Resumo: O presente artigo evidencia a importância do Programa Produtores de Água, instituído pela Lei Municipal nº 6.033/2011 do município de Rio Verde, Estado de Goiás, o qual considera a água como um bem público e comum, sendo toda a sociedade responsável pela sua conservação. Tal Programa foi criado para garantir a qualidade e quantidade de água para abastecer a cidade através de um incentivo financeiro para os produtores localizados acima da zona de captação de água. Para tanto, o artigo se ampara nas concepções do brilhante advogado, filósofo e escritor belga François Ost, que em sua obra “A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do direito” defende a ligação do homem e a natureza visando sua proteção. O escritor menciona na obra uma crise de vínculos e de limites com a natureza, e afirma que enquanto o homem não for capaz de descobrir o que dela nos distingue e o que a ela nos liga, todas as ações e políticas públicas não seriam tão eficazes.
Palavras-chave: Políticas públicas, sustentabilidade ambiental, qualidade de vida
Resumen: Este artículo destaca la importancia del agua Programa de Productores, establecido por la Ley 6.033/2011 Municipal de Río Verde, Estado de Goiás, que considera el agua como un bien público y común, y toda la sociedad responsable de su mantenimiento. Este programa fue creado para garantizar la calidad y cantidad de agua para abastecer a la ciudad a través de un incentivo financiero para los productores ubicados por encima de la zona de captación de agua. Con este fin, el artículo apoya la opinión de la brillante abogado, filósofo y escritor belga Ost François, quien en su libro "La naturaleza en el marco de la Ley: la ecología de la derecha para poner a prueba", admite la conexión del hombre y la naturaleza en busca de su protección. El escritor menciona el trabajo con una crisis de los vínculos y los límites con la naturaleza, y dice que mientras el hombre no es capaz de averiguar lo que nos distingue y nos une a ella, todas las acciones y políticas no sería tan eficaz.
Palabras clave: La política pública, la sostenibilidad ambiental, la calidad de vida
1. INTRODUÇÃO
A água é elemento fundamental para a existência de vida e recurso natural de valor incomensurável, além de indispensável para a manutenção dos ciclos biológicos, geológicos e químicos que mantém o equilíbrio do meio ambiente.
Pensando em proteger esse recurso importante para a vida o município de Rio Verde, situado na região sudoeste do Estado de Goiás, instituiu após estudos e coleta de dados, o Programa Produtores de Água, amparado pela Lei Municipal nº 6.033/11 e Lei de Águas nº 9.433/97.
A iniciativa tem como intuito garantir a sustentabilidade sócio-econômica e ambiental das atividades desenvolvidas na microbacia; aumentar a cobertura vegetal; reduzir o processo erosivo e de assoreamento; aumentar o grau de proteção das áreas conservadas e recuperar áreas degradadas.
Todavia, tais ações são remuneradas por meio de pagamento por Serviços Ambientais (PSA), e esse incentivo faz com que o produtor rural cuide da nascente e assim garanta suas atividades no campo e também para os que da água necessitem.
Nesse contexto, a iniciativa do município de Rio Verde tem fundamento não só na preservação do meio ambiente, dever de todos, para a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, mas também nas concepções do exímio advogado, filósofo e escritor belga François Ost.
O escritor, em sua obra “A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do direito” nos mostra os elementos principiológicos que sustentam tais ações e políticas públicas de sustentabilidade ambiental, tal como a verificada no Programa Produtores de Água do município de Rio Verde.
O exemplo do município de Rio Verde em instituir o Programa Produtores de Água com pagamento em dinheiro aos que preservarem suas nascentes seria um enfrentamento da crise ecológica de escassez de recursos naturais? Existe um dever de assegurar a existência das gerações futuras? Perguntas como essas serão respondidas ao longo desse estudo, justamente para demonstrar qual o vínculo e o limite do homem com a natureza.
Por tais razões, veremos nesse artigo jurídico as nuances teóricas da relação humana do homem e a natureza que fundamentam ações afirmativas em prol do meio ambiente.
2. Histórico do Programa Produtores de Água
Sabe-se que a água é fator de desenvolvimento socioeconômico e item imprescindível à produção agropecuária. Conforme levantamento da National Geographic (Abril, 2010) a água está presente em 70% do planeta Terra, com um total de 1,386 milhões de quilômetros cúbicos.
