Presunção de inocência versus Segurança Pública: Análise do julgamento do HC 84.078-7 pelo STF


Resumo: Os princípios constitucionais indicam o começo e os caminhos a serem explorados. O princípio da presunção de inocência está disciplinado na Constituição de 1988, em seu art. 5º, LVII, que estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. No Brasil, após a Constituição de 1988, o que antes era habitual passou a ser exceção. Com a condenação de pessoas de grande poder aquisitivo e a possibilidade de recurso especial ao STJ e extraordinário ao STF, ganhou forma o debate sobre a possibilidade da sentença de segunda instância ser executada antes dos recursos às Cortes Superiores. Segundo estes, o réu condenado em primeira e segunda instância, só, poderá cumprir sua pena a partir do instante em que a decisão transitar em julgado. Nem mesmo a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos assegura o direito irrestrito dos réus de aguardar o julgamento de seus recursos em liberdade. Até então, leva-se em consideração a presunção de inocência a quem é atribuída à responsabilidade. Outro ponto crítico abrange o sistema penal brasileiro, que é ineficaz, e, desta forma, favorece o questionamento em face ao princípio aqui em comento. Eliminar qualquer controvérsia acerca da cautela no sistema penal é uma necessidade imprescindível para a convivência humana. Em síntese, o problema da presunção da inocência não é terminológico, mas diz respeito à situação ou status alcançado pelo acusado ao longo do processo. A pretensão é, inclusive, criticar a interpretação da Constituição ao acompanhar o rigor da letra dos textos, pois na prática, o sistema penal ainda é bastante criterioso e desigual. Não se trata de anular princípios necessários, mas estabelecer condições para uma aplicação célere e equânime da Justiça no território brasileiro.


Palavras-chave: Estado de inocência. Execução provisória. Impunidade. Sistema penal brasileiro





Abstract: The constitutional principles indicate the beginning and the paths to be explored. The presumption of innocence is disciplined in the 1988 Constitution, in its art. 5, LVII, which states: “No one shall be considered guilty until a final and unappealable criminal sentence.” (BRAZIL, 1988, p. 10). In Brazil, after the 1988 Constitution, which was usual before is now exception. With the sentencing of people of high purchasing power and the possibility of appeal to the special and extraordinary STF STJ, won the debate over the possibility of appeal of the sentence be executed before the Superior Courts of resources. They said the defendant convicted of first and second instance, only you can fulfill your pen from the moment when the decision has been handed. Even the Inter-American Convention on Human Rights guarantees the unrestricted right of defendants to await trial in freedom of its resources. Until then, it takes into account the presumption of innocence to which is assigned the responsibility. Another critical point concerns the criminal justice system, which is ineffective, and thus encourages the questioning in regard to the principle here under discussion. Eliminate any controversy over the care in the penal system is an essential need for human coexistence. In summary, the issue of presumption of innocence is not terminology, it refers to the situation or status achieved by the accused during the proceedings. The claim is even criticizing the interpretation of the Constitution to strictly follow the letter of the texts, since in practice, the criminal justice system is still highly selective and uneven. It is not necessary to override principles, but to establish conditions for a speedy and impartial application of justice in Brazil.


Keywords: state of innocence. Provisional execution. Impunity. Brazilian Criminal justice system.


Sumário: 1. Introdução; 2. O Princípio da Presunção de Inocência e sua Aplicabilidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro; 3. Efeitos da Interpretação Lato Sensu do Princípio da Presunção de Inocência; 4. Conclusão; Bibliografia.


1 INTRODUÇÃO


É sabido que inexiste um único princípio vigente na maior parte dos ordenamentos jurídicos que adotam o sistema da civil Law. Pelo contrário, há uma vasta variedade de princípios que, dependendo das especificidades de determinada situação fática, podem conflitarem entre si, exigindo-se um esforço hermenêutico a fim de se realizar uma leitura adequada sobre a real extensão e o alcance que cada princípio traz em seu cerne, para, em seguida, verificar qual deles será o mais adequado para solucionar o respectivo caso concreto.


Historicamente, o princípio da presunção de inocência, objeto deste estudo, é contemplado, por alguns doutrinadores, em termos de presunção, enquanto outros fazem referência à posição do acusado durante o processo (estado de inocência ou de não-culpabilidade).


Recentemente, o STF aderiu o entendimento de permitir que réus condenados continuem em liberdade até se esgotarem todas as possibilidades de recursos. O resultado da votação não foi unânime (sete votos a quatro), o que comprova a polêmica do tema.


Sob o amparo do princípio da presunção de inocência, o réu conquista o direito de responder ao processo em liberdade, o que acarreta infâmia para a sociedade, uma vez que há propagação do sentimento de impunidade.


O objetivo deste trabalho está na necessidade de se estabelecer o alcance interpretativo do princípio da presunção de inocência, o qual só pode ter lugar quando num Estado Democrático de Direito, no pressuposto de que somos todos iguais perante a lei, formal e materialmente, nos termos do art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88, for levado a cabo.


Em oposição à interpretação hermética e isolada dos caracteres da presunção de inocência, há a necessidade inafastável de se sopesar o princípio da segurança pública, este de mesma envergadura constitucional, o qual constitui causa para que se pondere o direito à liberdade do réu até que se configure o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.


Em inúmeros casos, a Constituição apresenta mais garantias ou princípios aparentemente conflitantes. Quando isso acontece, tais princípios-garantias constitucionais devem ser interpretados de forma a se conciliarem, sem que isso signifique cumprir uma ou excluir a outra de forma absoluta.


Evidente que o princípio em tela não foi gerado para determinar resultados temerosos, devendo, pois, ser aplicado com cautela e sabedoria, e não de forma indiscriminada e irresponsável.


