas guerras, e que as nações que foram vencedoras das guerras preteritas não punisse de modo desusmano e austeros os povos derrotados, pois o principal receio de Wilson era o perigo dos Estados humilhados se vingarem posteriormente e novamente ocasionar uma nova guerra.  Em 28 de junho do referido ano, ocorreu na França a selebração do Tratado de Versalhes; criou-se a Liga de Nações.

O periodo entre-guerras (de 1919 a 1939) foi caracterizado pela decadência das democracias, que nos ultimos anos enfraquceram, e pela crise do capitalismo e, também, pela ascessão dos Estados totalitários, tanto de esquerda (como o stalinismo da União Sovietica), quanto de direito (como o facismo na Itália e o nazismo na Alemanha). Tal situação foi preponderante para desencadear o maior conflito que já existiu na humanidade: Segunda Guerra Mundial, onde mais de cinquenta milhoes de vidas deixaram de existir, evidenciando a ambição do homem pelo poder e o desprezo pelo bem que maior valor foi-se atribuido: a vida.

Nesse senário, a humanidade se viu obrigada a unir-se, instituindo-se a ONU, com o proposito de manter a paz no mundo e contribuir para que os Estados mantenham relações amistosas, e

considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, […], considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão” da sua própria pátria, foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum: a Declaração Universal dos Direitos Humano (preâmbulo da citada declaração).

“Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns, de que suas culturas configuram um patrimônio comum e observando com preocupação que esse delicado mosaico pode se romper a qualquer momento, Tendo presente que, neste século, milhões de crianças, mulheres e homens têm sido vítimas de atrocidades que desafiam a imaginação e chocam profundamente a consciência da humanidade, reconhecendo que esses graves crimes constituem uma ameaça para a paz, a segurança e o bem-estar da humanidade, afirmando que os crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional em seu conjunto não devem ficar sem castigo e que, para assegurar que sejam efetivamente submetidos à ação da justiça, cumpre adotar medidas no plano nacional e fortalecer a cooperação internacional, decididos a por um fim à impunidade dos autores desses crimes e contribuir assim para a prevenção de novos crimes, recordando que é dever de todo Estado exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacionais”, institui-se o Tribunal penal Internacional (preâmbulo do Estatuto de Roma).

Nota-se, nesse contexto, que o direito internacional passou por uma reavalização axiológica que o reestruturou, manifestando-se, agora, com propostas de paz dirigidas a assentar à estabilidade entre os Estados, cuidando a ditar normas de conduta cujo conteúdo esteja voltado a solução pacífica dos conflitos.

2.3.2.1 Legítima defesa

O direito internacional moderno fundamenta-se, mormente, na Carta das Nações unidas, aprovada em São Francisco em 26 de junho de 1945. A referida Carta proibe o uso da força pelos Estados, determina, em seu artigo 2º/4, que os membros da Organização se absterão de recorrê-la ou de fazer ameaças em suas relações internacionais.

A legitima defesa é o direito outorgado ao Estado que estar sofrendo ataque armada, para, valer-se dos meios proporcionais e necessários, fazer cessar agressão. Por esse modo, surge para o Estado-vítima o direito de repelir a agressão injusta, enquanto o Conselho de segurança não se manifesta ou em caso de omissão deste órgão. De qualquer forma, são condições para o uso da legitima defesa: indiscutível impossibilidade de reagir por outros meios; uso proporcional e moderado da força; respeito à dignidade da pessoa humana e ao direito humanitário; durabilidade do usa da força determinada pela agressão, ou seja, cessando a agressão cessa o uso da força; e intervindo o Conselho de Seguraça com medidas suficientes deve-se por termo ao emprego da força. Ressalte-se, por fim, que a agressão armada tem que ser prévia e comprovada, não se admitindo legítima defesa preventiva (artigo 51 da Carta das Naçõs Unidas).   

