Resumo: No passado a família brasileira era regulada pelo Código Civil de 1916. Naquele tempo, a legislação só reconhecia e protegia a família oriunda pelo casamento. Após o marco constitucional de 1988, a Constituição Federal avocou o papel de lei fundamental da família e inseriu a união estável como entidade familiar. Assim, a união estável foi equiparada ao casamento para fins de proteção estatal. Contudo, o Código Civil de 2002 conferiu tratamento discriminatório ao companheiro na esfera sucessória, ao colocá-lo dentro de um patamar de inferioridade em relação aos direitos do cônjuge. O partícipe da união estável não foi tratado como herdeiro necessário e foi inserido no último lugar da Ordem de Vocação Hereditária, depois dos colaterais. Por afrontar a Constituição que prescreveu a pluralidade familiar, a proteção igualitária dos seus membros, e violar os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana e da vedação do retrocesso social, o regramento sucessório destinado aos partícipes da união estável é inconstitucional.
Palavras-chave: Sucessão. Equiparação. Companheiro. Cônjuge. Inconstitucionalidade.
Abstract: In the past the Brazilian family was regulated by the Civil Code of 1916. At that time, legislation only recognized and protected the family come by marriage. After the constitutional milestone of 1988, the Federal Constitution provocation the role of the fundamental law of the family and entered the stable union as family entity. Thus, the stable union was equated to marriage for purposes of state protection. However, the Civil Code of 2002 has given discriminatory treatment to the partner in succession sphere, by putting it inside an inferiority level in relation to spousal rights. The participant in the stable union was not treated as heir needed and was inserted in last place order of hereditary vocation, after the side effects. By tackling the Constitution prescription of the familiar plurality, equal protection of its members, and violation of the constitutional principles of equality, dignity of the human person and the seal of the legal regression, the succession regulation for members of the stable union is unconstitutional.
Key-words: Succession. Equalization. Partner. Spouse. Unconstitutional.
Sumário: Introdução. 1. O fenômeno constitucionalizante do direito privado e suas implicações no ordenamento jurídico brasileiro. 2. Novo conceito de família: o casamento e a união estável dentro de uma perspectiva constitucional. 2.1. Do casamento como entidade familiar. 2.1.1 Das características/requisitos do casamento no Código Civil de 2002. 2.2. Da união estável como entidade familiar. 2.2.1 Das características/requisitos para configuração da união estável no Código Civil de 2002. 3. Da sucessão do cônjuge e do companheiro antes e depois do código civil de 2002. 3.1 Breve resumo do direito das sucessões. 3.2 Sucessão do cônjuge. 3.2.1 Sucessão do cônjuge antes do código civil de 2002. 3.2.2 Sucessão do cônjuge depois do Código Civil de 2002. 3.2.2.1 Sucessão do cônjuge em concorrência com descendentes. 3.2.2.2. Sucessão do cônjuge em concorrência com ascendentes. 3.2.2.3. Sucessão isolada do cônjuge. 3.2.2.4. Direito real de habitação do partícipe do casamento. 3.3. Sucessão do companheiro. 3.3.1. Sucessão do companheiro antes do código civil de 2002. 3.3.2. Sucessão do companheiro depois do código civil de 2002. 3.3.2.1. Sucessão do companheiro em concorrência com descendentes. 3.3.2.2. Sucessão do companheiro em concorrência com outros parentes sucessíveis. 3.3.2.3. Sucessão isolada do companheiro e o problema da concorrência com o estado. 4. Ponderações sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do código civil à luz do direito civil-constitucional. 4.1. Tratamento discrepante: inconstitucionalidade do artigo 1.790 do código civil em uma perspectiva civil-constitucional. 4.2. Equiparação da união estável ao casamento: inexistência de superioridade entre as entidades familiares. 4.3. Violação dos princípios constitucionais. 4.3.1. Natureza jurídica dos princípios. 4.3.1.1. Da definição, características e funções dos princípios. 4.3.1.2. Da estrutura bidimensional do sistema jurídico constitucional. 4.3.2. Do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento jurídico da constituição federal brasileira: afronta a dignidade humana do companheiro pelo regramento sucessório. 4.3.3. Do princípio constitucional da isonomia: violação da igualdade entre os partícipes das entidades familiares. 4.3.4. Violação ao princípio da vedação do retrocesso social. 4.3.5. O princípio da afetividade. 4.4. Tentativa legislativa de mudança do regramento sucessório destinado ao companheiro: tentativas de equiparação de direitos. 5. Posição atual da jurisprudência: divergências jurisprudenciais acerca da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do código civil de 2002. 5.1. Julgados que sustentam a inconstitucionalidade do artigo 1.790. 5.2. Julgados que sustentam a constitucionalidade do artigo 1.790. 5.3. Posicionamento atual dos tribunais superiores. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade verificar a possível inconstitucionalidade do regramento sucessório conferido ao companheiro[1], na sistemática do Código Civil de 2002. A temática, objeto da presente investigação, tem fundamento no Direito das Sucessões, Livro V do referido código.
Nessa disposição normativa, constata-se que o legislador, ao nomear a ordem de vocação hereditária, não consignou de modo expresso o companheiro sobrevivente, mas tão somente o cônjuge supérstite. Registre-se, ainda, que a sucessão do companheiro vem disciplinada em artigo constante das disposições gerais, do Código Civil de 2002, cujo modo de concretizar-se segue regramento diverso do conferido ao cônjuge.
Desta feita, far-se-á uma comparação dos direitos sucessórios do cônjuge em relação aos do companheiro, sendo o ponto central deste trabalho demonstrar se a diferença de tratamento realizada pelo legislador ordinário possui validade constitucional.
O tema suscita grande interesse, principalmente, porque a constitucionalidade da normativa sucessória destinada aos partícipes da união estável se encontra em construção doutrinária e jurisprudencial, sem, contudo, haver até o presente momento, decisão definitiva. Reflexos dessa discussão já podem ser vistos no âmbito do Poder Legislativo, a exemplo de vários projetos de lei que estão em curso no Congresso Nacional com a finalidade de modificar o Direito Sucessório Brasileiro.
O trabalho se propõe a: a) Apresentar o fenômeno constitucionalizante do Direito Privado e suas implicações no Direito Sucessório; b) Analisar a ocorrência da violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da vedação do retrocesso social; c) Comparar a legislação sucessória dada ao cônjuge e ao companheiro, antes e depois do novo Código Civil; d) Verificar a ocorrência da equiparação constitucional das entidades familiares do casamento e da união estável; e) Apresentar o posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre o tema.
Inicialmente, explicar-se-á o fenômeno da Constitucionalização do Direito Privado, que passou a exigir do aplicador do direito a interpretação do Código Civil conforme a Constituição. Em seguida, apresenta-se o novo conceito de família estabelecido pela Constituição Federal Brasileira de 1988.
O item seguinte expõe às regras aplicadas a sucessão do cônjuge e do companheiro, antes e depois do novo Código Civil. Após isso, o item cinco (4), expõe uma possível violação dos princípios constitucionais e as teses de inconstitucionalidade da norma sucessória reservada ao companheiro.
No último item, verifica-se a posição atualizada da jurisprudência brasileira acerca da validade constitucional das normas sucessórias em estudo.
Por fim, nas considerações finais, será demonstrada a opinião do autor sobre a constitucionalidade da legislação vigente que regula o direito a herança das pessoas que vivem em união estável.
1. O FENÔMENO CONSTITUCIONALIZANTE DO DIREITO PRIVADO E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O Direito Civil teve o seu apogeu com o Estado Liberal, decorrente da Revolução Francesa que instituiu os burgueses como a nova realidade social. Nesse contexto, surgiu a reunião das leis no Código Francês de 1804 que colocou o direito civil como o centro da ordem jurídica[2].
As relações jurídicas no Estado Liberal fundava-se no patrimonialismo, individualismo e na liberdade econômica, objetivando evitar a interferência do Estado na autonomia privada, na liberdade e na propriedade dos indivíduos, que naquele tempo tinha conotação de direito natural e absoluto2.
Foi atribuída a ideia de completude, autossuficiência e centralidade do direito civil em relação às outras fontes do direito, como se dentro do código estivesse todas as repostas para os fenômenos sociais. Essa ideia de completude fortaleceu a divisão, já conhecida, entre o Direito Público e Privado, que colocava o direito público responsável apenas para solucionar as questões relativas ao Estado e sua organização, cabendo ao Direito Privado todas as outras questões relacionadas aos interesses individuais[3].
Reproduzindo esse comportamento, o direito civil era colocado numa posição de prevalência e superioridade em relação à Constituição3.
O Código Civil Brasileiro editado em 1916 reproduziu as mesmas ideias do Estado Liberal, colocando a preocupação com a proteção ao patrimônio do indivíduo em detrimento a pessoa. Desta feita, em relação aos contratos prevalecia à autonomia da vontade e a liberdade negocial, pouco importando a justiça contratual[4].
O Direito à Propriedade tinha status de sacralidade e inviolabilidade, garantido ao senhor da coisa o exercício do seu direito de propriedade de forma absoluta. Dentro do Direito de Família encontrava-se uma estrutura patriarcal, consagrada pela discriminação no tratamento entre homens e mulheres, cônjuges e companheiros. O casamento como única forma de constituição de família, centrado nas questões patrimoniais em detrimento das relações de afetividade e solidariedade[5].
Porém a partir do século XX a supremacia do direito privado começou a sofrer influências da ideologia do Estado Social, que transmitia valores de justiça social e distributiva, o qual passou a dominar o cenário mundial. O Estado Social, no plano do direito, segundo Paulo Lôbo, é:
“Todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil[6] […]”.
As mudanças econômicas e sociais ocorridas tanto na Europa como no Brasil, (principalmente a partir da Constituição Brasileira de 1934) levaram a flexibilização do conceito de autossuficiência do direito privado[7] e provocou uma demanda social para a intervenção do Estado nas relações privadas por meio de normas especiais e constitucionais que valorassem a dignidade da pessoa humana, em contrapartida da proteção ao individualismo e patrimonialismo defendido na ideologia liberal[8].
Como consequências da influência da ideologia do Estado Social sobre as relações privadas encontra-se a quebra da centralidade do Código Civil, o aparecimento de várias leis especiais regulando matérias de cunho multidisciplinares, abarcando temas independentes, como o Direito do Consumidor e o Direito ao Meio Ambiente[9], a interferência do estado na economia e nas relações privadas, à limitação à autonomia contratual, a subordinação das normas infraconstitucionais aos valores e normas contidos na Constituição, o que resultou no fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil.
Esse fenômeno fez com que as normas Constitucionais se deslocassem de uma posição de mera carta política para colocar-se na ponta do ordenamento jurídico vigente, devido a sua força normativa, vinculante e impositiva[10]. Desse modo, o direito infraconstitucional fica submetido aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos. Nesse sentido, vale trazer as palavras de Adriano Marteleto Godinho:
“Nos dias que correm, impõe-se ao jurista interpretar as instituições de Direito Civil com base nos princípios e regras constitucionais. Só se pode reconhecer a validade da norma de caráter privado se houver sua conformidade com os preceitos constitucionais, o que exige uma revisão, em particular, dos institutos que formam a espinha dorsal do Direito civil: as obrigações […], a propriedade e a família”[11].
Essa mudança de posição do Direito Constitucional exige que o aplicador do direito passe a interpretar o Código Civil conforme a Constituição e não o contrário, como ocorria no Estado Liberal.
Com a Constituição Republicana no ápice do ordenamento jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais do indivíduo passam a ser o norte na interpretação das normas de direito privado, não permitindo que prevaleça qualquer disposição de ordem privada que afronte as normas constitucionais e a dignidade humana.
Ocorreu, também, o fenômeno da “repersonalização do direito”, que colocou o direito e o patrimônio a serviço das pessoas. Desta feita, a pessoa humana passa a ser o centro de todo o ordenamento e não mais o patrimônio10.
Assim, quando a legislação civil for contrária aos princípios e regras constitucionais, sua interpretação deverá ser feita a luz da Constituição, caso contrário, deverá ser revogada ou declarada inconstitucional.
A partir da Constituição Federal de 1988 as famílias brasileiras foram encaradas sob uma nova perspectiva. A especial proteção conferida pelo Estado, o reconhecimento de novas entidades familiares, em especial, a união estável, ensejou na constitucionalização do direito das famílias. Destarte, a família, base da sociedade, serve como instrumento de realização do ser humano[12] e toda carga normativa relacionada estará subordinada ao viés constitucional.
Do mesmo modo, o direito sucessório possui assento constitucional. Consagrado nos Direitos Fundamentais (art. 5º, inciso XXX da CF[13]), o direito a herança está vinculado as disposições normativas da Constituição Federal.
O Direito Sucessório possui dimensão social ao regular a transmissão da herança e tem por finalidade garantir a segurança da família. Assim, não só na esfera do Direito das Famílias, mas também no Direito das Sucessões é imprescindível evocar o principio fundamental da dignidade humana[14] e submeter as suas normas ao critério de validade e conformidade constitucional.