O Dia Mundial da Água foi criado pela Assembléia Geral da ONU em 22 de fevereiro de 1933, e atento a realidade de escassez desse recurso a Organização das Nações Unidas divulgou no dia 22 de março de 1992 a Declaração Universal dos Direitos da Água, que assim disciplinou:
“Art. 1º – A água faz parte do patrimônio do planeta.Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
Art. 2º – A água é a seiva do nosso planeta.Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.
Art. 3º – Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.
Art. 4º – O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.
Art. 5º – A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
Art. 6º – A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
Art. 7º – A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 8º – A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.
Art. 9º – A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.
Art. 10º – O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.”
E alinhado a esse pensamento a Agência Nacional de Águas, órgão executivo do Governo Federal apresentou o projeto piloto do Produtor de Água, vejamos:
“O Produtor de Água é uma iniciativa da ANA que tem como objetivo a redução da erosão e assoreamento dos mananciais nas áreas rurais. O programa, de adesão voluntária, prevê o apoio técnico e financeiro à execução de ações de conservação da água e do solo, como, por exemplo, a construção de terraços e bacias de infiltração, a readequação de estradas vicinais, a recuperação e proteção de nascentes, o reflorestamento de áreas de proteção permanente e reserva legal, o saneamento ambiental, etc. Prevê também o pagamento de incentivos (ou uma espécie de compensação financeira) aos produtores rurais que, comprovadamente contribuem para a proteção e recuperação de mananciais, gerando benefícios para a bacia e a população. A concessão dos incentivos ocorre somente após a implantação, parcial ou total, das ações e práticas conservacionistas previamente contratadas e os valores a serem pagos são calculados de acordo com os resultados: abatimento da erosão e da sedimentação, redução da poluição difusa e aumento da infiltração de água no solo.”
Tal projeto foi apresentado em Brasília-DF, nos dias 16 e 17 de agosto, durante a tradicional Marcha das Margaridas, encontro anual organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) que reuniu mulheres camponesas de todo País.
Como se observa pelos objetivos do projeto no site da Agência Nacional de Águas, o projeto Produtor de Água pretende estimular a política de pagamento por serviços ambientais voltada à proteção hídrica no Brasil por meio de apoio técnico e financeiro aos participantes.
Coube ainda aos municípios implementar no âmbito de sua competência o desenvolvimento de ações para reduzir a erosão e o assoreamento de mananciais no meio rural, melhorando a qualidade e oferta de água. Daí surgiu o Programa Produtores de Água no âmbito do município de Rio Verde, região sudoeste do Estado de Goiás.
A idéia no município de Rio Verde foi sendo vislumbrada, embora um pouco antes, em meados 1995, algumas nascentes do Ribeirão Abóbora, a partir da necessidade de recuperação, começaram a ser preservadas, onde ao longo do tempo várias erosões foram formadas pela exploração dos recursos naturais e extração de cascalho para a expansão da cidade.
Tal fato é verificado no depoimento de Ana Gomes, ex-coordenadora do IBAMA de Rio Verde (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 13 e 14):
“A extração de cascalho utilizado para a expansão da cidade trouxe em médio prazo graves consequências ambientais, especialmente na propriedade do meu pai, Olinto Gomes da Silva, onde surgiram grandes erosões… Não existia ainda esta consciência ambiental e uma análise racional da extração e uso dos recursos naturais de forma sustentável… Com orientação e apoio técnico, o processo de desagregação e arraste de partículas do solo foi interrompido através da inserção de terra nestas fissuras, do plantio de mudas de espécies nativas e da proteção das nascentes.”
Com precisão e técnica Ana Gomes (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 14) afirma que a fazenda foi se tornando exemplo de recuperação da natureza e outros locais foram sendo alcançados. Tal iniciativa gerou a união de pessoas de diversos setores da sociedade rioverdense e as nascentes do Ribeirão Abóbora no ano de 2006 foram alcançados pelo Projeto denominado “Águas do Rio”.