Deve-se ressaltar, por fim, que este artigo científico tem por finalidade precípua debater os reflexos do princípio-garantia da presunção de inocência frente ao ineficaz sistema de persecução penal in judicio, cujos traços marcantes são a morosidade e a impunidade de grande número de infratores, devido aos incontáveis anos para que o Superior Tribunal de Justiça e/ou o Supremo Tribunal Federal – STF enfrente as questões de direito, encerrando-se assim a fase cognitiva do processo.


2 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E SUA APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


2.1 Conceito e legislação


Os princípios são direitos fundamentais inseridos na Constituição de cada Estado soberano, direcionando os fundamentos e alicerces desse sistema, além disso, guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Na esfera penal, diz-se que,


Os princípios constitucionais penais presentes no ordenamento, foram criados para motivar a direção do sistema penal, mas que devido à falibilidade dos meios adotados e do fraco aparato governamental indiferente a políticas públicas de redução da criminalidade, são deixados de lado, abrindo lacunas para a adoção de um modelo inconstitucional e equivocado. (LUISI, 2003, p. 19)


É a partir deste juízo que vai ser abordado o Princípio da Presunção de Inocência, o qual teve origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (artigo 9º), fruto da Revolução Francesa, foi reiterado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo XI), no século XX. Em seu artigo 11, a Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU formula a presunção de inocência: “Toda pessoa acusada de um delito tem o direito a que se lhe presuma inocente, até que se demonstre a culpabilidade segundo a lei e em um juízo público em que terá todas as garantias necessárias para a sua defesa.” (MAIA NETO, 2003).


Ao ser criado, concebia-se o princípio da presunção de inocência como uma forma defensiva para impedir que o indivíduo fosse calçado por um Estado opressor e indiferente, que rejeitasse completamente os direitos humanos. Não se imaginava, entretanto que, em certos países, como no Brasil, os processos perdurassem tantos anos para serem solucionados.


O princípio da presunção de inocência, agora positivado, muito embora já fosse classificado pela doutrina pátria dentre os princípios-gerais que regiam o direito processual penal. A forma como está enunciado na Constituição, entretanto, ensejou por si mesma alguns debates a respeito do seu alcance, visto que ele constitui um desdobramento do princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que assim dispõe: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988, p. 10). Consagrando-se um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.


“Nos tratados e nas Cortes Internacionais é dito que toda pessoa se presume inocente até prova de sua culpa em um tribunal. Nesta mesma interpretação segue a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, a Convenção Européia dos Direitos Humanos, 1950, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, de 1966, o Pacto de San José da Costa Rica e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 2002. Mas em nenhum deles se afirma que esta presunção exige o esgotamento de todas as instâncias. Interpretando tais dispositivos na realidade forense internacional, a regra não é aguardar o esgotamento de todas as instâncias.” (FREITAS, 2009)


A existência de razoável suspeita da prática de crime pode ser sim invocada para limitar determinados direitos fundamentais, embora excepcionalmente. O ordenamento jurídico infraconstitucional, em especial o processual penal, está obrigado a absorver regras que permitam encontrar um equilíbrio saudável entre o interesse punitivo estatal e o direito de liberdade, dando-lhe efetividade.


Por evidente, não se pode pensar em execução provisória de maneira ampla e irrestrita, há que se terem critérios, levando a cabo os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, nos termos do art. 5º, caput da CRFB/88, isto é, tratando os iguais de maneira homogênea e os desiguais, de forma heterogênea, nos limites de suas desigualdades.


Nesse sentido Eugênio Pacelli adverte:


“O problema é que, ao contrário do juízo cível, no qual a execução provisória é precedida de garantia real ou fidejussória, a execução provisória penal não contempla semelhante possibilidade. Uma vez executada, o provimento do recurso ou a concessão de habeas corpus (que, aliás, são muito freqüentes) nada poderão fazer em relação ao tempo de encarceramento provisório. Nesses casos, como diria o ilustre poeta lusitano, Inês é morta. E a liberdade, idem.” (OLIVEIRA, 2008)


2.2 Aplicabilidade do princípio


Desde que o legislador constituinte de 1988 consagrou a presunção de inocência na vigente ordem constitucional, instalou-se a discussão acerca da subsistência ou não das prisões provisórias no curso, ou mesmo antes do processo, em face daquele preceito.


Em uma primeira formulação acerca da aplicabilidade do princípio da presunção de inocência, incide o posicionamento de que


“a aplicação mais comumente defendida pela doutrina da norma sob exame dá-se no campo probatório. Nessa primeira formulação, o réu ser presumido inocente significa, por um lado, que o ônus de provar a veracidade dos fatos que lhe são imputados é da parte autora na ação penal (em regra, o Ministério Público) e, por outro lado, que se permanecer no espírito do juiz alguma dúvida após a apreciação das provas produzidas, deve a querela ser decidida a favor do réu.” (GOMES, 1999, p. 111-112)


Um exemplo claro de aplicação do princípio da presunção de inocência foi publicado em recente reportagem, constatando quase uma década de impunidade ao jornalista Pimenta Neves. Tendo havido dois julgamentos, um pelo Tribunal do Júri e outro pelo Tribunal de Justiça, que confirmou a condenação, atendeu-se ao duplo grau de jurisdição, portanto há o sentimento jurídico e humano de que está na hora deste reú começar a cumprir sua pena. (DINIZ, 2009).


Sob esse prisma, observar-se que o princípio da presunção de inocência precisa ser visto sob dois lados distintos, conforme a fase na qual se encontre o processo: um, antes da sentença/acórdão de condenação; outro, depois de uma decisão condenatória. Deve-se admitir até certo ponto, caso contrário, se esse patamar for muito extenso, além do próprio efeito da prestação jurisdicional a ser concedida posteriormente, se tornará completamente ineficaz.