Entretanto, apesar da constitucionalização das relações jurídicas privadas, que submeteu o direito civil ao crivo da Constituição, bem como o fenômeno da repersonalização do direito que colocou a pessoa como destinatário da norma jurídica e não mais o patrimônio, o legislador infraconstitucional manteve-se a reproduzir a lei sucessória anterior sem observar as imposições da lei maior, conforme leciona a doutrinadora Maria Berenice Dias:
“[…] Apesar desses novos ares terem passado a ventilar todo o direito, levando a uma releitura do conceito de família e de propriedade, o Código Civil restringiu-se a copiar a lei pretérita, sem coadunar o direito sucessório à imposição constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana”[15].
Como exemplo disso, basta equiparar o tratamento jurídico conferido aos partícipes da união estável e do casamento. Apesar de ambos os institutos terem sidos consagrados constitucionalmente como entidades familiares e demonstrar situações jurídicas semelhantes, permaneceu no texto legal o “histórico” tratamento diferenciado conferido às pessoas que vivem em união estável, os quais foram inseridos dentro de um patamar de inferioridade em relação aos direitos sucessórios dos cônjuges.
2. NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA: O CASAMENTO E A UNIÃO ESTÁVEL DENTRO DE UMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL
Antes da Constituição Federal de 1988 a lei fundamental que regulava a família brasileira era o Código Civil de 1916. Naquele tempo, a legislação só reconhecia uma única forma de família, a constituída através do casamento.
Dentro de um contexto histórico, político e econômico, que contou com forte influência da Igreja Católica, a família se definia matrimonializada, patriarcal e hierarquizada. Destarte, todas as outras uniões entre pessoas com a finalidade de vida em comum eram consideradas imorais, ilícitas e sem proteção estatal[16].
Conforme Marcos Bernardes de Melo[17] criou-se a família legítima que protegia e valorava apenas as relações oriundas do casamento civil, sendo também disposto na constituição vigente da época (1891), a qual citava que “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”[18].
De forma preconceituosa rechaçou qualquer forma de influência externa ao casamento, excluindo do reconhecimento os filhos incestuosos e adulterinos, como também, o não reconhecimento de outras formas de famílias, atribuindo o termo concubinato[19] (ou famílias ilegítimas) as relações não matrimonializadas.
Dentro dessa perspectiva tentou-se perpetuar a família matrimonializada como uma instituição sagrada e indissolúvel (mesmo depois da Lei do Divorcio[20], havia resistência para dissolvê-la[21]). Assim, justifica-se o repúdio as uniões extramatrimoniais que, com o passar do tempo, foram rotuladas como “sociedades de fato” e afastadas do Direito de Família.
Entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988 ocorreu a maior revolução na estrutura jurídica das famílias brasileiras. Conforme os ensinamentos de Luiz Edson Fachin[22], a Constituição avocou o papel de lei fundamental da família, que antes era ocupado pelo Código Civil de 1916, e constituiu um novo conceito de família.
Conforme Paulo Lôbo[23], o artigo 226[24] da Constituição Federal remodelou o conceito de família e adotou a pluralidade familiar[25], a igualdade entre o homem e a mulher, a igualdade entre os filhos, a afetividade, a prevalência da dignidade da pessoa humana, o fim do patriarcalismo e da hierarquia, aboliu as discriminações das normas de exclusão constantes nas constituições passadas, que apenas admitiam a família constituída pelo matrimônio. Em fim, a Carta Magna adotou um conceito de família amplo, abrangente e de inclusão.
O renomado autor ainda estipula três requisitos caracterizadores de uma entidade familiar[26], a saber: a afetividade, como fundamento e finalidade da entidade; a estabilidade, quando apresenta um relacionamento duradouro e exclui relacionamentos sem comunhão de vida; e a ostensibilidade, que apresenta a unidade familiar de forma pública, notória e ostensiva. (grifo nosso)
Na mesma linha de pensamento, Gonçalves[27] leciona que surgiu “uma nova ordem de valores”, que privilegia a dignidade da pessoa humana e os vínculos afetivos que norteiam a formação da entidade familiar.
Nesse contexto, registram-se os ensinamentos do professor GAGLIANO[28] quando afirma que “não é possível apresentar um conceito único e absoluto de família” em atenção ao pluralismo das formas de relações socioafetivas.
Contudo, apresenta-se aqui, o novo conceito que o referido autor ariscou em afirmar, que a família é “o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”.
Por fim, cabe ressaltar, que o novo conceito de família apresentado pela Constituição Federal de 1988 marca a passagem da proteção da instituição (casamento) para a proteção das pessoas que integram a família, não importando o tipo de entidade escolhida pelo indivíduo.
2.1 DO CASAMENTO COMO ENTIDADE FAMILIAR
A família surge como um fenômeno social preexistente ao casamento. Porém a sociedade instituiu o casamento como uma regra de conduta, variando suas formas de acordo com o tempo e os costumes dos povos[29].
No Brasil, o casamento é uma das formas de entidade familiar regido pela Constituição Federal e pelo Código Civil de 2002. Conforme doutrina dominante, o casamento apresenta-se como um ato complexo, sendo ao mesmo tempo contrato e instituição[30].
Em relação ao conceito, consigna-se a lição de Corrêa de Oliveira que considera o casamento como:
“O negócio jurídico de Direito de Família por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam através de uma relação jurídica típica, que é a relação matrimonial. Esta é uma relação personalíssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de vida” [31].
No entanto, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal garantiram o direito ao casamento dos casais homoafetivos, protegendo a igualdade de sexos.
2.1.1 Das características/requisitos do casamento no Código Civil de 2002
Conforme Gonçalves[32] o casamento possui algumas características e formalidades exigidas pela lei, cuja não observância causará a nulidade do ato, tornando-o inexistente.
Tais características apresentam-se como: Ato formal e solene, devendo obedecer todos os requisitos necessários para ser considerado legal (habilitação, publicação de editais, registro em livro). Destaca-se a imposição da lei para a obediência das formalidades da celebração, sendo necessário o uso de ritos e palavras sacramentais, sem as quais tornará o ato inexistente (art.1535)[33].
É regido por normas de ordem pública, ou seja, não podem ser convencionadas pelos nubentes. Estabelece comunhão plena de vida, baseada na participação em comum, na afeição entre os cônjuges e na igualdade de direitos e deveres. É uma união permanente, duradoura, contínua, porém admitindo sua dissolução. (grifo nosso).
Permite a liberdade de escolha dos nubentes, ou seja, liberdade dos noivos de manifestar a sua vontade na escolha do parceiro. Não permite termo ou condição. Desta forma, constitui negócio jurídico. (grifo nosso).
Por último, a inexistência de impedimentos matrimoniais impossibilita o casamento de pessoas que possuam algum tipo de impedimento legal.
Ademais, torna saliente demonstrar a finalidade do casamento elencada pelo art. 1511[34] do Código Civil atual, que é “estabelecer uma comunhão plena de vida”.
No mesmo sentido, Gonçalves32 reitera a finalidade do casamento e revela que “a comunhão plena de vida é impulsionada pelo amor e afeição existente entre o casal, na igualdade dos cônjuges e na mútua assistência”.
2.2 DA UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR
Após a promulgação da Carta magna de 1988, a união estável passou a ser reconhecida como uma entidade familiar. Conceituada pelo atual Código Civil como a união entre o homem e a mulher, sem impedimentos para casar, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família[35].
Entretanto, no passado, a união estável era denominada de família ilegítima ou concubinária, pois não era reconhecida pelo direito com entidade familiar. Desta forma, negava-se a família ilegítima a eficácia jurídica de qualquer direito, tanto no campo sucessório e obrigacional como no campo do direito de família[36].
Distinguia-se o concubinato em duas categorias: puro e o impuro. O concubinato puro (união estável) era realizado entre pessoas desimpedidas para casar, como os solteiros e viúvos. Já o impuro era oriundo das relações entre pessoas impedidas, às situações de incesto, adultério, também chamado de concubinato adulterino.
Ressalta-se, que, antes do marco constitucional de 1988, o termo concubinato era utilizado, de forma indistinta, para as duas categorias (puro e impuro). Entretanto, após esse período, o concubinato puro passou a ser chamado de união estável, objeto do presente trabalho, visto que a legislação não reconhece direitos sucessórios aos partícipes do concubinato impuro.
O Código Civil de 1906 considerava as uniões não matrimonializadas como inexistentes. Alias, quando o referido código se dirigia ao concubinato era para atribuir uma restrição a situações de adultério, colocando a concubina como amante do homem casado[37].
Porém, com o passar do tempo, ocorreu uma progressiva evolução do instituto, surgindo normas e decisões judiciais que conferiram eficácia jurídica a algumas situações entre os concubinos[38]. Entre elas estão:
A lei nº 7.036/1944, que possibilitou a concubina/companheira a figurar como beneficiaria de seguros e indenizações em acidentes de trabalho. A lei nº 4.242/1963, que autorizou habilitar a companheira como dependente para fins de dedução do imposto de renda.
A lei nº 6.015/1973, que admitiu o acréscimo do sobrenome do companheiro. No poder Judiciário, segundo Maria Berenice Dias[39], em primeiro momento “o concubinato foi identificado como uma relação de emprego”, o qual conferia a companheira um salário ou uma indenização por anos de serviços prestados. Ressalta-se que, até a década de 1980, essas decisões judiciais eram frequentes. Em um segundo momento, percebeu-se que a companheira ficava desalojada ao não gozar da meação dos bens adquiridos na vigência da união, pois, na maioria das vezes, o companheiro os registravam em seu nome. Diante disso, e para evitar o enriquecimento sem causa, o STF editou o enunciado de súmula nº. 380[40], datada de 03/04/1964, que dizia: “Comprovada à existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Logo, o tema passou a ser tratado no campo do Direito das Obrigações.
Com o advento da norma constitucional em 1988, o termo pejorativo de “concubinato”[41] foi afastado, transformando-se em união estável. O instituto foi equiparado às outras entidades familiares, recebendo a mesma proteção estatal.
Em relação à evolução da união estável no direito brasileiro, consigna-se a lição de Luís Roberto Barroso:
“Na vigência da Constituição de 1967, considerava-se que apenas através do casamento era possível ocorrer formação da família. Nenhuma outra forma de união era contemplada pelo texto, que dispunha: "A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos" (art. 167).
Apesar da literalidade do dispositivo, a jurisprudência passou a reconhecer efeitos jurídicos às uniões livres, à medida que avançavam as concepções culturais e sociais. Verificou-se, ainda na vigência desse texto, uma verdadeira mutação constitucional do conceito de família, que seguiu as seguintes etapas principais: a) primeiramente, negava-se eficácia jurídica ao concubinato, estigmatizado pelo Código Civil de 1916 como relação insuscetível de qualquer proteção; b) em uma segunda etapa, parte dos dissídios começa a ser resolvida no plano do direito a um salário ou indenização por serviços domésticos prestados a seu par; c) em seguida, insere-se esse tipo de relação no direito obrigacional, de modo a impedir o enriquecimento injustificado de um dos concubinos em detrimento do outro. Reconhece-se, então, a existência de sociedade de fato; d) num momento posterior, passou-se a reconhecer como verdadeira união de fato entre companheiros, prevendo-se efeitos jurídicos na esfera assistencial, previdenciária, locatícia, etc.; e) por fim, a Constituição de 1988 recepciona e aprofunda essa evolução, prevendo expressamente a figura da união estável como entidade familiar e afastando qualquer resquício de hierarquização entre tais uniões e o casamento” (grifamos)[42].
Nos anos seguintes surgiram as leis 8.971/1994 e a 9.278/1996 que conferiram vários direitos aos membros da união estável, em situação de analogia aos direitos do cônjuge, tais como: Alimentos (não cabendo mais as indenizações por serviços prestados), meação dos bens, sucessão, direito de usufruto, direito real de habitação, dentre outros.
Finalmente, no ano de 2002, o novo código reajustou os direitos conferidos nas leis anteriores, estabelecendo-se a meação dos bens, a condição de herdeiro, alimentos e o regime de comunhão parcial, quando não houver disposição contrária.
No entanto, quando todos esperavam a equiparação de direitos, entre os partícipes da união estável e do casamento, principalmente no âmbito do Direito Sucessório, o novo Código Civil trouxe dispositivos mal redigidos, confusos e em confronto com as normas constitucionais, o que será abordado no item 4 (quatro).
2.2.1 Das características/requisitos para configuração da união estável no Código Civil de 2002
Assim como no casamento, a união estável possui algumas características e requisitos para a sua configuração. Tais características e requisitos, segundo Gonçalves[43], apresentam-se como:
Ausência de formalismo para sua constituição. “O início de uma união estável independe de qualquer solenidade, bastando o fato da vida em comum”. Assim não se exige documento constitutivo. Entretanto, o novo código permite a formalização desta entidade familiar através de um contrato escrito de convivência.
Deve ser regido por normas de ordem pública, ou seja, não podem ser convencionadas pelos partícipes. Sua natureza é de fato jurídico. Estabelece comunhão de vida/convivência. Segundo o referido autor, é essencial a comunhão de vidas entre os membros da união estável, em situação equiparada a pessoas casadas. Salienta-se, que, a vida em comum não necessariamente se caracteriza pela coabitação, ou seja, pela vida em um mesmo teto. Segundo o STJ a coabitação não é requisito indispensável[44].
