Preservação do local de crime

Resumo: A correta e fidedigna preservação do local de crime possui vital importância no que concerne à investigação criminal, em decorrência de ter o potencial de apresentar a materialidade do delito, fornecendo elementos relevantes para se chegar à sua autoria, a partir de conhecimentos multidisciplinares, com envolvimento da atividade prática e profissional do policial militar, que normalmente, é o primeiro profissional a chegar ao local, do perito criminal, que possui conhecimento científico, e, também, do delegado de polícia que coordena essa equipe, com seus conhecimentos de técnica de investigação e jurídicos, muito necessários ao esclarecimento do evento criminoso.


Sumário: Introdução. 1. Pressupostos. 2. Caracterização do Local de Crime. 3. Isolamento do Local de Crime. 4. Preservação do Local de Crime. 5. O Papel da Polícia Ostensiva e da Polícia Judiciária quanto à Preservação do Local de Crime. 6. Vestígios encontrados em Local de Crime. Considerações Finais.


INTRODUÇÃO


Segundo ROCHA (1998), preservar um local de crime significa garantir a sua integridade, para a colheita de vestígios que fornecerão os primeiros elementos à investigação. O exame do local do crime, referindo-se aos crimes violentos, tais como: homicídios, latrocínios, extorsão mediante seqüestro com resultado morte, ou até mesmo em casos de suicídio, deverá obedecer a uma preservação rigorosa para que sejam resguardadas suas evidências, exigindo profissionais plenamente capacitados, formando, dessa forma, um conjunto de conhecimentos e trabalhos harmoniosos, afim de assegurar o êxito nas investigações futuras, levando-se em conta que o trabalho de levantamento do local do crime, ou seja, a perinecroscopia é o ponto de partida nas investigações. 


Menciona-se, que normalmente, quando da ocorrência de um crime, a polícia militar é a primeira instituição a chegar ao local, sendo, na maior parte das vezes, acionada por parentes da vítima ou qualquer do povo que vem a conhecer do fato. Ressalta-se que a primeira providência que deve ser adotada pelo primeiro agente de segurança pública que chegar ao local do crime, em havendo vítima, é a de saber se a vítima ainda se encontra com vida, através dos procedimentos de primeiros socorros adquiridos durante o curso de formação policial, afim de que possa ser providenciado o devido socorro. Caso contrário, ao perceber que a vítima, já se encontra sem vida, deverá isolar o local até a chegada da polícia judiciária, cabendo a esta última tomar as providências legais. Dessa forma, percebe-se a relevância dos procedimentos de isolamento e preservação do local de crime, para a ocorrência de um trabalho pericial que proporcione a máxima exatidão no que concerne a análise dos vestígios.


1. PRESSUPOSTOS


O professor RABELLO (1996) define local do crime como sendo:


“[…] a porção do espaço compreendida num raio que, tendo por origem o ponto no qual é constatado o fato, se entenda de modo a abranger todos os lugares em que, aparente, necessária ou presumidamente, hajam sido praticados, pelo criminoso, ou criminosos, os atos materiais, preliminares ou posteriores à consumação do delito, e com este diretamente relacionado.”


No local do crime, a polícia examinará todos os vestígios deixados na cena da prática do delito, objetivando esclarecer à mecânica e o móvel do delito, contribuindo de forma incontroversa para o processo judicial, já que constituem provas não repetíveis, produzidas exclusivamente na fase inquisitiva. Em forma de caráter ilustrativo, cita-se como exemplo, o crime de homicídio, onde, a perícia deverá comparecer ao local do evento afim de realizar os trabalhos pertinentes que serão concretizados em um laudo pericial, onde, após ocorrer o exame do cadáver no Instituto Médico Legal, este será liberado aos parentes para ser sepultado; já em sendo um caso de furto qualificado com destruição ou rompimento de obstáculo, os trabalhos de análise do local do crime são realizados, e, logo após, o local é liberado para reforma ou aquisição de outra porta ou janela, conforme for a necessidade da ocasião.


E, no que concerne ao início dos trabalhos de análise do local de crime, vários profissionais são exigidos, exemplificando, tem-se o caso do crime de homicídio, onde em sua ocorrência, trabalham em sua apuração, durante a primeira fase da persecução criminal, os seguintes profissionais: o policial militar, que, na maioria das vezes, é quase sempre o primeiro a comparecer ao local, o auxiliar de necropsia, o perito criminal, o médico legista, o agente de polícia, o escrivão, e, completando estes profissionais, em nível de coordenação dos trabalhos, tem-se o delegado de polícia, que preside toda a investigação, através do inquérito policial.


2. CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DE CRIME


A preservação do local de crime e sua caracterização é um ponto de extrema relevância na demanda persecutória criminal, onde, o Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 6º, inciso I, já previamente citado, dispõe que logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá dirigir-se ao local, providenciando que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais. Percebe-se, portanto, que a lei processual não menciona um conceito a respeito de local do crime, ficando tal tarefa a cargo da doutrina.


Percebe-se, que dependendo do tipo de delito, os locais de crimes poderão ter conteúdo variado de vestígios, como, por exemplo, nos crimes contra a pessoa, que possuem evidências específicas, relacionadas a vítima, já nos crimes contra o patrimônio, os vestígios apresentados relacionam-se à coisa. Ressalta-se que no local de crime serão pesquisados elementos físicos que configurarão as provas materiais para a tipificação do delito e a busca de sua autoria, sendo definidos como sendo, os vestígios que determinada ação criminosa deixa. A experiência prática referente aos trabalhos realizados nos locais de crimes comprova, de forma incontroversa de que os esclarecimentos necessários de serem realizados frente a um delito se encontram proporcionalmente relacionados ao nível de preservação a que foi submetido o local. Contudo, a inexistência da preocupação de alguns agentes de segurança em isolar e preservar o local da infração penal torna-se um dos grandes obstáculos encontrados hoje em dia pela perícia criminal quanto à fidedigna análise das evidências.


3. ISOLAMENTO DO LOCAL DE CRIME


O isolamento e a consequente preservação do local de crime é uma garantia que o perito terá de encontrar a cena do crime conforme fora deixada pelo infrator, assim, como pela vítima, tendo com isso, as condições técnicas de analisar todos os vestígios. É também uma garantia para a investigação como um todo, pois, haverá muito mais elementos a analisar e levar para o inquérito, e, posteriormente, para o processo criminal.


O procedimento de preservação do local de crime sucede as providências pertinentes ao procedimento de isolamento do local de crime. Menciona-se, ainda neste item isolamento, que não se deve aceitar a improvisação, todavia, atualmente, verifica-se o uso de corda e outros meios para se isolar um local de crime, em decorrência de serem ainda muito poucos os avanços na especificação desses materiais.


4. PRESERVAÇÃO DO LOCAL DE CRIME


A respeito da preservação do local de crime, cita-se o seguinte entendimento da perita criminal BARACAT (2008):


“[…] a preservação dos vestígios deixados pelo fato, em tese delituosa, exige a conscientização dos profissionais da segurança pública e de toda a sociedade de que a alteração no estado das coisas sem a devida autorização legal do responsável pela coordenação dos trabalhos no local pode prejudicar a investigação policial e, conseqüentemente, a realização da justiça, visto que os peritos criminais analisam e interpretam os indícios materiais na forma como foram encontrados no local da ocorrência.”


Portanto, observa-se que o ato de preservar é amplo e abrangente, sendo considerado a medida adotada para proteger alguma coisa de causas que a possam deteriorar, consistindo no procedimento de manter o local de crime e seus vestígios rigorosamente no estado em que o criminoso o deixou, até a chegada da autoridade policial competente para dar seguimento às demais providências necessárias.


O local de crime devidamente preservado oferece elementos vitais para a fixação das responsabilidades. E, no sentido inverso, poderá contribuir com a absolvição de criminosos em face da inconsistência probatória, em decorrência da possível violação dos vestígios.


5. O PAPEL DA POLÍCIA OSTENSIVA E DA POLÍCIA JUDICIÁRIA QUANTO À PRESERVAÇÃO DO LOCAL DE CRIME


A polícia militar, sendo uma instituição pública prestadora de serviços à comunidade, exerce sua missão constitucional de policia ostensiva, e, nesse sentido, destaca-se dentre suas atribuições, a promoção do devido isolamento do local de crime, assim como de sua preservação. Portanto, o policial que primeiramente chegar ao local do crime, no que concerne aos procedimentos referentes aos vestígios e evidências, deverá isolar a área de ocorrência do evento criminoso, não permitindo a alteração das coisas, assim, como do cadáver, se houver; deverá também, evitar que qualquer pessoa tenha contato com os vestígios, assim como para com os instrumentos do crime, resguardando-os, a fim de serem oportunamente analisados pelos profissionais de perícia.