Segundo o subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves, a amplitude que se deu ao habeas corpus, que pode ser utilizado para atacar, em qualquer tempo, todos os atos da ação penal, merece o repensar de seus parâmetros e a forma de sua propositura (GONÇALVES, 2008).


O confronto entre prisão preventiva que tem natureza processual e cautelar, constituindo-se em privação de liberdade do indiciado ou acusado, por decisão fundamentada do juiz e, o princípio da presunção de inocência, sempre será palco de muitas discussões para os estudiosos do direito processual penal.


A resolução de conflito de princípios jurídicos e do conflito de valores é uma questão de ponderação, de preferência, aplicando-se o princípio ou o valor na medida do possível. Neste sentido:


“o princípio da razoabilidade, basicamente, se propõe a eleger a solução mais razoável para o problema jurídico concreto, dentro das circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas que envolvem a questão, sem se afastar dos parâmetros legais. Sua utilização permite que a interpretação do direito possa captar a riqueza das circunstâncias fáticas dos diferentes conflitos sociais, o que não poderia ser feito se a lei fosse interpretada “ao pé da letra”, ou pelo seu mero texto legal.” (MARMELSTEIN, 2008, p. 328)


Nas Lições de J.J. Gomes Canotilho:


Ponderar princípios significa sopesar a fim de se decidir qual dos princípios, num caso concreto, tem maior peso ou valor os princípios conflituantes. Por isso, a ponderação reconduz-se, no fundo, como já foi salientado na doutrina (Guastini), à criação de uma hierarquia axiológica móvel entre princípios conflituantes. Hierarquia, porque se trata de estabelecer um “peso” ou “valor” maior ou menor entre princípios. Móvel, porque se trata de uma relação de valor instável, que é válida para um caso concreto, podendo essa relação inverter-se noutro caso. A importância que, ultimamente, é atribuída à ponderação de bens constitucionais radica, como se disse, na natureza tendencialmente principial de muitas normas jurídico-constitucionais. O apelo à metódica de ponderação é, afinal, uma exigência de solução justa de conflitos entre princípios. Nesse sentido se pôde afirmar recentemente que a ponderação ou o balancing ad hoc é a forma característica de aplicação do direito sempre que estejam em causa normas que revistam a natureza de princípios. A dimensão de ponderabilidade dos princípios justifica a ponderação como método de solução de conflito de princípios.” (CANOTILHO, 2002, p. 1227)


A aplicação imediata das sentenças penais incriminadoras em alguns países distingue-se. Exemplificando, em Portugal, apesar da relevância da presunção de inocência, vige o princípio da “execução imediata” das sentenças condenatórias, o Tribunal constitucional entende que não é necessária a definitividade para a execução de um julgado condenatório e, nos EUA, o princípio da presunção de inocência faz parte do devido processo legal que consta da Constituição, contudo há profundo respeito às primeiras instâncias e o direito à fiança é bastante restrito. E assim, pode-se dizer que a aplicação da presunção de inocência não importa no exaurimento de todas as instâncias, como mostram os julgados das cortes superiores e os Tribunais nos países mencionados. (MPF. 2009)


2.3 Orientação jurisprudencial do STF e seus reflexos no Ordenamento Jurídico Pátrio


Em recente decisão, no dia 5 de janeiro de 2009, ao julgar o HC 84.078-7, impetrado em favor de um preso condenado a sete anos e seis meses de prisão pelo Tribunal do Júri de Passos (MG), por tentativa de homicídio duplamente qualificado. Tendo como relator o Ministro Eros Grau, o Supremo decidiu, por sete votos a quatro, que um condenado só poderá ser preso com o processo transitado em julgado. Os ministros entenderam que a execução provisória da prisão não pode ser feita enquanto houver recursos pendentes. A decisão foi pautada no inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna, que estabelece o princípio da presunção de inocência.


A presunção de inocência é um princípio-garantia que deve ser respeitado, pois faz parte do arcabouço constitucional de limitação do poder estatal, porém, seu embasamento deve ser precedido de uma análise do contexto social. E é nesse contexto que a decisão do STF poderá contribuir para uma situação fática de insegurança nas comunidades, tendo em vista que a segurança pública é fator determinante para que se pondere o direito à liberdade do réu.


Seguem as decisões sobre as quais o primeiro a se manifestar foi o Ministro Eros Grau, que pronunciou:


“Em lei, nem qualquer decisão judicial, pode impor ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A não ser que o julgador seja um desafeto da Constituição Federal. Caso contrário, não se admite qualquer entendimento contrário ao inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna, que estabelece o princípio da presunção de inocência”. (STF, 2009a)


E ainda, ao proferir seu voto, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto majoritário do relator, ministro Eros Grau.


Durante os debates, o ministro Joaquim Barbosa questionou a eficácia do sistema penal brasileiro, e afirmou:


“Estamos criando um sistema penal de faz-de-conta. Se tivermos que esperar os deslocamentos de recursos, o processo jamais chegará ao fim. Não conheço nenhum país que ofereça aos réus tantos meios de recursos como o nosso. Portanto, se resolvermos politicamente – porque esta é uma decisão política que cabe ao STF decidir – que o réu só deve cumprir a pena, esgotados todos os recursos, ou seja, até o Recurso Extraordinário julgado por esta Corte, nós temos que assumir politicamente o ônus por esta decisão. O leque de opções de defesa que o ordenamento jurídico brasileiro oferece ao réu é imenso, inigualável”. (GALUCCI, 2009)


Tal pensamento se consolidou com o entendimento da Ministra Ellen Gracie que, além de concordar, ainda acrescentou que:


“Em nenhum outro País se assiste a um condenado em segunda instância continuar impune, à espera do resultado de novos recursos. Esse novo julgamento desprotege a sociedade e apaga 20 anos de jurisprudência firmada em sentido contrário pelo antigo STF. Aguardar que a prisão só ocorra após o trânsito em julgado é inconcebível. A vencer essa tese, nenhuma prisão seria feita no Brasil.” (SOUZA, 2009)


Cita-se que o posicionamento majoritário do Supremo Tribunal Federal, contraria súmula 267 do STJ, que em seu texto declara que “a interposição de recurso sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandados de prisão”. (BRASIL, 1988)


O atual STF não tem condições técnicas e humanas de julgar rapidamente os Recursos Extraordinários Criminais, o que acarreta no aumento da impunidade na seara penal, uma vez que poderá haver a prescrição da pretensão punitiva, violando, destarte, outros tão importantes princípios constitucionais, como os da efetividade e da razoabilidade do processo.


Consequentemente possibilitará que milhares de presos, já condenados em primeira e em segunda instância, mesmo que confessos, mas com recursos pendentes de julgamento no STJ e no STF, sejam colocados imediatamente em liberdade até que os Tribunais Superiores, daqui a longos anos, apreciem seus recursos.


Por esta razão, ressalta-se a grande quantidade de recursos que seriam invariavelmente interpostos, e o fato de que os processos seriam infindáveis. Na prática, o juiz responsável pela prisão analisará se a soltura do preso atrapalhará o andamento do processo. Caso haja risco, poderá mantê-lo preso, mas mesmo assim, sempre haverá a possibilidade do preso recorrer ao STF.


Pode-se dizer que os juízes de primeira instância encontram-se numa situação de desequilíbrio: de um lado, praticamente nunca há, no entender das Cortes Superiores, fundamentos suficientes para as prisões cautelares, ou seja, não há fatos concretos que justifiquem a prisão preventiva ou temporária; de outro, não se pode executar a sentença, mesmo que julgada a apelação, porque são interpostos os recursos especiais e o extraordinário, com inúmeros incidentes, agravos, etc., além de seguidos Habeas Corpus, todos para evitar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.


Não mais serão considerados úteis a sentença e o acórdão condenatório, respectivamente de primeiro e segundo grau, quanto à possibilidade da execução provisória, pois se entende agora, que tal feito seria uma violação ao princípio da presunção da inocência. Mesmo o sujeito condenado nestas instâncias, somente em casos excepcionais terá a sua liberdade cerceada sem o crivo final da Suprema Corte.


O texto do escritor Ferreira Gullar critica severamente a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que, nos dizeres do escritor,


Deixar em liberdade todo e qualquer acusado até que ele seja julgado em ultima instância, manifestando-se, assim, contrário ao princípio da presunção de inocência consagrado e assegurado por nossa Magna Carta em seu artigo 5º, inciso LVII.


Há processos que duram 20 ou 30 anos, até que se obtenha a tutela jurisdicional do Estado, ressaltando também, que aquele que não gozar de boa saúde, provavelmente, morrerá inocente.” (GULLAR, 2009, p. 3)


A reviravolta produzida pelo STF tem seu mérito, mas é questionável, pois invoca e reforça um patrimônio inalienável das democracias modernas, a presunção de inocência. Ainda assim o julgamento projeta repercussão preocupante, para não dizer danosa, haja vista não se pode ignorar a realidade da administração da Justiça no Brasil.


Relevante, portanto, mencionar casos práticos do desdobramento da decisão do STF:


“O Supremo Tribunal Federal mandou soltar cinco presos que, mesmo condenados por crimes graves, vão recorrer da sentença. De uma só vez, foram beneficiados um condenado por tentativa de estupro, um estelionatário, um ladrão e dois acusados por apropriação de bens e rendas públicas.” (STF, 2009b)


E ainda, no afã de seguir o novo entendimento da Suprema Corte, Juiz do Estado de Minas Gerais decidiu:


“Juiz fez valer a nova determinação do STF de que ninguém deve permanecer preso até que sejam esgotados todos os recursos. E mandou comunicar oficialmente à vítima, dando-lhe ciência de que o acusado foi colocado em liberdade provisória, conforme determinação judicial, também atendendo a uma imposição da Lei 11.690, em vigor desde junho de 2008.” (JUSTIÇA, 2009)


Plagiando o próprio jargão popular: “cada crime é um crime diferente”. E por certo, todos aqueles que participaram do ilícito penal deverão ser tratados especial e individualmente, considerando a importância da maior decisão dada ao caso concreto, ou seja, a própria sentença, sendo ela condenatória ou absolutória. Tudo isso deveria ser “relativizado” para se dar mais eficiência ao processo.


Apresentando dados, apesar de votar a favor do direito do réu de recorrer em liberdade, Gilmar Mendes admitiu que a Justiça brasileira é ineficiente (SUPREMO 2009). Apesar dessa inefetividade da Justiça, o Brasil tem um índice bastante alto de presos. E se observar por estado, a situação é ainda mais grave.


Torna-se, portanto, imprescindível mencionar que, a falência do sistema penitenciário no país não pode servir de justificativa para impunidade, embora represente um dos mais graves problemas sociais da atualidade, este sim desrespeitando os direitos humanos e noções básicas de cidadania. Liberar criminosos (politicamente, conforme deseja o STF) não é a melhor saída, tampouco resolverá o problema, além disso, a falta de autoridade de governos enfraquecidos ainda aumenta a vantagem dos criminosos.


Impedir a execução provisória significa dificultar as prevenções como escopos da norma penal. Ao passo que, se seguem pendentes os recursos ao STJ e ao STF, a prescrição vai enfraquecendo as expectativas da sociedade em ter uma segurança mínima diante de condenações já firmadas mediante o devido processo legal, com contraditório e a ampla defesa.