Outra característica é a notoriedade. Conforme exige a lei, a união deve ser pública. Seus membros devem se apresentar a sociedade como uma entidade familiar. Relações eventuais, clandestinas e escondidas da sociedade não constituem união estável.
Também deve ser estável. A referida união deverá ser duradoura, permanente, ou seja, deverá se prolongar no tempo. A convivência entre o casal deverá ser contínua, sem interrupções.
Para a configuração da união estável se faz necessário, entre seus membros, o objetivo de constituir uma família (“affectio maritalis”). Na verdade, não basta somente à intenção, a união deverá, efetivamente, constituir uma entidade familiar e seus membros se comportarem como se casados fossem.
Do mesmo modo, não poderá haver impedimentos matrimoniais. De acordo com o novo código, não se constituirá a união estável entre pessoas que estejam em situações de impedimentos matrimoniais relacionados no art. 1.521[45], exceto a pessoa casada, porém separada de fato ou judicialmente, que, neste caso, poderá constituir uma união estável (1.723, § 1o). Por outro lado, as causas suspensivas do art. 1.523[46] não impedirão a caracterização da união estável.
Da mesma forma do casamento, a união estável tem como finalidade estabelecer uma comunhão de vidas baseada no afeto existente entre seus membros, em situação similar à de pessoas casadas.
Registra-se, por fim, a lição de Carlos Roberto Gonçalves[47] que “a união estável trata-se de modo de constituição de família que se assemelha ao casamento, apenas com a diferença de não exigir a formalidade da celebração.”
3. DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO ANTES E DEPOIS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Antes de tratar da sucessão do cônjuge e do companheiro, abordar-se-á alguns conceitos e institutos do Direito Sucessório, a fim de facilitar a compreensão e melhor fundamentar a nossa discussão.
Desta feita, far-se-á um breve resumo deste campo do direito, para depois, apresentar as normas relativas ao tema que o presente trabalho se propõe a discutir.
3.1 BREVE RESUMO DO DIREITO DAS SUCESSÕES
O direito das sucessões é o responsável por regular a transmissão do patrimônio de uma pessoa que foi declarada morta, aos seus sucessores estipulados previamente na lei, ou através de ato de última vontade (testamento). “O referido ramo do direito disciplina a transmissão do patrimônio, do ativo e passivo do de cujus ou autor da herança a seus sucessores” [48].
O patrimônio da pessoa que faleceu é chamado de herança, a qual se configura como “o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte”[49]. A herança compreende uma universalidade de patrimônio, podendo conter bens materias e imateriais, que tenham valor econômico, excluindo-se os direitos e deveres pessoais, como a tutela, curatela, etc.
De acordo com o novo Código Civil[50], a abertura da sucessão ocorre com a morte do autor da herança. Esta se transmite de imediato aos seus sucessores, que poderão ser aqueles definidos em lei (sucessão legítima), como também, aqueles eleitos através de um testamento (sucessão testamentária), os quais gozarão da posse e da propriedade dos bens (de forma indireta) como co-proprietários, até a feitura do formal de partilha.
É importante ressaltar, que esse conceito de transmissão imediata da posse e da propriedade dos bens, além de ter sido encontrado no direito romano, foi estabelecido através do princípio da saisine, na Idade Média, pelo direito costumeiro francês e hoje foi acolhido pelo art. 1.784 do referido código[51].
Ainda em relação aos sucessores, o art. 1.845[52] atribuiu aos descendentes, ascendentes e ao cônjuge a qualidade de herdeiro necessário. Assim, eles não poderão ser afastados da sucessão, sendo resguardada a metade de todo o acervo hereditário (legítima) deixado pelo falecido.
Dentro do mesmo contexto, as pessoas legitimadas a suceder são aquelas definidas nos artigos 1.798 e 1.799[53], do mesmo código, que são as pessoas já nascida ou já concebidas. Na sucessão testamentária, abre-se o direito para os filhos ainda não concebidos de pessoa indicada no testamento e para as pessoas jurídicas, como beneficiárias.
Em relação à meação, não se confunde com herança. A meação é a metade dos bens construídos durante a vida em comum e pertence a ambos os cônjuges[54] ou companheiros. Assim, antes de dividir a herança, após a morte do consorte, será necessário excluir a meação do outro, de acordo com as regras vigentes.
Ademais, a ordem de vocação hereditária é estabelecida pela lei, ou seja, a lei elege os legitimados para receber a herança. Baseando-se no afeto e nas relações familiares, o legislador tenta presumir a vontade do falecido, beneficiando os parentes mais próximos[55].
3.2 SUCESSÃO DO CÔNJUGE
3.2.1 Sucessão do cônjuge antes do Código Civil de 2002
Consoante Palermo, o Direito Sucessório Brasileiro esteve sob a égide da legislação de Portugal, mais precisamente, sob as normas das Ordenações Filipinas, datadas no ano de 1603. Nesta legislação, a ordem de vocação hereditária era a seguinte: 1º. Descendentes; 2º. Ascendentes; 3º. Colaterais até o 10º grau; 4º. Cônjuge; 5º. Fisco[56].
Conforme o referido autor, essa ordem de vocação hereditária vigorou no Brasil até o ano de 1907, com a edição da Lei Feliciano Pena[57]. Esta lei modificou o rol das pessoas que podem suceder, colocando o cônjuge em terceiro lugar, após os descendentes e os ascendentes, como também, reduziu a participação dos colaterais até o sexto grau.
O Código Civil de 1916 adotou a mesma regra da Lei Feliciano Pena, situando o cônjuge em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária[58]. Assim, tratava o art. 1.603:
“Art. 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes;
II – aos ascendentes;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais;
V – aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União”(redação dada pela Lei 8.049/1990)[59].
Como visto, nesse diploma, o cônjuge só herdava quando não existisse descendentes ou ascendentes. Desta feita, era quase impossível o cônjuge herdar, pois não havia o sistema de concorrência.
No ano de 1962, foi criada a Lei 4.121/62[60] (Estatuto da Mulher Casada), que alterou o art. 1611 do Código Civil de 1916, e concedeu ao cônjuge o direito ao usufruto vidual da quarta parte dos bens do falecido se concorrer com descendentes e a metade se concorrer com ascendentes, desde que, casados em um regime diferente da comunhão universal (comunhão parcial de bens ou separação).
No caso do cônjuge casado no regime de comunhão universal, a referida lei possibilitou o direito do cônjuge de residir no imóvel destinado à moradia da família, instituindo o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivo.
Ademais, cabe mencionar que, o cônjuge não era considerado herdeiro necessário, podendo ser afastado da sucessão.
3.2.2 Sucessão do cônjuge depois do Código Civil de 2002
A partir da vigência do novo código, o direito sucessório teve uma profunda alteração. O novo sistema implantado pelo art. 1.829 inseriu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da concorrência sucessória. O supracitado dispositivo merece transcrição integral:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais”.[61]
Como se vê, mais uma vez a ordem de vocação hereditária foi modificada. O cônjuge passou a concorrer com os primeiros colocados na ordem de vocação, sendo contemplado com uma parte do acervo hereditário[62].
Dentro desse contexto, o cônjuge recebeu mais proteção legal. Foi incluído no rol dos herdeiros necessários. Assim, não poderá ser afastado da sucessão, fazendo jus a legítima, quer dizer, terá direito a uma quota sob a metade dos bens do falecido[63].
3.2.2.1 Sucessão do cônjuge em concorrência com descendentes
Como visto, o cônjuge ocupa a terceira posição na ordem de vocação hereditária, podendo concorrer com os descendentes, a depender do regime de bens adotado no casamento.
Desta feita, segundo o entendimento majoritário da doutrina referente ao inciso I[64], do art.1.829, o cônjuge herda em concorrência com os descendentes quando:
1. Casado no regime de parcial de bens, havendo bens particulares[65] do de cujus.
2. Casado no regime de separação convencional de bens, decorrente de pacto antenupcial.
3. Casado no regime da participação final nos aquestos[66].
Por outro lado, o cônjuge supérstite não herda em concorrência com os descendentes quando:
1. Casado no regime de comunhão parcial de bens, não havendo bens particulares do de cujus.
2 Casado no regime de comunhão universal de bens.
3. Casado no regime da separação legal ou obrigatória de bens.
4. Se estiver judicialmente separado do falecido, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
A partir do raciocínio de Gonçalves[67], como também de Flávio Tartuce[68], o legislador objetivou separar a meação da herança. Dessa forma, o novo sistema hereditário estabelece que quando o cônjuge não é meeiro, é herdeiro; quando é meeiro, não é herdeiro (em regra).
Dentro desse contexto, no regime de comunhão parcial de bens prevalece na doutrina, conforme a tabela elaborada pelo professor Francisco Cahali[69], o entendimento de que o cônjuge receberá a meação dos bens comuns, ou seja, adquiridos na vigência do casamento, como também, herdará uma quota igual a dos descendentes nos bens particulares. Registra-se, também, o entendimento de que o cônjuge só herdará nos bens particulares, ficando a meação do falecido exclusivamente com os descendentes.
No regime de comunhão universal de bens não haverá concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes devido ao fato daquela ser meeiro de todo acervo hereditário.
No regime de separação legal ou obrigatória de bens também fica afastada a concorrência, pois há a separação total dos bens do casal imposta pela lei. Entretanto, a jurisprudência, adotando o enunciado de súmula 377[70] do STF, transformou a separação obrigatória de bens em uma comunhão parcial, garantindo ao cônjuge sobrevivo, direito a meação dos bens adquiridos em comum durante o casamento[71].
O regime de separação convencional de bens, assim como, o regime de participação final nos aquestos, não constam na exceção realizada pelo inciso I do art.1829. Assim, segundo Gonçalves[72], nessas hipóteses haverá a aludida concorrência, sendo esta posição, dominante na doutrina[73].
Outro ponto importante na concorrência do cônjuge com os descendentes está na reserva da quarta parte da herança para o cônjuge. Segundo o art.1.832[74], o cônjuge, em concorrência com os descendentes comuns[75], terá direito a uma quota igual. Entretanto, essa quota que o cônjuge receberá não poderá ser inferior à quarta parte da herança, ou seja, vinte e cinco por cento.
Como efeito, se um casal tinha dois filhos, a herança será dividida em igualdade. Dessa forma, o cônjuge e os dois filhos receberão parte iguais (33,3 %). Porém, se o casal tinha quatro filhos ou mais, o cônjuge receberá uma quota maior, ou seja, um quarto da herança (25%), sendo os outros três quatros repartidos pelos filhos, que receberão, uma quota menor[76].
Por outro lado, se o cônjuge concorrer apenas com descendentes exclusivos[77] do falecido, não terá direito a reserva da quarta parte da herança, por força da parte final do artigo supracitado. Caberá, sim, quota igual ao que couber a cada um dos descendentes.
Cabe, ainda, registrar a omissão do legislador em relação à concorrência do cônjuge supérstite com descendentes comuns e exclusivos do falecido. Ficou, mais uma vez, para a doutrina, se posicionar a cerca do tema.
Conforme Flávio Tartuce[78] surgiram duas correntes fundamentais acerca da filiação (descendência) híbrida. A primeira, maioria na doutrina, defende que não se deve fazer reserva da quarta parte da herança ao cônjuge, “tratando-se todos os descendentes como exclusivos do autor da herança”. Neste caso, pretende-se proteger os descendentes.
A segunda corrente posiciona-se no sentido de ser reservada a quarta parte da herança ao cônjuge, “tratando-se todos os descendentes como se fossem comuns”. Neste caso, pretende-se proteger o cônjuge.
3.2.2.2 Sucessão do cônjuge em concorrência com ascendentes
Na falta de descendentes, o cônjuge concorre com os ascendentes do falecido. Contudo, diferente da concorrência com descendentes, o cônjuge concorre com os ascendentes do morto, independentemente do regime de casamento, isto é, seja qual for o regime adotado.
Consoante o art.1.837[79], o viúvo terá direito a um terço da herança se concorrer com os pais do falecido. Caso concorra somente com um dos pais ou com outros ascendentes de maior grau receberá a metade da herança.
Importante se destacar, que na linha ascendente não existirá o direito de representação, aparecendo apenas na linha descendente, como também, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.
3.2.2.3 Sucessão isolada do cônjuge
Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge receberá todo acervo hereditário. Aqui, também, o regime matrimonial é irrelevante.
Entretanto, o cônjuge supérstite só terá reconhecido o seu Direito Sucessório, se no momento da abertura da sucessão não estava divorciado, separado judicialmente, administrativamente ou separado de fato há mais de dois anos[80].
O viúvo pode restabelecer o seu Direito Sucessório, no último caso, quando conseguir provar que a convivência com o falecido se tornou impossível, sem sua culpa.
3.2.2.4 Direito Real de habitação do partícipe do casamento.
O novo código civil inovou também sobre o direito real de habitação conferido ao cônjuge, pois na codificação passada, o mesmo dispunha desse direito apenas se fosse casado no regime de comunhão universal de bens. Agora, independentemente do regime de bens, o cônjuge gozará do direito real de habitação.