Entretanto, pela carência de recursos e resistência de alguns produtores que temiam serem punidos, o movimento enfraqueceu, conforme afirma Ana Gomes, e sobre os destinos do programa ainda afirma (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 14):
“Demos início a um trabalho de recuperação das nascentes do Ribeirão Abóbora localizadas em propriedades rurais tendo como base os resultados obtidos na fazenda do meu pai… Além disso, em 2007, o Ribeirão Abóbora foi contaminado por resíduos da Perdigão, resultado de uma falha mecânica em um equipamento com graves resultados ao meio ambiente e saúde da população… Com isso, fomos convidados para auxiliar na localização de algumas nascentes para plantio de mudas na microbacia do Ribeirão Abóbora… Além disso, assistimos uma reportagem sobre a cidade de Extrema, em Minas Gerais, na qual os agropecuaristas que conservassem a mata nativa e recuperassem áreas degradadas às margens dos cursos d´água, dentro da sub-bacia hidrográfica das Posses seriam remunerados por serviços ambientais… Baseado neste exemplo de sucesso dos ‘Conservadores de Água’, o professor de Ecologia da Fesurv e membro do movimento Águas do Rio, Cláudio Costa Barbosa, apresentou a modalidade de pagamento por serviços ambientais para secretária de agricultura e superintendente de meio ambiente Marion Kompier”
Com base nos dados coletados em 2008, as nascentes do Ribeirão Abóbora foram reavaliadas e georeferenciadas dois anos depois, iniciando assim o Programa Produtores de Água, onde foram avaliadas 54 nascentes, localizadas nas propriedades de 29 produtores rurais do município de Rio Verde. (KAMOGAWA, 2012, p. 15).
A seguir, demonstrativo da situação atual das nascentes em Rio Verde-GO.
Figura 1: Mapa das 54 nascentes georreferenciadas na Microbacia do Ribeirão Abóbora, Município de Rio Verde-GO.
Figura 2: Estatística de conservação das nascentes do município de Rio Verde-GO.
3. Sistemática do Programa Produtores de Água
Discorrendo sobre a sistemática da preservação das nascentes, o coordenador do Programa Produtores de Água, do município de Rio Verde, engenheiro agrônomo e especialista em gestão ambiental, Abel Elias Briceño, (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 15), afirma que o respeito e a preservação se dará 50 metros circundante a nascente, que elevará a oferta de água na propriedade e no fornecimento para a zona urbana.
E quanto a forma de compensação pela preservação Briceño finaliza (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 15) que “Tudo isso através da remuneração por Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)”.
Sobre essa modalidade de pagamento, denominada PSA (Pagamento por Serviço Ambiental) verifica-se que ela foi definida através de critérios sugeridos pela Emater, que utilizou o parâmetro do preço do leite através de uma média de 2010 a 2011, quando o litro foi comercializado por R$ 0,83. (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 16).
O coordenador do programa, engenheiro agrônomo Abel Elias Briceño, afirma que foi analisado o raio de preservação de 50 metros da nascente, com equivalência de 1 animal para cada hectare, juntamente com a média produtiva de Rio Verde, onde foi obtido o valor de R$ 124,27 por mês por nascente preservada. (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 16)
Impende observar, que o valor só é repassado para quem tiver 100% da nascente preservada. Por outro lado, as nascentes em processo de regeneração, o valor é reduzido para R$ 62,14 e as nascentes degradadas não tem direito ao recurso. (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 16).
Ressaltando o sucesso do Programa Produtores de Água, a secretária de agricultura de Rio Verde menciona que a intenção é conscientizar não só o agropecuarista, mas toda a sociedade sobre a importância de preservação da água, e ainda afirma: “o programa será estendido aos córregos Marimbondo e Laje, e a longo prazo no Rio Verdinho” (Sindicato Rural em campo, Março de 2012, p. 16).
4. Programa Produtores de Água na Conferência Rio+20
Entre os dias 13 e 22 de junho aconteceu na cidade do Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, evento denominado Conferência Rio+20, que reuniu representantes dos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
A notícia foi veiculada no site da Prefeitura Municipal de Rio Verde:
“A Secretária Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Superintendente de Meio Ambiente, Marion Kompier, juntamente com Taysa Guimarães, Coordenadora de Qualidade Ambiental, e com o Coordenador Municipal do Programa Produtores de Águas, Abel Elias Briceño participaram da Conferência e representaram nossa cidade, apresentando o Programa Produtores de Água (PPA) no final da manhã desta quinta-feira, 14. “Na verdade, o motivo principal em apresentar o Produtores de Águas é mostrar a importância da preservação da água, um recurso natural, com sérios problemas de poluição e a boa vontade de quem colabora”, disse. O coordenador ainda confirma a ideia de Marion, que é trazer parceiros para o Programa. “Vamos em busca de parcerias para dar continuidade no projeto, que visa abranger ainda mais o Ribeirão Abóbora e também o Lage, o Marimbondo e o Rio Verdinho”, destacou. O Programa é um incentivo à recuperação e à conservação das nascentes a fim de garantir a qualidade e a quantidade de água para abastecimento urbano, compensando os produtores rurais pelos serviços ambientais prestados e tem mostrado resultados animadores. Em 2008, foram avaliadas 54 nascentes, localizadas nas propriedades de 29 produtores da zona rural do município de Rio Verde, sendo que dessas, 12 encontravam preservadas, 31 em regeneração e 11 degradadas. Já em 2011, 13 nascentes estão preservadas, 37 em estado de regeneração e apenas três encontram-se degradadas.”
