Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo Inverso: Análise Sobre A Possibilidade De Indenização Por Danos Morais Pela Ausência De Cumprimento Do Dever Constitucional De Cuidado Dos Filhos Em Relação Aos Pais

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Victor Souza Da Silva – Acadêmico de Direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail: [email protected]

Marcelo Antunes Santos – Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Direito Público pela PUC/MG. Professor Temporário do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: [email protected]

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo analisar a possibilidade de reparação por danos morais nos casos de abandono afetivo inverso, caracterizado nas hipóteses em que os filhos abandonam os pais em momento de vulnerabilidade, como na velhice, enfermidade e carência e outras hipóteses onde a assistência é necessária para garantia da dignidade dos pais. Para desenvolvimento do tema foi utilizada a pesquisa bibliográfica com estudo de autores da área jurídica que tratam da temática em apreço, de julgados dos Tribunais Superiores e publicações de artigos de renome sobre o mesmo tema. Considerou-se que o abandono afetivo não ocorre somente nos casos paterno-filial, mas também na omissão da conduta dos filhos maiores em relação aos pais. Nesta relação, possível responsabilidade civil surge pela violação de dever de cuidado entre familiares, gerando dano psicológico e emocional. A partir dessa análise, levanta-se a seguinte pergunta problema: há possibilidade de aplicação do dano moral nos casos de abandono afetivo dos filhos em relação aos pais em situação de velhice, carência e enfermidade? O tema discutido nesse artigo é de especial relevância do ponto de vista social e jurídico, porém ainda pouco discutido no ordenamento jurídico, o que reafirma a importância do seu estudo em busca de uma solução jurídica a pergunta problema então suscitada.

Palavra-chave: Abandono afetivo inverso. Danos Morais. Responsabilidade Civil.

 

Abstract: The present work aimed to analyze the possibility of reparation for moral damages in cases of inverse emotional abandonment, characterized in the hypotheses in which the children abandon their parents at a time of vulnerability, such as in old age, illness and lack and other hypotheses where assistance is provided. necessary to guarantee the dignity of the parent. For the development of the theme, bibliographic research was used, with the study of authors from the legal area who deal with the subject under consideration, judges from the Superior Courts and publications of renowned articles on the same theme. It was considered that affective abandonment occurs not only in paternal-filial cases, but also in the omission of the conduct of older children in relation to their parents. In this relationship, possible civil liability arises for the breach of duty of care among family members, generating psychological and emotional damage. From this analysis, the following question arises: is there a possibility of applying moral damage in cases of affective abandonment of children in relation to parents in old age, neediness and illness? The topic discussed in this article is of particular relevance from a social and legal point of view, but still little discussed in the legal system, which reaffirms the importance of its study in search of a legal solution to the problem question then raised.

Keyboard: Reverse affective abandonment. Moral damages. Civil responsability

 

Sumario: Introdução. 1. Família e o dever recíproco de cuidado entre pais e filhos. 2. Da responsabilidade civil: conceito. 3. Do dano moral e responsabilidade civil 4. Do abandono afetivo. 5. Da responsabilidade civil por abandono afetivo inverso: conceito e entendimento do superior tribunal de justiça. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

Introdução

No contexto da sociedade atual não é mais preciso ter uma relação sanguínea para se constituir uma família, mas sim que haja afeto entre os membros do conjunto familiar envolvidos em um campo mútuo de afeição e solidariedade, independentemente de sua formação estrutural (seja uniparental, homoafetiva, pluriparental).

Partindo dessa ideia, o presente trabalho visa desenvolver a temática do abandono afetivo inverso, que se manifesta no âmbito do direito de família nas hipóteses em que os filhos abandonam os pais na velhice, carência, enfermidade e outras situações de vulnerabilidade.

Insta salientar que o assunto em debate é tratado de forma cautelosa considerando que os tribunais pátrios e doutrina ainda se encontram em fase de debate jurídico sobre os contornos para se configurar o dever de indenizar nas hipóteses de abandono afetivo dos filhos em relação aos pais.

