Ao tratar do objeto do pagamento das obrigações e sua prova, o Código Civil de 1916 permitia que as partes estipulassem a realização deste “…em certa e determinada espécie de moeda, nacional, ou estrangeira” (parágrafo 1° do artigo 947 – grifamos).
Eventual desconhecimento dos textos legislativos que se seguiram levaria o contratante a crer na possibilidade da fixação do pagamento em moeda estrangeira em toda e qualquer espécie de obrigação.
Porém, por questões mais financeiras do que jurídicas, o fato é que, em 27.11.1933, foi editado o Decreto n° 23.501, que proibiu, sob pena de nulidade, qualquer estipulação nesse sentido.
A jurisprudência e a legislação posteriores – notadamente o Decreto-lei n° 857/1969, ainda em vigor – cuidaram de explicitar que essa vedação não se aplicava aos contratos internacionais, cumprindo registrar que, ao longo do tempo, a conceituação de “contrato internacional” foi sendo gradativamente ampliada, passando a abarcar não somente as operações objetivamente internacionais (exportações, importações, financiamento e garantias a exportações, compra e venda de câmbio), mas também aquelas subjetivamente internacionais (em que uma das partes é residente ou domiciliada no exterior), e, ainda, os contratos internos derivados daquelas operações (contratos internacionais por equiparação ou por acessoriedade, ex vi do contrato de repasse de recursos externos cf. Resolução n° 63 do BACEN).
Sem adentrar especificamente às exceções legais, é certo que todas elas guardam relação direta ou indireta com operações internacionais, de modo que, em âmbito interno e entre particulares, persiste a proibição legal, que se estende, inclusive, à utilização da moeda estrangeira e do ouro como fatores de indexação das obrigações.
Nesse sentido, determina o artigo 6° da Lei n° 8.880/1994 que: “É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior”.
Em outras palavras – e de forma mais simplista – são nulas em nosso ordenamento as estipulações de pagamento ou reajuste de obrigação com base em ouro ou moeda estrangeira, ressalvados os casos previstos em lei. É exatamente o que prescreve o artigo 318 do atual Código Civil.
Como conseqüência do exposto, em que pesem os entendimentos contrários, também serão nulas as cláusulas de pagamento em moeda nacional que estabeleçam equivalência com o montante em moeda estrangeira, porquanto representariam verdadeira burla à vedação legal acima debatida, indo de encontro, ainda, à norma contida no artigo 1°, inciso I, da Lei n° 10.192/2001, que veda, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de “…pagamentos expressas em, ou vinculadas, a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2° e 3° do Decreto-lei n° 857, de 11 de setembro de 1969, e na parte final do art. 6° da Lei n° 8.880, de 27 de maio de 1994” (grifamos).
Concluindo, não se poderia deixar de consignar que, uma vez reconhecidas, as nulidades mencionadas não afetarão o contrato como um todo, mas tão somente as cláusulas irregulares, que poderão, portanto, ser revistas e modificadas, sobretudo se, em decorrência delas, ocasionou-se um enriquecimento indevido para uma das partes.
Advogado especialista em Processo Civil, sócio do escritório Marafon, Guariento e Jacob Netto Advogados – www.marafonadvogados.com.br
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