1. Introdução
Com o advento do novo Código Civil (Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002), que, com a redação do seu artigo 5o, reduziu a maioridade civil dos 21 para os 18 anos, muitos questionamentos vieram à tona quanto às possíveis conseqüências desta modificação no Direito Processual Penal.
No presente estudo, após analisar as razões da reforma da lei civil e a conseqüente modificação da maioridade civil, buscamos estudar as suas possíveis repercussões no sistema penal, material e instrumental, a partir da formulação de critérios que permitissem interpretar a lei em consonância com os princípios peculiares a cada ramo do direito e que, ao mesmo tempo, fossem comuns a todas as situações postas em análise.
Primeiramente, no estudo sobre as conseqüências da nova maioridade civil, partimos de uma interpretação teleológica da norma em análise, buscando identificar a ratio legis, a sua finalidade, correlacionando, quando cabível, a sua vinculação (ou não) ao instituto da capacidade civil. Além da identificação da ratio legis, também se fez referência ao princípio da aplicação imediata da lei, regente do conflito de leis processuais penais no tempo.
Formulados os respectivos critérios de análise, o que se pretende demonstrar é que, em algumas situações, não obstante o disposto no artigo 2.043 do novo Código Civil, inafastáveis os efeitos da nova norma civil, p. ex., a extirpação da figura do curador e do representante legal do maior de 18 e menor de 21 anos, afetando, assim, alguns dispositivos do Código de Processo Penal.
Portanto, com o escopo de servir como mais um referencial teórico, foi elaborado o presente estudo, não pretendendo esgotar o tema, mas apenas com a intenção de contribuir, modestamente, para o aprimoramento das reflexões acerca do direito no problema que nos propusemos a estudar.
2. A maioridade no novo Código Civil
Dentre as inúmeras alterações e inovações trazidas pela Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002, destaca-se a redução da idade em que se atinge a maioridade. Esta, antes alcançada aos 21 anos, agora o é aos 18 anos completos.
A nova maioridade civil foi reduzida em três anos, pois, segundo entende Maria Helena Diniz (2004):
O Novo Código Civil antecipa a maioridade para os dezoito anos, com isso jovens passarão a ter responsabilidade perante terceiros pelos danos que lhe causarem, além de poderem, por si sós, praticar validamente atos da vida civil, sem qualquer assistência do representante legal. Tal se deu diante da presunção de que, pelas condições do mundo moderno e pelos avanços tecnológicos dos meios de comunicação e da informática, a pessoa já tem, ao completar aquela idade, experiência de vida, em razão da aquisição de uma maior formação cultural, responsável pela celeridade, pela precocidade do seu desenvolvimento físico-mental, trazendo, com isso, o discernimento necessário para a efetivação de atos negociais, podendo até mesmo casar, independentemente de autorização do representante legal. Além disso, faz-se necessária uma uniformização, visto que se aos dezoito anos se tem maioridade criminal, trabalhista e eleitoral, por que não adquirir a civil?
A gradativa redução da maioridade civil, já incorporada ao dia-a-dia das pessoas – por exemplo, como dito acima, ao dirigir automóveis, votar, trabalhar, casar etc – fez com que a inovação promovida trouxesse mais equilíbrio às relações jurídicas em alguns ramos do direito, trazendo à tona inúmeras discussões em outros.
Com efeito, “o Código Civil de 1916 foi elaborado em uma época completamente diferente dos dias atuais. O jovem de vinte e um anos não dispunha das mínimas e rudimentares condições de conhecimento, não existiam os meios de comunicação de hoje, com a TV e internet” (PEREIRA, 2002).
O instituto da maioridade civil, ou, na melhor técnica, da capacidade civil, advinda da cessação da menoridade, muito evoluiu desde o direito pré-codificado.
Neste período, conforme anota Lafayette (1956):
Vigoravam os princípios jus-romanísticos, que mantinham o indivíduo sob tutela perpétua e assistência paterna, considerava-se que a maioridade, por si só, não era hábil a atribuir plenitude do exercício dos direitos; o indivíduo, mesmo maior, continuava sob o pátrio poder, que vinha a cessar com o casamento, o estabelecimento com economia própria, a investidura em função pública.
Tal esclarecimento faz clara alusão ao instituto da emancipação, ainda hoje presente em nosso ordenamento jurídico, mas também afetado, em parte, pela nova maioridade civil.
O novo conceito de maioridade civil mostra-se de suma importância no cenário jurídico pátrio, dadas as inúmeras indagações acerca das suas repercussões nos mais diversos âmbitos do direito, notadamente no direito processual penal, como será analisado adiante.
3. Repercussões da nova maioridade civil no processo penal
A redução da maioridade civil, introduzida pelo artigo 5o do novo Código Civil, trouxe grandes repercussões ao direito processual penal.
E isto se deu pois, embora o direito civil se tenha como um dos ramos do direito privado, a rigor, é bem mais do que isto. Enfeixa os princípios de aplicação corrente, de aplicação generalizada e não restritiva à matéria cível. Nele, situam-se princípios que, em verdade, não lhe são peculiares nem exclusivos, mas constituem normas gerais que se projetam em todo o sistema jurídico, pois enunciam alguns institutos comuns a todos os ramos do Direito, tão bem manipulados pelo civilista quanto pelo publicista.
Com razão, embora se valha de institutos como o da capacidade civil, da representação legal etc, o Direito Processual Penal não os conceitua (como também não o faz o Direito Penal), tendo buscado suas definições na norma civilista.
Motivo este, sem embargo de respeitáveis posições em contrário, pelo qual não se pode pretender apartar absolutamente o direito civil do processo penal, negando possíveis conseqüências da redução da maioridade civil no sistema penal adjetivo, como defende o Prof. Heráclito Mossin.
Entende o ilustre doutrinador que:
Questão que pode surgir com a entrada em vigor do Código Civil é se a alteração no que diz respeito à maioridade civil pode exercer alguma influencia na área processual penal. A resposta, inexoravelmente, deve ser negativa. Com efeito, as normas do Código Civil não ostentam o condão de mudar preceitos inseridos no Código de Processo Penal, o que somente será possível por intermédio de processo legislativo específico (MOSSIN, 2004).
Não obstante, há de se salientar que não se pode confundir exegese estrita com imobilidade hermenêutica, pois a interpretação da norma deve se adaptar à época, atendendo aos fatores sociais, aperfeiçoando-se a norma imutável às novas teorias, à vitoriosa orientação da ciência jurídica.
Por outro lado, mesmo a par desta visão sistêmica do ordenamento jurídico, não se pode cometer a imprudência de declarar a total extensão dos efeitos de uma nova norma civil ao processo penal, sem antes se partir de critérios de interpretação que permitam tal ilação.
3.1. O artigo 2.043 do novo Código Civil
O novo Código Civil prevê em seu artigo 2.043 que:
Art. 2.043. Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código.