Tal dispositivo confere ao cônjuge o direito de continuar morando no imóvel em que residia o casal, desde que o imóvel seja o único a inventariar. Caso contrário, havendo dois ou mais imóveis, em regra, o partícipe do casamento não terá assegurado o respectivo direito[81].
Consoante Flávio Tartuce[82], o dispositivo autoriza o uso do bem apenas para fins de residência, proibindo a utilização para outras finalidades, a exemplo da locação e da cessão. O mesmo autor defende a irrenunciabilidade do direito real de habitação, porém o Enunciado 271[83], do Conselho da Justiça Federal, conferiu ao cônjuge, a possibilidade de renunciá-lo nos autos do inventário ou por escritura pública.
Cabe registrar que, não importa se o imóvel for comum ou exclusivo do falecido, caberá ao cônjuge supérstite o direito real de habitação. Mas se o imóvel pertencer a um terceiro ou se o falecido era um mero usufrutuário, não deverá ser reconhecido o aludido direito ao sobrevivente[84].
3.3 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
3.3.1 Sucessão do companheiro antes do Código Civil de 2002
Mesmo com o reconhecimento da união estável como entidade familiar, após o marco constitucional de 1988, o companheiro só passou a ter Direitos Sucessórios a partir do ano de 1994, com a edição da Lei 8.971/94[85]. Antes disso, os colaterais recebiam a totalidade da herança, na falta descendentes e ascendentes[86].
Segundo o art. 2º[87], o companheiro sobrevivente passou a ter direito ao usufruto da quarta parte dos bens do falecido, se houvesse filhos com este. Caso não houvesse filhos, mas ascendentes, o mesmo teria direito ao usufruto da metade dos bens. Na falta de descendentes e de ascendentes, herdaria a totalidade da herança (bens particulares e comuns do de cujus).
Como requisito, o companheiro não poderia constituir nova união e ser solteiro ou separado judicialmente, divorciado ou viúvo, além do prazo de cinco anos de convivência, ou por qualquer tempo, havendo prole com o falecido.
Dessa forma, a referida lei alterou a ordem de vocação hereditária do art. 1.603, do Código Civil de 1916, vigente na época, ao colocar o companheiro na frente dos colaterais, pelo fato de herdar na ausência de descendentes e ascendentes[88].
Registra-se, também, o direito a meação dos bens adquiridos por sua colaboração, conforme consta no art.3º[89] da referida lei. Neste caso, para ter direito a meação dos bens, em regra, o companheiro deveria provar sua colaboração na aquisição dos bens.
Logo depois, surgiu a Lei 9.278/1996[90], que conferiu ao companheiro o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à moradia da família. Salienta-se, que a referida lei não revogou a anterior (1994), passando o companheiro a dispor do direito ao usufruto dos bens e ao direito real de habitação, concomitantemente[91].
No que tange a meação, passou o partícipe da união estável a ter direito a metade dos bens adquiridos na constância da união e a título oneroso, independentemente de prova de sua colaboração.
Os referidos bens passaram a ser de ambos os consortes a título de condomínio, salvo disposição contrária em contrato.
Nessa conjuntura foram conferidos mais direitos sucessórios aos companheiros do que no regimeatual, estipulado pelo Código Civil de 2002, como se verá adiante[92].
3.3.2 Sucessão do companheiro depois do Código Civil de 2002
Com a entrada em vigor da nova codificação civil, as leis anteriores que regulavam a sucessão do companheiro foram revogadas[93], passando o tema a ser tratado pelo art.1.790 da nova legislação.
Nesse contexto, merece destaque a transcrição do mencionado artigo:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”[94].
Primeiramente, registra-se que o referido artigo encontra-se no capítulo das disposições gerais das normas sucessórias, afastado da ordem de vocação hereditária (art.1.829).
Em seguida, atente-se para o caput do artigo que emite um comando restringindo o direito sucessório do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Assim, só haverá direitos sucessórios nos “bens havidos pelo trabalho de um ou de ambos durante a existência da união estável, excluindo-se bens recebidos a título gratuito, por doação ou sucessão. Também estão excluídos os bens adquiridos a título oneroso antes da união estável”.[95] Desse modo, em regra, o companheiro é meeiro e herdeiro dos bens sucessíveis. Ele foi tratado como herdeiro legítimo e especial, mas não, como herdeiro necessário[96].
3.3.2.1 Sucessão do companheiro em concorrência com descendentes
Inicialmente, registra-se que o companheiro concorre com os descendentes, independentemente do regime de bens da união estável escolhido pelos conviventes.
O inciso I[97], do art.1.790, estabelece a concorrência do companheiro com os descendentes comuns. Estes são compreendidos como descendentes do falecido com o companheiro sobrevivo.
Ressalta-se, porém, que houve um equívoco do legislador ao empregar a palavra “filho”, em vez de “descendentes”. Nesse sentido, diante da má redação do dispositivo legal, a doutrina e a jurisprudência tiveram que se manifestar para dar uma interpretação sistemática a norma[98].
De acordo com o inciso supracitado, o companheiro concorre com os descendentes comuns e terá direito a uma quota igual à que por lei for atribuída ao filho. Entretanto, o convivente só concorrerá aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, por força do caput do dispositivo.
Consoante o inciso II[99], se o companheiro concorrer com descendentes exclusivos do autor da herança, receberá a metade do que couber a cada um, nos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.
Assim, se o falecido tinha dois filhos exclusivos, a herança (bens adquiridos onerosamente durante a união) será dividida em cinco partes, recebendo cada filho duas quotas e o companheiro apenas uma.
Destarte, havendo bens particulares ou recebidos a título gratuito, estes serão destinados exclusivamente aos descendentes.
Anote-se, ainda, a omissão do legislador em relação à concorrência do companheiro sobrevivo com descendentes comuns e exclusivos (ou unilaterais) do falecido.
Nesses casos de descendência híbrida, Gonçalves[100] assevera que surgiram três grandes correntes acerca do tema, sendo que a primeira, prevalente na doutrina e jurisprudência, se posiciona no sentido de considerar todos os descendentes como se fossem comuns. Assim, companheiro e descendentes receberiam uma quota igual da herança, aplicando-se o inciso I, do art. 1.790.
A segunda corrente defende a aplicação do inciso II, do mencionado artigo, tratando todos os descendentes como exclusivos do falecido. Assim, o companheiro receberia a metade do que caberia aos descendentes.
A terceira propõe a realização de um cálculo proporcional da parte que caberia ao companheiro em relação às quotas dos descendentes comuns e exclusivos do autor da herança.
3.3.2.2 Sucessão do companheiro em concorrência com outros parentes sucessíveis
Em conformidade com o inciso III[101], o companheiro receberá um terço da herança quando concorrer com outros parentes sucessíveis, mais uma vez sobre os bens adquiridos durante a relação estável. Estes são entendidos como os ascendentes e os colaterais até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos-netos) do falecido.
Por conseguinte, o companheiro sempre receberá um terço da herança quando concorrer com os parentes sucessíveis. Se os pais do falecido estiverem vivos, o companheiro, o pai e a mãe receberão um terço da herança, respectivamente. Caso, apenas um dos pais estiver vivo, este receberá dois terços da herança, cabendo ao convivente apenas um terço.
Sendo pré-mortos os pais do falecido, mas havendo avós, estes receberão dois terços da herança, e o companheiro apenas um terço.
Em relação à concorrência com os colaterais (até o quarto grau), o convivente supérstite também só receberá um terço do acervo sucessível, ou seja, dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.
Dessa feita, havendo apenas um primo do falecido, este herdará além dos bens particulares e adquiridos a título gratuito, dois terços da herança adquirida na constância da relação estável.
3.3.2.3 Sucessão isolada do companheiro e o problema da concorrência com o Estado
Na ausência de descendentes, ascendentes e colaterais, o participe da união estável terá direito a totalidade da herança. Pelo menos é o que institui o inciso IV[102], do artigo em estudo, com a seguinte narração: “não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Contudo, surge uma dúvida acerca da expressão “totalidade da herança”. Neste caso, uma primeira corrente defende que o inciso deve ser lido em conjunto com o caput do artigo, restringindo-se aos bens obtidos a título oneroso na vigência da relação estável.
Desta feita, os bens não adquiridos onerosamente na constância da união estável deverão ser destinados ao Estado (Município, Distrito Federal ou a União). Veja o que fala Carlos Roberto Gonçalves:
“Prescreve ainda o incisco IV do art.1.790 que, não havendo parentes sucessíveis, o companheiro “terá direito à totalidade da herança”, ou seja, à totalidade dos bens adquiridos onerosamente na constância da relação estável, que são os que está autorizado a recolher, na conformidade do estabelecido no caput do aludido dispositivo legal”[103].
Por outro lado, a segunda corrente filia-se a posição da transmissão de todos os bens ao companheiro, ou seja, a sucessão do convivente alcançará a totalidade do acervo hereditário, devido à transparência do art. 1.844[104], que só possibilita a transmissão de bens ao Estado nos casos em que o falecido não deixar cônjuge, companheiro ou qualquer outro parente sucessível.
Consoante Flávio Tartuce[105], essa é o entendimento majoritário da doutrina, apesar de vários tribunais decidirem conforme a primeira corrente.
4. PONDERAÇÕES SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL À LUZ DO DIREITO CIVIL- CONSTITUCIONAL
Inicialmente apresentar-se-á as teses de inconstitucionalidade da sucessão desferida ao companheiro, e dentro dessa perspectiva, os princípios constitucionais violados pelo regramento sucessório atual.
4.1 TRATAMENTO DISCREPANTE: INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL EM UMA PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL
Ao analisar o Código Civil atual identifica-se que o mesmo, na parte especial que trata das sucessões, dá um tratamento diferenciado ao cônjuge em relação aos direitos sucessórios do companheiro.
Essa diferença na regulamentação da sucessão do cônjuge e do convivente fez surgir uma discussão no campo do direito acerca do tema, pois de um lado estão os que defendem a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CCB. Para eles se alcança a justiça, no Direito Sucessório, conferindo-se ao companheiro as mesmas regras sucessórias aplicadas ao cônjuge, tudo isso fundamentado nos princípios constitucionais, em especial o princípio da isonomia, da dignidade da pessoa humana e da vedação do retrocesso social.
De outro lado, têm-se aqueles autores que defendem a validade do artigo acima mencionado. Fundamentam suas teorias alegando que o tratamento atual conferido ao tema não afetam as normas fundamentais do indivíduo e que o casamento não está equiparado à união estável.
Todavia, ao realizar uma interpretação sistemática do regramento sucessório do atual Código Civil em relação às normas e princípios constitucionais, constata-se um tratamento discriminatório e prejudicial aos partícipes da união estável, não amparado pela Constituição Federal, da forma que se segue:
A começar pelo art. 1.790, único que trata da sucessão do companheiro, que foi colocado dentro do capítulo que trata das disposições gerais do Direito Sucessório, deixando o convivente de fora da ordem de vocação hereditária constante no art. 1829.
Destarte, o partícipe da união estável não consta na ordem de vocação hereditária, sendo tratado como um herdeiro especial, inserido no último lugar na ordem de sucessão, depois dos colaterais[106].
Segundo, porque o convivente não foi tratado como herdeiro necessário, novo status conferido ao cônjuge pelo art. 1.845[107]. Desta feita, o companheiro poderá ser excluído da herança, não gozando dos direitos reservados a legítima[108].
Em terceiro lugar, o caput do artigo 1.790[109] estabelece que o companheiro concorre com os demais herdeiros do de cujus somente em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável[110], não podendo concorrer aos bens particulares do falecido.
De forma diferente concorre o cônjuge, que, além dos bens adquiridos durante o casamento, concorrerá aos bens particulares do morto.
Desse modo, o companheiro está limitado a concorrer aos bens dos quais já é meeiro. Se o autor da herança tiver deixado um valioso patrimônio formado anteriormente ao início da união estável, o companheiro nada herdará, ficando os bens particulares do falecido a disposição dos filhos, dos ascendentes, dos colaterais ou do município. Ressalta-se, que, caso o falecido não tenha parentes, os bens citados poderão ser adquiridos pelo município[111], em detrimento do companheiro.
Em razão do tratamento diverso dado pelo legislador, fica evidente a inconstitucionalidade do artigo 1.790, fundada na total discrepância no tocante aos direitos do companheiro em relação aos do cônjuge. Igualmente, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka menciona que:
“O art. 1.790 do CC restringiu a possibilidade de incidência do direito sucessório do companheiro à parcela patrimonial do monte partível que houvesse sido adquirido na constância da união estável, não se estendendo, portanto, àquela outra quota patrimonial relativa aos bens particulares do falecido, amealhados antes da evolução da vida em comum. A nova lei limitou e restringiu, assim, a incidência do direito a suceder do companheiro apenas àquela parcela de bens que houvessem sido adquiridos na constância da união estável a título oneroso. Que discriminação flagrante perpetuou o legislador, diante da idêntica hipótese, se a relação entre o falecido e o sobrevivente fosse uma relação de casamento, e não de união estável!”[112]. (grifo nosso)
Nesse contexto, registra-se a lição de Zeno Veloso acerca da limitação da sucessão do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
“[…] não tem nenhuma razão, quebra todo o sistema, podendo gerar consequências extremamente injustas: a companheira de muitos anos de um homem rico, que possuía vários bens na época que iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro, se este não adquiriu (onerosamente) outros bens durante o tempo de convivência. Ficará essa mulher – se for pobre – literalmente desamparada”[113] […].