O abandono afetivo ocorre nos casos em que uma pessoa, mesmo tendo o dever de cuidar deixa de cumprir com tal obrigação, fato que gera danos ao sujeito vítima de abandono. Essa prática já é bastante comum e conhecido no relacionamento paterno-filial, nos casos em que os pais abandonam seus filhos menores, abstendo-se dos deveres de criar e educar os filhos e contribuir assim para a formação de sua personalidade.

Ocorre que, a Constituição Federal no artigo 229 prevê a garantia de uma proteção integral num dever de assistência mútua, tanto dos pais em relação aos filhos e dos filhos com relação aos pais, seja na velhice, na carência ou na enfermidade.

Desse modo, a responsabilidade civil surge a partir do momento em que o filho descumpre ou se omite quanto ao seu dever de cuidado e amparo em relação ao pai, gerando danos a esse último.

Do abandono afetivo pode advir o dever de indenizar, conforme enunciado do IBDFAM, que preleciona que “A reparabilidade do dano encontra respaldo legal (CC 952 parágrafo único), uma vez que atinge o sentimento de estima frente determinado bem”.

No entanto, para se chegar à conclusão com respaldo jurídico quanto à existência de ato ilícito nestas hipóteses é necessário identificar a presença dos pressupostos da responsabilidade civil, analisando o nexo causal da conduta do agente e do dano sofrido e suportado pela vítima, no caso, os pais.

O estudo será baseado no método dedutivo, viável e adequado para analisar o objeto da pesquisa, pautado em pesquisa bibliográfica e análise do entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a temática sob análise. A abordagem do objeto desta pesquisa jurídica é necessariamente qualitativa, porquanto o pesquisador pretende se valer da bibliografia pertinente à temática em foco.

 

  1. Família e o dever recíproco de cuidado entre pais e filhos

Desde os tempos remotos, quando o ser humano começava a se estruturar em sociedade o núcleo familiar era constituído de forma patriarcal e hierarquizada, instituído por intermédio de convenção matrimonial heteronormativo, pois era o meio aceitável socialmente. A família naquele contexto caracterizava-se como sendo uma entidade eminentemente patriarcal.

Esse modelo de constituição familiar perdurou por muito tempo até a chegada da Revolução Industrial, no que a partir de então foi necessária mão de obra para atender as demandas decorrentes do sistema capitalista e consequente modelo de produção vigente. Com isso a mulher foi introduzida no mercado de trabalho e o homem deixou assim de ser a parte única integrante do mercado de trabalho.

Toda essa alteração do formato na estrutura familiar teve seu início quando as famílias começaram a migrar do campo para as cidades e passaram a conviver em locais menores, permitindo assim uma maior aproximação entre os membros e a formação de vínculos afetivos mais consistentes.

Nesse sentido, a prevalência do afeto tornou-se prestigiado na relação de seus integrantes, valorizando assim não somente o afeto decorrente da relação matrimonial, como também entre pais e filhos, independentemente de vinculo sanguíneo.

Nessa perspectiva, Maria Berenice Dias (2016, p. 48) aduz que “a valorização do afeto deixou de se limitar apenas ao momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família”.

A família tornou-se um meio de contato e inserção no meio social e no âmbito interno um conjunto de pessoas que se interagem, gerando princípios e costumes, bem como impactando a vida de seus membros.

Partindo-se da existência do vínculo afetivo, surgiu então no campo institucional a obrigação de solidariedade entre as figuras da família.

Nesse sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 229, previu a garantia de uma proteção integral num dever de assistência mutua dos pais com relação aos filhos e dos filhos com relação aos pais, seja na velhice, na carência ou na enfermidade.

O referido dispositivo expressa o dever da solidariedade recíproca entre os integrantes da família e a proteção da dignidade humana dos membros, não se limitando em casos de laços biológicos, mas visando principalmente os vínculos afetivos existentes.