Tal artigo não pode ser tido como resposta às dúvidas quanto à possível extensão dos efeitos da nova maioridade civil aos dispositivos do Código de Processo Penal, vez que a questão não se reveste da pretendida simplicidade, merecendo uma análise mais aprofundada.
Não pode haver uma absurda obediência à literalidade do referido dispositivo legal, contrariando uma interpretação de forma sistêmica e teleológica, com embasamento em princípios constitucionais ou políticos maiores.
Ademais, acrescentando-se a todas as observações feitas, pode-se também argumentar a imperfeição do aludido artigo.
Tal dispositivo legal levanta séria dúvida quanto à real incidência do NCC às leis, em especial à lei processual penal, que é objeto desse trabalho. Apesar do legislador ter demonstrado sua intenção de não modificar quaisquer normas de natureza processual, administrativa ou penal, não deixou claro se a inexistência de modificação estaria restrita apenas àqueles preceitos que, a partir de 2002, foram acrescidos e incorporados ao CC ou também, ainda que implicitamente, àqueles preceitos que ali já contavam e que tinham reflexos nas normas penais, administrativas e processuais – como é o caso da maioridade (ARRUDA, 2003, p. 44).
Desta forma, não é possível aceitar que, de forma tão cômoda e simplista, a onipotência do legislador tenha impermeabilizado o sistema penal de tal forma que o tenha tornado absolutamente imune às profundas alterações do novo Código Civil, as quais produziram, sim, inevitáveis e axiomáticos reflexos sistêmicos no ordenamento jurídico pátrio.
3.2. Interpretação da lei: critério de análise
Impõe-se a formulação de critérios de interpretação da lei, a partir dos quais serão analisadas as conseqüências da alteração da maioridade civil no sistema penal instrumental.
No campo do direito processual penal, além da identificação da ratio legis, observar-se-á ainda outro critério orientador da interpretação da lei processual penal no tempo: a aplicação imediata da norma.
A interpretação da lei consiste numa atividade lógico-jurídica destinada a revelar a vontade da lei, em harmonia com todo o ordenamento jurídico, com a finalidade de aplicá-la aos casos concretos da vida real.
Interpretar uma lei, repita-se, é determinar-lhe com exatidão seu verdadeiro sentido, descobrindo os vários elementos significativos que formam sua compreensão, reconhecendo todos os casos a que se estende sua aplicação.
O primeiro critério para a interpretação da lei é o da identificação da sua ratio, que nada mais é do que a busca pela finalidade da norma, o seu escopo, o objetivo dado pelo legislador ao tempo de sua criação – daí porque a ratio legis, em verdade, constitui um dos elementos da interpretação teleológica, que é exatamente aquela que visa à indagação da vontade da lei, da sua intenção, ainda que em detrimento do sentido literal e terminológico das palavras.
Pesquisa-se a razão da norma, e verifica-se o que se pretendeu obter com a sua votação. Leva o intérprete em conta não existir o dispositivo isolado, porém articulado com outros dispositivos, e que a vontade legislativa não decorre de isolamento dos princípios que se completam e se esclarecem […]. A lei tem em vista um objetivo e se justifica por uma razão (PEREIRA, 2001, p. 127-128).
Logo, onde houver vinculação ao direito civil, notadamente ao instituto da capacidade civil, o processo penal deverá curvar-se à nova norma reguladora da maioridade civil e, portanto, ajustar-se. Afinal, “ubi eadem ratio idem ius”, ou seja, onde as mesmas razões, o mesmo direito.
Normas de direito processual penal, grosso modo, são todas aquelas que regulam o desenvolvimento do processo (início, meio e fim), estabelecem direitos e garantias jurisdicionais, bem como as formas de atuação pelos sujeitos processuais.
Toda norma de processo obedece ao princípio geral do efeito imediato, o que significa dizer que a lei nova será aplicada desde logo. É o que se infere da leitura do artigo 2o do Código de Processo Penal.
Insta salientar, contudo, que a aplicação imediata da lei processual penal superveniente não significa dizer que seja a mesma retroativa, pois tem aplicação somente a partir de sua vigência, atingindo o processo daí em diante.
Logo, todos os atos praticados na vigência da lei anterior continuam válidos; não há retroatividade. “E por atos já praticados deve-se entender também os respectivos efeitos e/ou conseqüências jurídicas”. (OLIVEIRA, 2004, p. 14)
A norma processual penal, caso não haja expressa disposição em contrário, provê unicamente para o futuro, isto é, os atos processuais que estão por cumprir-se realizar-se-ão de acordo com o estabelecido na nova lei, pouco importando que o processo haja sido ou não iniciado na vigência de lei anterior. Pouco importa também se ela é mais severa ou mais branda (TOURINHO FILHO, 2004, p. 112).
Observe-se, portanto que a norma terá incidência imediata, a menos que o legislador, expressamente, determine tenha a lei mais benigna ultratividade ou retroatividade.
A norma processual penal que tenha sido afetada pela modificação da maioridade civil terá, desta forma, aplicação imediata, sem prejuízo, entretanto, de todos os atos validamente praticados na vigência do Código Civil decaído.
A figura do curador no processo penal apresenta-se em três modalidades: curador ao indiciado ou réu menor (arts. 15, 262 e 449, CPP); curador ao enfermo mentalmente (arts. 149, §2o e 151, CPP); e curador especial, que atua como verdadeiro substituto processual (art. 33, CPP).
Ao estudo do tema ora proposto, interessa-nos apenas a primeira modalidade de curadoria, ou seja, a atuação do curador nomeado ao indiciado ou réu menor.
A figura do curador do indiciado ou do réu menor (entendido, à época da elaboração do Código de Processo Penal, como aquele que contasse com idade entre 18 e 21 anos) surgiu no processo penal como forma de se acautelar os interesses do menor, fosse na fase pré-processual ou mesmo após instaurada a ação penal, cabendo ao curador nomeado denunciar à autoridade judicial ou ao Ministério Público qualquer ilegalidade ou abuso de poder praticado em detrimento do menor.
Melhor no tema, Sérgio Demoro Hamilton (1996), com seu costumeiro brilhantismo, pergunta-se: “por que a lei exige a presença do curador assistindo ao menor (indiciado ou réu)? A providência legal tem por fim suprir a relativa incapacidade do menor, já imputável penalmente (art. 27 do CP), mas ainda incapaz perante a lei civil (art. 6o, inciso I do CC)”.
Logo, consistindo a função do curador em complementar a vontade do acusado relativamente incapaz para decidir sozinho sobre seus próprios atos, evidente que, atingida a maioridade civil, desaparece a razão da assistência do curador, pois a norma processual guarda relação com os atos processuais, não se vinculando ao ato delitivo.
Ressalte-se, entretanto, que a emancipação civil, em qualquer de suas modalidades, não apresenta relevância na órbita penal (ver item 3.4), pois a emancipação a que se refere a lei civil consiste apenas na aquisição da capacidade civil antes da idade legal. Perante a lei processual, porém, justifica-se a manutenção da proteção ao menor.