O princípio da presunção de inocência vem sendo interpretado de forma imprudente, pois os fatos têm sido analisados somente quanto aos termos estritos da Constituição, tendo em vista que o Estado deve se preocupar com o indivíduo num contexto social, não com o indivíduo isoladamente.


2.4 Aplicabilidades do princípio da presunção de inocência no contexto do instituto da prisão preventiva.


O Código de Processo Penal, nos artigos. 311 a 316, disciplina a prisão preventiva, que é uma modalidade de prisão provisória, de natureza cautelar e que poderá ser decretada judicialmente em qualquer fase, até mesmo antes do oferecimento da denúncia, nos termos do art. 312 do CPP, provada a existência do crime e indício suficiente de sua autoria. (BRASIL, 1941, p. 644).


Diz-se prisão preventiva em sentido restrito porque, em sua significação especial, toda prisão processual é preventiva. A relação entre a prisão preventiva, que possui natureza processual e cautelar, e o princípio da presunção da inocência, que é uma das mais importantes garantias constitucionais, é muito reduzida.


Importante esclarecer que não se pretende aqui demonstrar que a criminalidade se combate com a prisão preventiva. Quando necessária, é instrumento de que se devem valer os órgãos de persecução, no cuidado de não estimular a impunidade, ou a sensação dela, cujos efeitos, podem ser observados na prática. Tão pouco, em sentido oposto, é possível adotar um discurso abolicionista de que a pena privativa de liberdade não serve para nada e, portanto, deve ser extirpada do ordenamento jurídico, conforme idealizou Louk Hullsman, em sua famosa obra Penas Perdidas.


Segundo José Frederico Marques, em sentido jurídico, a prisão nada mais é do que “a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo lícito ou por ordem legal”, e preleciona:


“A prisão cautelar tem por objeto a garantia imediata da tutela de um bem jurídico para evitar as conseqüências do periculum in mora. Prende-se para garantir a execução ulterior da pena, o cumprimento de futura sentença condenatória. Assenta-se ela num juízo de probabilidade; se não houver probabilidade de condenação, a providência cautelar é decretada a fim de que não se frustrem a sua execução e seu cumprimento”. (MARQUES, 2000, p. 49)


Pode-se dizer que, a prisão preventiva somente guarda consonância com o princípio da presunção de inocência, desde que seja determinada para atender a sua finalidade cautelar, presentes o fumus boni iuris representado pelos seus pressupostos, e configurado o periculum libertatis, com a demonstração de que a liberdade do acusado colocará em risco os resultados do processo.


A Constituição garante a todos o direito à ampla defesa, mas não podemos caminhar para um sistema insensato e tolo em que dificilmente se chega a uma condenação definitiva. A tese de que não é possível manter na prisão aqueles que foram condenados e os que ainda têm recursos para serem julgados não pode ganhar a extensão que foi dada pelo STF.


A prisão processual não é para ser vista somente como um instrumento punitivo de antecipação ao acusado, mas como um meio fundamental, sobretudo quando da gravidade da conduta, para desestimular a ação dos criminosos. Sendo assim, visando à garantia da ordem pública, evitando ameaça à ordem social, não ofenderá o princípio constitucional examinado, no caso em que se observe a finalidade cautelar da própria prisão e de sua função na preservação da paz social.


Nesse sentido, Cesare Beccaria (2009) já alertava, no final do século XVIII, de que mais importante do que a dureza das penas é a certeza de sua punição. A modernidade demonstrou que a fixação de penas graves não serve de política de combate a prática de delitos, pois o sentimento de impunidade, em sentido contrário, atua como combustível para favorecer o cometimento de crimes.


Destarte, é imprescindível citar casos concretos de atuação do judiciário. Segundo o entendimento do STJ, no julgado RHC 12854, diz em parte que “a gravidade do delito e a periculosidade do agente podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública”. (STJ, 2003. p. 317)


RHC 12854 / RS


RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2002/0056663-5


Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111)


Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA


Data do Julgamento 21/11/2002


Data da Publicação/Fonte DJ 03/02/2003 p. 317


Ementa


CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO. REITERAÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO. DEMORA NO JULGAMENTO DO WRIT ORIGINÁRIO. SUPERVENIÊNCIA DE ACÓRDÃO. EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO. PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA. FUNDAMENTOS SUPERADOS. PEDIDOS PREJUDICADOS. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO DENEGATÓRIA DO BENEFÍCIO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. GRAVIDADE DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. OUTRO TÍTULO A RESPALDAR A SEGREGAÇÃO. CRIME QUE NÃO SERIA HEDIONDO. PACIENTE QUE TERIA AGIDO EM LEGÍTIMA DEFESA. QUALIFICADORAS NÃO-CONFIGURADAS. ILEGALIDADES NÃO-EVIDENCIADAS DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. ORDEMPARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.


I. Tratando-se de recurso ordinário com parte do objeto idêntica ao de outro habeas corpus já julgado por esta Turma, configura-se a inadmissível reiteração, razão pela qual não se conhece do pedido no que se refere ao excesso de prazo na instrução criminal. Ressalva de que, naquele julgamento, esta Corte aplicou o verbete da Súmula n.º 21, por se tratar de paciente já pronunciado.


II. Sobrevindo o julgamento do writ originário pela Corte Estadual, resta prejudicada a alegação de excesso de prazo na apreciação do pedido de revogação da custódia cautelar.


III. Não prospera a apontada demora na conclusão do inquérito policial, diante do momento processual em que se encontra a ação penal instaurada em desfavor do paciente, que já foi pronunciado, tendo sido interposto recurso em sentido estrito pela defesa.