O direito de legítima defesa é, pois, um ponto relevante que enfatiza a manifestação e eficácia do poder constituinte controlador. Isso porque o uso da força é poder ‘exclusivo’ do Conselho de Segurança, e se consubstancia em resoluções que permite, inclusive, o uso da força coletiva contra o Estado-infrator (artigos 24 e 25 da Carta), enfocando cogentemente aptidão a dirimir conflitos de dimensão elevadissímas, como são as guerras: sejam elas internacionais ou civis.

CONCLUSÃO

O poder constituinte controlador, revestido de um sentimento humanitário comum, instrumentaliza-se em função da preservação do equilíbrio entre as diversas nações e, inclusive, da própria sobrevivência humana, visto que com o avanço da tecnologia o homem construio para si mecanismo com capacidade destrutiva imensurável. Para comprovar a assertiva que veio de se aduzir, basta notar a segunda grande guerra mundial, primeira bonba a ser lançada e milhões de vidas ceifadas.

Vê-se uma nova fase pelo qual a humanidade estar passando e, dado a isso, uma nova remodelação do direito, onde se verifica uma inter-relação entre o direito interno e a ordem internacional, buscando, na omissão ou falha de um, ser complementado pelo outro. Essa evolução se dá, sobretudo, pelo reconhecimento do valor, dignidade da pessoa humana, que outorga aos cidadãos, sem quaisquer distinções, direitos e garantias humanas fundamentais, passando a ser protegidos em nivel internacional, alçados suprassumos: Declaração Universal dos Direitos do Homem, criação de um Tribunal Internacional para julgar crimes contra a humanidade, e diversos tratados internacionais que versam sobre o tema. Essas disposições passaram a inspirar os diversos ordenamentos jurídicos do mundo, de tal forma que restou uma parcela diminuta de Estados que não os incorpou, adotando uma linha de valores inertes que clamam por evolução.  

A soberania tema tão complexa e por demais estudada por diversas áreas do saber, hoje analisada por um primas mais suave que permite concluir que sua principal função é a proteção daquele Estado que a ostenta, para esboçar metas e buscar a satisfação dos interesses nacionais, ganha contraste ameno, relativa. Isso porque não se tem notícias de direitos que sejam tidos por absolutos; direitos tem natureza declaratória, diz o que se pode fazer nos limites das regras jurídicas. Quando excede os limites legais e do bom senso de justiça do homem mediano, se põe a adentro da zona obscura do ilícito, e deveras, pois, a soberania não pode ser invocada para a prática de atos ilícitos, tampouco como meio idôneo a atenuar a responsabilidade criminal ou civil do Estado transgressor; não serve de invólucro que obsta a atuação corretiva do poder controlador.

 

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Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Acácio Pereira da Silva. Advogado e professor de direito na Universidade Estadual do Piauí – UESPI e da Faculdade do Cerrado Piauiense – FCP.
[2] Por outro lado, a soma de vontade popular que exprime um fim a ser perseguido como meio de realização dos interesses e das necessidades humana, denomina-se soberania popular.
[3] Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos dos Homens. Nesse sentido, iniciou-se, por meio de um processo de colaboração mútua e contínuo entre os Estados, a readequação do sentido de Constituição a uma concepção humanitária, fruto da troca de experiências, conhecimentos, informações e valores entre os Estados, formados gradativamente, prol da formulação/otimização de arquétipos universais que protejam os direitos fundamentais humanos (sem, contudo, olvidar os fatores históricos/sociais e competência de cada comunidade), informadores dogmático constitucional, que uma vez reunidos: tem-se uma verdadeira Constituição.
[4] BODIN, Jean. Lex Six Livres de la République, Livro I, Capítulo VIII, p. 179, apud RISCAL, Sandra Aparecida. O conceito de soberania em Jean Bodin: um estudo do desenvolvimento das idéias de Administração Pública, Governo e Estado no século XVI. Campinas: [s.n.], 2001. Disponível na World Wide Web em http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000225862.

Informações Sobre o Autor

Leonardo Sérgio Cesar Lopes Moreira Rosa

Acadêmico de direito na Universidade Estadual do Piauí UESPI


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Equipe Âmbito Jurídico

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