Nesse sentido, entende Magalhães Noronha (1986, p. 146), com apoio na doutrina majoritária, ao examinar a matéria, que:
A lei fala em menor e não incapaz; conseqüentemente, ainda que emancipado […] deve ser-lhe nomeado curador, embora atendendo à sua capacidade, não se lhe possa negar a palavra para se manifestar sobre qualquer ato processual, sem prejuízo de se ouvir também o curador.
Feita esta breve explanação sobre o papel do curador no processo penal, cumpre agora analisar, caso a caso (mesmo diante da possibilidade de se cair em repetições), a sua função no Código de Processo Penal, bem como as inegáveis repercussões trazidas pela instituição da nova maioridade civil agora aos 18 anos completos.
Dispõe o artigo 15 do atual Código de Processo Penal[1] que, na fase de inquérito policial, sendo o indiciado menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial.
Anote-se que tal exigência encontrava sua razão de ser na necessidade de se proteger os indiciados considerados menores pelo sistema civil. E tanto o era que o Supremo Tribunal Federal, ao determinar o alcance e o significado da atuação do curador no inquérito, afirmou que a sua função era a de complementação da vontade do acusado relativamente incapaz (segundo os parâmetros da norma civilista) para decidir sobre os seus próprios atos.[2]
Embora o artigo 15 do Código de Processo Penal refira-se tão somente ao indiciado menor e não especificamente ao jovem que tenha idade entre 18 e 21 anos, não se pode interpretar a norma em outro sentido senão o de que o legislador penal buscou resguardar os interesses do menor segundo a sua definição pela lei civil. E outro não poderia ser o entendimento, já que, abaixo dos 18 anos, o jovem é considerado inimputável, logo não poderia ter sido este o destinatário do aludido dispositivo.
Deste modo, identificada a ratio consubstanciada no artigo 15 do Código de Processo Penal, ou seja, revelada está a finalidade da nomeação de curador ao indiciado menor na fase pré-processual apenas como medida protecionista àquele que, até o advento do atual Código Civil, embora penalmente imputável, ainda era relativamente incapaz perante a lei civil e, portanto, inapto para a prática de atos processuais sem a devida assistência, tanto na esfera privada quanto na pública.
Respaldando este entendimento e buscando por fim a esta controvérsia, com muita propriedade, já se posicionou o grande mestre Tourinho Filho (2004, p. 269-271):
Se aos 18 anos, conforme a nova ordem, o cidadão adquire o pleno exercício dos seus direitos, parece-nos um não-senso exigir curador para o “menor” que ainda não completou os 21 anos […]. Ora, nada, absolutamente nada, impede que o operador do direito deixe de nomear-lhe curador, posto que o “menor”, no novo ordenamento, é aquele que ainda não completou 18 anos. E como este é inimputável, não se lhe nomeia “curador” […]. E não pode nem deve o operador do direito aguardar providencia legislativa adequando o texto do CPP ao novo CC. A adequação já pode ser feita.
Portanto, não há mais necessidade de nomeação de curador ao indiciado “menor”, vez que este não mais existe. Se aos 18 anos completos acaba a menoridade (art. 5o, CC), ele deixa de ser menor e, se deixa de ser menor, não há que se falar em curador àquele que seja maior e plenamente capaz.
Dispunha o artigo 194 do Código de Processo Penal[3] que, sendo o acusado menor, o seu interrogatório deveria ser realizado na presença de curador.
A curadoria do réu menor, nesta hipótese, assumia aspecto mais delicado em razão da ação penal já instaurada, vez que, “na fase processual, o curador terá que ser, necessariamente, um advogado, pois, como já registrado, encontra-se em curso uma ação penal contra o réu” (HAMILTON, 1996).
O dispositivo disciplinava o interrogatório judicial do menor de 21 e maior de 18 anos, exigindo a presença do curador no ato processual para evitar qualquer cerceamento ao menor. A razão de ser desta exigência apoiava-se, pois, na idéia de que o curador “supre, com sua presença e proteção, a falta da capacidade plena do curatelado”.[4]
Observe-se que “em face da circunstância de o menor de 21 ser relativamente incapaz, e para manter uma certa harmonia com o sistema, deve o juiz nomeá-lo um curador. Também nos parece que a palavra ‘curador’, no texto do art. 194, é o nomen iuris que se dá ao defensor do relativamente incapaz” (TOURINHO FILHO, 2001, p. 280).
Assim, o que se depreende da leitura do artigo 194 do Código de Processo Penal é que o legislador pretendeu conferir ao réu menor, dada a sua incapacidade relativa para os atos processuais, seja na vida civil ou na penal, uma maior proteção. Entretanto, a partir de uma análise sistêmica e teleológica, não se pode chegar a outra conclusão, senão a de que o defensor do menor, nomeado ou constituído, recebe a denominação de “curador”, não obstante seja o próprio defensor, já que, na fase judicial, se exige a habilitação do curador para o exercício da advocacia.
Logo, na prática forense, a nomeação do curador ao réu menor já recaía sobre a figura do seu defensor, importando apenas que houvesse a Defesa Técnica, e não propriamente a figura do curador.
Uma vez nomeado o curador, que deve ter habilitação técnica, não haverá necessidade de se nomear também um defensor [e vice-versa]. Curador e defensor, para o CPP, são uma e só pessoa. Trata-se de propriedade de termo […]. Como no Processo Civil se nomeia curador aos absoluta ou relativamente incapazes, entendeu o legislador processual penal de rotular com o nomen iuris de “curador” àquele que patrocina a defesa dos réus absoluta ou relativamente incapazes (TOURINHO FILHO, 2002, p. 466).
Coadunando com o entendimento de que a figura do curador ao réu menor, em sede de interrogatório, já se fazia desnecessária diante da presença da defesa técnica, andou bem o legislador ao revogar expressamente o artigo 194 do Código de Processo Penal, por meio da Lei n.º 10.792/03, consolidando a posição de grande parte da doutrina e a tendência da jurisprudência, tornando não mais exigível a presença (ou sequer nomeação) de curador para o menor de 21 anos (e maior de 18, por certo).
Observe-se, como bem asseverou Warley Belo (2003) que:
A ab-rogação, em si, do art. 194 nenhum malefício mais importante será capaz de exsurgir ao réu, tendo em vista que a mesma lei exige a presença do defensor, nomeado ou constituído, no interrogatório do réu […]. O interrogatório, sem defensor e sem curador, desde o sempre, deveria ser considerado nulo absolutamente, presumindo-se o prejuízo […]. Já o interrogatório sem curador, mas com defensor, nenhuma nulidade absoluta poderia causar. Portanto, substancialmente, não há novidades.
Portanto, desnecessária a figura do curador no interrogatório do réu menor de 21 anos, não só por se ter cessada a menoridade e incapacidade deste para a prática de atos processuais desde os 18 anos, de acordo com o novo Código Civil, mas também por ter tal exigência sido abolida pela Lei n.º 10.792/03, que revogou expressamente o artigo 194 do Código de Processo Penal.