IV. Não se vislumbra ilegalidade na decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão cautelar, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante.


V. A gravidade do delito e a periculosidade do agente podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedentes.


VI. Condições pessoais favoráveis do réu – como residência fixa e ocupação lícita, por exemplo – não são garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, se a manutenção da custódia é recomendada por outros elementos dos autos.


VII. A prisão processual pode ser decretada sempre que necessária, e mesmo por cautela, não caracterizando afronta ao princípio constitucional da inocência, se devidamente motivada.


VIII. Sobrevindo sentença pronunciando o paciente nas sanções do art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal, configura-se a existência de outro título a respaldar a segregação.


IX. Não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade nos fundamentos da denúncia, tem-se o habeas corpus como meio impróprio para a análise de alegações que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como as questões relacionadas ao fato de que o paciente não teria praticado crime hediondo, eis que não restariam configuradas as qualificadoras, além de que o delito teria sido cometido em legítima defesa própria e de terceiros.


X. Ordem parcialmente conhecida e denegada.


Acórdão


Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal


de Justiça, por unanimidade, conheceu parcialmente do


recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento. Os Srs. Ministros


Jorge Scartezzini, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram


com o Sr. Ministro Relator.


E neste sentido, configura-se ainda, o julgado de 1ª instância, como se vê no processo de nº 5378/2008, no qual o juiz declara em seu relatório, dentre vários aspectos relevantes, que “dos órgãos persecutórios se espera, sempre, medidas eficazes no sentido de possibilitar a inflição de penas a quem afrontou a ordem pública”. (TJMA, 2009. proc. 5378/2008)


DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA


TJMA. PROCESSO Nº 5378/2008


AÇÃO PENAL PÚBLICA


01. Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO por incidência comportamental no artigo 121, §2º, II e IV, do CP.


02. Consta da proemial que o acusado, no dia 12/01/2008, por volta das 23h30, ter assassinado, a golpes de faca, LECIANE DA SILVA NASCIMENTO.


03. A persecução criminal teve início mediante portaria.


04. O acusado, desde a fase preambular, tomou rumo incerto, logo após a prática do crime, tanto que foi qualificado indiretamente.


05. O acusado, ao depois, manteve-se em liberdade, em face de um salvo-conduto.


06. Deflagrada a persecução criminal no seu segundo momento, o acusado não foi localizado pelo meirinho, do que se infere que está foragido.


07. Esgotadas possibilidades de citação pessoal, determinei a sua citação por edital.


08. As possibilidades de que o acusado responda ao chamamento editalício são remotíssimas, disso decorrendo que o feito, ex vi legis, será, depois, suspenso.


09. Cediço, à luz do exposto, que a fuga do acusado do distrito da culpa veio em holocausto da instrução criminal e, de conseqüência, da aplicação da lei penal.


10. O acusado, é forçoso convir, ao fugir do distrito da culpa, deixou evidenciado que não deseja arcar com as consequencias jurídico-penais de sua ação.


11. O feito, como consignei acima, deverá ser suspenso, situação que, no entanto, não pode se prolongar ab aeternum.


12. Os Tribunais, à frente o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, têm entendido que a simples fuga do acusado do distrito da culpa, já legitima a edição de um decreto de prisão preventiva, em casos similares, para possibilitar a realização da instrução criminal e, também, para possibilitar à aplicação da lei penal.


13. Compreendo que a situação do processo sub examine, prejudicado em sua instrução em face da fuga do acusado do distrito da culpa, reclama deste juízo a adoção de medidas enérgicas.


14. É preciso convir que, no atual estágio, a prisão do acusado é a ultima ratio. Não há mais o que esperar, pois o acusado, desde que cometeu o crime, está foragido.


14.1Dos órgãos persecutórios se espera, sempre, medidas eficazes no sentido de possibilitar a inflição de penas a quem afrontou a ordem pública.


14.2. Das instâncias formais de combate à criminalidade não se espera uma postura apenas contemplativa.


15. A prisão, quando necessária, é instrumento de que se devem valer os órgãos de persecução, no afã de não estimular a impunidade – ou a sensação dela -, cujos efeitos, todos sabemos, são mais do que deletérios para o conjunto da sociedade.


16. Tendo entendido – e nesse diapasão tenho decidido – que não se pode afrontar a ordem pública, não se pode malferir um preceito penal e, depois, seguir a vida como se nada tivesse ocorrido.


18. É necessário que todos os que malfiram a ordem público prestem contas dos seus atos à sociedade.


18.1. Não se pode afrontar a sociedade e sair palitando os dentes como quem se regalou com numa boa mesa de quitutes.


18.2. Aquele que comete um crime deve ter a certeza de que não pode ficar impune, sob pena de se estimular a vingança privada.


18.3. Vingança privada que, registre-se, já se constata, aqui e acolá, em face da covardia das instâncias penais, que, não raro, agem com parcimônia em situações que estão a exigir perseverança, tenacidade.


19. O processo sub examine, como tantos outros, poderia, sim, permanecer nos escaninhos da Secretaria Judicial desta vara, até que sobreviesse a prescrição.


19.1. Mas não é do meu feitio, não é da minha índole deixar como está para ver como é que fica.


19.2. Essa postura, acovardada, contemplativa é digna de reproche; não se compatibiliza com a minha história, daí por que compreendo que, nesse caso como em tantos outros, preciso agir com a mesma sofreguidão.


20. Pertinácia, sofreguidão e arrojo é o que se espera, sempre, daqueles que, no exercício de uma atividade pública, tenha compromisso com a sociedade.