Em quarto, registra-se o inciso I[114], do artigo 1.790, que trata da sucessão do companheiro com os descendentes. Neste caso, cabe ressaltar, que o companheiro só fará jus aos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável.
O citado inciso confere ao companheiro a mesma quota que caberá aos filhos comuns. Ou seja, o convivente supérstite dividirá a herança, por igual, com todos os descendentes comuns. Ao contrário, a quota do cônjuge não poderá ser menor à quarta parte da herança (1/4), conforme o art. 1.832[115].
Para exemplificar, se o convivente concorrer com dez descendentes comuns, a herança será dividida em onze quotas iguais. Porém, se a entidade familiar for instituída através do casamento, o cônjuge terá resguardado um quarto da herança, ficando a outra parte a ser dividida entre os dez descendentes.
Continuando o tratamento discrepante, o inciso II[116] do art. 1.790, preceitua que o companheiro receberá a metade do que couber aos descendentes exclusivos do falecido, em contraposição do cônjuge, que, concorrendo com descendentes exclusivos do de cujus, receberá quota igual ao que couber a cada um (art. 1832).
Desta feita, registra-se que os incisos I e II do art. 1.790 confere, também, tratamento discriminatório aos próprios filhos, contrariando o § 6º [117], do art. 227 da Constituição Federal. Assim, a pretexto de se conferir tratamento discrepante ao companheiro sobrevivente, o Código Civil acabou por conferir tratamento discriminatório aos próprios filhos.
No mesmo sentido, assinalou o Ministro Luis Felipe Salomão:
“Com efeito, se na concorrência com filhos do de cujus, companheiro e cônjuge recebem quinhões díspares, também os filhos os receberão, tudo isso porque estes são ora confrontados com um casamento de seu genitor ora com uma união estável. Tal circunstância, a meu juízo, afronta – talvez por descuido mesmo do legislador – o que dispõe o art. 227, § 6º, da Constituição, fato que autoriza a declaração de inconstitucionalidade também dos incisos I e II do art. 1.790 do Código Civil de 2002”[118]. (grifo nosso)
Em quinto lugar, merecendo posição de destaque, por ser considerado um absurdo jurídico[119], está o inciso III[120] do mesmo artigo. Conforme o inciso, o companheiro só terá direito a um terço da herança quando concorrer com outros parentes sucessíveis (ascendentes e colaterais).
Segundo o inciso, em relação aos parentes colaterais, o partícipe da união estável sobrevivente concorrerá com os parentes do morto até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos-netos) e somente receberá um terço da herança. Em contrapartida, o cônjuge exclui os colaterais, adquirindo a totalidade do acervo hereditário (art.1.838[121]).
Aqui, o companheiro ficará atrás dos colaterais na sucessão e só concorrerá aos bens adquiridos onerosamente na vigência da relação familiar. Assim, os colaterais, além de serem beneficiados com a totalidade dos bens particulares do falecido, também gozarão dos dois terços restantes da herança referente aos aquestos.
Tal disposição do Código Civil desagradou à maioria da doutrina, bem como asseverou Gustavo Ferraz de Campos Monaco:
“Percebe-se, assim, a discrepância sistemática dispensada pelo legislador à questão, uma vez que, se os conviventes tivessem sido casados, os parentes colaterais até o quarto grau teriam sido afastados, e com razão, da sucessão, ao passo que a manutenção de uma família baseada na convivência continua, duradoura e pública, porém não matrimonial, acarreta a discriminação legislativa e o retrógrado sistema do privilégio dos colaterais em detrimento do companheiro de uma vida (desafortunadamente, um convivente). Sim, porque se cônjuge fosse, herdaria sozinho!, que concorrerá com aqueles, inclusive com os tios avós ou sobrinhos netos […]”[122]
Merece destaque as palavras de Inácio de Carvalho Neto, quanto à discriminação operada pelo atual sistema sucessório, ao estabelecer, que na ausência de descendentes e ascendentes, o companheiro concorrerá com os parentes colaterais do falecido, sem receber, no entanto, o mesmo tratamento do cônjuge supérstite, que herdará a totalidade da herança. Na ocasião assinalou o referido autor que:
“Trata-se de mais uma injustificável discriminação do companheiro em relação ao cônjuge, e, mais ainda, uma injustificável redução no direito hereditário do companheiro. Com feito, neste inciso, o companheiro é preterido inclusive pelos colaterais, o que é um grande absurdo”[123]. (grifo nosso).
Por outro lado, em relação à concorrência do companheiro com os ascendentes do falecido, constata-se mais uma incoerência do texto legal. Neste caso, se o pai e a mãe do de cujus estiverem vivos, o inciso (III) equipara o direito do companheiro ao do cônjuge[124] (se só existirem bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável), devido a todos gozarem do direito de receber 1/3 da herança.
Entretanto, nas outras hipóteses, o texto legal confere um tratamento totalmente diferente, senão, vejamos:
1. Se o convivente concorrer com o pai e a mãe do falecido, todos receberão 1/3 da herança. Mesmo tratamento conferido ao cônjuge.
2. Se o convivente concorrer somente com o pai ou a mãe do morto, ou seja, sendo pré-morto um dos ascendentes, o sobrevivo terá direito a 2/3 da herança e o companheiro com apenas 1/3. De forma desigual, o cônjuge herdaria a metade do acervo, ficando a outra metade com o ascendente sobrevivo.
Em sexto lugar, ilustra-se que o Código Civil de 2002 revogou o direito real de habitação conferido ao companheiro pela Lei 9.278/96, ao preceituá-lo apenas ao cônjuge[125].
Assim, analisando de forma literal a legislação, o companheiro teve, mais uma vez, o seu direito diminuído. Entretanto, a maioria da doutrina[126] e a jurisprudência vêm se posicionando a favor da concessão do direito real de habitação ao convivente, uma vez que não houve revogação expressa do art. 7º, da Lei 9.278/96, bem como, deve ser observada a prevalência do direito a moradia, elencado na Constituição Federal[127], em harmonia com o Direito Civil-Constitucional.
Nessa linha de raciocínio, está o Enunciado nº. 117, do Conselho de Justiça Federal/STJ, da primeira Jornada de Direito Civil, realizado em Brasília, 2002, com os seguintes dizeres: “O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º da CF/1988”.
Em consequência do tratamento inconstitucional dispensado ao companheiro na sucessão e com a finalidade de equalizar os seus direitos com os do cônjuge foram editados os Enunciados 49 e 50, no I Encontro de Juízes de Família do Interior de São Paulo, na cidade de Piracicaba, em 10.11.2006, os quais relatam o seguinte:
“Enunciado n. 49: “O art. 1.790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que são os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão legítima”.
Enunciado n. 50: “ante a inconstitucionalidade do art. 1.790, a sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina da sucessão legítima do cônjuge, com os mesmo direitos e limitações, de modo que o companheiro, na concorrência com descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais tem meação”.
Assim, os juízes do interior de São Paulo foram orientados a decidir pela inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil e conferir o mesmo tratamento legal do cônjuge aos conviventes.
É importante, também, consignar a posição do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, acerca da não aplicabilidade do referido artigo no Direito Brasileiro. Segundo ele:
“No caso do artigo 1.790 do CCB, além de sua incompatibilidade com as regras que regulam a vocação hereditária, impinge ofensa expressa ao artigo 226, caput, combinado também com seu §3°, da Constituição Federal, uma vez que opõe caráter prejudicial ao convivente supérstite em face do cônjuge sobrevivente, em desrespeito aos corolários principiológicos constitucionais da igualdade (ou isonomia) e da dignidade da pessoa humana […]”[128]
Portanto, registra-se que o legislador quis dar preferência ao cônjuge, em detrimento aos direitos sucessórios dos participes da união estável, contrariando a Constituição Federal de 1988 (que não deu primazia a nenhuma entidade familiar e garantiu a mesma proteção legal a todos as formas de família).
Verifica-se, também, que a mencionada discriminação viola os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da vedação do retrocesso legal, dentre outros, por gerar a diminuição da condição humana do indivíduo, ao ser direcionado ao convivente, um tratamento sucessório desigual e preconceituoso, que ofende a personalidade e a sua capacidade de subsistência[129].
Filiando-se a tese de inconstitucionalidade do regramento sucessório destinado ao companheiro, Zeno Veloso afirma que “[…] a sucessão dos companheiros foi regulada de maneira lastimável, incidindo na eiva da inconstitucionalidade, violando princípios fundamentais, especialmente o da dignidade humana, o da igualdade, o da não discriminação” [130].
Paulo Lôbo trilha a mesma linha de pensamento ao mencionar que “não há razão constitucional, lógica ou ética para tal discrime, em relação ao direito sucessório das pessoas, que tiveram a liberdade de escolha assegurada pela Constituição e não podem sofrer restrições de seus direitos em razão dessa escolha” [131].
Já Maria Berenice Dias arremata o tema declarando em sua obra que o tratamento discrepante concedido ao companheiro supérstite em relação aos direitos do cônjuge é “flagrantemente inconstitucional” [132].
Trilhando a mesma linha de pensamento Carlos Eduardo de Castro Palermo leciona que o legislador deveria ter colocado o companheiro na ordem de vocação hereditária do art. 1.829, equiparado ao cônjuge, assim como, ter atribuído o status de herdeiro necessário, quando então seria respeitada a ordem constitucional. Conforme o autor:
“[…] a redação do art. 1.790 do atual Código Civil, colocando os conviventes em local distinto dos cônjuges (art. 1.829), efetuou discriminação retrógrada, com afronta ao texto constitucional de igualdade e ao princípio da dignidade da pessoa humana”[133].
Dessa forma, melhor seria equalizar os direitos sucessórios do companheiro aos do cônjuge como forma de se alcançar a justiça.
4.2 EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL AO CASAMENTO: INEXISTÊNCIA DE SUPERIORIDADE ENTRE AS ENTIDADES FAMILIARES
Como dito anteriormente, a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 226, provocou a maior mudança na estrutura jurídica da família brasileira. Dentro do texto legal incluíram-se outras formas de família, entre elas, a união estável. A saber:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (grifo nosso)
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. […]”[134]
De fato, a partir da inclusão da união estável como forma de família surgiu uma grande controvérsia a acerca da equiparação desta com o casamento, que já dura vinte e sete anos.
Formaram-se duas correntes para definir o conteúdo do texto constitucional[135]. A primeira corrente alega que haveria uma hierarquia do casamento sob a união estável, fundada na parte final do parágrafo 3º, do supracitado artigo, que dispõe que “a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento”.
Desta forma, o casamento estaria no topo das formas de família e a união estável num patamar inferior, não sendo possível a equiparação. Veja as palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
“Embora o tratamento díspar da sucessão do companheiro tenha resultado de opção do legislador e não ofenda os cânones constitucionais, merece as críticas que lhe são endereçadas […]
Efetivamente, a Constituição Federal não equiparou a união estável ao casamento. Se assim fosse não teria determinado que a lei facilitasse sua conversão ao casamento. As regras sucessórias foram estabelecidas pela legislação ordinária. O fato de, eventualmente, serem injustas não as tornam inconstitucionais. […]”[136]
A segunda corrente entende que a Constituição igualou as entidades familiares, respectivamente, os institutos da união estável ao casamento, não havendo superioridade entre eles. Assim, ambos os institutos são merecedores da mesma proteção estatal.
Isto porque a parte final do parágrafo 3º, do artigo 226 da Constituição Federal, criou apenas uma regra limitadora[137], impedindo a criação de barreiras para a conversão da união estável em casamento, a exemplo da dispensa da solenidade de celebração.
Nesse sentido leciona Paulo Lôbo (2002):
“O principal argumento da tese I, da desigualdade, reside no enunciado final do § 3º do art. 226, relativo à união estável: “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A interpretação literal e estrita enxerga regra de primazia do casamento, pois seria inútil, se de igualdade se cuidasse. Todavia, o isolamento de expressões contidas em determinada norma constitucional, para extrair o significado, não é a operação hermenêutica mais indicada. Impõe-se a harmonização da regra com o conjunto de princípios e regras em que ela se insere.
Com efeito, a norma do § 3º do artigo 226 da Constituição não contém determinação de qualquer espécie. Não impõe requisito para que se considere existente união estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejem casar-se, se quiserem, a exemplo da dispensa da solenidade de celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução. Contudo, para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra.” (grifamos)[138].
O autor acima revela que a união estável e o casamento equipararam-se como forma de constituição de família, não havendo mais a primazia do casamento, pois a Constituição atual assegurou a liberdade de escolha por parte dos membros da família em decidir qual entidade quer participar, sem, como isso, mitigar sua dignidade e a proteção dada pelo estado.
