No momento, analisa-se o “Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos”, na sua versão de Janeiro de 2007, ainda antes dos primeiros debates no Congresso Nacional. [i]
A “Exposição de Motivos”, da prof. Ada Pellegrini Grinover, bem esclarece os estudos antecedentes, desde o Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América e os aperfeiçoamentos em inúmeras Universidades e órgãos governamentais.
Buscaremos, nestas linhas, apresentar algo pouco comum, ou seja, apontar as controvérsias possíveis, ao mesmo tempo, buscando contribuir com as propostas que possam aperfeiçoar a definitiva lei, desde já, imaginando os primeiros acertos e desacertos da jurisprudência inicial.
Entre os “princípios” enumerados está a “participação pelo processo e no processo”. Sobre a forma preponderante de “controle” do juiz pelas partes, vale lembrar o estudo de Mauro Cappelletti apontando que é ali que este ocorre. [ii] A afirmação deste princípio, da participação, aqui, não pode ser menosprezada. Há que ter conseqüência. Com algum exagero de esperança, talvez, se possa imaginar que a matéria dos processos coletivos seja menos alcançável por súmulas, vinculantes ou não. Nos processos coletivos, com suas peculiariedades e limites, todos participam.
O dever de “cooperação dos órgãos públicos na produção da prova” é oportunamente lembrado. Em outra situação, tratando da fase de execução do processo do trabalho, lembrou-se o dever de cooperação das partes, todas. Era o Juiz do Trabalho Júlio Bebber referindo-se ao Código de Processo Civil de Portugal. [iii]
As dificuldades de organização do Poder Judiciário e o dever de bom comportamento das partes são dois temas bastante diversos, de qualquer modo. Apenas se relacionem. Não se pode transferir às partes o ônus da referida organização. O dever de colaborar não pode ser confundido com a responsabilização de bem estruturar o Poder Judiciário. Esta responsabilidade é, acima de tudo, do Estado e suas inúmeras instâncias decisórias e de planejamento.
A afirmativa sobre o “princípio” do “ativismo judicial” pode apontar novos horizontes. É interessante perceber que, neste tema, é mais visível a insuficiência de nossos aprendizados sobre a função da magistratura. Aqui, não se quer apenas e tão somente reparar uma ou outra lesão. Deseja-se, sim, (re)organizar a sociedade.
Será bem inovadora, em nossa legislação, a previsão de que “nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido serão interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser protegido”. No direito processual do trabalho, já se conhecia tal previsão em algumas legislações de outros Países, tais como Portugal. No âmbito do processo civil, também e mais ainda, é significativamente inovadora a norma mencionada. [iv]
Coerentemente, com a previsão anterior, haverá a possibilidade de o juiz permitir a “alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de boa-fé”. A primeira leitura do anteprojeto revela alguma preocupação com a lisura processual dos autores e demandados, se não demasiada, bem severa na punição.
O demandado que silencie sobre um ou outro dado processual da outra ação pode tão somente estar desinformado. Mais adiante, em outros artigos, melhor se percebe que são dos órgãos públicos o dever de bem informar, acima de tudo.
São os sucessos das ações coletivas que irão estimular sua maior utilização, nova para muitos. Todo o cuidado é necessário no ato de incentivar-se o uso das ações coletivas. Repete-se que os acertos, de todos, nestas novas atuações, é que irão exercer alguma força atrativa.
A lide coletiva deve ser incentivada, ainda que de forma cuidadosa e antecedida de um macro estudo, acerca das adequações processuais. O que se deve ter em mente, para o futuro, é que direitos/pretensões de cunho coletivo, devem ter uma visão e tratamento processual de forma igualmente coletiva; e não mais individualizada.
Aqui, a toda evidência, se está a falar da fase processual de conhecimento. Onde, para o leigo, se estuda e se analisa o direito pretendido. “Conhecendo-se” a existência ou não deste direito. Ao depois, lógico, na invididualidade do direito, já então (re)conhecido de forma coletiva, aí, sim, deverá haver a satisfação individual, aos indivíduos lesados. Na Justiça Comum, no Rio Grande do Sul, em lides sobre poupança, já se realizou experiência semelhante, com a suspensão da tramitação das ações individuais e posterior transformação em liquidação-execução.
