Sumário: 1) Introdução; 2) Corrente contrária à prisão albergue domiciliar; 3) Corrente favorável à prisão albergue domiciliar e 3) Conclusão.
Resumo: A Lei de Execuções Penais, enumera um rol de situações nas quais se permite a prisão domiciliar, contudo, a respeito de tais hipóteses, paira a controvérsia de serem exemplificativas ou taxativas. Portanto, inexistindo vaga na casa de albergado , urge verificar o que seria mais eqüitativo, isto é, acomodar o condenado em dependência prisional imprópria ou conceder-lhe a prisão albergue domiciliar
Palavras-chave: Prisão albergue domiciliar. Direitos e garantias fundamentais. Política repressiva.
1.Introdução
Notadamente, a Lei de Execuções Penais nº 7.210/84, em seu art. 117, enumera um rol de situações nas quais se permite a prisão domiciliar, vale dizer: a) homem e mulher maiores de setenta anos ou acometidos de doença grave e; b) mulheres gestantes, com filho menor ou deficiente. Contudo, a respeito de tais hipóteses, paira a controvérsia de serem exemplificativas ou taxativas.[1]
O problema em tela é polêmico, angustia os estudiosos da execução penal e, precipuamente, o apenado do regime aberto que não tem à sua disposição o estabelecimento penal apropriado, sendo que, por isso, cumpre pena mais gravosa do que a infligida na decisão judicial condenatória.
Portanto, inexistindo vaga na casa de albergado[2], urge verificar o que seria mais eqüitativo, isto é, acomodar o condenado em dependência prisional imprópria ou conceder-lhe a prisão albergue domiciliar.
2.Corrente contrária à prisão albergue domiciliar
A corrente majoritária dos tribunais superiores e dos tribunais de segundo grau entende que as hipóteses de prisão domiciliar são exaustivas, sendo, por conseguinte, incabível uma interpretação extensiva para abarcar situações não contempladas pela lei. Nesse diapasão, a ausência de casa de albergado ou de vaga nela é uma circunstância indiferente para a concessão da prisão domiciliar. Esse posicionamento justifica-se nos preceitos de interesse público, bem como no repúdio à impunidade.
O STF, por meio de seus membros – Ministro Nelson Jobim (HC 75.299-3) e Ministro Ilmar Galvão (HC 71.723/SP) –, sedimentou o entendimento, segundo o qual a inexistência de estabelecimento adequado ao regime aberto não autoriza a aplicação da prisão domiciliar, haja vista a prevalência do interesse público na efetivação da sanção penal, em detrimento do interesse individual do condenado.
De seu turno, Mirabete[3] afirma que o fato de o Poder Público não ter envidado esforços para construir estabelecimentos destinados ao regime aberto não é razão para que os juízos e tribunais concedam a prisão albergue domiciliar, a qual se caracteriza pela falta de qualquer controle ou fiscalização no tocante à obediência das condições impostas.
E arremata: “A prisão albergue domiciliar passou assim a ser forma velada de impunidade, de que os juízes lançavam mão em último recurso, na impossibilidade de o benefício ser desfrutado em local adequado[4].”
3.Corrente favorável à prisão albergue domiciliar
A contrário sensu, vislumbra-se a corrente minoritária que interpreta as hipóteses de prisão domiciliar, previstas no art. 117, da LEP, como sendo meramente exemplificativas. Nesse viés, argumentam que o condenado ao regime aberto merece tratamento diferenciado para o cumprimento de sua pena, o qual cabe ao Estado fornecer.
Decerto, os problemas advindos da falência[5] do sistema prisional brasileiro não devem ser suportados pelo condenado. Nessa perspectiva, o Desembargador Vieira de Brito do TJMG, em voto prolatado no Agravo em Execução nº 1.0000.06.439898-5/001, salienta:
“Estado que pune é aquele que deve se equipar com os meios adequados às punições que institui. Se assim não se porta, recebe o ônus de ver sentenciados em regime aberto cumprindo sua pena em casa, pois situação pior não lhes pode ser conferida. (…)
Isto posto, não havendo local adequado para o cumprimento do regime aberto, não se pode obrigar o condenado a permanecer recluso, já que a lei lhe garante um regime prisional muito menos rigoroso. Com efeito, não se pode tolerar a permanência do condenado em estabelecimentos destinados a presos em regime fechado ou semi-aberto.”
Seguindo essa diretriz, pronunciou-se o Superior Tribunal de Justiça:
“INEXISTÊNCIA DE CASA DE ALBERGADO – PRISÃO DOMICILIAR – Inexistindo estabelecimento prisional adequado à fiel execução da sentença que condenou o réu em regime aberto, concede-se, excepcionalmente, a prisão domiciliar. Precedentes. Ordem concedida para que permaneça em regime domiciliar”. (STJ – HC . 16338 – SC – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Scartezzini – DJU 08.04.2002)
Não se há de olvidar que é preferível a sensação de impunidade à de incerteza em torno da observância ou não dos direitos e garantias fundamentais pelo Poder Público para com sua população, inclusive a carcerária.