“Curador é o nome que se dá à pessoa idônea que protege os interesses do menor (entre 18 e 21 anos) face sua incapacidade relativa. Ou seja, pode o menor, por ser imputável, ser réu em ação penal, porém deveria ter sua incapacidade suprida com a presença do curador”. (RANGEL, 2005, p. 242)
Muito embora, até o momento, tenha-se discutido a presença do curador tão somente durante o interrogatório, seja durante a fase inquisitiva ou já em juízo, há de se ressaltar que incumbe ao curador mais do que simplesmente isto.
Não se exaure aí a presença do curador na defesa dos interesses do menor, suprindo sua relativa incapacidade. Ele, curador, deverá estar presente a qualquer ato de que participe o réu, tal como ocorre com a acareação ou o reconhecimento de pessoa. Sua atuação será, tal como ocorre com o interrogatório, a de fiscalização do ato e de aconselhamento ao menor, sem, no entanto, participar da providencia processual de forma direta (HAMILTON, 1996).
Note-se, pela redação do artigo 262 do Código de Processo Penal[5], analisado em conjunto com o artigo antecedente[6], que pretendeu o legislador apenas deixar bem claro que ninguém será processado sem defesa técnica, indiferentemente do nomen iuris dado a esta (defensor ou curador). Ou seja, ao acusado deverá ser nomeado quem lhe promova a defesa, ou seja, profissional habilitado para o exercício da advocacia, caso já não o tenha constituído.
E, como já foi dito anteriormente, o curador nada mais é do que o defensor do menor, desempenhando função equivalente ao do advogado que patrocina a causa de qualquer outro acusado (maior).
Logo, cessada a menoridade agora aos 18 anos completos, não se pode mais cogitar da nomeação de curador ao indivíduo que tenha entre 18 e 21 anos. Contudo, permanece a exigência de nomeação de defensor a qualquer acusado (maior ou menor), razão pela qual, embora não mais se justifique a subsistência da figura do curador ao menor, em qualquer fase do processo, a extirpação desta figura de forma alguma trará prejuízos ao acusado que, de uma forma ou de outra, sendo menor ou não, já se encontrava assistido, necessariamente, por defesa técnica.
Portanto, mais uma vez, repita-se: em razão do novo patamar etário em que agora se atinge a maioridade civil, desaparece a figura do curador ao réu menor (de 21 anos), pois a ratio legis consubstanciada no artigo 262 do Código de Processo Penal, que foi a de garantir ao acusado menor a assistência de defesa, continua perfeitamente atendida, agora, pela nomeação tão somente de defensor ao acusado, não mais menor, que tenha entre 18 e 21 anos de idade (ou simplesmente qualquer idade acima dos 18 anos).
A par das especificidades do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, em comum com os demais procedimentos está a também exigência da realização do interrogatório do acusado, desde que devidamente assistido por defesa técnica.
Este o teor do artigo 449 do Código de Processo Penal:
Art. 449. Apregoado o réu, e comparecendo, perguntar-lhe-á o juiz o nome, a idade e se tem advogado, nomeando-lhe curador, se for menor e não o tiver, e defensor, se maior. Em tal hipótese, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido.
O que quis dizer o legislador com tal artigo foi que, sendo o acusado maior, ser-lhe-á nomeado “defensor”; sendo, entretanto, menor, ser-lhe-á nomeado “curador”. Vê-se, portanto, conforme já exaustivamente mencionado neste estudo, que a distinção entre a figura do defensor e a do curador é meramente terminológica, visto que ambos desempenham a mesma função no processo penal: a de promover a defesa e resguardar os interesses do acusado, menor ou não.
Mais uma vez, ressalte-se que a exigência de nomeação de curador justificava-se em razão da menoridade do acusado, até os 21 anos incapaz para a prática independente de atos processuais, e, desta forma, deveria ser assistido em todos os atos do processo.
Diante da vigência do novo Código Civil:
Na medida que aos 18 anos ele [réu menor] alcança a capacidade plena, apto para todos os atos da vida civil, não faz sentido que no processo penal permaneça sendo tratado como incapaz relativamente, necessitando de alguém para suprir sua incapacidade [não mais existente], como o faz o curador (RANGEL, 2005, p. 241).
E novamente deve-se insistir: a situação do réu maior de 18 e menor de 21 anos, quando do seu interrogatório em ação penal de competência do Júri (bem como nos demais procedimentos) em nada mudou, quanto menos piorou, pois continuará o acusado a ser assistido por defesa técnica, com a única peculiaridade de, agora, denominar-se apenas “defensor” e não mais curador, dada a cessação da menoridade a partir dos 18 anos.
Nulidade é uma sanção emanada do Órgão Jurisdicional em relação a um ato praticado com desobediência aos parâmetros normativos. É a decretação da ineficácia do ato imperfeito, defeituoso. Nulidade, no Código de Processo Penal, indica, assim, não só a razão da imperfeição do ato como também a sanção, a conseqüência de sua deficiência.
Registre-se, entretanto, que, a teor do artigo 563 do Código de Processo Penal[7], o legislador pátrio consagrou, em matéria de nulidades dentro do sistema processual penal, o princípio da pas de nullité sans grief. Ou seja, não haverá nulidade sem prejuízo e nem de ato processual que não tenha influenciado na apuração da verdade real ou na decisão do feito.[8]
Posto isto, interessa-nos perquirir, após a conclusão extraída da análise dos artigos 15, 194 (revogado), 262 e 449 do Código de Processo Penal, de que não mais subsiste a necessidade da nomeação de curador ao acusado “menor” (entendido como aquele com idade entre os 18 e 21 anos), quanto à aplicabilidade ou não do artigo 564, inciso III, alínea “c” do Código de Processo Penal, que dispõe, in verbis:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
(…)
III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
(…)
c) a nomeação de defensor ao réu presente, que não o tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos.
Poder-se-ia imaginar, como fez José Henrique Torres, que a norma contida no citado artigo não guarda relação com a ratio legis dos arts. 15, 194 (revogado), 262 e 449 do Código de Processo Penal, apenas em razão daquele fazer referencia ao menor de 21 anos, e não simplesmente ao “menor”.
Em primeiro lugar, entretanto, há de ser lembrado que, embora os arts. 15, 194, 262, 449 e 450 do CPP façam referencia apenas ao “menor”, sem fazer referencia à faixa etária que abrange este conceito, dando mesmo a impressão de que se refere ao “menor civil”, o art. 564, III, dispõe, como sempre o fez, que ocorrerá nulidade quando não houver nomeação de curador “ao menor de 21 anos”. Como se vê, a interpretação sistêmica do CPP impõe a conclusão que os seus arts. 15, 194, 262, 449 e 450 estão fazendo referência, obviamente, ao menor de 21 anos e não simplesmente ao menor (TORRES, 2003).