Sendo a solidariedade um dos principais elementos constitutivos do conceito constitucional da família, o auxílio mútuo entre seus membros garante a subsistência e o padrão de vida de seus integrantes. Assim o dever de cuidado não é somente material, quanto aos alimentos entre pais e filhos, mas também nas prestações afetivas, visando uma satisfação em sentido mais amplo que o material.

Como um dever que obriga e ao mesmo tempo garante todos os polos e contribui para efetivação de direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, o assunto é de extrema relevância no campo direito de família, vez que se relaciona a efetividade do direito à dignidade dos sujeitos envolvidos, no caso em apreço, dos pais em situação de fragilidade.

O princípio da solidariedade tem a sua essência prevista no texto constitucional de modo de imperiosa a análise sobre os efeitos da quebra deste princípio/dever no campo da responsabilidade civil.

 

  1. Da responsabilidade civil: conceito

A palavra “responsabilidade” vem do latim spondeo, e era atribuída ao devedor nos contratos verbais na época do direito romano. O estudo desse instituto é imprescindível para entendimento de como a responsabilidade civil pode se configurar nas relações familiares no âmbito do direito de família.

A responsabilidade civil se classifica primordialmente em contratual ou extracontratual. A primeira delas surge pelo descumprimento de um dever inserido em um determinado contrato. A extracontratual ou aquiliana, por sua vez, é aquela que decorre da violação em decorrência de um dever previsto em um preceito normativo.

Assim, as condutas praticadas e as atividades desenvolvidas que ultrapassam o limite de observância da lei, podem causar prejuízos econômicos ou moral a alguém que tem o bem juridicamente protegido, Carlos Alberto Gonçalves (2012, p. 21) diz que configuraria responsabilidade civil:

 

“Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.”

 

Nesse sentido, a conceituação da responsabilidade civil está relacionada com esse dever de reparação em virtude dos danos sofridos. No entendimento de Flavio Tartuce (2017, p. 327) “a responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida”.

Assim o dano sofrido pela vítima poderá recair sob a outra pessoa, surgindo à obrigação de reparar esse prejuízo causado, tornando-se um dever jurídico.

No entanto, para que o dano seja reparado faz-se necessário observar a incidência dos pressupostos do dever de indenizar, quais seja: a conduta, resultante de dolo ou culpa, um dano suportado pela vítima e o nexo de causalidade entre da conduta do agente e o dano.

A responsabilidade civil surge, portanto, quando determinado sujeito comete um ato ilícito em face de outrem, dando ensejo ao dever de indenizar.

Ato ilícito, nos dizeres de Flavio Tartuce (2017, p. 329):

 

“[…] é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante da sua ocorrência, a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional. O ato ilícito é considerado como fato jurídico em sentido amplo, uma vez que produz efeitos jurídicos que não são desejados pelo agente, mas somente aqueles impostos pela lei.”

 

O ato ilícito tem a sua previsão ainda no artigo 186 do Código Civil de 2002 que o define da seguinte forma: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 51) “[…] quatro são os elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima”.

Para Flavio Tartuce (2017, p.339) “pode ser apontada a existência de quatro pressupostos do dever de indenizar, reunindo os doutrinadores aqui destacados: a) a conduta humana; b) culpa genérica ou lato sensu; c) nexo de causalidade; d) dano ou prejuízo”.

A conduta humana é o elemento constitutivo da responsabilidade do agente. Pode ser considerada como positiva, quando provocada por uma ação do indivíduo, gerando o dano diretamente à vítima, ou omissiva, quando o agente deixa de praticar determinado ato que evitaria o resultado dano.