Com efeito, alojar o apenado, que deve cumprir a sua reprimenda em regime aberto nas instalações onde estão recolhidos presos provisórios ou em regime semi-aberto ou fechado, é inadmissível, porquanto ignora o seu direito de desfrutar uma situação mais tenra nos moldes preconizados pela decisão a qual lhe condenou.
Nessa tônica, fechar os olhos para não reconhecer a legalidade da prisão albergue domiciliar e, assim, fazer com que o condenado sofra as conseqüências da ineficácia estatal é desrespeitar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da reserva legal (art. 5º, II), da individualização da pena (art. 5º, XLVIII), da proporcionalidade, da dignidade do preso (art. 5º, XLIX) e dos fins últimos da LEP, a saber: “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art. 1º).
Em verdade, subtrair do condenado o seu direito ao regime mais brando por incapacidade ou incompetência do Estado, ao qual a lei incumbiu o dever de administrar o cumprimento da pena, é homenagear a teoria do Direito Penal do inimigo, cujo percussor Günther Jakobs utilizou-se dos argumentos de notáveis filósofos para sustentar o tratamento desumano aos criminosos. Vejamos:
“(a) o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele; logo, deve morrer como tal (Rousseau); (b) quem abandona o contrato do cidadão perde todos os seus direitos (Fichte); (c) em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo (Hobbes); (d) quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o “estado comunitário-legal”, deve ser tratado como inimigo (Kant)”.[6]
Ademais, o tratamento in casu, dispensado aos presos no Brasil, assemelha-se à política Hands off (não toque, não interfira), praticada nos EUA nas décadas de 40, 50 e início dos anos de 60, onde vigorava o regime legal de pena indeterminada.
Luiz Flávio Gomes, ao abordar o tema ora ventilado, observou:
“Entre nós, essa abominável política do ‘hands of’ ainda está muito presente. Trata-se de política flagrantemente violadora dos Direitos Fundamentais, mas interessante para muitos: ao Executivo, porque vai amontoando os presos de qualquer maneira; aos políticos, porque podem continuar com o discurso da prisão ilimitada, a alguns juízes e membros do Ministério Público que se livram da responsabilidade de impedir os abusos, a tortura, o tratamento desumano e cruel.” [7]
No entanto, Cezar Roberto Bitencourt, estudando a postura inexorável do Poder Público ante a crise penitenciária, deduziu tratar-se do “Movimento de lei e ordem[8]”. In verbis:
“A falta de vontade política, de dotação orçamentária, de infra-estrutura, dentre outros fatores, determinam a má aplicação da pena. (…) essas dificuldades “interpretativo-operacionais” contribuíram para o crescimento da criminalidade e da sensação de impunidade que acabou gerando, como subproduto, a implantação de uma espécie de “movimento de lei e ordem” (…) violando-se constantemente não só as modernas orientações político-criminais, mas, especialmente, os direitos fundamentais do cidadão.”[9]
Nota-se, de plano, que essas políticas repressivas (Direito Penal do inimigo, Hands off e Movimento de lei e ordem) têm em comum a cisão da sociedade em dois grupos. O primeiro é composto de pessoas de bem, merecedoras dos direitos e garantias; o segundo, integrado por pessoas más que fazem jus ao tratamento sem direitos. Com efeito, a sobredita estrutura social perpetua-se escorada no malfadado sustentáculo de que “direitos humanos devem ser reservados apenas para humanos direitos”.
4.Conclusão
A vertente que acoberta a possibilidade de prisão albergue domiciliar, em virtude de faltar estabelecimento penal apropriado ou vaga nele, inobstante minoritária, a nosso juízo, assiste melhor razão. Isso porque, à luz do princípio da proporcionalidade[10], os interesses jurídicos conflitantes devem ser sopesados, a fim de se sacrificar aquele que, no caso concreto, se mostrar menos importante.
Desta feita, infere-se que manter alguém preso em uma dependência penitenciária desconectada com o regime, no qual se cumpre a execução da reprimenda, afigura-se desarrazoável, uma vez que o Estado deveria se ocupar muito mais em conferir oportunidades de inserção social do que de expiação indevida.
Afora isso, exigir do cidadão-recluso um comportamento afinado aos dogmas sociais, sem lhe propiciar o mínimo de condições dignas para o exercício da cidadania, faz nascer um sentimento de abandono e de exclusão que o incentiva à reincidência.
Advogado criminalista em Belo Horizonte/MG
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