Resumo: Trata o presente artigo da observação panorâmica dos avanços sociais e humanitários da norma constitucional brasileira, em busca da efetividade no pagamento do precatório judicial. Ainda, fazer uma abordagem inicial da forma legal e pragmática do exercício da jurisdição, apresentando pontos relevantes de comportamento na orbe da interpretação da norma pelos seus fins sociais e bem comum, e, da necessária desvinculação, absoluta, do magistrado ao texto da lei pelo método matemático de subsunção do fato à norma. Passando, a compor um texto analítico esquematizado da fase executiva dos processos contra a fazenda pública (jurisdicional), para em seguida, apresentar o procedimento prático (administrativo) do precatório nos tribunais. Por fim, faz uma análise da repercussão das sucessivas modificações no texto do art.100, da CF/88, a fim de responder positivamente a efetiva existência do avanço em moldes de equidade, isonomia, justiça nas possibilidades de pagamento do precatório no Brasil.
Palavras-chave: Precatório – Constituição – Humanitário – Social – Avanços.
Abstract: It deals with the present article of the panoramic observation of the social and humanitarian advances of the Brazilian constitutional norm, in search of the effectiveness in the payment of judicial precatory. Also, to make an initial approach to the legal and pragmatic form of the exercise of jurisdiction, presenting relevant points of behavior in the world of the interpretation of the norm by its social ends and common good, and of the necessary absolute untying of the magistrate to the text of the law by Mathematical method of subsumption of fact to norm. Moving on, to compose a schematic analytical text of the executive phase of the proceedings against the public (jurisdictional) farm, and then to present the practical (administrative) procedure of the precatory in the courts. Finally, it analyzes the repercussion of the successive modifications in the text of art. 100 of CF / 88, in order to respond positively to the effective existence of the progression in the form of equity, isonomy and justice in the possibilities of payment of precatory in Brazil.
Keywords: Precatory – Constitution – Humanitarian – Social – Advances
Sumário : Introdução. 1. Norma : fins sociais e bem comum; 2. Pragmatismo : Jurisdição e Processo Administrativo de Precatório; 2.1. Jurisdição; 2.2. Processo Administrativo de Precatório; 3. Do precatório : avanço normativo para reduzir a imagem do “calote”. Considerações finais. Referências.
Summary: Introduction. 1. Standard: social purposes and common good; 2. Pragmatism: Jurisdiction and Administrative Proceedings of Precatory; 2.1. Jurisdiction; 2.2. Administrative Precautionary Process; 3. From the precatory: normative advance to reduce the image of the "default". Final considerations. References.
Introdução
A dívida de ente público declarada por decisão judicial, transitada em julgado, em favor de terceiro, geralmente pessoa física ou jurídica de direito privado, e após o devido processo legal de liquidação de sentença e execução, dependendo do valor do débito, será requisitado pelo juiz da execução o pagamento por intermédio do instrumento constitucional denominado precatório.
Em virtude da elevada demora no processamento de efetivação e quitação deste título, que se torna um novo processo, agora na esfera administrativa, dos tribunais, inúmeros ataques vem sofrendo da sociedade e do judiciário, sendo taxado o precatório de mecanismo de “calote”.
É notório o grande volume numérico, crescente, de processos tramitando no judiciário brasileiro, donde se verifica a voracidade da legislação inerente à dívida assumida ou constituída com empresas financeiras; a norma é cada vez mais eficaz e rígida contra o cidadão devedor, forçando, quase que violentando, a sua dignidade privada e social, pois autoriza, em caso de não pagamento voluntário, ou mesmo involuntário, mas por absoluta impossibilidade de o fazer (por exemplo : desemprego e/ou doença na família) a utilização de mecanismos como a busca e apreensão de bens financiados, o bloqueio de contas, a penhora, o arresto, a negativação do nome nos cadastros de crédito, entre outras.
Por seu turno, as dívidas de diferença de remuneração ou mesmo ausência dela atribuídas aos entes públicos, seja na relação laboral ou na comercial, bem como nas de caráter indenizatório ou ressarcitório (quanto há condenação por ato de culpa de preposto que causa prejuízo a terceiro) – mesmo reconhecidas por decisão judicial – a sua execução não pode se valer, quando ultrapassa o valor instituído para a Obrigação de Pequeno Valor – OPV, de mecanismos eficazes de efetividade, em face da proteção prevista em lei da indisponibilidade, impenhorabilidade, impessoalidade do patrimônio público. Devendo, pois, ser expedido ofício requisitório de precatório, pelo juízo da execução, ao presidente do tribunal competente para processar administrativamente este título.
O presente artigo se divide em três tópicos : 1. Norma : fins sociais e bem comum; 2. Pragmatismo: Jurisdição e Processo Administrativo de Precatório; 3. Do precatório : avanço normativo para reduzir a imagem do “calote”.
No primeiro tópico busca-se fazer um rápida abordagem da força da norma no sistema positivista na prolação da decisão judicial, entretanto, aponta para avanços legislativos que induzem o magistrado a observar a repercussão do julgamento na orbe social e do bem comum, deixando de atuar verticalmente pela matemática fórmula de subsunção do fato a norma, para desenvolver uma construção jurídica de interpretação e repercussão em favor da sociedade em geral.
No tópico segundo a pretensão é fazer uma rápida abordagem do procedimento dos processos de precatórios, ou que potencialmente podem gerar um precatório, de forma pragmática, passando pela fase jurisdicional do juízo da execução, e, pela fase administrativa que compete ao tribunal.
O terceiro momento aborda, de forma superficial e tomando como termo inicial a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a evolução do conteúdo do artigo 100, onde se prevê no Capítulo do Poder Judiciário, o procedimento e normas de processamento e atos inerentes ao precatório. Fazendo referência, restrita, as Emendas Constitucionais ns. 37, 62, 94 e 99. Para apontar um avanço importante na seara da justiça social e humanitária dos precatórios, ao equiparar ao procedimento das Requisições de Pequeno Valor – RPV, o direito do credor idoso com 60 (sessenta) anos, ou do portador de doença grave, ou da pessoa com deficiência, assim definidas em lei, a percepção antecipada do quíntuplo do valor da Obrigação de Pequeno Valor-OPV, definidas em lei específica do ente federativo onde se encontra alocada a obrigação.