Bem sábia é a disposição sobre a boa organização da atuação judicial. Os estímulos as novas formas de solução devem ser bem visíveis e transparentes. Bem acertada é a regra de que “o juiz deverá dar prioridade ao processamento da demanda coletiva sobre as individuais”.
Em alguns pontos, exige-se cautela, como se procurou apontar antes. Em outros, ao contrário, exige-se ousadia. Estamos bem próximos de superar os limites das atuais soluções individuais, sempre demoradas e, por vezes, pouco harmônicas.
A necessidade de soluções coletivas, dadas pelo Poder Judiciário, é cada vez mais urgente. Os cuidados, nestas situações, devem atender as situações excepcionais e não podem se tornar regra geral. Não se pode amarrar e travar as novas descobertas, já no seu nascedouro.
Gritante, pois, que se deve enfrentar as dificuldades e novidades do, digamos, novo processo civil de acordo com o contexto que se estabelece atualmente. A busca pela satisfação dos direitos individuais, em algumas situações especificas, passa pela agilização processual de forma coletiva e coerente. Já foi salientado que é necessário ver-se “a eficácia das garantias e dos direitos que não mais se circunscrevem no âmbito dos interesses individuais”. [v]
Não há mais viabilidade de discutirmos em várias lides individualizadas a existência (ou não) de direitos trans-individuais. Não há, pois, salienta-se e acrescenta-se, o porquê adentrarmos em fase de conhecimento de forma isolada, em análises individuais. A insegurança, aí, é que nasce e se perpetua. Nesta individualidade de debates é que se pode gerar a não segurança, na medida que a repetitividade pode ocasionar decisões contraditórias.
Ao invés, uma só definição, a nível de direito ou lide coletiva-transidividual, traz a certeza única e segura da ocorrência ou não, da existência ou não do então direito colocado ao julgar. Ao depois, lógico, haverá uma liquidação-execução do então direitos individuais, acaso procedente da demanda coletiva.
Evidente que a utilização mais freqüente, com maior veemência, num inicial momento de adequação trará suas dúvidas, adequações e perquirições. Entrementes, estes aspectos, por si só, não podem ser motivos a impedir que o novo “processo civil coletivo” se estabeleça com força de definitivo.
A matéria probatória, neste contexto de trans-individualidade na demanda, por certo, necessita profunda alteração de regras, superando-se aquelas do processo individual e individualista, que conhecemos. A sociedade, toda, tem interesse em conhecer determinados fatos, deixando-os bem esclarecidos. Muito mais do que direção do processo exercida pelo juiz, aqui, se inaugura uma nova fase. A vontade da sociedade, representada pelo juiz, é que será determinante.
Os aperfeiçoamentos do Direito Processual Civil têm sido freqüentes. Entre os mais significativos está o regramento da tutela antecipada, no artigo 273 do Código de Processo Civil. Já se percebeu que, por vezes, “a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada”. Ora, tratando-se de ações coletivas, bem mais freqüentes, poderão ser as modificações das medidas judiciais provisórias. Serão inúmeras as conseqüências das visíveis alterações de realidades, mais amplas, do que o mundo restrito de uma ou outra parte.
Acredita-se estar diante de situação bem peculiar, da vida nacional. Em 1988, os tribunais e profissionais do Direito, assim como outros tantos, não estavam atentos para as significativas inovações inscritas na Constituição.
Hoje, diferentemente, a comunidade jurídica encontra-se em estado de maior alerta. Certamente, de modo algum, se repetirá a dificuldade de aceitação destas inovações. Ademais, no específico do tema, dos processos coletivos, já hoje, o direito brasileiro “pode orgulhar-se de ter nele, já nesse estágio inicial da sua recente trajetória, um instrumental dos mais avançados e sofisticados em relação aos seus congêneres, prontos para servir a sua causa e traçar os rumos da sua história”. [vi]
Agora, temos que visualizar as demandas coletivas, naquelas situações peculiares, como forma única e eficiente na necessária busca de agilização e coerência no decidir questões de direito que alcancem e envolvam uma coletividade, digamos, trans-individuais.
O “novo” necessita ser olhado “com os olhos do novo”. A processualística civil vem ao encontro, agora, ao direito coletivo, tratando dessa forma, deixando o enfrentamento individual para aquelas questões que sejam, nitidamente, de carácter individual e diferenciado.
Porto Alegre, em fevereiro de 2008.
Juiz de Direito
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