Após a chegada da autoridade policial competente (delegado de polícia, que representa a polícia judiciária) no local de crime, conforme preconiza o já mencionado artigo 6º do Código de Processo Penal Brasileiro, o policial militar que atendeu a ocorrência entregará o local a este, transmitindo todas as informações e impressões obtidas. E, prioritariamente, quando a autoridade policial se defrontar com o local de ocorrência do delito criminoso, esta buscará preservar o local até a chegada dos peritos, e, buscará outras evidências que possam colaborar na investigação policial.


Pacificado se encontra a afirmação de que a responsabilidade pela preservação dos locais de crime é de competência do primeiro agente de segurança pública que se defrontar para com a cena criminosa, por isso, que, o já citado artigo 169 do Código de Processo Penal Brasileiro, citado abaixo, não atribui exclusividade de competência quanto às ações de isolamento e de preservação dos locais de crime.


Entretanto, verifica-se, que em alguns casos, o local de crime é ignorado, seja por policiais militares ou policiais civis, quanto a preservação de seus vestígios e instrumentos, acabando por contaminar provas vitais ao esclarecimento do crime, e, em conseqüência disso, fornecendo subsídios para a defesa pedir a absolvição do acusado. Salienta-se, também, que a ausência dos mais elementares equipamentos para a execução dos procedimentos de preservação, isolamento e perícia, dificulta, quando não impossibilita a identificação da materialidade e autoria do crime.


6. VESTÍGIOS ENCONTRADOS EM LOCAL DE CRIME


O perito criminal MALLMITH (2007), assim define vestígios:     


“Os vestígios constituem-se, pois, em qualquer marca, objeto ou sinal sensível que possa ter relação com o fato investigado. A existência do vestígio pressupõe a existência de um agente provocador (que o causou ou contribuiu para tanto) e de um suporte adequado para a sua ocorrência (local em que o vestígio se materializou).”


Afirma-se que a importância dos vestígios não se encontra adstrita somente ao que eles representam, mas, é de vital importância, também, as posições em que se encontram e suas possíveis relações com outros vestígios, que podem não serem analisados de imediato. Todavia, apesar de ser extremamente evitado modificar o estado das coisas, ocorrem casos em que algumas medidas destas se fazem necessário, tais como cobrir o cadáver, objetivando impedir que a chuva, ou outra intempérie destrua vestígios importantes como manchas de fluídos corpóreos ou esfumaçamento.


Contudo, nos casos extremos, sendo aceitável a proteção de vestígios, o policial que realizar este serviço deverá ter o máximo zelo possível, evitando, tanto quanto possível, correr risco de, na tentativa de proteger certos vestígios, causar dano a estes ou a outros vestígios. Salienta-se, que a inobservância das regras relacionadas quanto à preservação dos vestígios poderá ocasionar a destruição e/ou o não aproveitamento destes pela perícia criminal, estando desta forma, prejudicado os trabalhos referente à apuração do evento criminoso.


Considerações Finais


Verifica-se que a ineficiência para com a preservação das provas contidas nos locais de crime, não é algo recente, dificultando, e até mesmo inviabilizando a análise probante dos fatos, principalmente, no que concerne a fase mais importante, ou seja, a persecutória penal. Contudo, frente a algumas falhas operacionais dos setores de segurança pública, no que concerne à realização de treinamentos e cursos relativos à preservação do local de crime, direcionados aos profissionais de segurança, observa-se, atualmente, uma preocupação maior por parte desses setores, quanto à orientação de seus profissionais, relativo a importância dos aspectos atinentes a aplicabilidade efetiva da localística em todos os crimes que deixam vestígios.


 


Referências

BARACAT, Claudine de Campos. A padronização de procedimentos em local de crime e de sinistro – sua importância e normatização. Disponível em: http://www.seguranca.mt.gov.br/politec/3c. Acesso: 20 de janeiro de 2009.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689/1941, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso: 15 de novembro de 2008.

DIAS, Fábio Coelho. A Importância da Perícia no Direito Processual Penal Brasileiro: a eficácia da prova pericial na fase processual. Florianópolis, 2009. Monografia (Especialização “latu sensu” em Direito Penal e Direito Processual Penal), ESMPSC/UNIVALI.

MALLMITH, Décio. Corpo de delito, vestígio, evidência e indício. Rio Grande do Sul. 7 de maio de 2007. Disponível em: http://peritocriminal.net/mambo/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=136. Acesso: 02 de abril de 2009.

RABELLO, Eraldo. Curso de criminalística. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1996.

ROCHA, Luiz Carlos. Investigação policial: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 1998.

Informações Sobre o Autor

Fábio Coelho Dias

Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de Santa Catarina (ESMPSC)/Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)


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