Ao final, buscar-se-á responder se, pragmaticamente, houve avanços sociais no conteúdo da norma em favor da eficácia no pagamento de precatórios no Brasil.
1. Norma : fins sociais e bem comum.
A norma, segundo o normativismo moderno não cria direitos e sim deveres. Ou seja, endossando o pensamento de “Hobbes sobre a natural maldade do gênero humano e a inevitável coerção da lei como resposta. O mal é que seria natural, ao passo que o direito não passaria de instrumento através do qual o Estado protegeria o Homem de sua própria maldade” (SILVA, 2008, p.11). Assim, a norma seria um mecanismo de criar um dever de respeito a determinado fato, ato ou coisa, e não um direito expresso à algum fato, ato ou coisa. Tomando como exemplo o direito de propriedade, este apenas existe para proteger contra a agressão de outrem, contra quem a detém e exerce tal condição. A norma prevê uma fato social a ser protegido, e, que apenas se consolida, ou se torna direito, ou jurídico, com a sua violação declarada judicialmente e assegurado, por decisão judicial, o exercício do direito de propriedade contra o agressor.
Falando em propriedade, e fim social, Hume (2009, p.523) anota:
“[…] devemos considerar que a principal razão de os homens se prenderem tanto aos bens que possuem é que os veem como sua propriedade, assegurada de um modo inviolável pelas ideias da sociedade. Essa é, porém, uma consideração secundária, que depende das noções precedentes de justiça e propriedade.
Supomos que a propriedade de cada um está protegida contra todos os outros mortais, em todos os casos possíveis. Mas a benevolência privada para com o proprietário é, e deve ser, mais fraca em algumas pessoas que em outras; e em muitas pessoas ou, antes, na maioria delas, está absolutamente ausente. A benevolência privada, portanto, não é motivo original da justiça”.
Logo, a norma geralmente é construída para atender especificidades de fatos sociais que se renovam ou se repetem sucessivamente, ameaçando a paz e a harmonia social. Mas como observa o autor “em muitas pessoas, ou antes na maioria delas” a proteção legal ou social está absolutamente ausente. Ou seja, a isonomia, tratar os desiguais na proporção de suas desigualdades; da equidade, distribuir o tanto quanto seja o necessário para suprir uma deficiência, em muitas situações, normatizada ou não pelo positivismo, não se verifica atendida, causando desequilíbrio social.
Identificado o fato que se pretende normatizar, o legislativo, dentro da sua esfera de competência, inserta no texto da Constituição Federal para os entes federados, cria a lei, que após cumprida as fases de sua projeto, aprovação e sanção, entra em vigor, porém, apenas se torna “direito” ou “jurídico” quando reconhecida e aplicada em decisão judicial, motivada e fundamentada sob a ótica dos fins sociais em que ela foi forjada e do bem como que ela busca alcançar, e não mais, apenas por ser uma norma pura e simplesmente. Imperativa e vinculante à atividade jurisdicional.
Silva (1999, p.422) anota:
“[…] a palavra lei, para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição. Há, porém, casos em que a referência à lei na Constituição, quer para satisfazer tão-só as exigências do princípio da legalidade, quer para atender hipóteses de reserva (infra), não exclui a possibilidade de que a matéria seja regulada por um ‘ato equiparado’, e ato equiparado à lei formal, no sistema constitucional brasileiro atual […]”.
Mas, o princípio da legalidade vincula-se a uma reserva genérica ao Poder Legislativo, que não exclui atuação secundária de outros poderes.
O princípio da legalidade, também vincula às decisões judiciais à lei, entretanto um novo olhar tem surgido, superando no sistema positivista absoluto, onde a normas, em tese, guiam as decisões judiciais, busca-se, atualmente, não secundarizar o objetivo de justiça a qual deve primar a atividade jurisdicional.
A analisar “o juiz diante do direito como instrumento de justificação ineficiente” Soares(2016, p.130) observa:
“Os princípios e elencos de direitos fundamentais inserem-se no construir do argumento do juiz para alcançar o seu entendimento jurídico, e, este vincula a decisão (dispositivo) da sentença judicial. O Juiz pode até não seguir os precedentes jurisprudenciais inerentes ao fato posto a julgamento no caso concreto, mas para tanto, tem o dever de justificar – argumentar – o porquê está enfrentando a matéria diversamente e não aderindo aos precedentes. Hodiernamente, não se concebe mais que o julgador aja discricionariamente pela sua subjetividade ao proferir uma decisão, pois esta conduta não é mais admissível, gera uma afronta ao princípio da segurança jurídica, na maioria das vezes, da moralidade e da ética, o que não se confunde com a discricionariedade administrativa que é a livre escolha de ações legítimas e legais dentro de um contexto de prioridade.
A doutrina observa, basicamente, três grandes mudanças de paradigmas dentro da teoria das decisões: 1) superação do formalismo jurídico (a lei como expressão da razão, o juiz não desempenhava qualquer construção jurídica, apenas fazia a subsunção do fato a norma); 2) o pós-positivismo, não minimiza o papel da norma, da lei escrita, mas reaproxima a interpretação da lei a teoria de justiça e traz para o centro do sistema jurídico os direitos fundamentais; 3) a passagem da constituição para o centro do sistema jurídico, o direito passa pelo processo de publicização, abstraindo do direito privado, e passando o direito civil a ser lido sob a luz da constituição.”