21. Não se pode, pura e simplesmente, matar, roubar, estuprar e sair por aí como se nada tivesse ocorrido.


21.1. A sensação de impunidade que disse decorre é mais do que deletéria para o conjunto da sociedade.


22. Vivemos momentos especialmente difíceis. A população, descrente, já partiu para a vingança privada. Aqui e acolá ouvem-se notícias dessa e daquela tentativa de linchamento.


22.1. É que a sociedade, descrente, estupefata e revoltada com tanta impunidade, já não agüenta esperar, perdeu a paciência com a lassidão dos órgãos responsáveis pelo combate à criminalidade.


23. A sensação que tenho, vivendo o dia-a-dia de uma vara criminal, é que as instituições, por seus representantes legais, estão em estado de letargia.


24. As notícias acerca dos crimes mais abjetos, inclusive acerca da malversação das verbas públicas, parece que não mais encontram receptividade, não há reverberam, não se traduzem em providências.


24.1. Não vejo indignação, tomada de posição, arregimentação daqueles que têm o dever de perseguir o criminoso.


24.2. Tudo é lassidão, pachorra, acomodação, conformação.


24.3. Muitos só se revoltam mesmo quando a violência bate à sua porta. Enquanto ela atingir apenas o vizinho, não se esboça nenhuma reação.


25. Ao acusado o MINISTÉRIO PÚBLICO imputa a prática de um crime gravíssimo (hediondo), razão do que, a fortiori, deve-se agir com denodo, para que a sensação de impunidade não estimule a justiça privada.


Tudo de essencial posto e analisado hei por bem


Decretar a prisão preventiva de (…)


Juiz José Luiz Oliveira de Almeida


Titular da 7ª Vara Criminal” (TJMA. PROCESSO 5378/2008. AÇÃO PENAL PÚBLICA. SÃO LUIS, mar. 2009)


A prisão é ainda a indesejável solução de que não se pode resignar, sendo indispensável para um tipo de sociedade como a nossa, por um único motivo: não se conhece nada que a substitua, ou melhor, não se coloca em prática no país. É preciso que existam certas condições para que a recuperação do infrator ocorra, tais como uma instituição penitenciária idônea, funcionários capacitados, é preciso que a capacidade da unidade não seja extrapolada e aqui está a importância das penas alternativas em casos que o emprego delas é possível. Uma pena justa é necessária, pois servirá de exemplo às outras pessoas que tencionem agir ilicitamente. A ponderação é de que a prisão por cautela seja o instrumento disponível pelo Estado para proteger a sociedade de indivíduos que, pela prática de infrações, possam colocar em risco o equilíbrio e a segurança da vida em comunidade.


3 EFEITOS DA INTERPRETAÇÃO LATO SENSU DO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA


3.1 Os aspectos negativos da interpretação lato sensu do princípio da presunção de inocência


O princípio da presunção de inocência, que norteia as constituições mais modernas do mundo, existe para garantir que o réu não cumpra uma punição injustamente. Eis o ápice da questão, a perda da eficácia de sustar a ação do sistema de persecução penal termina por impor prejuízos à convicção da sociedade na justiça.


A Impunidade é aquilo que o cidadão vê acontecer diante de medidas efetivas omitidas pelo Estado. Isto ocorre por vários motivos, como exemplo, pode ser citado, um código penal desatualizado, uma manutenção cara e sem retorno dos presidiários, a falta de reintegração do preso na sociedade, a falta de espaço para os presos, a corrupção, entre outros.


A morosidade no trâmite processual judicial aliada a dinâmica dos prazos prescricionais pode tornar impossível o ius puniendi estatal. Mas ainda assim, temos a lei e o ordenamento jurídico como fatores relevantes, pois autorizam uma variedade de recursos e com isso, a delonga. Tal liberalidade, como se vê, afronta gravemente a expectativa social da certeza da punição aos infratores pelo mal que praticaram, amparando-se na presunção de inocência.


Se um processo for conduzido no sentido de esgotar todos os recursos, sua duração é longa. O juiz de primeiro grau condena, o de segundo grau confirma e o Tribunal Superior mantém. Mas, enquanto não haja a decisão final da Corte Suprema, a inocência é presumida. Notável o grande equívoco desta interpretação, pois é razoável o entendimento de que a presunção deveria ser exatamente o contrário: se já houve três condenações, o lógico seria presumir a culpa, nunca a inocência. As decisões dos juízes de primeiro e segundo graus devem ser levadas a sério.


O que se vê, é que indivíduos acusados ou confessos usam de todos os meios e pretextos possíveis para protelar o resultado das ações em que estão envolvidos, enquanto levam a vida normalmente, como se nada tivesse acontecido. Invocando a lentidão dos tribunais e o anacronismo da legislação processual penal, o tratamento benevolente dado a quem já foi condenado pelas instâncias inferiores favorece o estado de impunidade. Mister se faz a adoção de uma política capaz de tornar viável o sistema penal o quanto a lei determina. Eis a questão da responsabilidade estatal, devendo promover mecanismos de concretização dos direitos fundamentais, sendo esta uma das principais estratégias no combate ao vertiginoso aumento da criminalidade.


Sem a pretensão de esgotar o assunto, não se pode generalizar o entendimento de que só após o trânsito em julgado se pode executar a pena. Vale dizer, pleiteia uma nulidade inventada apenas para retardar o andamento da execução e alcançar a prescrição. Situações como estas consubstanciariam um acinte e desrespeito ao Poder Judiciário. O esgotamento da matéria penal de fato ocorre nas instâncias ordinárias e os recursos encaminhados ao STF e ao STJ não possuem efeito suspensivo. Ademais, a prevalecer o entendimento que só se pode executar a pena após o trânsito em julgado das decisões do RE e do Resp, consagrar-se-á, em definitivo, a impunidade, permitindo que os réus recorram indefinidamente, com único objetivo de adiar o início do cumprimento da pena.


