A instituição família é, desde seus primórdios, a célula principal de toda e qualquer sociedade. Muitos pesquisadores afirmam que ao analisar as relações familiares, suas condições sócio-econômicas, as formas de sua sobrevivência, estará sendo realizada uma análise da própria sociedade em que esta família está inserida. Sendo reflexo nítido da humanidade, essa importante instituição social deve receber uma considerável atenção por parte do Estado, através de suas políticas públicas, definindo as prioridades familiares, as atividades sociais e as medidas (urgentes e a longo prazo) para satisfazer as necessidades e carências da família.
O vigente Código Civil, em seu art 1630, disciplina o poder familiar. Mas o que é isso? Antigamente denominado de poder pátrio, é o dever e o direito dos pais sobre seus filhos, em todos os aspectos, sempre com o intuito de proporcionar a estes o mais adequado para sua manutenção e formação enquanto cidadãos.
Maria Helena Diniz[1] realça a importância e a necessidade da existência desse poder familiar, in verbis:
“Esse poder conferido simultânea e igualmente a ambos os genitores, e, excepcionalmente, a um deles, na falta do outro (CC, art. 1.690, 1ª parte), exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advém de uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo sua pessoa e seus bens”.
As características principais do poder familiar são:
· Caráter público, ou seja, o Estado irá fiscalizar esse poder-dever dos pais para que seja realmente efetivado com distinção. Podendo até mesmo interferir nessa esfera privada.
· Irrenunciabilidade.
· Inalienável ou indisponível
· Imprescritível
· Existência de duas relações recíprocas: poder de mando pelos pais e dever de obediência da prole.
Duas das principais obrigações do poder familiar estão expressamente previstas no inciso primeiro do art. 1634 do mencionado diploma legal: criação e educação. Entende-se por criação não só a manutenção econômica da prole, mas, e principalmente, seu desenvolvimento pessoal como um todo, ou seja, a formação de sua personalidade, sua base afetiva, convívio social digno, estado de saúde indispensável para fruição de todos os direitos constitucionalmente previstos e etc. Já a educação faz referência tanto à formação tradicional (escola – profissão), como à formação e ao desenvolvimento dos princípios humanos necessários para a construção de uma personalidade sadia que saiba conviver e resolver os conflitos que, por ventura, depare em sua vida.
Entretanto, não é isso que está estatisticamente e visivelmente presente na realidade brasileira. Muitas famílias estão se desfacelando na pobreza, vivendo, quase sempre, em condições subumanas. Assim, nessa barbárie social, os filhos ficam, infelizmente, desamparados em todas as formas e intensidades, precisando, até mesmo, sair de sua hipossuficiência natural e desempenhar o papel econômico que é peculiar dos genitores: sustento da família.
Mas o que o Estado pode fazer quando uma situação inadmissível como esta é considerada comum? Será que essa situação é restrita à esfera privada, ou seja, afeta somente essa determinada família? Não há sua repercussão social? O Estado deve e pode interferir de algum modo para modifica-la?
O ordenamento jurídico considera o poder familiar um múnus público. Quando o particular não conseguir desempenhar ou desempenhar de forma inapropriada tal função cabe ao Estado interferir para adequá-la aos preceitos constitucionais. Há, portanto, a invasão da esfera privada pela pública, mas com o escopo de resguardar a primeira. Fato este que é muito questionado pela sociedade.
O Poder Judiciário também questiona essa invasão. Existem dois posicionamentos. O primeiro é a favor. Defende-se que se a criação do Estado é para resguardar parcelas dos direitos individuais que não prejudiquem o coletivo. Como o menor de idade está na fase de formação e precisa de assistência e amparo de seus responsáveis, quando estes não conseguirem prestar tal ajuda, o Estado deverá lhe proporcionar meios para substituir o poder familiar originário. Vejamos uma jurisprudência:
O fato de a mãe dos menores ser pobre, em situação de miséria, não justifica que trate os filhos com desleixo e extrema desídia, faltando aos cuidados básicos e essenciais à própria sobrevivência dos menores, donde o cabimento da destituição do pátrio poder, porque melhor atende aos interesses dos menores (TJMS – Ap.10000.067767/0000-00 – Segredo de Justiça – 3ª T. – j. 14.03.2001 – Rel. Des. HA,Ilton Carli – RT 791/333).
Há jurisprudência a favor, já que, sendo a família instituição base da sociedade, cabe somente a ela tal dever. O Estado deve, entretanto, lhe proporcionar as necessárias condições para exercer essa poder familiar em conformidade com os preceitos legais. E não, tira-lo, já que seria uma perda irreparável para o menor. Vejamos uma jurisprudência, in verbis:
Pátrio poder – Destituição – Inadmissibilidade – Falta ou carência de recursos materiais que não é suficiente para a adoção da medida – Imaturidade anterior para assumir a maternidade que não deve ser usada contra a mãe, mormente se existe entre a criança e a genitora natural vínculo afetivo (TJSP – Ap. 50.680-0/3-00 – Segredo de Justiça – Câmara Especial – j. 20.7.2000 – Rel. Des. Álvaro Lazzarini – RT 783/258).
Diante da importância da família no Estado, o Brasil lhe atribuiu importância constitucional, senão vejamos:
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
A Constituição Brasileira enumera os deveres e direitos inerentes ao poder familiar, in verbis:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Destarte, é obrigação estatal auxiliar a promoção do poder familiar em toda sua íntegra, tanto de forma indireta, ou seja, proporcionando condições para que os próprios pais exerçam com efetividade tal poder familiar, como de forma direta, desenvolvendo políticas públicas eficazes nessa área social.
Não pode, portanto, o Estado ficar alheio aos problemas que a família enfrenta no seu cotidiano, pois eles refletem a ineficiência estatal na promoção do bem-comum. O desenvolvimento de políticas públicas nessa área se torna essencial e inadiável para que não se prolifere a insegurança e o descontentamento por parte dos cidadãos em relação ao Estado, que paulatinamente se fragiliza e torna-se obsoleto aos olhos da população.
Advogada, formada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR e mestranda em Políticas Públicas e Sociedade da UECE
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