Muitos autores seguem essa linha de raciocínio, dentre eles, descreve-se aqui o entendimento de Fábio Ulhôa Coelho[139]:
“[…] entre as famílias constitucionais não há hierarquia: a fundada no casamento não é merecedora de maior proteção que as outras. Muito pelo contrário, não pode a lei discriminar essas três entidades familiares conferindo aos membros de qualquer uma delas direitos negados aos das outras. […]
Quer dizer, as famílias constitucionais (fundadas no casamento, união estável e monoparental) têm assegurados iguais direitos, sendo inconstitucional qualquer preceito de lei ordinária que as discrimine”. (grifo nosso)
Trilhando a mesma linha de pensamento cita-se a justificativa do Projeto de Lei nº. 4.944/2005[140], efetuada pelo Deputado Antônio Carlos Biscaia:
“Deve-se abolir qualquer regra que corra em sentido contrário à equalização do cônjuge e do companheiro, conforme revolucionário comando constitucional que prescreve a ampliação do conceito de família, protegendo de forma igualitária todos os seus membros, sejam eles os próprios partícipes do casamento ou da união estável, como também os seus descendentes. […]”
Essa também e a opinião de Maria Berenice Dias[141], Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka[142], Zeno Veloso e Rodrigo da Cunha Pereira[143]. Cabe aqui ressaltar, as palavras de Zeno Veloso[144], que analisando o artigo 1.790 do Código Civil, lecionou:
“As famílias são iguais, dotadas da mesma dignidade e respeito. Não há, em nosso país, família de primeira, segunda ou terceira classe. Qualquer discriminação, neste campo, é nitidamente inconstitucional. O art. 1.790 do Código Civil desiguala as famílias. É dispositivo passadista, retrógado, perverso. Deve ser eliminando o quanto antes. O código ficaria melhor – e muito melhor – sem essa excrescência”. (grifamos)
Paulo Lôbo[145] referenda que a união estável é entidade familiar digna de proteção estatal, possuindo os mesmo laços afetivos que ligam os cônjuges para a formação de uma família, assim como, os mesmo requisitos caracterizadores da entidade familiar, a saber: A afetividade, a estabilidade e a ostensibilidade.
Assim, tanto o cônjuge como o companheiro gozam do mesmo amparo constitucional, o que deveriam também ter em sede infraconstitucional, devido à imperatividade da norma equalizadora, constante no art. 226, § 3º, da CF/1998, que não permite o tratamento discrepante entre as entidades familiares.
Registra-se aqui o enunciado nº. 03, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, realizado no IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, na cidade de Araxá, no ano de 2013, com as seguintes disposições: “Em face do princípio da igualdade das entidades familiares, é inconstitucional tratamento discriminatório conferido ao cônjuge e ao companheiro”[146].
Essa é a posição atual do referido instituto que trata do Direito de família. Para eles, a constituição equiparou ambas as entidades familiares, proibindo tratamento diferenciado aos seus partícipes. E complementam, ao afirmar que a sucessão do companheiro viola a constituição “exatamente porque trata desigualmente situações familiares que foram equalizadas pela ordem constitucional” [147].
Contudo, como visto, o legislador infraconstitucional tratou de forma diferenciada o Direito Sucessório de ambos os institutos, em confronto com os mandamentos constitucionais, colocando o companheiro em situação de inferioridade em relação ao cônjuge ao ensejar a hierarquia entre as entidades familiares, em ofensa ao art. 226 da Constituição Federal.
Dessa forma, consequentemente, imputa-se inconstitucional o regramento sucessório destinado aos partícipes da união estável, por confrontar o texto constitucional.
4.3 VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Antes de expor os princípios constitucionais que foram violados pela legislação sucessória do Código Civil de 2002, será realizado um breve estudo sobre os Princípios Jurídicos do Direito Brasileiro.
4.3.1 Natureza Jurídica dos Princípios
Anteriormente, mas precisamente no estado Liberal, ocorria a prevalência das leis sob os princípios jurídicos. Estes eram sugestões de ordem moral, política e jurídica, exercendo papel secundário no sistema de fontes do direito.
Porém, com o fenômeno da Constitucionalização do Direito Privado (que no Brasil atingiu o auge com a Constituição Federal de 1988[148]), a Constituição passou a ser o ápice do ordenamento jurídico e os princípios constitucionais passaram a ter efetividade em função do reconhecimento de sua força normativa.
Segundo Barroso; Barcellos[149] com o decorrer do tempo reconheceu-se a supremacia dos princípios constitucionais, a sua eficácia jurídica e aplicabilidade direta e imediata.
Cabe ainda ressaltar a lição de Fazoli[150] ao verificar que, internamente, na Constituição existe uma hierarquia axiológica, que coloca os princípios em um patamar de superioridade em relação às outras normas constitucionais.
Nesse mesmo sentido, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 67), afirmam que “podemos falar na existência de uma hierarquia interna valorativa dentro das normas constitucionais, ficando os princípios em um plano superior, exatamente pelo caráter de regra estrutural que apresentam”.
4.3.1.1 Da definição, características e funções dos princípios
Os princípios são difíceis de serem conceituados de forma sintética, por isso, transcreve-se abaixo a definição elaborada por Leo Van Holthe:
“O princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce do arcabouço legal de um Estado. Os princípios são à base das normas jurídicas, influenciando sua formação, interpretação e integração, dando coerência ao sistema normativo”[151].
Diante disso, nos filiamos à definição elaborada por Carlos Eduardo de Freitas Fazoli (2007, p. 16), o qual define princípio como:
“Uma norma com alto grau de abstração que expressa um valor fundamental de uma dada sociedade e, servindo de base para o ordenamento jurídico, limita as regras que se relacionam com ele, integra as lacunas normativas, serve de parâmetro para a atividade interpretativa e, por possuir eficácia, pode ser concretizado e gerar direitos subjetivos”.
Em relação às características, os princípios possuem o caráter de norma jurídica, eficácia, imperatividade, precedência em relação às outras normas e abstração[152].
Verifica-se, também, que os princípios possuem funções dentro do ordenamento jurídico, das quais podemos citar a sua função normativa, integrativa e interpretativa. Nesse sentido explica Fazoli que:
“Em primeiro lugar, os princípios têm função normativa. Sendo normas jurídicas, podem ser concretizados e geram direitos subjetivos. Têm, ao lado das regras função normativa. Em segundo lugar, havendo uma lacuna jurídica, esta pode ser suprida com a utilização dos princípios. Encontramos aqui uma clara função integrativa em face das omissões legislativas. Finalmente, em terceiro lugar, têm função interpretativa, ou seja, condicionam a atividade do interprete. Nenhuma interpretação pode ser efetivada sem que se leve em conta os princípios jurídicos”110.
4.3.1.2 Da Estrutura bidimensional do sistema jurídico constitucional
Conforme ensina a maioria dos doutrinadores, entre eles Alexy[153], Dworkin[154], Bobio[155], Sarlet[156] e Fabíola Santos Albuquerque[157], as normas jurídicas e constitucionais se classificam em princípios e regras. Ambas são espécies do gênero norma, que também podem ser conceituadas como normas princípios e normas regras.
A diferença entre elas está na estrutura normativa de cada uma. Enquanto os princípios possuem uma estrutura aberta, expansiva, abstrata, recaindo sob um número maior de situações, as regras possuem uma estrutura fechada, um menor grau de abstração e conteúdos definidos[158].
Na perspectiva ora apontada, vale consignar os três critérios criados por Barroso; Barcelos (2003, pag.150) para diferenciar os princípios de regras:
“1) conteúdo; 2) a estrutura normativa; 3) as particularidades da aplicação. Quanto ao conteúdo, os princípios têm por objeto valores ou fins, enquanto as regras descrevem uma conduta. No que toca à estrutura normativa, os princípios não descrevem condutas, cabendo ao intérprete estabelecer quais ações devem ser tomadas, enquanto as regras já trazem os atos a serem praticados diante de um fato preestabelecido. Os princípios são aplicados através da ponderação diante de um caso concreto, enquanto as regras se aplicam sob a forma do tudo ou nada, mediante subsunção.”
Trilhando a mesma linha de pensamento Luís Roberto Barroso[159] define que:
“[…] Princípios são normas jurídicas que não se aplicam na modalidade tudo ou nada, como as regras, possuindo uma dimensão de peso ou importância, a ser determinada diante dos elementos do caso concreto. São eles mandados de otimização, devendo sua realização se dar na maior medida possível, levando-se em conta outros princípios, bem como a realidade fática subjacente. Vale dizer: princípios estão sujeitos à ponderação e proporcionalidade, e sua pretensão normativa pode ceder, conforme as circunstancias, a elementos contrapostos.”
4.3.2 Do Princípio da dignidade da Pessoa Humana como fundamento jurídico da Constituição Federal Brasileira: Afronta a dignidade humana do companheiro pelo regramento sucessório
A dignidade da pessoa humana não possui um conceito fixo ou definido, porém Ingo Wolfgang Salert propôs uma fórmula de conceito que englobasse várias características ligadas à dignidade humana, em uma dimensão multidimensional que vale a pena registrar. Conforme o doutrinador, a dignidade da pessoa humana:
“[…] é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em casa ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida’[160].
A partir da Constituição Federal de 1998 o princípio da dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecido como o centro axiológico do nosso ordenamento jurídico constitucional[161]. Foi elevado ao status de princípio de maior valor insculpido na Constituição e fundamento do nosso Estado Democrático de Direto (art.1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988).
Dessa feita, o Estado passa a ser um instrumento de realização da dignidade humana das pessoas, dentro de uma perspectiva individual e coletiva. A proteção estatal passa a ser direcionada a dignidade do homem e esta se configuraria atingida quando a pessoa fosse rebaixada a mero objeto ou quando não houver respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo[162].
Nesse sentido, o referido princípio deve limitar qualquer regra de cunho infraconstitucional, incluindo-se aí o Direito Sucessório, principalmente quando violar valores constitucionais.
Outro aspecto trazido por Sarlet[163], é que o princípio da dignidade humana possui a qualidade de norma jurídica fundamental da República Brasileira, passando a integrar o direito positivo brasileiro. E prossegue o insigne jurista:
“[…] a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1º,inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia”[164] […]
Conforme Barroso[165] a eficácia dos princípios, em especial o da dignidade humana, é divida em direta, interpretativa e negativa. A eficácia direta é quando se pode retirar do seu núcleo uma regra que servirá de comando para um caso concreto. A interpretativa está ligada a vinculação do aplicador do direito a obediência às normas constitucionais, como a proteção da dignidade da pessoa humana.
Por fim, a eficácia negativa possibilita a suspensão da incidência da norma em uma determinada situação específica e a declaração de inconstitucionalidade de ato ou lei que seja incompatível com os mandamentos constitucionais.
Por esta razão registra-se a possibilidade de ser declarado inconstitucional[166] o regramento sucessório do companheiro, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, devido à violação da dignidade dos participes da união estável, pois nada justifica a discrepância no tratamento deferido pelo art. 1.790 do Código Civil.
O regime sucessório atual reduz a condição humana dos conviventes ao dar-lhes um tratamento discriminatório, desigual e prejudicial a sua subsistência.
Com fundamento no Princípio da Dignidade Humana, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu a favor do companheiro o mesmo direito sucessório conferido ao cônjuge, ou seja, a totalidade da herança quando não existirem descendentes e ascendentes. Neste caso, foi afastada a incidência do inciso III, do art. 1.790 do CC, em favor do participe da união estável. Segue a ementa abaixo:
“CIVIL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PARTILHA DE BENS. INEXISTÊNCIA DE ASCENDENTES E DESCENDENTES DO CÔNJUGE FALECIDO. HARMONIZAÇÃO ENTRE AS LEIS N. 8.971/94 E N. 9.278/96. PREVALÊNCIA DO SOBREVIVENTE EM RELAÇÃO AOS COLATERAIS NA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
1. inexiste dúvida acerca da distinção entre os institutos da união estável e do casamento, mormente quanto aos seus efeitos, tais como a ausência de título formal e oponibilidade de exceções, nas relações jurídicas, perante terceiros. por outro vértice, não se pode olvidar os pontos em que esses se identificam e o principal laço que os une: a proteção da instituição familiar.
2. nesse aspecto, não se justifica a discriminação entre duas situações de mesmo efeito. se a preocupação do legislador repousa na proteção do cônjugesobrevivente, tanto que no artigo 1.838 do código civil lhe garante a sucessão por inteiro, uma vez inexistentes ascendentes e descendentes, não se pode tolerar o cerceamento de tal direito, de forma tão grave, ao companheiro que igualmente possui a base constitucional de proteção, sob pena de ultrajar o princípio da dignidade da pessoa humana.”[167] (grifamos)
4.3.3 Do Princípio Constitucional da Isonomia: Violação da igualdade entre os partícipes das Entidades Familiares
O princípio da Isonomia (igualdade) está elencado na Constituição Federal de 1988 em vários dispositivos. Citamos aqui o art. 5º, o qual assevera que “todos são iguais perante a lei”.
O referido princípio, junto com o princípio da dignidade da pessoa humana, é considerado um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Revestido de autoaplicabilidade, tem como fundamento a proibição de normas que criem privilégios e distinções entre as pessoas, propiciando a elaboração de leis que visem minimizar as diferenças encontradas[168].