Não obstante as louváveis ponderações do mesmo autor acerca dos efeitos da nova maioridade civil na ordem penal, ousamos discordar, neste ponto, de seus argumentos.
Já foi esclarecido nos itens anteriores que “se, porventura, o réu for menor de 21 anos, não se lhe nomeia defensor, mas sim curador. Este, já o dissemos, é o nomen iuris que se dá ao defensor do réu absoluta ou relativamente incapaz” (TOURINHO FILHO, 2001, p. 130). Pelo que, obviamente, se conclui que o defensor está para o réu maior como o curador para o incapaz – “curador” é o rótulo que se dá ao defensor do menor, portanto.
Logo, o que se pode concluir quanto aos efeitos da nova maioridade civil sobre o artigo 564, III, “c” do Código de Processo Penal?
Ao passo que o artigo 15 da lei processual apresenta-se à luz do intérprete como uma norma imperfeita, já que revestida de preceito, mas destituída de sanção; o artigo 194 (embora revogado), que remete aos arts. 262 e 449, “exsurge como uma norma perfeita, pois, ao lado do preceito nela contido, existe a sanção decorrente de sua inobservância, qual se colhe da leitura do art. 564, inciso III, letra ‘c’ da lei instrumental básica” (HAMILTON, 1996), que fulmina com a nulidade a falta de nomeação de curador ao réu menor de 21 anos.
A partir deste entendimento, pode-se destacar duas posições que, embora distintas, levam à mesma conclusão. Vejamos:
1a posição: não sendo o menor de 21 anos considerado mais como menor, a sua defesa ficaria então a cargo de um defensor, constituído ou dativo. Logo, o “menor” já se encontraria assistido por defesa técnica, dispensando a exigência de nomeação de curador para promover-lhe a defesa. Pois que, ao réu maior, não se nomeia curador, mas sim defensor.
2a posição: suponha-se, porém, que, de fato, a intenção do legislador fosse a de exigir nomeação de curador ao menor de 21 anos, sem que tal idade tenha sido estabelecida em razão da maioridade civil à época vigente, mas por pura discricionariedade legislativa. Ainda assim, a partir do entendimento de que a nulidade decorre do descumprimento de uma exigência legal e que tenha ocasionado prejuízo, preceito legal este contido na norma do artigo 194 do Código de Processo Penal, revogado expressamente pela Lei n.º 10.492/03, dispensável, por conseqüência, a nomeação de curador ao réu menor durante o interrogatório (desde que devidamente assistido por defensor), tornando-se inaplicável o dispositivo previsto no artigo 564, III, “c”, última parte, do Código de Processo Penal.
Deste modo, “se o incapaz tiver defensor constituído ou dativo, deverá o juiz nomeá-lo seu curador para… atender às exigências da lei [somente], não há razão séria que justifique a anulação da ação penal se não se nomeou curador ao incapaz com defensor constituído ou dativo” (TOURINHO FILHO, 2001, p. 130).
Partidário desta 2a posição, entende Paulo Rangel (2005, p. 241) que:
O fato do CPP (art. 564, III, c, última parte) estabelecer que haverá nulidade perde toda sua razão de ser porque se não há o vício (ausência de curador) não pode haver a conseqüência (sanção de nulidade). Não se invalida um ato que não se pratica. A permanência física do art. 564, III, c é fruto do que sempre rebatemos, que é a reforma pontual de um código.
Por conseguinte, tendo o legislador instituído tal hipótese de decretação de nulidade tão somente para assegurar o direito de ampla defesa ao acusado menor, supostamente cerceado ante a ausência de nomeação de curador, passando o acusado entre 21 e 18 anos a não ser menor e, portanto, a ser agora assistido por um defensor, não há que se argüir qualquer prejuízo ou ofensa a garantia constitucional.
No mesmo diapasão já dispunha a Súmula 352 do Supremo Tribunal Federal, ao afirmar expressamente que “não é nulo o processo penal por falta de nomeação de curador ao réu menor que teve assistência de defensor dativo”.
E, para usar os argumentos do próprio jurista, José Henrique Torres, que defende a manutenção da figura do curador, mesmo com o advento da nova maioridade civil, entendemos que, já estando o réu assistido por defensor, “no espaço ético em que se permite o deslinde de uma controvérsia de dimensão jurídica, a nomeação de curador não pode ser realizada tão-só para garantir a regularidade formal dos atos praticados” (TORRES, 2003, p. 108).
Logo, por todas as razões expostas acima, a norma contida no artigo 564, III. “c”, última parte, com a alteração na maioridade introduzida pelo novo Código Civil, tornou-se, a nosso sentir, obsoleta e de dispensável aplicabilidade, vez que não mais existe a figura do curador ao acusado “menor” (maior de 18 e menor de 21 anos).
O Código de Processo Penal, em distintas oportunidades, faz referencia à figura do representante legal sem, contudo, conceituar-lhe. Omissão esta presente também no direito penal, o que nos leva à irrefutável conclusão de que o legislador penal buscou tal definição na norma civilista.
Observe-se que o CPP não diz quem é o representante legal do maior de 18 e menor de 21 anos. Se esse representante é legal, está previsto em lei, e como o CPP não disciplinou a matéria, segue-se haver o legislador processualista penal, nesse particular, se abeberado em normas do Código Civil, sede própria, embora não exclusiva, para regular a capacidade das pessoas (TOURINHO FILHO, 2003).
Portanto, assim como no âmbito privado, também no sistema penal, como muito bem coloca Caio Mário (2001, p. 396-397):
Na representação, é presente uma idéia essencial: desde que o representante procede, atua, emite vontade em nome do representado, que é quem se torna obrigado ou adquire direitos, necessita, para assim proceder, e, com tais conseqüências, de estar investido de um poder. É o poder de representação, pois, a alma do instituto, e é nele que repousa a sua fundamental valia e a explicação do desbordamento dos efeitos do negócio jurídico da pessoa de quem o pratica, e sua percussão na esfera jurídica de quem nele não é parte direta […]. Dá-se a representação legal ou de ofício, quando o poder emana diretamente de determinação legislativa. Está neste caso a dos incapazes, que não podem […] intervir pessoalmente nos atos jurídicos.
Destarte, transportado ao processo penal, o representante legal assume as mesmas funções: de atuar em nome daquele que não tenha capacidade plena para o exercício de todos os atos da vida jurídica, como era o caso dos menores de 21 anos, antes do advento do novo Código Civil.
Com a vigência do novo diploma civil, sabe-se que a menoridade agora cessa aos 18 anos, habilitando os jovens para a prática de atos jurídicos nas mais diversas esferas jurídicas, ou seja, adquirem a plena capacidade.
Em razão desta modificação, não há mais que se falar em representante legal do menor de 21 e maior de 18 anos, vez que este não é incapaz e, portanto, não necessita de assistência para qualquer ato processual que seja.