Renova-se, pois, o argumento de que a lei não é por si um elemento jurídico, mais sim popular, uma vez que emana do poder político do povo aos legisladores, e muitas vezes a vontade materializada, pode ou não ser adequada, ou mais justa, dependendo do tempo e lugar que está sendo convocada a sua aplicação. Por isto, o “fato” que a norma busca proteger recebe um trato social do Judiciário ao responder demandas, dentro de uma tecnologia jurídica disponível, dizendo assegurar o bem comum e a dignidade humana, seja por via de pleito individual ou coletivo, o que trata De Giorgi(2010, p.18) como contingência : “a possibilidade do diferente, contínua potencialidade imanente de transformação, hipótese sobre o real, elisão da necessidade. É a incerteza, a dúvida, produto da diferenciação, da separação e da ruptura. O direito positivo é esta contingência alçada ao plano normativo”, é neste diapasão que Sorto(2011, p.123) afirma que “por mais direitos que se positivem, por mais discursos que se façam em prol dos direitos humanos, o fato é que o mundo atual não contempla como cidadãos os pobres, os indocumentados, os apátridas, os imigrantes”. [1] Logo, a norma produzida pela contingência em sua abstração finda por ser excludente. Por isto, diz-se que a norma não cria direitos, mas deveres.
Os conflitos em torno da vontade individual, representados por esferas de poder, na qual a prática social priva o outro das condições materiais, tem sido razão para as dificuldades na realização do direito para todos. Os fatos sociais e as normas são interpretados de forma individualizada e em desconsideração com a segurança jurídica. A síntese deste raciocínio, portanto, resulta em decisões nas quais favorecem membros singulares e impedem uma decisão homogênea a ser aplicada em favor de todos os membros sociais igualitariamente.
Tal forma de observar a norma e sua juridicidade, fica mais no campo filosófico-doutrinário das teorias do direito, pois, no dia-a-dia chama-se de ordenamento jurídico o conjuntos de leis e normas vigentes no país. No que pese, as observações iniciais serem relevantes e importantes para compreensão do fato, da norma e do direito.
O Novo Código de Processo Civil (2015) trouxe expressamente no seu art.8o, inserto no capítulo “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”, que o juiz ao aplicar o ordenamento jurídico atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, consagrando, assim, a hodierna concepção da função jurisdicional, já trabalhada, há muito tempo, por Carlos Maximiliano:
“já os antigos romanos, longe de se aterem à letra dos textos, porfiavam em lhes adaptar o sentido às necessidades da vida e às exigências da época. Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas não alteram à proporção que envolvem a coletividade, consciente ou inconscientemente, a Magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes e imprevistas. A jurisprudência constitui, ela própria, um fator do processo de desenvolvimento geral; por isso, a Hermenêutica, se não pode furtar-se à influência do meio no sentido estrito e na acepção lata, atende às consequências de determinada exegese: quanto possível a evita, se vai causar dano, econômico ou moral, à comunidade. O intuito de imprimir efetividade jurídica às aspirações, tendências e necessidades da vida de relação constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras, o sistema silogístico de exegese”. (MAXIMILIANO,1995, p. 157)
Destarte, a norma como resposta ao anseio ou necessidade popular produzida pelo legislativo, pode e deve ser aplicada ou não aplicada dentro dos padrões de justiça. Busca-se, com esta observação apontar que a evolução do texto de um dispositivo constitucional é reflexo de observações tanto populares quanto judiciais. Em particular, buscar-se-á neste trabalho, justificar as modificações constitucionais ocorridas a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especificamente em seu art.100, que trata dos precatórios, no Capítulo inerente ao Poder Judiciário.
Os precatórios são títulos judiciais, dividas da fazenda pública (Federal, Estadual, Distrital ou Municipal) reconhecidas por decisão transitada em julgado, após o devido processo legal, requisitados pelo juízo da execução ao presidente do Tribunal competente. O qual passa a gerenciar, administrativamente, por contas bancárias especiais em nome de entes federativos devedores da respectiva circunscrição, para fins de quitação, pagando diretamente aos credores na ordem cronológica da respectiva requisição. Este é um mecanismo, ou instituto, há muito criticado por todos, sendo popularmente atribuída a qualidade de mecanismo de “calote público”. Pois, os entes devedores, criam embaraço e dificuldade no adimplemento de suas obrigações.
Com a difusão do processo democrático em todas as esferas de poder, e, verificada a necessidade da evolução conceitual do instituto do precatório, somado, as especificidades identificadas dos créditos, seja pelo sua origem ou pela condição pessoal do credor, com o tempo, o Poder Judiciário foi instituindo, por via de decisões judiciais, novos panoramas comportamentais de organização do sistema de pagamento dos precatórios, pela ótica da proteção a dignidade da pessoa humana e dos fins sociais que deve a norma ser aplicada. É o que se pretende enfrentar no próximo tópico deste artigo.
2. Pragmatismo : Jurisdição e Processo Administrativo de Precatório.
Ao Poder Judiciário, era com exclusividade, destinado o monopólio da jurisdição, ou seja, dizer ou declarar o direito. Mas constatada a elevação quantitativa do número de processos em tramitação no âmbito do Judiciário brasileiro, impulsionou-se o estudo de estratificação de competências quanto a matérias ou fatos que poderiam ser resolvidos diretamente pelas partes envolvidas ou interessadas, sem a necessária intervenção direta da jurisdição estatal. Como por exemplo, nas dissoluções de vínculos matrimoniais, na forma amigável, que não tenham interesse de pessoas portadoras de assistência ou representação especial obrigatória; nos processos de sucessão, onde todos são maiores e capazes; nestes exemplos, sem a intervenção de um juiz pode ser alcançado o resultado legal, utilizando-se dos serviços dos Cartórios Extrajudiciais com tais permissões e competências territoriais instituídas por lei de organização judiciária e extra-judiciária.