Em matéria de responsabilidade civil, esta poderá ser subjetiva, quando a presença do elemento culpa do agente é fundamental para a configuração do ato ilícito, ou objetiva, em que a basta apenas a comprovação do dano e do nexo de causalidade do agente para que haja o dever de indenizar, nos moldes do que preconiza o artigo 927, §único, do Código Civil de 2002.

Segundo Flavio Tartuce (2017, p. 345) “o nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado –, e o dano suportado por alguém. ”

 

  1. Do dano moral e responsabilidade civil

De modo geral, não há que se falar de responsabilidade civil sem a ocorrência de dano, este que é elemento fundamental para a configuração do ato ilícito. Este dano poderá ser patrimonial (material) quanto extrapatrimonial (imaterial).

Nessa perspectiva, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 52) afirma que:

 

“Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido. O Código Civil consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização cabível. A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, aliás, sem objeto.”

 

O dano material é aquele que viola diretamente o bem juridicamente protegido do ofendido, no qual tem repercussão financeira, atingindo seu patrimônio e, portanto, mais facilmente mensurado o tamanho do prejuízo atingido. Este se divide em dano emergente, que diz respeito à perda do patrimônio já existente, e lucros cessantes que se refere àquilo que efetivamente se deixou de ganhar.

O dano moral ou extrapatrimonial é aquele que não está diretamente vinculado a um valor econômico suportado a vítima, ou seja, não é um prejuízo que pode ser inteiramente avaliado como o material. O dano moral está ligado a um dano causado no psicológico da pessoa, o qual pode afetar sua imagem, sua vida pessoal, seus pensamentos, sua rotina diária, abalo emocional muito grande.

A Constituição Federal prevê a possibilidade de indenização por dano moral em seu artigo 5º, incisos V e X:

 

Art. 5º Todo são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

V – e assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem;

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando a indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.

 

Por essa razão, o dano moral não possui um valor específico, mas o dano será mensurado de acordo com o sofrimento causado à vítima, sendo aplicado com o objetivo de que tal ato não seja mais cometido pelo agente causador.

Neste sentido, quando o agente comete ato ilícito e este vem a causar prejuízos à vítima, tanto de ordem econômica quanto de ordem moral, estando configurado o nexo de causalidade, haverá responsabilidade civil e dever indenizatório, de modo que será sempre atribuído um valor econômico, com o fim de reprimir atitude levada a efeito pelo causador do dano.

Assim, para a configuração da responsabilidade civil necessita dos três elementos, isto é, que o ato praticado atente contra a lei, que ocorra um liame entre o ato e o dano, e que este seja passível de indenização declarada pelo judiciário.

Cumpre destacar que o dano ocasionado pelo abandono afetivo dos pais por parte dos filhos é primordialmente extrapatrimonial, uma vez que está relacionado a uma lesão na esfera moral do indivíduo, que gera consequências na esfera jurídica. Deste modo, como se depreende dos argumentos expostos poderá ser estipulada indenização pelos danos que efetivamente venham a ser causados às vítimas (pais) em razão do abandono (negligência) praticados pelos filhos.

 

  1. Do abandono afetivo

As famílias se constituem e tem por base o afeto, amor, respeito e dever de cuidado entre seus membros. Todavia, quando esses deveres recíprocos são descumpridos por um dos integrantes, a relação não será mais mútua, o que pode gerar consequências jurídicas aos envolvidos.

O abandono afetivo está se tornando cada vez mais presente nas relações familiares, sendo muito comum nos casos paterno-filiais, quando os pais abandonam os seus filhos menores, não demonstrando interesse em dar continuidade na relação familiar, bem como ao se omitiremnos deveres jurídicos garantidos por lei, como o dever de sustento.

O presente estudo considera em sua análise os casos de abandono inverso, em que os filhos maiores descumprem suas obrigações perante aos pais nos casos na velhice, carência ou enfermidade, no momento de maior vulnerabilidade.

Conforme destacado alhures, quando se mostra inexistente o afeto e a se constata o abandono, resulta então em um ato ilícito de quem pratica, gerando um dano imaterial ou moral em favor a outra parte.