Não é essa a lei que a sociedade quer hoje para julgar quem infringe as regras do convívio social. A mudança de uma lei depende da aprovação do Congresso Nacional e da sanção do presidente da República, o que acontece em longo prazo. É comum, aliás, uma alteração legislativa passar tanto tempo esperando aprovação que, ao entrar em vigor, já está ultrapassada. O sistema é ineficaz, mas há solução, basta vontade política de fazer.


3.2 Efeitos no âmbito social


O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e, estando o bem-estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para, eliminado os conflitos, devolver á sociedade a paz desejada.


Vivenciam-se uma nova configuração social, marcada pela insegurança e pela globalização dos riscos, atuais e potenciais, decorrentes das atividades humanas. Na prática, o sistema penal ainda é altamente seletivo e desigual.


Os crimes que constituem atentado aos direitos humanos têm gerado grandes discussões entre estudiosos e autoridades, percebe-se um número maior de cidadãos revoltados e exigindo uma postura mais ativa do Estado e, sobretudo, na prevenção destes ilícitos, com a correlata proteção à dignidade da pessoa humana.


O intuito é justamente mostrar o alcance jurisprudencialmente dado pelas mais altas Cortes do país ao princípio da presunção de inocência. Responsabilizam a mídia pela pressão feita às autoridades para punir os crimes bárbaros, ainda que possam ser mostrados fatos distorcidos, suposições acerca de determinado crime, é certo que os trâmites legais não são seguidos com base em informações fornecidas pela imprensa, mas perseguindo indícios e provas obtidas através da investigação policial.


A imprensa é um meio de tornar público a violência no país, que não raras vezes as autoridades ocultam, além disso, acaba por assumir o papel de incentivar uma mobilização popular. Entretanto, a condenação não é uma resposta à opinião pública, mas uma atuação da Justiça, tendo em vista que o que fica é a sensação de que o crime compensa, na medida em que nenhuma sanção é cabível se o criminoso é bem articulado econômica e socialmente.


Necessária a revisão desse valioso princípio de presunção de inocência, dando-lhe verdadeiro e judicioso sentido, que não implique impunidade e insegurança para a sociedade, mas que possibilite a aplicação das sanções penais aos seus infratores.


4 CONCLUSÃO


O princípio da presunção de inocência deve ser empregado com critério e equilíbrio, buscando-se uma justa posição entre o direito de punir do Estado e o direito penal público subjetivo de liberdade do indivíduo. A medida a ser tomada precisa estar no meio-termo entre o respeito às garantias determinadas pela Constituição, como o devido processo legal, o contraditório, o princípio da dignidade, a plenitude de defesa etc., e a exigência da segurança social. Esta não pode sobrepor-se àquelas e vice-versa. O ponto de equilíbrio é aquele em que, resguardada a segurança social, a medida não se mostra injusta e desnecessária.


O precedente criado pelo STF que abre as portas das cadeias para criminosos condenados em até três instâncias judiciais, em nome do princípio da presunção da inocência, é uma violenta afronta à esmagadora maioria dos cidadãos brasileiros que vivem dentro da lei.


Aguardar um julgamento da Corte Suprema para iniciar o cumprimento de pena é inaceitável, ainda mais no infinito rol de recursos que o Brasil dispõe. Impõe-se abolir este excesso, cuja única finalidade é retardar os trâmites processuais, chegando mesmo à prescrição impeditiva do ato punitivo pelo Estado.


A presunção de inocência, princípio-garantia constitucional vislumbrado para o interesse da coletividade, tem sido mais útil aos que mais necessitam dele: os acusados. É necessário reverter esse quadro, aplicando-se corretamente esse enunciado e todos os demais princípios jurídicos que fazem retroceder a impunidade e a injustiça, como forma de devolver ao povo brasileiro a integridade de todos os seus direitos.


A criminalidade avança e nossos tribunais não estão sendo capazes de julgar milhares e milhares de processos criminais entravados num Judiciário falho e moroso. O Brasil segue por caminhos perigosos, pondo em risco o Estado Democrático de Direito na medida em que alguns organismos estão ultrapassando os limites de suas atuações, ainda que com intuitos positivos, pois os fatos aqui expostos devem ser reavaliados, sobretudo naqueles casos em que se verifique, com a mais lúcida das certezas, a sua necessidade.


Não se recusa significação ao argumento do estado de inocência, mas ele não será relevante, no tangente às normas, anteriormente a uma possível reforma processual, evidentemente adequada ao que dispuser a Constituição. Com ressalva, negar efetividade às decisões condenatórias significa um enfraquecimento do próprio sistema judiciário concentrando imprópria de poder decisório nas cortes superiores, o que não é previsto na Constituição.


A forma através da qual o infrator é punido tem que ser eficaz e a pena deve ser justa, uma vez que o condenado deve estar recuperado quando sair da prisão, pronto para reincorporar-se à sociedade e não mais agir em desacordo com a lei. Valorizando o preso como pessoa humana, dignificando-o mesmo dentro da prisão, é o caminho para que ele se recupere de suas condutas delituosas. Há de se buscar discutir ações efetivas de redução dessa prática de crimes.


Conclui-se, pois, a necessidade de repensar as relações de autoridade, de força ou influência, e refletir de forma ética a respeito dos valores vigentes na sociedade contemporânea, na busca contínua do equilíbrio razoável e socialmente desejável, para que não se atinja o extremo da insegurança pública.


 


Referências

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Informações Sobre o Autor

André de Oliveira Morais

Mestrando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduado em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC-PUCMINAS). Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (FMD-PUCMINAS). Técnico Judiciário Federal do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).


Equipe Âmbito Jurídico

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