No mesmo sentido, verifica-se o fomento aos procedimentos de arbitragem, sendo reconhecido pelo código de processo civil alguns institutos e garantais que pertenciam, anteriormente, com exclusividade ao processo judicial, como por exemplo: o reconhecimento da sentença arbitral como título executivo judicial; a carta arbitral como meio de comunicação legal inclusive para cumprimento de tutela provisória pelo juízo distante; o respeito a confidencialidade de informações; etc. Exercendo o Árbitro a presidência do procedimento, buscando alcançar a composição entre as partes, ou mesmo, decidindo se esta não for possível.
2.1. Jurisdição
Mas, nem por isto o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional foi extirpado da ordem constitucional.
O princípio da proteção judiciaria, também chamado de princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno, fundamenta-se no princípio da separação dos poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais. Aí se junta uma constelação de garantias: as da independência e imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou constitucional, a do direito de ação e de defesa. Tudo ínsito nas regras do art.5o, XXXV, LIV e LV[2]. (SILVA,1999, p.431)
Ao Judiciário é reservado o poder de declarar o direito, e nesta condição, promover a justiça, mesmo que para tanto, tenha que se afastar da aplicação de norma pré-existente relativa ao fato. Ao declarar o direito em favor de uma parte que exerce sua pretensão contra a fazenda pública por intermédio de uma ação, sendo esta condenatória a pagamento de valores, após o transito em julgado da última decisão da fase executiva, surgem, ainda, no exercício da jurisdição, alguns desdobramentos para a efetividade da decisão judicial definitiva:
a) Se o crédito é de natureza alimentar (em face de vínculo de atividade laborativa), e de valor superior ao instituído por lei própria do ente federado para o pagamento das obrigações de pequeno valor – OPV, deve pelo juízo ser realizada a conta de liquidação e requisitado o precatório ao presidente do tribunal competente; Porém, se os honorários advocatícios sucumbenciais, forem em valor inferior ao instituído para a OPV, podem ser requisitados diretamente pelo juízo da execução ao ente federativo, para que promova a quitação no prazo de 60(sessenta) dias, sob pena de sequestro. (Pois honorários advocatícios nos termos da Súmula Vinculante n. 47[3], devem ser requisitados de forma autônoma, autorizando o fracionamento entre os créditos – o que antes era tido como não autorizado);
b) Se ambos os créditos, o principal e o dos honorários sucumbenciais, isoladamente, forem iguais ou inferiores ao valor da OPV, do ente federativo devedor, pelo juízo da execução serão expedidos os dois Requisitórios de Pequeno Valor – RPV, nos moldes acima já exposto;
c) Com o advento das Emendas Constitucionais nº 94/2016 e nº 99/2017, ficou autorizado ao juízo da execução, atividade jurisdicional, o mesmo procedimento do RPV (Requisição de Pequeno Valor) para as antecipações de créditos de pessoas com 60 (sessenta) anos de idade, ou portadoras de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, no valor de até o quíntuplo da OPV instituída pelo ente federativo devedor, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. (§2o, art.100, CF e §2º, art.102 do ADCT/CF);
d) Dos valores superiores aos previstos nos itens anteriores, serão requisitado o precatório ao presidente do tribunal competente. Encerrando-se, pois, a fase jurisdicional dos créditos contra a fazenda pública.
Afirma-se que há o encerramento da fase jurisdicional, pois quando findo a fase de execução contra a fazenda pública, e expedido o ofício de requisição do precatório ao presidente do tribunal competente, o processo judicial originário pode ser arquivado.
2.2 Processo Administrativo de Precatório
Expedido o ofício de requisição do precatório, pelo juízo da execução, acompanhado da conta de liquidação e dados pessoais do credor e do processo originário, e recebido no tribunal, inicia-se a fase administrativa do processo de precatório a ser, agora, presidido pelo presidente do tribunal competente. O qual tem por dever ordenar, a quem competir dentro da estrutura administrativa do tribunal, promover-se o respectivo cadastramento junto ao banco de dados do respectivo ente público devedor, alocando cada crédito, na ordem cronológica de requisição, expedindo a competente comunicação ao correspondente ente devedor, para que inclua na previsão orçamentária do exercício financeiro seguinte. O presidente do tribunal, deve ser auxiliado por um Juiz de Direito, convocado especialmente para esta finalidade, para exercer as funções de Juiz Auxiliar da Presidência – Precatórios, com exclusividade[4].
As requisições protocoladas no tribunal competente, até o dia 01 de julho, serão processadas, e até o dia 20 de julho, comunicada ao ente público devedor, para que inclua na previsão orçamentária da LOA (Lei Orçamentária Anual) do próximo exercício financeiro. Tendo o ente público até o dia 31/dezembro, do ano financeiro após a expedição do precatório, para efetivar o pagamento, sob pena, de incidir juros de mora sobre o valor do crédito[5].
O período entre a expedição do precatório (01 de julho) até o dia 31 de dezembro do exercício financeiro subsequente é denominado pela doutrina e jurisprudência de “período da graça constitucional”. Na Súmula Vinculante n. 17[6], o Supremo Tribunal Federal afirma o entendimento de que não incidem os juros de mora, durante o período compreendido entre a data da expedição do precatório (1o de julho) até o final do exercício seguinte (31 de dezembro do ano subsequente), por não se tratar de condição resolutiva, mas, prazo legal de previsão e cumprimento de orçamento, donde se brinda a Fazenda com a possibilidade de pagamento do precatório, sem que neste ínterim incidam juros moratórios, apenas a atualização monetária[7].
A correção monetária, tomando por base o julgamentos das ADIs n.4357 e n.4425, ambas do DF, ratificadas pela Emenda Constitucional n.94/2016, deve ser calculada nos seguintes moldes:
a) no período anterior a 10/12/2009, data da publicação da Emenda Constitucional n.62/2009, o valor do precatório deve ser atualizado com base no INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, ou outro índice adotado como oficial pela Corte competente, como parâmetro de correção monetária dos débitos da Fazenda Pública;
b) no período entre 10/12/2009 e 25/03/2015 (data de referência estipulada pela EC n.94/2016, ADCT, art.101), ou seja, entre a vigência da EC n. 62/09 e antes do julgamento da modulação dos efeitos das ADIs 4.357 e 4.425 QO, pelo STF, a correção monetária valor do precatório deve ser de acordo com o Índice Oficial de Remuneração Básica da Caderneta de Poupança – TR, conforme o art.100, § 12, da CF/88;
c) no período entre 25/03/2015 e até o efetivo pagamento, a atualização monetária, segundo instituído pelo STF no julgamento da modulação dos efeitos nas ADIs 4.357 e 4.425/DF e QO, pelo índice do IPCA-E.