A Conferência Rio+20 marca os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), ou Eco-92 e objetiva definir a agenda do desenvolvimento sustentável para a próxima geração.
Entre os principais temas, que teve a participação dos divulgadores do Programa Produtores de Água ficou definido a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes.
Com esta iniciativa fica evidente a responsabilidade ambiental do Programa Produtores de Água da Prefeitura Municipal de Rio Verde, e a intenção dos instituidores não só em divulgar o programa, mas também em se tornarem multiplicadores do projeto.
De igual modo, veremos no próximo capítulo uma análise aprofundada sobre os fundamentos da instituição de programas, tais como o Produtores de Água.
5. O vínculo e o limite do homem com a natureza para a caracterização da crise ambiental
A partir dos ensinamentos de François Ost vemos que a crise ecológica, ou seja, os problemas ambientais, não estão demonstrados pela simples destruição dos recursos ambientais finitos sem a sua reposição na natureza. O escritor fala que os motivos da crise estão caracterizados pela própria relação humana com a natureza, e enquanto o homem não for capaz de entender sua ligação com ela os esforços serão em vão.
Por muito tempo o homem vem desflorestando e destruindo sistematicamente as espécies animais, mas o que Ost propõe é o retorno justo das coisas, pois não se pode perder o sentido do vínculo e o limite das relações do homem com a natureza.
A ideia inversa de perspectiva de que o homem pertence à terra não pode prosperar, mas sim a terra que pertence ao homem, e esta é a razão para que ele promova ações de defesa do meio ambiente.
Nesse contexto, afirma OST (1997, p. 10):
“A tese fundamental desta obra é que a nossa época perdeu, pelo menos depois da modernidade, o sentido do vínculo e do limite das suas relações com a natureza. As duas grandes representações actualmente observáveis desta relação são disso testemunha: a que faz da natureza um objecto e a que, por uma simples alteração de signo, a transforma em sujeito.”
O que se verifica é que Ost defende que os reveses jurídicos que se tem atualmente é fruto do desconhecimento ou esquecimento da natureza real, e ainda sustenta que, o jurista não deve se retratar a regras ditadas por outros saberes, mas afirmar o sentido da vida em sociedade em nome de uma responsabilidade com respeito às gerações futuras.
Discorrendo sobre a crise ecológica mencionada por François Ost, o doutorando em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP, Marco Aurélio Antas Torronteguy afirma (2008, p. 02):
“O autor então esclarece o conteúdo dessa afirmação, explicando que há uma dupla crise. Por um lado, há uma crise do vínculo do Homem com a natureza, o qual é “a própria possibilidade da alteridade e da partilha”[2].Ou seja, o Homem, com o cartesianismo[3], perde a noção de vinculação com a natureza, em troca de um dualismo que promove um equívoco, qual seja, o de que o Homem, racional, não possuiria limitações. Por outro lado, há dialeticamente uma crise do limite entre o Homem e a natureza, também decorrente do cartesianismo dualista. Quanto ao limite, “princípio de encerramento, ele é de igual modo princípio de transgressão”, ou seja, “ele é ponto de permuta e, simultaneamente, sinal de diferença”.
Portanto, a preservação de uma nascente, tal como verificada no Programa Produtores de Água é uma ação louvável em prol do meio ambiente. Importante dizer que OST (1997, p. 75) assim asseverou:
“Em todo o caso, o que importará restituir é o vínculo entre uso e obrigação: preservar o direito de outrem à natureza preservando a própria natureza exige um certo comedimento. Atribuiremos à Revolução o valor devido, pela introdução, a este respeito, do artigo primeiro da lei de 10 de julho de 1976, o qual estabelece: É dever de cada um zelar pela salvaguarda do patrimônio natural em que se vive. As actividades públicas de administração, de equipamento e de produção devem sujeitar-se às mesmas exigências. Assim, a relação com a natureza está, pela primeira vez, presente em termos de dever e não apenas de direito. O proprietário, desde que não seja vencido pelo espírito de especulação, pode contribuir utilmente para esta salvaguarda.”
