As notícias recentes envolvendo homossexuais e transexuais na mídia brasileira nos dão a noção exata de que o preconceito é a principal barreira contra a evolução do Direito e da sociedade. Existe uma resistência contra os novos caminhos e as novas famílias que estão se formando no Brasil e no mundo. Um casal de militares gay assumiu publicamente seu relacionamento e uma professora transexual, mesmo aprovada em concurso público, foi impedida de assumir o cargo, provavelmente por homofobia. Esses dois casos ilustram esse cenário.
E esse preconceito que emana de grande parte da sociedade ganha terreno já que não existe uma lei específica que proteja e garanta direitos ao segmento GLBTT. A favor dessa parte da população existem preceitos constitucionais que garantem a todos o direito à igualdade, dignidade e privacidade, que apesar de não serem obedecidos, fundamentam a defesa de direitos, inclusive ações indenizatórias pela prática de atos discriminatórios.
Não podemos negar, infelizmente, que a homofobia está presente em nosso país. Os atos homofóbicos partem de todos os lados, de todas as maneiras, de uma palavra vulgar a assassinatos. Além dos casos já destacados anteriormente, vale relembrar também o episódio que envolveu o jogador Richarlyson, do São Paulo Futebol Clube. O juiz da 9ª Vara Criminal de São Paulo, Manoel Maximiano Junqueira Filho, mandou arquivar o processo movido pelo jogador contra um dirigente do Palmeiras que, em um programa de televisão, insinuou que o atleta era homossexual. Em seu despacho, entre inúmeras declarações homofóbicas, o juiz afirmou que “não poderia jamais sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol”.
Assim como o “caso Richarlyson”, o desdobramento do ocorrido com o casal militar gay nos assusta e demonstra a intensidade da homofobia presente em todos os segmentos de nossa sociedade. Os militares que assumiram sua homossexualidade vêm sofrendo uma série de pressões no Exército, que nega de forma veemente a discriminação. Eles são exemplos claros de preconceito.
O cenário só não é mais negativo porque nos últimos anos o Judiciário vem tomando rédeas e colocando sob o manto da legalidade e proteção devida pelo Estado os homossexuais que buscaram judicialmente seus direitos. Reconheceu uniões estáveis, mesmo quando nosso Código Civil e Constituição Federal falam em união estável entre um homem e uma mulher. Algumas decisões foram favoráveis, fazendo com que os homossexuais tenham saído vitoriosos em demandas e pleitos que servirão como base para os próximos pedidos semelhantes. É a jurisprudência, tão importante na obtenção de novas conquistas. Porém, a maior parte das sentenças permitiu, indiretamente, que fosse mantida a prática da discriminação, inclusive dentro de nossos tribunais.
A Secretaria de Justiça de São Paulo responsável pela aplicação de penas contra aqueles que discriminam homossexuais e transexuais, de acordo com a Lei estadual nº 10.948/2001, multou neste ano, por duas vezes, uma associação e um homem que agiram de forma homofóbica. Foram as duas primeiras penas de multa já que o mais comum era a pena de advertência. Em um dos casos uma associação de servidores públicos foi multada em quase R$ 15 mil por não ter aceito o pedido de funcionário público da capital paulista para inclusão de seu companheiro como dependente. No segundo caso, em Pontal, cidade do interior do Estado de São Paulo, um homem de 27 anos foi multado no mesmo valor por ter chamado um homossexual de “veado”. O pequeno número de multas aplicadas justifica-se diante das poucas denúncias que a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania recebe. Poucos conhecem essa lei que pode ser usada como uma “arma” no combate ao preconceito.
O Poder Judiciário em alguns casos tem cumprido sua função de distribuir a justiça. Porém, o Legislativo não tem acompanhado as evoluções de nossa sociedade, principalmente no que diz respeito aos homossexuais, omitindo-se de legislar em favor desse segmento, o que faz com que permaneçam à margem da lei, sem qualquer proteção por parte do Estado. Todos os projetos de lei que dizem respeito à defesa de seus direitos são engavetados o quanto antes, e só são levados à debate apenas quando nossos representantes na Câmara e no Congresso sofrem grandes pressões da sociedade e de seus pares que têm intenção em promover a igualdade. Existem bancadas no Congresso, como a católica e as evangélicas, que são terminantemente contra a aprovação de projetos dessa natureza e se utilizam de inúmeros artifícios para barrá-los.
O Legislativo pode e deve colaborar para a concessão de direitos aos homossexuais. Já permitiu que se incluísse no texto da lei Maria da Penha a proteção abrangendo todas as mulheres, independentemente de sua orientação sexual, contra a violência doméstica. É necessário apressar a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia (PEC 122), que vai considerar crime agir com preconceito em relação aos homossexuais, tal como ocorre em relação aos negros. Deveria também dar atenção especial e colocar em votação, de forma urgente, o projeto de lei que regulamenta a “união estável” entre pessoas do mesmo sexo, parado há mais de uma década o que faz com que sejam fundamentais algumas atualizações em seu texto.
Só com atitudes dos nossos representantes no Congresso Nacional é que conseguiremos começar a mudar esse cenário trágico de discriminação e preconceito. Para se mudar a mentalidade de uma nação é preciso mais do que leis, mas elas certamente determinarão o início de uma nova fase da busca pela igualdade, direito essencial previsto em nossa Constituição Federal.
Advogada especializada em Direito Civil, atua na área de indenizações, e sócia do escritório Mendonça do Amaral Advocacia
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