Os tribunais competentes, devem publicar anualmente as listas de ordem cronológica dos credores por ente público devedor, e valor total da dívida de cada um com precatórios. Bem como se estão dentro do Regime Especial de Precatórios ou Regime Comum Ordinário (regime especial, após a edição da EC n.94/2016, são todos os entes públicos que tinham débitos de precatórios até 25 de março de 2015. Logo, no Regime Geral – Comum Ordinário – os que apenas tinha débitos de precatórios não vencidos até esta data). O tribunal, pelo seu presidente, ainda tem o dever de fiscalizar permanentemente o cumprimento das responsabilidades constitucionais (repasses periódicos de valores para as contas especiais de precatórios gerenciadas pelo tribunal), a fim de evitar frustração ou retardo na quitação dos débitos de precatórios pelos entes públicos sob sua responsabilidade[8].
São duas listas de ordem cronológica:
a) A lista dos créditos de natureza alimentar (relativos a relação laboral ou de honorários advocatícios sucumbenciais);
b) A lista dos créditos de natureza comum – não alimentar (relativos a contratos, indenizações, etc, não adimplidos e reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado);
A primeira (a) prefere a segunda (b), devendo por exercício financeiro de inscrição serem quitados primeiro os de natureza alimentar, e quando esgotado estes créditos pelo efetivo pagamento pelo tribunal gestor, passa-se a quitação dos de natureza comum. Interessante destacar, que a responsabilidade da gestão fica ao encargo do presidente do Tribunal de Justiça, agregando em lista única os créditos do mesmo exercício dos demais seguimentos de justiça : Justiça Federal e Justiça Trabalhista. A fim de não haver quebra de ordem aos credores do mesmo ente público devedor, independetemente, da origem do direito por esfera de justiça.
Antes da edição das Emendas Constitucionais nº 94/2016 nº 99/2017, ou seja, na vigência da Emenda Constitucional n.62/2009, procedia-se a confecção dentro da lista dos créditos alimentares, outra a lista paralela e também cronológica das “superpreferências” intrínseca exclusivamente a eles, que eram relativas as antecipações de créditos em precatórios de até o triplo do valor instituído pelo ente público para OPV (Obrigação de Pequeno Valor), para os credores idosos com 60(sessenta) anos ou mais ou credores portadores de doença grave, definida em lei; ficando o excedente no aguardo da oportunidade de pagamento geral dos créditos alimentares pela ordem cronológica original.
Devendo, pois, os que créditos dessa natureza especial, que já se encontravam inscritos em precatórios antes da edição da EC nº 94/2016 e da EC nº 99/2017, permanecerem sob a administração do Tribunal competente, o qual deveria buscar a quitação integral desta parcela, de todos os credores formalmente requerentes com a apresentação da documentação própria, antes de seguir na ordem geral da lista de precatórios alimentares. O que, em muitos casos, ou em muitas políticas institucionais de tribunais, seja por seus presidentes, ou pelos Juízes Auxiliares de Precatório, não era procedido, havendo assim, uma diversidade de forma no agir. Tudo, pela ausência, de normativo expresso, seja legal, ou administrativo, para o trato com tais situações.
No tópico seguinte, buscar-se-á demonstrar como se deve proceder com os créditos de natureza alimentar, de pessoas com 60 (sessenta) anos de idade, ou portadora de doença grave, ou ser pessoa com deficiência, definida em lei, ainda não requisitados por ofício de precatório ao presidente do tribunal pelo juízo da execução, do processo originário contra a fazenda pública, após a EC nº 94/2016 e EC nº 99/2017
3. Do precatório : avanço normativo para reduzir a imagem do instituto do “calote”
O precatório consiste, basicamente, em débito público reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, quando o valor do crédito é superior ao limite instituído, por lei, pelo próprio ente federado que pertence o devedor, para as obrigações de pequeno valor. O qual deve ser requisitado pelo juízo da execução, após decisão transitada em julgado, seja dos embargos à execução ou homologatória dos cálculos – quando não forem opostos embargos pela fazenda pública.
Cunha (2011, p.314) observa duas ordens cronológicas instituídas pela Constituição Federal de 1988, uma para os créditos de natureza alimentícia (salários, proventos, vencimentos de qualquer natureza e honorários advocatícios, geralmente devidos a pessoas físicas) e outra para os de natureza não alimentar, devendo, pois, os primeiros serem pagos prioritariamente.
Quando se fala geralmente crédito de pessoa física, é porque, há situação que o patrocinador da causa seja uma empresa advocatícia, inscrita no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o que faz perder, em tese, a qualidade de crédito alimentar.
O sistema de precatório no Brasil vem sofrendo constantes alterações em busca de sua efetividade e distanciamento da ótica do chamado “calote” da dívida pública.
Incialmente o art. 100, da CF/88, previa que à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ia exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Não fazendo qualquer menção quanto as denominadas “superpreferências”, ou seja, os débitos onde o credor fosse idoso (sessenta anos ou mais) ou portador de doença grave ou de deficiência, definidas em lei.
Não havia nesta época a vedação para expedição de precatório complementar e suplementar, pois a quitação do precatório sempre foi muito tardia, enquanto isto a inflação consumia todo o crédito, em detrimento do direito individual ao valor a perceber e seu real poder de compra. Assim, o credor poderia receber uma parte da totalidade devida, através de RPV – Requisição de Pequeno Valor, logo após o trânsito em julgado, e o restante, por meio de precatório segundo a ordem cronológica. Havia, nesta época, mais rapidez em quitar pelo menos parte do valor total do débito.