No âmbito do direito processual penal, destacam-se as possíveis repercussões da maioridade sobre o instituto da representação legal em especial na ação penal privada. Com efeito, assim dispõe o artigo 30 do Código de Processo Penal[9] que a iniciativa da ação penal privada compete ao ofendido ou ao seu representante legal, e, a partir deste dispositivo, desdobram-se alguns outros a respeito da ação penal privada, como a legitimação para o exercício do direito de queixa, para a renúncia deste e para o perdão.
Ao presente estudo, porém, tem relevância apenas a análise dos dispositivos que disponham sobre a legitimação do menor de 21 anos e maior de 18, cuja situação foi substancialmente afetada pelo novo Código Civil, que não mais o considera incapaz e, por conseqüência, dispensa a assistência do representante legal.
Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.
Vale lembrar que, embora o ius puniendi pertença exclusivamente ao Estado, este transfere ao particular o direito de acusar (ius accusationis) quando o interesse do ofendido sobrepõe ao menos relevante interesse público, nos delitos cuja repressão interessa muito de perto apenas à vítima. Institui-se então a ação penal privada, espécie de substituição processual, em que se defende direito alheio em nome próprio.
Direito de queixa, portanto, é o direito de provocar a jurisdição na ação penal privada, tal qual a denúncia na ação penal pública, com a diferença quanto ao seu exercício, que naquela é facultativo, por ser regida pelo princípio da oportunidade, e disponível, cabendo a renúncia e o perdão, temas que serão abordados mais adiante.
O artigo 34 do Código de Processo Penal traz a dupla legitimação ativa ou legitimação concorrente para o oferecimento da queixa, o que se traduz na autorização legislativa para tanto o próprio ofendido quanto o seu representante ofertarem a queixa na ação penal privada.
Neste particular, urge se fazer, ainda que brevemente, a diferenciação entre a legitimação ad causam e legitimação ad processum, tanto do ofendido quanto do seu representante legal.
O ofendido, no processo penal, é o titular do ius accusationis nos denominados crimes de ação penal privada, cabendo-lhe, por isso, o direito de queixa. Em tais delitos, a persecução penal tem, no sujeito passivo da infração penal, a pessoa investida da legitimidade ad causam para a propositura da ação penal (MARQUES, 2001, p. 153).
Deste modo, entende-se terem legitimação ad causam aquelas pessoas pela lei legitimadas para pleitear em juízo aquilo que lhes é devido. A legitimação ad causam consiste, assim, na legitimidade para agir, “na pertinência subjetiva da ação” (BUZAID, 1956).
Relativamente ao ofendido, destaca-se sua legitimação ad causam extraordinária, pois, muito embora possa promover a ação penal privada, o faz atuando na defesa de direito alheio, pois o único titular do ius persequendi é o Estado. Atua o ofendido, portanto, na qualidade de verdadeiro substituto processual.
No dizer de Calamandrei (1944, p. 244), o substituto processual está legitimado a defender em juízo o direito de outrem, visto que “entre ele e o substituído existe uma relação ou situação jurídica de caráter substancial, pela qual através do direito do substituído, vem o substituto a satisfazer interesse que lhe é próprio”.
A parte legitimamente autorizada a agir na [ação penal] de iniciativa privada é, como substituto processual, o ofendido ou quem legalmente o represente. Sendo menor ou interditado, o ofendido terá legitimidade para a causa mas só poderá agir (legitimidade ad processum) representado” (BOSCHI, 1997, p. 114).
A legitimação ad processum, a seu turno, “é um pressuposto processual, é a capacidade de estar em juízo. Segundo o ensino de Amílcar de Castro, ela ´consiste na faculdade de praticar atos processuais válidos, a que sejam atribuídos efeitos jurídicos´” (BOSCHI, 1997, p. 114). “É a capacidade para estar no pólo ativo, em nome próprio, e na defesa de interesse próprio” (CAPEZ, 2003, p. 105).
Assim, o ofendido maior de 18 e menor de 21 anos, na ação penal privada, até o advento do novo Código Civil, necessitava de ser assistido em seus atos pois, muito embora possuísse legitimação para a causa, faltava-lhe a capacidade plena para a prática dos atos processuais, a qual era suprida pela figura do representante legal, dotado de legitimação ad processum.
“Esse representante legal não exerce, quando em juízo, um direito próprio, para a tutela de interesse seu, e sim do incapaz que representa, uma vez que este, embora titular do ius querelandi, não tem capacidade processual para estar em juízo” (MARQUES, 2000, p. 81).
Assim, note-se que, novamente, que a intenção da norma, ao permitir o exercício do direito de queixa também pelo representante legal do ofendido menor foi a de proteger o mesmo, não só contra represálias de seus ofensores, mas também contra as inconseqüências de (seus próprios) atos impensados.
Com essa forma de representação, diz Battaglini, embora a lei reconheça plena capacidade de exercício ao titular do direito de queixa, preocupa-se, por outro lado, em evitar conseqüências advindas da inexperiência do menor [com mais de 18 anos], prejudiciais aos interesses deste e à função punitiva do Estado (MARQUES, 2001, p. 156-157).
Diante, pois, da clara vinculação entre a figura do representante legal no processo penal e o instituto da capacidade civil, alterado pela nova maioridade do Código Civil vigente, “nesse particular, nenhuma eficácia tem o art. 2.043 do novo CC, que não pode impedir os efeitos da inexistência de representação legal para os maiores de 18 anos de idade plenamente capazes” (TORRES, 2003, p. 109).
Nos termos do artigo 5o do atual Código Civil, conclui-se, então, que não mais se admite representação legal para os maiores de 18 anos e, se este Codex aboliu o referido instituto, temos que a parte final do artigo 34 do Código de Processo Penal tornou-se inaplicável (salvo quando, excepcionalmente, por enfermidade ou interdição, o ofendido maior venha a ser representado).
Perdeu todo o sentido falar-se, pois, em dupla titularidade do direito de queixa sendo o ofendido maior de 18 anos, pois, a partir desta idade, o indivíduo já pode praticar validamente todos os atos processuais, sem necessidade de qualquer cautela extra (como o é a assistência de um representante legal).
Desaparecendo a legitimação concorrente, cabendo somente ao ofendido, entre os 18 e 21 anos (ou, simplesmente, maior de 18 anos) a legitimidade para promover a competente ação penal, desaparece também a Súmula 594 do Supremo Tribunal Federal[10], que legitimava tanto o ofendido como seu representante legal, “pois, se tinha representante legal e podia oferecer queixa ou representação, é porque tinha entre 18 e 21 anos. Logo, hodiernamente, somente ele, ofendido [com mais de 18 anos], pode fazê-lo. A súmula está, automaticamente, cancelada” (RANGEL, 2005, p. 240).
Não existe mais representante legal de pessoa natural que já completou 18 anos. Por conseqüência, não existe mais a possibilidade de dupla legitimação para o oferecimento de queixa: ou o ofendido é menor de 18 anos e só o seu representante tem legitimação (art. 33, CPP); ou ele já completou esta idade e o exercício do direito de queixa é exclusivamente seu.