Nesse sentido, em se tratando do abandono afetivo, doutrina e legislação em vigor corroboram com o argumento de ser possível a indenização por danos imateriais em virtude do sentimento dispensado.

No entanto, deverá ser analisado no caso concreto se todos os elementos constitutivos da responsabilidade civil estão presentes, vez que a legislação não traz qualquer preceito normativo claro quanto à imposição do afeto e do amor dos filhos em relação aos pais ou mesmo dos pais em relação aos filhos.

Ademais, nada impede que seja considerado o princípio da proteção integral para que seja garantida a relação afetiva, conforme destaca Maria Berenice Dias (2016, p. 138) “O princípio da proteção integral impõe que sejam colocados a salvo de toda forma de negligência. Mas direitos de uns significa obrigações de outros. São responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias: a família, a sociedade e o Estado”.

 

  1. Da responsabilidade civil por abandono afetivo inverso: conceito e entendimento do superior tribunal de justiça

O artigo 229 da Constituição Federal trata do dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos, bem como o dever destes filhos de ajudar e amparar os pais na velhice. Por sua vez, o artigo 230 da Constituição Federal estabelece que este dever de proteção aos idosos, ultrapassa a família, sendo estendido ao Estado e à sociedade, a fim de garantir-se sua participação comunitária, defendendo-se sua dignidade e garantindo-se seu direito à vida.

Nesse sentido, a falta de cuidado pode ser considerada um ato ilícito, uma vez que flagrantemente infringe o disposto nos referidos dispositivos legais.

Dessa forma, constata-se que os pais nas condições de vulnerabilidades são amparados pela nossa Carta Magna, regida pelo princípio da solidariedade assegurando o seu bem estar, bem como nas as esferas afetivas. Esses direitos superam a esfera da assistência material ou econômica, englobando também, as esferas afetivas.

No entendimento de Maria Berenice Dias (2012, p 1.111) “quando se trata de pessoa idosa, chama-se de abandono afetivo inverso: o inadimplemento dos deveres de cuidado e afeto dos descendentes para com os ascendentes, conforme impõe a Constituição Federal em seu art. 229. ” Assim, destaca-se que existe o dever do filho de prestar o auxílio imaterial ou afetivo na convivência do âmbito familiar e na assistência de pais idosos.

Vale destacar que o Estatuto do Idoso chegou para reforçar as normas dando enfoque maior à pessoa com idade avançada, igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

No mais, tanto o Estatuto do Idoso quanto a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 têm como fundamento proteger a pessoa na velhice, carência e enfermidade no Brasil. No entanto, a legislação não está se renovando de acordo com a perspectiva da sociedade e não alcançando o preenchimento das lacunas que isso gera, aplicando-se analogicamente outros dispositivos do ordenamento jurídico, visando solucionar os conflitos surgidos no âmbito das relações humanas/familiares.

Os pais, nos presentes casos, são postos em situação de vulnerabilidade razão pela qual se justifica um tratamento especial pelo ordenamento jurídico, que assegure a progressão da personalidade e alcance as suas necessidades.

A dignidade da pessoa idosa deve ser vista priorizada, respaldada no respeito, de igualdade e nos deveres de cuidado dos filhos, como está evidenciado nos artigos 229 e 230 da Constituição Federal. O ordenamento jurídico pátrio mostra os meios capazes de fazer com que os idosos sejam inclusos na sociedade, sem qualquer discriminação, preservando os direitos fundamentais.

É nesse sentido que o enunciado nº 10 do IBDFAM, dispõe que “é cabível o reconhecimento do abandono afetivo em relação aos ascendentes idosos”. Assim, tem-se que o cuidado é um dever de viés imaterial, inclusive, necessário para a estruturação psíquica e também ao atendimento das necessidades dos idosos.