Posteriormente, veio a Emenda Constitucional n.37/2002 onde expressamente consignou a proibição, no §4o[9] ,para a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago, bem como do fracionamento, da repartição ou da quebra do valor da execução. O que veio a impactar negativamente a imagem do instituto.
A partir de então, era tida como improbidade administrativa pela jurisprudência, qualquer forma de fracionamento do precatório. Veio a tona, com esta modificação sistêmica, o velho brocardo de acessório seguir o principal, ou seja, até os honorários advocatícios sucumbenciais eram requisitados juntamente com o crédito principal, “colados”! O que causou grande tumulto e atraso no processamento administrativo dos precatórios, elevando, consideravelmente, o tempo de quitação, em detrimento da parte, hipossuficiente, quando comparado com a fazenda pública.
A Emenda Constitucional n.62/2009, no §8o[10], do art.100, além de manter tal vedação, em outros dispositivos instituiu o Regime Especial, de 15 (quinze) anos, no art.87 dos ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) para o pagamento de precatórios, e por isto foi chamada popularmente de “emenda do calote”.
Também, com ela foi definido que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal, em virtude de sentença judiciária, seriam feitos, exclusivamente, na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. E por força desse instrumento modificativo passou a ser previsto no § 2o ,do art.100, da CF/88, que os débitos de natureza alimentícia cujos os titulares tenha 60(sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatórios, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, fossem pagos com preferencia sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao quíntuplo[11] fixado em lei para fins de obrigação de pequeno valor[12], admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação precatório.
Embora, nesta inovação tenha-se expressamente autorizado o fracionamento para essa finalidade, ou seja, atender com “superpreferência” os idosos e os portadores de doença grave, os tribunais não entenderam ou captaram tal avanço social da norma. Privando-se as limitações do mencionado §8o, do art. 100, da CF/88, desprezando que expressamente fazia limitação a situação do § 3o[13], que trata dos créditos no limite da OPV, porém entendia-se que a expressão “na data de expedição do precatório” condicionava a expedição do ofício requisitório do precatório, para o exercício de tal direito, que apenas poderia ser processado na esfera administrativa do tribunal competente.
Assim, observou-se no processamento dos precatórios nos tribunais, o surgimento de uma terceira da lista de ordem de cronológica, ou seja, além dos de natureza alimentar e não alimentar, inseriu-se no primeira lista de natureza alimentar os que são dentro dela tidos como prioritários, ou “superpreferenciais”, inerente aos credores idosos (com sessenta anos ou mais) ou portadores de doença grave, definida em lei. Deixando-se, pois, na prática de se cumprir o fim social e o bem comum que a norma constitucional tinha passado a impingir, ainda, quando na fase jurisdicional.
Mesmo assim, notou-se, uma evolução, quanto os fins sociais e humanitários da norma constitucional, ao reconhecer a possibilidade, excepcional, do fracionamento do precatório, em casos que o credor, na data da expedição do precatório, tivesse sessenta anos ou mais ou fosse portador de doença grave definida por lei (EC n.62/2009). Mas, ainda, nesta nova roupagem, vê-se expressamente, a limitação do pagamento “superpreferencial”, conforme já dito, uma vez que, condiciona à expedição prévia do precatório:
Há, então, uma ordem cronológica de créditos alimentares, que são pagos com prioridade. Depois de pagos estes, inicia-se o pagamento dos não alimentares, obedecendo-se a sua ordem cronológica própria.
Antes, porém, dos créditos alimentares, devem ser pagos os também alimentares de que sejam titulares idosos ou portadores de doenças graves, até o valor equivalente ao triplo do limite fixado em lei para as requisições de pequeno valor, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo o restante pago na ordem cronológica de apresentação dos precatórios de créditos alimentares […].
Há, então, em primeiro lugar, os créditos alimentares de idosos e portadores de doenças graves, até o limite equivalente ao triplo do valor fixado para as requisições de pequeno valor […]. Em segundo, devem ser pagos os demais créditos alimentares restando, por fim, os créditos não alimentares”. (CUNHA, 2011, p.314)
O autor tem coerência normativa, de subsunção do fato à norma, pois o texto insculpido no § 2º pela EC n.62/2009, é bastante límpido ao condicionar o fracionamento do crédito, para antecipar o pagamento de até o triplo do valor fixado por lei para as OPVs, à prévia expedição do precatório; o que por seu turno, a prevenção em não responder às responsabilidades constitucionais, o gestor – presidente do tribunal competente – também, inibiu-se de assumiu o risco:
“§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”. (grifo nosso)
Mas, embora estivesse a EC n.62/2009 se convalidando e surtindo seus efeitos satisfatório na organização e programação pelos entes públicos devedores na quitação dos seus históricos débitos em precatórios, ela foi quase integramente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs n. 4357/DF e 4425/DF, e QO. Tendo, por ocasião do julgamento da modulação dos efeitos da decisão, firmado procedimentos e critérios novos, bem como, autorizado uma sobrevida das regras pretéritas, por mais cinco anos, isto em 25/03/2015. Um dos maiores equívocos da história do constitucionalismo brasileiro pelo Supremo Tribunal Federal, com todo o respeito que merece a Corte Constitucional do Brasil[14].