Por fim, importante salientar que, neste contexto, os procedimentos penais, cujas ações se enquadram na hipótese ventilada no artigo 34 do Código de Processo Penal, que estiver em curso apenas por vontade do representante legal e contra a vontade do ofendido maior de 18 anos, serão extintos. Poderão prosseguir, porém, mediante a apresentação da peça hábil pelo ofendido em até 60 dias, sob pena de perempção (art. 60, inc. II, CPP). A situação, grosso modo, equivaleria aos casos de incapacidade superveniente do representante para continuar no pólo ativo da ação privada.
A renúncia é ato unilateral de desistência do direito de ação pelo ofendido e acarreta, por conseqüência, a extinção da punibilidade do agente, nos termos do artigo 107, inciso V, 1a parte do Código Penal.
Por evidente que “a renúncia antecede à propositura da ação penal, isto é, iniciada a ação penal, já não haverá lugar para a renúncia. É, assim, incompatível com a queixa proposta e recebida. Após a propositura da queixa, poderá ocorrer apenas a perempção e o perdão do ofendido” (MIRABETE, 2001, p. 393).
Neste ponto, para evitar (mais) repetições, basta apenas relembrar que o instituto da representação legal, no sentido de alguém poder atuar legalmente em nome de outrem, é matéria da alçada do Código Civil. Assim, se o atual Código Civil não mais admite representação legal dos maiores de 18 e menores de 21 anos, não se pode pretender que o artigo 5o do Código Civil não tenha atingido dispositivos do Código de Processo Penal.
E, consoante o entendimento esposado quanto ao exercício do direito de queixa, desaparecendo a razão de ser do representante legal do maior de 18 anos, desaparece por via reflexa também a dupla legitimação para renunciar ao direito de queixa, independentemente do disposto no artigo 50 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal[11].
Note-se que, diferentemente dos demais artigos que tratam da legitimação do jovem entre 18 e 21 anos na ação penal privada, o artigo 50 do Código de Processo Penal fala somente em ofendido maior de 18 anos e seu representante legal.
Assim, no entendimento de Paulo Rangel (2005, p. 241):
O parágrafo único supra não tem mais razão de ser, estando portanto revogado por falta de objeto, qual seja: o representante legal daquele que tem 18 anos de idade, salvo nos casos excepcionais previstos nos arts. 3o e 4o do CC. Hodiernamente, se o ofendido tem 18 anos e não quer exercer direito de queixa [renúncia tácita], ninguém poderá fazê-lo em seu lugar. Salvo no caso (excepcional) de sucessão processual (art. 31. CPP). Portanto, completados 18 anos de idade, cessa sua menoridade, não havendo legitimidade para seu pai (ou mãe) exercer o direito de queixa no seu lugar, caso não queira fazê-lo. Se fizer, haverá ilegitimidade ativa ad causam, acarretando nulidade do processo.
Portanto, a regra, segundo a qual se o ofendido estivesse na faixa etária entre 18 e 21 anos, a renúncia poderia ser exercida por ele tanto quanto pelo seu representante legal, já ficou no passado, uma vez que o Código Civil fixou aos 18 anos o fim da menoridade. Assim, ao atingir esta idade, a pessoa não mais terá representante legal, salvo se mentalmente enferma.
3.4.3. Concessão e aceitação do perdão na ação privada (arts. 52 e 54, CPP)
Não só a renúncia ao direito de queixa, mas também o perdão na ação penal privada tem o condão de extinguir a punibilidade do agente (art. 107, inc. V, 2a parte, CPP).
O perdão do ofendido é a revogação do ato praticado pelo querelante, que desiste do prosseguimento da ação penal. Não havendo queixa devidamente recebida, não há que se falar em perdão. O fato poderá constituir-se, porém, em renúncia ao direito de queixa. (MIRABETE, 2001, p. 395)
Diferentemente da renúncia, o perdão é ato bilateral, não produzindo efeitos ante a ausência de aceitação pelo querelado. Daí porque dispõe o Código de Processo Penal não só sobre a concessão do perdão (art. 52, CPP)[12], mas também quanto a sua aceitação (art. 54, CPP)[13], ambas as hipóteses igualmente afetadas pelo novo Código Civil.
Com efeito, em ambos os dispositivos o legislador, mais uma vez, estabeleceu a dupla legitimação (ativa e passiva), agora em relação ao perdão, concedido e aceito, pelo menor de 21 e maior de 18 anos.
Assim, o direito de perdão, antes do advento da nova maioridade civil, podia ser exercido também pelo representante legal do querelante e, da mesma forma, aceito pelo representante legal do querelado (prevalecendo, sempre, nestes casos, a vontade do ofendido ou do réu).
Neste tocante cabe, porém, tal qual aos dispositivos anteriormente analisados, a observação de que, extirpada do ordenamento jurídico a figura do representante legal do maior de 18 anos plenamente capaz, a legitimação para conceder e aceitar o perdão, na vigência do novo Código Civil, agora passa a ser exclusivamente do querelante e do querelado maior, respectivamente.
Nesse caso, só quem pode conceder ou aceitar o perdão é o ofendido que se encontra com 18 anos de idade, que é plenamente capaz para todos os atos, inclusive no âmbito processual penal. Do contrário, haverá, por força da lei processual penal, um retrocesso social, ou seja, continuará o ofendido sendo tratado como menor no processo penal e dependendo dos pais para tudo, mas não mais o será e dependerá pelo NCC. (RANGEL, 2005, p. 241)
A título de argumento apenas: uma ação penal de natureza privada que esteja em curso apenas por vontade do representante legal, onde o ofendido é maior de 18 anos, só ele, a partir da vigência do atual Código Civil, pode movimentá-la, pois aquele que deu início à ação penal (o representante) não tem mais legitimidade para a prática de nenhum ato. Não há como negar que a pessoa que, pela lei anterior podia movimentar a ação contra a vontade do ofendido, agora não pode mais, assim como não há falar em preponderância do perdão do representante contra a vontade do ofendido maior de 18 anos. Na mesma direção, basta que o ofendido fique inerte para a ação perimir.
Já analisado com maior minúcia as repercussões da nova maioridade civil sobre o direito de queixa na ação penal privada, em relação ao direito de representação na ação penal pública condicionada, pelas mesmas razões, a interpretação que adotamos segue o mesmo raciocínio: ante a inexistência, na nova ordem jurídica, de representante legal do maior de 18 anos, torna-se este o único legitimado a oferecer representação na ação penal pública que dela dependa.