Partindo desse pressuposto, todas as pessoas são iguais em dignidade. Gozam dos mesmos direitos e não podem sofrer discriminações, a não ser que, estas, estejam amparadas pelas normas constitucionais.
O aludido princípio dirigir-se-á ao legislador quanto à proibição de editar normas discriminatórias, que estabeleçam diferenças relacionadas à raça, sexo, idade, condição social, religião ou qualquer outra condição do gênero, incluindo aqui, a escolha do tipo de entidade familiar a ser constituída.
Em relação ao tratamento sucessório discrepante destinado aos partícipes do casamento e da união estável[169], cumpre indagar se a discriminação realizada pelo legislador afronta o Princípio da Igualdade, pois, a Constituição Federal (art.226, § 3º) igualou o casamento e a união estável à entidade familiar, destinatárias da mesma proteção estatal[170].
Conforme estudo de Celso Antônio Bandeira de Melo[171] para constatar se o regramento sucessório atual observa o princípio da isonomia, basta identificar se existe uma finalidade razoável (correlação lógica) que justifique a desequiparação produzida pela lei, referente aos direito sucessórios do cônjuge e do companheiro.
Caso contrário, ou seja, não havendo justificativa razoável para a diferença no tratamento, a referida lei viola o aludido princípio, ensejando a inconstitucionalidade.
Nesse sentido, estão às palavras de Luiz Edson Fachin ao declarar que não existe justificativa racional para a discriminação realizada pelo legislador referente às normas que regem a sucessão do companheiro, devido à situação de analogia entre as entidades familiares em apreço.
“Na medida em que a família não mais se justifica em sua acepção abstrata, organicamente autônoma em relação à pessoa que nela se desenvolve, negar qualquer entidade familiar ou tratar as diferentes entidades de forma discriminatória implica muito mais do que negar um modelo ou dar um tratamento diferente a dois modelos constitucionalmente consagrados; implica negar a própria condição existencial de sujeitos concretos, que têm a formação das suas personalidades reduzida concretamente em função do tratamento discriminatório feito pela lei em razão de um modelo tradicional de família, que sequer guarda correspondência com a realidade vivida. Inexiste, pois, justificativa racional à discriminação feita pelo artigo 1.790 do CCB, uma vez que ela não visa à promoção da igualdade material de situações análogas; revelando-se, tão-somente, gratuita ou fortuita”[172].(grifo nosso)
Na perspectiva ora apontada, vale consignar a explicação do Ministro Luis Felipe Salomão, na relatoria da Arguição de Inconstitucionalidade no Recurso Especial nº. 1.135.354 – PB[173], referente à igualdade das entidades familiares. Segundo o ministro, “não há famílias timbradas como de “segunda classe” pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados”. (grifo do autor).
E prossegue o insigne jurista afirmando que só se justifica tratamento diferenciado pela lei a ambos os institutos (casamento e união estável) quando estiver relacionado com o ato jurídico formal e solene do casamento, a exemplo dos efeitos cartorários, da publicidade de atos, de assegurar a terceiros interessados a ciência quanto a regime de bens, etc.
Mas, os efeitos decorrentes das relações familiares são iguais, entre o casamento e a união estável, incluindo-se ai o Direito Sucessório. Segue abaixo o trecho da decisão:
“[…] é normal que as disposições relativas ao casamento como ato jurídico formal e solene sejam aplicadas somente aos cônjuges. Todavia, as normas cuja ratio deita raízes nas relações familiares, justificadas, portanto, em valores metajurídicos relacionados à solidariedade, à afetividade e a comunhão plena de vida, devem ser aplicadas a ambas as entidades familiares, casamento e união estável, cônjuges ou companheiros, tal como vem decidindo, acertadamente, a jurisprudência”[174].
Verifica-se, também, que houve violação do princípio da isonomia, baseando-se nas palavras do eminente ministro, ao ser dado um tratamento desigual, sem existir uma correlação lógica que justifique o tratamento diferenciado conferido a ambas as formas de família.
“No caso da união estável, como assinalado, não são constitucionalmente aceitáveis fatores de discrímen, comparativamente ao casamento, calçados nas relações familiares de cada um dos institutos, mas tão somente aqueles apoiados no título fundador do casamento – o ato jurídico solene –, que é inexistente na união estável”[175].
Ou seja, Salomão explica no decorrer do seu voto que o casamento e a união estável são iguais em relação às relações familiares (que servem de base para o direito das sucessões) e se diferenciam, apenas, no ato jurídico formal e solene do casamento.
Explica ainda que a ordem de vocação hereditária hospeda-se, de forma história, nas relações familiares, baseando-se nos valores metajurídicos da afetividade e solidariedade, valores estes, existentes em todas as entidades familiares protegidas pela carta maior[176].
Desta feita, considera-se que não se justifica a discriminação dada pelo legislador aos partícipes da união estável no direito sucessório, pois afronta o princípio da isonomia ao tratar de forma desigual, as entidades familiares do casamento e da união estável, justamente, onde elas se igualam.
Trilhando a mesma linha de raciocínio, Maria Berenice Dias afirma que o tratamento dispensado ao companheiro ofende o Princípio da Isonomia e orienta aos magistrados para reconhecerem a inconstitucionalidade do referido artigo[177].
Portanto, baseando-se nos ensinamentos do Ministro Luís Felipe Salomão, de Luiz Edson Fachin, bem como, do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo, a norma sucessória destinada ao companheiro afronta o princípio constitucional da isonomia, visto que não há justificativa racional que fundamente a referida discriminação, nem tão pouco, amparo constitucional.
4.3.4 Violação ao Princípio da Vedação do Retrocesso Social
O Princípio da Vedação do Retrocesso Social, também conhecido por Princípio da Não Reversibilidade, Princípio da Proibição da Evolução Reacionária, Princípio da Vedação à Estagnação Social ou Princípio do Efeito Cliquet, está implícito na Constituição Federal de 1998 e pressupõe uma limitação ao legislador no sentido da proibição de se reduzir direitos sociais já garantidos em âmbito legislativo e na consciência social.
Assim, o legislador não poderá mitigar ou suprimir direitos já conquistados pela sociedade, sem que haja uma contrapartida que compense o direito suprimido.
Sobre o tema, Canotilho[178] menciona que “os direitos não podem retroagir, só podendo avançar na proteção dos indivíduos”. E continua alegando que ofende a Constituição Federal “qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios".
Já em outra passagem, o supracitado autor[179] consigna que quando os direitos sociais obtém um determinado grau de realização, a sua reversibilidade afeta não só o princípio do Retrocesso Social contido na Constituição, mas também, violaria o Princípio da Segurança Jurídica e da Dignidade Humana, confrontando todo o sistema.
Desta feita, o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 violou o princípio constitucional ora em comento, devido à supressão dos direitos já consagrados aos conviventes, pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96.
Primeiramente, como vimos antes, a sucessão do companheiro começou a ser positivada com a Lei 8.971/94, na vigência do Código de 1916. Com esta lei, foram garantidos os direitos: a meação dos bens adquiridos com esforço comum; a condição de herdeiro; a totalidade da herança, na ausência de descendentes e ascendentes; alimentos; direito ao usufruto da quarta parte da herança se concorrer com descendente e a metade se concorrer com ascendentes.
Ressalta-se, que a referida lei estabeleceu o Direito Sucessório e o Usufruto Vidual de todo o acervo hereditário ao companheiro, em condições análogas as do cônjuge (art. 1611, § 1º e 2º, do Código Civil de 1916) [180].
Do mesmo modo, a Lei 9.278/96, em seu art. 7º, parágrafo único, estendeu o direito real de habitação ao companheiro, sobre o imóvel que servia de residência do casal, também em condições semelhantes ao do cônjuge.
Assim, após a vigência da Lei 9.278/96, estava, praticamente, equiparado o tratamento sucessório entre o cônjuge e o companheiro[181].
Entretanto, após o marco constitucional previsto em relação à união estável e a regulamentação da sucessão do companheiro pelas leis supracitadas, o Código Civil de 2002 andou na contramão, retirando dos partícipes da união estável direitos sucessórios, a saber: O direito real de habitação; não arrolou o companheiro como herdeiro necessário; estipulou a concorrência do mesmo somente nos aquestos, fazendo com que não participe da concorrência aos bens particulares e a título gratuito do falecido e o colocou em último lugar na ordem vocacional, após os colaterais, não herdando a totalidade da herança na falta de descendentes e ascendentes.
Na perspectiva ora apontada, vale consignar a lição da doutrinadora Maria Berenice Dias:
“Como alerta Rodrigo da Cunha Pereira, não há dúvida que este artigo apresenta um grande retrocesso para a união estável, vez que colocou o companheiro em posição muito inferior ao cônjuge. Ao que parece, retomou-se a mentalidade de que a união estável é uma “família de segunda classe” e não outra espécie de família, nem melhor nem pior do que o casamento, apenas diferente.
Mais do que isso, a norma é materialmente inconstitucional, porquanto, no lugar de dar especial proteção a família fundada no companheirismo, retira direitos e vantagens anteriormente existentes em favor dos companheiros. É que a legislação infraconstitucional que regulava a união estável deferiu tratamento igual em matéria sucessória aos cônjuges e companheiros como: (a) sucessores; (b) titulares do usufruto legal; e (c) do direito real de habitação (L 8.971/1994 e 9.278/1996).
Diante da equiparação entre casamento e união estável levada a efeito pela Constituição e pela própria sociedade, não pode a lei limitar direitos consagrados em sede constitucional e que já estavam assegurados na legislação pretérita. Tal postura afronta um dos princípios fundamentais que rege o direito das famílias, que veda o retrocesso social”. (grifo nosso) (grifo do autor)[182].
Trilhando a mesma linha de pensamento, Gonçalves menciona que:
“A regulamentação ora comentada constitui, sem dúvida, um retrocesso no critério do anterior sistema protetivo da união estável, que situava o companheiro em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, recebendo a totalidade da herança na falta de descendentes e de ascendentes do falecido[183].
Portanto, o Princípio da Vedação do Retrocesso Social manifesta-se a impedir que o legislador reduza direitos sociais já normatizados. Desse modo, a sua violação atenta contra as normas constitucionais, sendo, portanto, inconstitucional os dispositivos em contraste.
4.3.5 O princípio da Afetividade
A afetividade é um dos princípios que estão implícitos na Constituição, no Código Civil e em outras normas do nosso sistema jurídico. Vinculado ao Direito de Família, a afetividade é o vínculo norteador que liga os membros da família constitucionalizada e uma das características estruturantes de sua formação.
A família contemporânea não é mais ligada somente por laços econômicos. Agora, com a imposição das normas constitucionais, a família tornou-se um meio para se alcançar a dignidade da pessoa humana, e esta dignidade, passa pela relação de amor, solidariedade mútua e de afeto entre seus membros.
Dentro desse contexto, Madaleno[184] ensina que “A família, hoje em dia, é nada menos que uma “união afetiva”” e Lobo[185] acrescenta que:
“[…] Se a Constituição abandonou o casamento como único tipo de família juridicamente tutelada, é porque abdicou dos valores que justificavam a norma de exclusão, passando a privilegiar o fundamento comum a todas as entidades, ou seja, a afetividade, necessário para realização pessoal de seus integrantes".
No mesmo sentido posiciona-se Pessanha, quando citou que:
“A mutação do conceito de família e a inserção da afetividade como princípio implícito previsto na Constituição Federal ocorreu com a mudança da sociedade quando deixou de aplicar a formação familiar unicamente pelo instituto do casamento, passando a ser valorizada, como primado principal, a realização e desenvolvimento de cada membro da entidade familiar, em que o sustento e base elementar da constituição familiar são o amor e a comunhão de vida plena e não mais o matrimônio”[186].
Assim, o princípio jurídico da afetividade ganhou reconhecimento ao privilegiar a dignidade, a realização e o desenvolvimento de cada membro da família. Como consequências, temos várias decisões judiciais fundamentadas neste princípio, como o reconhecimento jurídico da união homoafetiva, a reparação por danos em decorrência do abandono afetivo e o reconhecimento da parentalidade socioafetiva.
4.4 TENTATIVA LEGISLATIVA DE MUNDANÇA DO REGRAMENTO SUCESSÓRIO DESTINADO AO COMPANHEIRO: TENTATIVAS DE EQUIPARAÇÃO DE DIREITOS
Vários projetos de lei foram propostos no Congresso Nacional com o objetivo de equalizar os direitos do cônjuge e do companheiro na esfera sucessória. Entre eles, estão os projetos de nº.4.944/2005, 508/2007, 674/2007, 267/2009, 699/2011 e 4.908/2012.
Entretanto, o projeto nº. 4.908/2012[187], apresentado pelo Deputado Federal Hidekazu Takayama, baseado na tese de doutoramento do professor Inácio de Carvalho Neto, melhor apresenta uma reforma no Direito Sucessório Brasileiro.
O referido projeto apresenta tratamento sucessório igualitário ao companheiro em comparação ao cônjuge. Para isso, seria afastado a incidência do art.1.790 e acrescentado a expressão “ou companheiro” ao lado da palavra “cônjuge”, nos artigos 1.829, 1.830,1.831,1.832, 1.836, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 e 1.846 do Código Civil.