Em dezembro de 2016 foi promulgada a Emenda Constitucional n.94/2016, a qual manteve a redação do caput, do art.100, CF/88[15], entretanto, elasteceu a efetividade no âmbito do caráter social e humanitário do crédito das pessoas idosas, portadoras de doença grave, acrescentando a proteção à pessoa com deficiência, bem como, aos sucessores hereditários dos créditos, que a priori seriam em precatório. Como se observa no novo texto do § 2o, do mesmo dispositivo:
“§ 2o. Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”. (grifos nossos)
Na simples observação literal do texto, verifica-se, de pronto, grandes avanços na busca da efetividade no pagamento dos precatórios, inserto na visão social e humanitária, insculpida na norma pelo legislativo pátrio, no exercício do seu poder constituinte derivado reformador. Donde se pode estratificar as importantes e destacadas inovações:
a) Foi extraída a expressão “na data de expedição do precatório”. Isto significa que não é mais exigência para a antecipação humanitária a expedição do precatório por condições personalíssimas do credor;
b) Por seu turno, foi inserida a expressão “serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos”. Ou seja, agora sem ressalva, foi mantida e ampliada a possibilidade constitucional do fracionamento para essa finalidade humanitária. Quer dizer, a parcela que corresponde ao quíntuplo fixado em lei para os fins da OPV (redação dada pela EC nº 99/2017 ao §2º, do art.102, da ADCT), independe de expedição do ofício requisitório do precatório pelo juízo da execução e da ordem cronológica. Ficando, pois, apenas, o valor que exceder, para ser requisitado por via de precatório, este sim, na ordem cronológica de apresentação do precatório, como se verifica no destaque in fine do mencionado parágrafo 2o: “sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”;
c) Elasteceu o pagamento humanitário para o credor por sucessão hereditária, o que antes era prerrogativa exclusiva do credor originário; com elevado senso de justiça, em nome dos princípios da isonomia, da equidade e da razoabilidade, passou a autorizar o pagamento antecipado, antes da expedição do precatório, e requisitado diretamente pelo juízo da execução ao ente público devedor nos moldes do RPV (Requisição de Pequeno Valor), no limite de valor instituído, àqueles que são considerados idosos, portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, definidas em lei, e assim, abrangido os créditos de honorários advocatícios sucumbenciais de advogados pessoa física.
As Emendas Constitucionais nº 94/2016 e nº 99/2017, vieram, neste diapasão, atender a uma observação pragmática no sentido de a grande maioria, dos créditos em precatórios, é detido por servidores públicos que tiveram alguma vantagem remuneratória não respeitada pelo ente público ao qual se encontra vinculado, e assim, os valores individuais são de pequena monta, e em sua grande maioria é inferior ao limite equivalente ao quíntuplo fixado em lei para os fins de Obrigação de Pequeno Valor – OPV. A nova redação está envolta pelos predicados da equidade e da justiça, respaldada pelo pragmatismo humanitário e realismo do instituto do precatório no Brasil, buscando minorar possível senso de injustiça alimentado pelos credores.
Nesta orbe, observa Hume (2009, p.523/524) :
“Segue-se de tudo isso que não temos naturalmente nenhum motivo real ou universal para observar as leis da equidade, exceto a própria equidade e o mérito dessa observância; e, uma vez que nenhuma ação pode ser justa ou meritória se não pode surgir de algum motivo separado, existe aqui um evidente sofisma e um raciocínio circular. Portanto, a menos que admitamos que a natureza estabeleceu um sofisma, e o tornou necessário e inevitável, temos de admitir que o sentido de justiça e injustiça não deriva da natureza, surgindo antes artificialmente, embora necessariamente, da educação e das convenções humanas.”
Seguindo as convenções humanitárias de justiça e compensação em prol dos hipossuficientes, seja pela elevada idade, seja por ser portador de doença grave ou pessoa com deficiência, o legislador pátrio no seu poder constituinte derivado reformador agiu em busca do justo, aplicando o equilíbrio ínsito na equidade, para artificialmente normatizar o sentido de justiça humanitária aos créditos em precatórios, conforme observa David Hume, em seu “Tratado da natureza humana” ao abordar sobre “Da justiça e da injustiça”.
Com esta nova roupagem constitucional humanitária em prol dos que necessitam de um resultado mais ágil e eficaz do judiciário, mesmo porque, em tese, o tempo de vida de pessoas idosas, ou portadoras de doença grave ou por ter deficiência, tende a ser menor. Noberto Bobbio comenta o papel da jurisdição:
“O poder judiciário, não é uma fonte principal do direito, porém, isto não exclui que o juiz seja em qualquer caso uma fonte delegada, isto acontece quando ele pronuncia um juízo de equidade, a saber, um juízo que não se aplica normas jurídicas positivas preexistentes. No juízo de equidade, o juiz decide segundo consciência ou com base no próprio sentimento de justiça. […] Julgando por equidade o juiz age como um árbitro dirimindo os interesses em conflito segundo seus próprios critérios de justiça[…]” (BOBBIO,1995, p.171/172)
Destarte, é necessário que o judiciário brasileiro, buscando atuar com equidade, em busca da promoção da justiça, àqueles que batem a sua porta a procura de guarida e proteção aos seus direito violados ou ameaçados, não se prive de atuar em nome da velha concepção matemática da subsunção do fato à norma – positivismo cego -, mas tenha a coragem de decidir segundo a consciência e sentimento de justiça.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4425-DF declarou : “[…]Constitucionalidade da sistemática de superpreferência a credores de verbas alimentícias quando idosos ou portadores de doença grave. Respeito à dignidade da pessoa humana e à proporcionalidade. Invalidade jurídico-constitucional da limitação da preferência a idosos que completem 60 (sessenta) anos até a expedição do precatório. Discriminação arbitrária e violação à isonomia ( cf , art. 5º , caput). Inconstitucionalidade da sistemática de compensação de débitos inscritos em precatórios em proveito exclusivo da fazenda pública. embaraço à efetividade da jurisdição ( cf , art. 5º , xxxv ), desrespeito à coisa julgada material ( cf , art. 5º xxxvi ), ofensa à separação dos poderes ( cf , art. 2º ) e ultraje à isonomia entre o estado e o particular ( cf , art. 1º , caput, c/c art. 5º , caput)[…]”.