No que respeita à capacidade para o oferecimento de representação para a ação penal pública condicionada, as novas regras do Código Civil acerca da menoridade (art. 4o e art. 5o), bem como a norma do art. 2.043 do mesmo Código, na qual se cuida da manutenção da vigência das disposições penais e processuais referentes aos vários temas tratados em outras vertentes do Direito (incluindo a menoridade) suscitam alguns questionamentos. Isso se dá, em relação à matéria de que ora cuidamos, sobretudo quanto à possibilidade do antigo representante legal do ofendido, maior de dezoito e menor de vinte e um anos, poder oferecer representação, isto é, autorizar a persecução penal. No ponto, remetemos o leitor ao item 4.6.1. [legitimação ativa na ação penal privada], adiante, onde se examinará, em maior extensão, as aludidas e possíveis conseqüências da superveniente legislação civil. Por ora, deixamos consignado: a interpretação que se nos afigura mais adequada é a seguinte: completados dezoito anos, cabe somente ao ofendido o oferecimento da representação (OLIVEIRA, 2004, p. 115).
Na revogada ordem jurídica da vigência do Código Civil de 1916, eram considerados absolutamente incapazes as pessoas com menos de 16 anos, sempre representados; e relativamente incapazes os indivíduos com idade entre 16 e 21 anos, necessitando de assistência para a validade de atos por eles praticados.
Não obstante tal disposição, o Código de Processo Penal adotou o patamar mínimo de 18 anos para conferir ao indivíduo legitimação para qualquer ato processual, ainda que assistido por representante legal. E assim o era.
Com o advento do novo Código Civil, conforme exaustivamente analisado ao longo deste capítulo, desapareceu a figura do representante legal do maior de 18 anos e, por via reflexa, também a legitimação concorrente ou dupla legitimação para o exercício do direito de queixa (e representação).
Diante deste novo cenário, alguns poderão se atormentar com a seguinte dúvida: se os antes relativamente incapazes (entre 18 e 21 anos) podiam exercer o direito de queixa e representação, sendo agora relativamente incapazes aqueles com idade entre 16 e 18 anos, também a eles assiste tais direitos?
Por mais lógica que possa parecer a pretendida “transferência” de legitimação, de todo descabida, entretanto.
Note-se que, embora tenha o Código de Processo Penal sido elaborado na vigência do Código Civil de 1916, o legislador no campo penal fez abstração da capacidade relativa instituída neste diploma, conferindo apenas aos relativamente incapazes maiores de 18 anos (excluindo, portanto, os maiores de 16 e menores de 18) a legitimação para a iniciativa da ação penal, privada ou pública condicionada.
Portanto, mesmo diante da nova maioridade civil, o entendimento mais acertado é o de que os maiores de 16 e menores de 18 permanecem na mesma condição, pois a eles não foi conferida qualquer legitimação pelo Código de Processo Penal, e muito menos poderia, por pura ilação, ser pelo novo Código Civil.
Repita-se: àqueles que o legislador penal quis atribuir legitimação para movimentar autonomamente (ainda que de maneira não exclusiva) a jurisdição, ele o fez expressamente, sem remeter aos relativamente incapazes, mas simplesmente aos maiores de 18 e menores de 21 anos.
A ratio de tal legitimação, assim, não reside na incapacidade relativa estabelecida na lei civil, mas na discricionariedade do legislador.
Embora a nova lei civil estabeleça que o maior de dezesseis anos (e menor de 18) seja, agora, relativamente incapaz, e não mais absolutamente incapaz, não se poderá pensar em reconhecer a ele qualquer capacidade processual para as ações penais: nem para figurar como réu (sem considerar a questão de inimputabilidade no campo penal), nem tampouco para ingressar como querelante, na ação privada (OLIVEIRA, 2004, p. 126).
Há ainda aqueles que defendem que talvez tenha o legislador fixado tal patamar etário por entender que estaria autorizado a intentar ação penal somente aquele que também estivesse apto a responder criminalmente pelas conseqüências de seus atos (crime de denunciação caluniosa – art. 339, CPB[14]).
Logo, sendo o maior de 16 e menor de 18 anos penalmente inimputável, não podendo responder pela instauração de processo criminal com base em falsa imputação de crime a alguém que sabia ser inocente, também não se lhe deve ser reconhecida a capacidade para a propositura de referida ação penal.
Muito embora a entrada em vigor do novo Código Civil, com a efetiva vigência e aplicação da norma que reduz a maioridade civil, num primeiro momento, dê azo a uma considerável celeuma de posições doutrinárias, principalmente acerca da acomodação dessa regra às normas interdependentes hauridas de outros ramos do Direito, o operador do direito deve fazer um esforço de exegese e hermenêutica para evitar contradições dentro de uma ordem jurídica.
No campo do direito processual penal, analisada a possibilidade de extensão dos efeitos da nova maioridade civil aos dispositivos do Código de Processo Penal sob a ótica da razão da norma e apoiada no princípio da aplicação imediata da lei processual penal, concluiu-se que foram profundamente afetados pela norma civil os artigos 15, 262, 449 e 564 do Código de Processo Penal (referentes à nomeação de curador ao acusado menor), bem como os arts. 34, 50, 52 e 54, do mesmo Diploma (que tratam da legitimação do representante legal do ofendido menor na ação penal privada).
Assim, considerando que a nomeação de curador nos atos processuais penais, incluindo o próprio inquérito policial, era feita apenas aos relativamente incapazes tidos como imputáveis criminalmente (com idade entre 18 e 21 anos), é possível concluir que a regra anteriormente aplicada tornou-se incompatível com a nova ordem legal.
Note-se que, portanto, não encontramos mais qualquer sentido quando a lei processual penal declina as expressões indiciado ou acusado menor, já que, hoje, a maioridade absoluta equipara-se à imputabilidade penal, ocorrendo, salvo melhor juízo, uma revogação tácita dos artigos atinentes à nomeação de curador ao indiciado durante o inquérito policial e também no interrogatório do réu.
Já em relação ao exercício do direito de queixa, renúncia, concessão e perdão na ação penal privada, adotamos raciocínio análogo ao esmiuçado quanto à figura do curador, pois, não mais existindo representação legal do maior de 18 anos, inexiste, do mesmo modo, legitimação concorrente que confira ao representante legal do ofendido que tenha entre 18 e 21 anos iniciativa de ação penal privada, bem como poder de disposição quanto a esta.
Em breve tópico, adotamos também o mesmo entendimento quanto ao exercício do direito de representação, este, na vigência do novo Código Civil, cabível apenas ao ofendido, quando maior de 18 anos e plenamente capaz.
Embora a interpretação do artigo 2.043 do Código Civil vigente possa parecer a mais razoável (a mais cômoda, por certo é), não deve prevalecer, por todos os motivos expostos no decorrer deste trabalho.
Assim, em conclusão, embora não haja como negar a urgente necessidade de uma reforma da legislação penal, não pode o operador do direito manter-se inerte diante da nova ordem jurídica, devendo, desde já, adequar as normas vigentes a realidade, buscando sempre atender aos princípios orientadores da administração da Justiça, especialmente para evitar que a controvérsia seja resolvida segundo a velocidade e temperança da jurisprudência, sempre mais cadenciada e oscilante, quando a lei poderia, mais clara e rapidamente, promover o uniforme tratamento das questões civis e seus reflexos no sistema penal brasileiro.
Advogada em Belo Horizonte/MG
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…