Voltando-se a jurisprudência pátria, insta destacar que o Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que é cabível a indenização por danos morais, em razão do abandono afetivo. Vejamos:

 

Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 1.159.242/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.24.04.2012, DJe 10.05.2012).

 

Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos filhos. Chamamento da outra filha para integrar a lide. Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso.

– A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária, porque é conjunta. (grifo nosso)

– A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil. (grifo nosso)

– O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3º), assegura celeridade no processo, impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos.

– A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores (art. 12).Recurso especial não conhecido.(REsp 775.565/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2006, DJ 26/06/2006, p. 143)

 

Portanto, restando configurada a prática ilícita de abandono afetivo por parte dos filhos capazes, ao privarem os pais do direito de serem visitados, de ser constantemente acompanhado, o abandono afetivo inverso em sentido lato, é possível a reparação civil por danos morais à luz da legislação pátria e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

 

Conclusão

Diante de todo o exposto, o abandono afetivo inverso é um problema social com efeitos jurídicos que afligem a sociedade e ofende direitos constitucionalmente assegurados.

Conforme restou sedimentado, a falta de cuidado mostrou-se um ato violador ao princípio da dignidade da pessoa, podendo gerar danos físicos e psicológicos aos pais na velhice, na enfermidade ou na carência, nos termos caracterizados no artigo 229 da Constituição Federal.

Em decorrência das mudanças familiares houve a valorização do afeto, independentemente se os membros têm laços sanguíneos ou não. Ademais como restou expresso, não somente a falta de assistência material é apta a gerar danos, mas de afetividade pelos filhos, compreendendo-se como a falta de cuidado e zelo. Ademais, não havendo o vínculo afetivo também gera a impressão da desvinculação material, da não realização da obrigação jurídica imposta. E é nesse instante da violação em que o Poder Judiciário deve intervir para compensar o dano efetivado.

Nesse sentido, em resposta à questão problema que motivou o presente trabalho, chegou-se à conclusão de que é plenamente cabível a responsabilização em danos morais nos casos de abandono inverso, nos quais os filhos falham com seu dever de ajudar e amparar os pais na velhice, bem como na carência e no estado de enfermidade.

Nesse sentido pode ser citado o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do recurso especial 1.159.242/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi e recurso especial 775.565/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2006, DJ 26/06/2006, p. 143. O precedente voltado à conformação da temática relacionado ao abandono filio-paternal possui as mesmas premissas e analisam a questão chave da temática que é a valorização do afeto como bem jurídico apto a ensejar responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo inverso.

Assim, conclui-se, portanto que mesmo que a lei ainda seja omissa ao tratar especificamente sobre o presente tema, entende-se pelos levantamentos doutrinários e jurisprudenciais trazidos que é sim passível de reparação civil por danos morais quando incidente o abandono afetivo inverso, retirando a direito a solidariedade e fruição da afetividade paterno-filial, nos mesmos termos já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Taís Silva de.Abandono afetivo inverso: responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos. 2016. 65f. Trabalho de Conclusão de Curso(Graduação em Direito). Universidade de Santa Cruz do Sul. Disponível em: <https://repositorio.unisc.br/jspui/handle/11624/1489>. Acesso em 02 set. 2020.

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicado no DOU de 05.10.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 17 set. 2020.

______. Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741 de 1º de out. de 2003. Publicado no DOU de 05.10.1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm>. Acesso em 17 set. 2020.

 

______.Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 17 set. 2020.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

______. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

IBDFAM. Abandono afetivo pode gerar indenização. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em 06 set. 2020.

 

SILVA, Paula Lopes. Abandono Afetivo Inverso e o cabimento da obrigação de cuidado em contexto de abandono passado. 2019. 54f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Uberlândia, 2019. Disponível em: <https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/25957>. Acesso em 06 set. 2020.

 

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=abandono+afetivo+&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em 06 set. 2020.

 

TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F. Direito civil, v. 5: Direito de Família. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.

 

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