Desta forma, equalizar-se-iam os direitos dos membros de ambas as entidades familiares, do casamento e da união estável, garantindo-se ao companheiro o direito real de habitação, a reserva da quarta parte da herança em concorrência com descendentes comuns, à totalidade da herança na falta de descendentes e ascendentes e a condição de herdeiro necessário.
5. POSIÇÃO ATUAL DA JURISPRUDÊNCIA: DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Consoante Flávio Tartuce, as decisões judiciais em todo país a respeito da (in) constitucionalidade do art.1.790 tornou-se uma verdadeira “torre de babel jurisprudencial”[188].
Destarte, alguns tribunais decidiram pela inconstitucionalidade e outros pela constitucionalidade do dispositivo. Entretanto, os tribunais superiores ainda não se posicionaram, definitivamente, a respeito da matéria, o que será abordado adiante.
5.1 JULGADOS QUE SUSTENTAM A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790
Dentro desse contexto, surgiram decisões no sentido de que haveria inconstitucionalidade de todo o art.1.790. Outras decisões tomaram sentido de tornar inconstitucional apenas o inciso III, do mencionado artigo.
Em primeiro lugar cita-se o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que no ano de 2009, julgou inconstitucional a aplicabilidade do supracitado artigo. Vejamos a ementa:
“Agravo de instrumento. Direito sucessório. Conforme o entendimento uníssono desta Câmara, é inconstitucional a aplicabilidade do art. 1.790, do Código Civil, uma vez que o artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal, equiparou o companheiro ao Cônjuge. Logo, é inviável a diferenciação hereditária entre o companheiro e o cônjuge supérstite. Usufruto vidual. O Código Civil atual não prevê o usufruto vidual ao cônjuge, o que implica que, reconhecida a paridade entre cônjuge e companheiro, não há falar na incidência da Lei n-9.278/1996 e, via de consequência, do direito do companheiro ao usufruto vidual. Deram parcial provimento ao agravo’’ (TJRS, Agravo de Instrumento 700226552879, 8.- Câmara Cível, Bom Jesus, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 10.04.2008, DOERS 16.04.2008, p. 39).[189] (grifo nosso).
No mesmo sentido posicionou-se a nona câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Equiparação constitucional das entidades familiares matrimoniais e extramatrimoniais, em razão de serem oriundas do mesmo vínculo, qual seja, a afeição, de que decorrem a solidariedade e o respeito mútuo entre os familiares. Entidades destinatárias de mesma proteção especial do Estado, de modo que a disparidade de tratamento em matéria sucessória fere a ordem constitucional. Ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e direito fundamental á herança. Proibição do retrocesso social’’ (TJSP, Apelação com Revisão 587.852.4/4, Acórdão 4131706,9.- Câmara de Direito Privado, Jundiaí, Rel. Des. Piva Rodrigues, j. 25.08.2009, DJESP 25.11.2009)[190]. (grifo nosso)
Decisões neste sentido foram conferidas por outros Tribunais nos processos relativos ao tema. Entretanto, em observância ao art. 97[191] da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº.10[192], do STF, a inconstitucionalidade do art.1.790 do Código Civil só poderá ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou Órgãos Especial respectivo.
Dessa forma, a chamada cláusula de reserva de plenário proíbe a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público por órgãos fracionários, ainda que de forma não expressa.
Assim fez o Pleno do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que ao julgar a Arguição de Inconstitucionalidade nº. 00326554020118190000 afastou a incidência do inciso III, do art.1.790, conforme se vê na ementa final:
“Arguição de inconstitucionalidade. Art. 1.790, inciso III, do Código Civil. Sucessão do companheiro. Concorrência com parentes sucessíveis. Violação à isonomia estabelecida pela Constituição Federal entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 3.º). Enunciado da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Incabível o retrocesso dos disreitos reconhecidos à união estável. Inconstitucionalidade reconhecida. Procedência do incidente”. (TJRJ, Rel. Des. Bernardo Moreira Garcez Neto, Secretaria do Tribunal Pleno e Órgão Especial, j. 11.06.2012)[193].
Seguindo essa linha de raciocínio, o Tribunal Pleno de Sergipe afastou a incidência de todo art. 1.790, conforme ementa abaixo:
"Incidente de Inconstitucionalidade. União Estável. Direito Sucessório do Companheiro. Art. 1.790 do CC/02. Ofensa aos Princípios da Isonomia e da Dignidade da Pessoa Humana. Art. 226, § 3º da CF/88. Equiparação entre Companheiro e Cônjuge. Violação. Inconstitucionalidade Declarada. 1.790/CC,l2263ºCF/88. I – A questão relativa à sucessão na união estável e a consequente distribuição dos bens deixados pelo companheiro falecido, conforme previsão do art. 1.790 do CC/02, reclama a análise da inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, pois este, ao dispor sobre o direito sucessório da companheira sobrevivente, ignorou a equiparação da união estável ao casamento prevista no art. 226, § 3º da CF, configurando ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade humana;1.790/CC0l2, 263º, CF. II – Incidente conhecido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02." (TJSE, Tribunal Pleno, Relª Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho, Inc. de Inconstitucionalidade nº 2010114780, julg. 30.03.2011)[194]. (grifo nosso).
5.2 JULGADOS QUE SUSTENTAM A CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790
Ao contrário do pensamento anterior, vários julgados adotaram o posicionamento de que não há qualquer inconstitucionalidade no artigo em estudo. Ao fundamentar pela superioridade do casamento em relação à união estável e pela não equiparação de ambos os institutos, os tribunais de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul mantiveram a incidência da norma sucessória, conforme as ementas abaixo:
“a Constituição da República não equiparou a união estável ao casamento. Atento à distinção constitucional, o Código Civil dispensou tratamento diverso ao casamento e à união estável. Segundo o Código Civil, o companheiro não é herdeiro necessário. Aliás, nem todo cônjuge sobrevivente é herdeiro. O direito sucessório do companheiro está disciplinado no art. 1.790 do CC, cujo inciso III não é inconstitucional. Trata-se de regra criada pelo legislador ordinário, no exercício do poder constitucional de disciplina das relações jurídicas patrimoniais decorrentes de união estável. Eventual antinomia com o art. 1.725 do Código Civil não leva a sua inconstitucionalidade, devendo ser solvida à luz dos critérios de interpretação do conjunto das normas que regulam a união estável”. (TJRS, Incidente 70029390374, Porto Alegre, Órgão Especial, Rel. Originário Des. Leo Lima (vencido), Rel. para o Acórdão Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 09.11.2009)[195]. (nosso grifo).
“Incidente de inconstitucionalidade. Direito de família. União estável. Sucessão. Companheiro sobrevivente. Artigo 1.790, inciso III, do Código Civil. O tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro encontra guarida na própria Constituição Federal, que distinguiu entre as duas situações jurídicas. Não é inconstitucional o artigo 1.790, III, do Código Civil, que garante ao companheiro sobrevivente, em concurso com outros parentes sucessíveis, o direito a 1/3 da herança dos bens comum” (TJMG, Processo 0322132-50.2006.8.13.0512, Pirapora, Corte Superior, Rel. Des. Paulo Cézar Dias, j. 09.11.2011, DJEMG 01.02.2012)[196]. (grifo nosso).
5.3 POSICIONAMENTO ATUAL DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
No ano de 2011, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça suscitou a inconstitucionalidade dos incisos III e IV do art.1.790, e remeteu os autos para o órgão especial daquela corte para julgamento. Entretanto, por uma questão prejudicial, este órgão julgou pelo não conhecimento da arguição de inconstitucionalidade[197].
No ano de 2013, novamente, a 4ª Turma do STJ suscitou Arguição de Inconstitucionalidade a Corte Especial no Recurso Especial nº. 1.291.636/DF. Neste processo, alega-se a inconstitucionalidade do caput do artigo comentado. Veja a ementa:
“RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME SUCESSÓRIO. ART. 1.790, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Preenchidos os requisitos legais e regimentais, cabível o incidente de inconstitucionalidade do art. 1.790, caput, do Código Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria”[198].
Na AI do Recurso Especial nº 1.318.249/GO, processo sucessivo ao supracitado, pede-se a inconstitucionalidade dos incisos I e II, que, nas palavras do ministro relator Luis Felipe Salomão, “conferem tratamento diferenciado aos filhos”. Veja a ementa:
“RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME SUCESSÓRIO. ART. 1.790, INCISOS I E II, DO CÓDIGO CIVIL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Preenchidos os requisitos legais e regimentais, cabível o incidente de inconstitucionalidade do art. 1.790, incisos I e II, do Código Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria”[199].
Contudo, o mérito ainda não foi decidido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, estando os autos aguardando julgamento[200].
No âmbito do Supremo Tribunal Federal não houve decisões definitivas que abordassem a inconstitucionalidade do tratamento sucessório do companheiro, existindo apenas julgados relativos à obediência da cláusula de reserva de plenário.
No entanto, no mês de Abril de 2015, foi reconhecida Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº. 878.694 do STF, a cerca da validade do art.1.790. Mediante a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso. O Supremo irá decidir se é constitucional a diferenciação dada pelo legislador ao regime sucessório do cônjuge e do companheiro. Veja a ementa:
“DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL QUE PREVEEM DIREITOS DISTINTOS AO CÔNJUGE E AO COMPANHEIRO. ATRIBUIÇÃO DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Possui caráter constitucional a controvérsia acerca da validade do art. 1.790 do Código Civil, que prevê ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código. 2. Questão de relevância social e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. 3. Repercussão geral reconhecida”[201].
Com efeito, após o julgamento pelos Órgãos Superiores, espera-se a pacificação do tema na jurisprudência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Carta Magna revolucionou a estrutura familiar brasileira ao instituir um novo conceito de família, baseado no afeto e na pluralidade de formas. O novo mandamento constitucional impôs a igualdade das famílias e a proteção integral dos seus membros, independentemente da entidade familiar escolhida.
A legislação sucessória atual trouxe avanços em relação aos direitos do cônjuge, como o status de herdeiro necessário e a concorrência sucessória com os descendentes e ascendentes.
Entretanto, em relação aos direitos sucessórios do companheiro, o referido diploma legal representou um retrocesso (além de mal redigido, confuso e prejudicial), devido à supressão de direitos já conquistados anteriormente, a exemplo do direito a totalidade da herança, na falta de descendentes e ascendentes e a preferência em relação aos parentes colaterais.
O legislador ordinário objetivou manter o mesmo tratamento “histórico” conferido as uniões não matrinomializadas, eivada de preconceitos e discriminações, constantes nas legislações ultrapassadas.
Diante disso, reafirma-se a necessidade de modificar o regramento sucessório brasileiro destinado ao companheiro, a fim de equalizar os direitos sucessórios de ambas as entidades familiares, em conformidade com a Constituição Federal.
Caso isso não ocorra no Poder Legislativo, espera-se do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade do art.1.790 do Código Civil, aplicando-se ao membro da união estável, tratamento sucessório igual ao do cônjuge.
Por fim, com base na doutrina e jurisprudência aqui apresentadas, pode-se considerar que:
1. O regramento sucessório vigente é inconstitucional por afrontar dispositivos da Constituição Federal, ao dar tratamento discrepante às entidades familiares da união estável e do casamento, justamente nos aspectos em que são idênticas.
2. A Constituição Federal reconheceu a união estável como entidade familiar e a equiparou ao casamento, garantindo aos seus membros a mesma proteção estatal.
3. Entre as famílias constitucionalizadas não há hierarquia: não existem famílias timbradas de primeira, segunda ou terceira classe pela Constituição Federal, ao contrário do que ocorria nos diplomas ultrapassados.
4. A norma sucessória conferida ao companheiro afronta o princípio da isonomia, visto que não há justificativa racional que fundamente a referida discriminação, nem tão pouco, existe amparo constitucional. Ofende também, o princípio da Vedação do Retrocesso Social, ao retirar dos partícipes da união estável, direitos já consagrados pela legislação anterior. Por último, fere a dignidade humana do companheiro, ao mitigar sua capacidade de subsistência, consequentemente, diminuindo sua condição humana ao ser submetido a uma situação de desamparo financeiro.
5. Diante da declaração de inconstitucionalidade do art.1.790, o regramento sucessório do companheiro deve obedecer à mesma disciplina da sucessão conferida ao cônjuge, com os mesmo direito e limitações.
6. Espera-se a pacificação do tema na jurisprudência após o julgamento do Recurso Extraordinário nº. 878.694/MG, pelo STF.
Por fim, pretende-se, com o presente artigo, equalizar os direitos sucessórios do companheiro aos do cônjuge como forma de se alcançar a justiça.
ANEXO I
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, funcionário público estadual da Paraíba
A hérnia de disco é uma condição médica que pode causar dores severas e limitações…
A aposentadoria por invalidez ou outros benefícios relacionados a doenças crônicas são direitos garantidos pela…
O auxílio-doença é um benefício previdenciário pago pelo INSS aos segurados que ficam temporariamente incapacitados…
O auxílio-doença é um benefício previdenciário concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos…
O Bolsa Família é um programa de transferência de renda que busca amparar famílias em…
A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crônica que pode afetar diversas articulações e, em…