É nesta violação dos direitos que entra a discursão do papel do judiciário como instrumento de justificação do direito, o que para Feitosa (2009, p.26-27) está no âmbito jurídico como discurso de justificação do poder e da solução controlada de conflitos, neste processo equilibra-se coerção e consentimento ou, em outras palavras, coerção revestida, na maioria dos casos, de liderança e hegemonia. Para o autor, o direito é fenômeno social, “no sentido de situar o direito enquanto discurso de justificação de e para a tomada de decisões concernentes às condutas humanas que podem ser exigidas coercitivamente pelo Estado, ou seja, aquelas ditas juridicamente qualificadas”.
Veem, estes posicionamentos, cobrar, exatamente do judiciário uma postura mais social nas suas decisões em busca de se alcançar o bem comum, enfrentando o seu papel de promover a justiça, dentro dos critérios e princípios fundamentais à dignidade humana. Justificando suas decisões de forma sólida nas teorias de justiça, a fim de com eficiência e eficácia apresentar ao povo a sua verdadeira missão institucional. Claro sem perder de vista, a visão global da repercussão econômico-social de suas decisões, em prol do bem comum.
É ponto, que merece se destacar, para início de instigação, o reconhecimento, como direito humano, o trato diferenciado às pessoas com debilidades de saúde ou com avanço de idade, mesmo que não esteja elencado no rol pré-constituído dos DDHH pelos interesses de plantão:
“O equívoco de rejeitar as pretensões de direitos humanos com base no fato de não serem plenamente exequíveis é que um direito não realizado por inteiro ainda continua a ser um direito, demandando uma ação que remedie o problema. A não realização, por si só, não transforma um direito reivindicado num não direito. Pelo contrário, ela motiva uma maior ação social.” (SEN, 2011, p.419/420)
A observação de Amartya Sen se coaduna com o processo de renovação constitucional, pois o que antes aparentava um não direito, passou, pela ação social continuada, o clamor público atribuindo ao instituto do precatório uma forma de calote ao direito de crédito reconhecido judicialmente, a ser um direito reconhecido e exequível por força de texto constitucional. Mais especificamente, trazendo ao objeto deste trabalho, o crédito que não poderia ser fracionado antes da expedição do precatório pelo juízo da execução, agora o pode, a fim de atender a um problema de exclusão, inibição ao acesso à justiça, àqueles idosos, ou portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, definidas em lei, na condição de credor originário ou por sucessão hereditária.
Considerações Finais
Pragmaticamente, houve avanços sociais no conteúdo da norma em favor da eficácia no pagamento de precatórios no Brasil?
Sim. O avanço social e humanitário da norma constitucional, facilmente se constata numa rápida análise do texto originário da Constituição de 1988 e pelas modificações revisadas pelo poder constituinte derivado reformador por via das Emendas Constitucionais números 37, 62 e 94. Somadas, a Súmula Vinculante n. 47 do Supremo Tribunal Federal.
Os honorários advocatícios sucumbenciais nas ações contra a fazenda pública foram elevados a categoria autônoma de crédito alimentar, podendo ser fracionado no juízo da execução, quando o valor não superar o limite da OPV instituída pelo ente federado respectivo.(SV n.47). E agora, o advogado pessoa física goza da “superpreferência” do seu crédito de honorários sucumbenciais, podendo os receber nos moldes do credor principal.
Bem como, embora a reforma de 2016 tenha tido o conservadorismo de manter o limite ao triplo fixado para as obrigações de pequeno valor (OPV) para o limite das “superpreferências” a de 2017 (EC nº 99) fez o tímido resgate ao elevar ao quíntuplo do valor do RPV do ente federado – acredito que embasado no comportamento jurisprudencial de respeito a reserva do possível, a fim de não sacrificar em demasia o atendimento das necessidades públicas essenciais (educação, saúde, saneamento básico, entre outras)-, inovou na admissibilidade do fracionamento para fins de antecipação dos valores naquele limite, aos credores com sessenta anos ou mais, ou portadores de doenças graves, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei. Independente de expedição do ofício de requisição de precatório pelo juízo da execução.
Reconhecendo, assim, para os possuidores dessas condições personalíssimas, o direito ao recebimento, antecipado e na fase judicial, ao quíntuplo do valor instituído para as obrigações de pequeno. Ou seja, como explorado neste trabalho, criou uma nova situação de possibilidade de requisição direta pelo “Juízo da Execução” ao ente público federativo devedor de tais valores. Pois, ao final do dispositivo, consigna “sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório” . Autorizado, resta, concluir-se, apenas o saldo que exceda o quintuplo do valor da obrigação de pequeno valor, do ente federativo, aos portadores de condições especiais, será requisitado por precatório e pago na ordem cronológica de sua apresentação.
Destarte, aos credores que se enquadram nas condições objetivas e personalíssimas previstas na Constituição Federal, por força do novo texto do § 2o, do Art.100, inserto pela EC n.94/2016 c/c §2º, do art.102, ADCT trazido pela EC nº 99/2017, ficam excluídos da obrigatoriedade da cronologia de seus créditos, no valor limite e equivalente a cinco vezes o previsto para as obrigações de pequeno valor. Logo, até o valor equivalente pode ser antecipadamente pago, uma vez que expressamente se autoriza o fracionamento antes da expedição do precatório – “serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos” e “admitido o fracionamento para essa finalidade” – no texto constitucional, ou seja, pode ser pago imediatamente, em face da condições especiais, próprias, personalíssimas e previstas em lei a qual se amolda o credor. Coerente é, nos termos expresso, se é para ser pago com preferência sobre todos os demais débitos, que seja de imediato, no procedimento atual que se faz com a Requisição de Pequeno Valor – RPV, contrario senso não viria assim grafado. O que neste diapasão demonstra um importante avanço social e humanitário no conteúdo da norma em favor da eficácia no pagamento de precatórios no Brasil.
Juiz de Direito/PB Especialista em Direito Processual Civil Mestre em Ciências Jurídicas Professor da ESMA/PB e atualmente Juiz Auxiliar da Presidência do TJPB
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