A preservação das nascentes no município de Rio Verde, verificada no Programa Produtores de Água, tal como nesse artigo demonstrada, não pode ser vista como caráter especulativo de redução de áreas produtivas, mas sim, no caso específico de benefício ao próprio produtor rural. Eis a razão de Ost defender o dever de cada um zelar pela salvaguarda do patrimônio natural em que se vive
Mas o que se nota, é que naturalmente o homem não faria sua parte na proteção sem o devido incentivo financeiro previsto na lei municipal. Impende observar, por óbvio, que o fator monetário embasa a proteção pelo homem, e o resultado é a lembrança do vínculo que liga tal homem à natureza, posto que sem ela impossível pensar no futuro das próximas gerações.
6. Dever de assegurar a existência das gerações futuras
Ensina François Ost que antes de se fazer a pergunta sobre os direitos eventuais das futuras gerações, coloca-se em primeiro plano se há alguma coisa como dever de assegurar a existência das gerações futuras.
Diz o mestre Ost, demonstrando o pensamento de diversos autores sobre o tema (1997, p. 319):
“Alguns, como M. Warren e J. Bennett, consideram que as futuras gerações não tem qualquer direito à existência a fazer valer, e que, se temos um dever em relação à posteridade, será, antes, o de reduzir a população do mundo no qual será chamada a viver. Outros autores, pelo contrário, manifestam-se decididamente a favor do dever de assegurar a sobrevivência da espécie. Assim, G. Kavka, que considera, nomeadamente, que a vida em si apresenta um valor, e que a humanidade futura é chamada a prosseguir as obras colectivas de grande valor, que empreendemos nos domínios artístico, intelectual e científico. Mais radicalmente ainda, Hans Jonas afirma que a humanidade não tem o direito ao suicídio; existe, explica, uma obrigação do porvir, uma ética do futuro, que nos compele a agir de forma a que hajam ainda homens amanhã. Trata-se aí, para Jonas, não apenas de um imperativo categórico e incondicional mas de uma responsabilidade ontológica a respeito da ideia do homem – uma ideia de ser que implica o seu dever ser.”
Como se observa, muitos autores citados por François Ost defendem ser uma obrigação cuidar do futuro das próximas gerações. E assim pensando, fica demonstrado que é uma irresponsabilidade negar que os possíveis problemas do futuro estão ligados à melhoria ou não das condições de vida das gerações presentes, tais como a população pobre.
Para Ost (1997, p. 320), é evidente que a justiça a respeito das gerações futuras (resultante de uma melhor preservação dos recursos), passa por uma maior equidade em relação à humanidade presente.
Ora, é fato incontroverso que os recursos naturais estão cada vez mais comprometidos e cuidar do meio ambiente é fundamental para o equilíbrio e sadia qualidade de vida no amanhã.
Nesta concepção, verifica-se que o exemplo do Programa Produtores de Água, em preservar um recurso tão importante como a água está alinhavado com a visão do escritor François Ost, na medida em que cuidar do presente garante um futuro melhor no que se refere à vida do ser humano.
7. CONCLUSÃO
Ao afirmar que a água é elemento fundamental para a existência de vida e recurso natural de valor incomensurável, além de indispensável para a manutenção dos ciclos biológicos, geológicos e químicos que mantém o equilíbrio do meio ambiente, estar-se-á confirmando o respeito que o homem deve ter com a vida das gerações futuras.
A análise realizada nesse artigo trouxe à tona o Programa Produtores de Água, amparado pela Lei Municipal nº 6.033/11 e Lei de Águas nº 9.433/97. Ficou demonstrado que a iniciativa teve como intuito garantir a sustentabilidade sócio-econômica e ambiental das atividades desenvolvidas na microbacia; aumentar a cobertura vegetal; reduzir o processo erosivo e de assoreamento; aumentar o grau de proteção das áreas conservadas e recuperar áreas degradadas.
Observou-se, que as ações são remuneradas por meio de pagamento por Serviços Ambientais (PSA), o que faz o produtor rural cuidar da nascente e assim garantir as atividades no campo e também para os usuários que dela precisem.
Por iguais razões, a iniciativa louvável do município de Rio Verde teve fundamento não só na preservação do meio ambiente, dever de todos, para a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, mas também nas concepções do exímio advogado, filósofo e escritor belga François Ost.
Ficou notório, que em sua obra “A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do direito”, o homem tem o dever e a responsabilidade de cuidar do presente para garantir o futuro das próximas gerações.
É sobremodo importante dizer que o Programa Produtores de Água com pagamento em dinheiro aos que preservarem suas nascentes é um enfrentamento da crise ecológica de escassez de recursos naturais, e que o dever de assegurar a existência das gerações futuras é atinente ao ser humano, no exato momento em que ele cuida do meio ambiente.
Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO
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