Resumo: Este trabalho aborda diversos pontos que gravitam em torno do seguinte tema: da obrigatoriedade ou não da comprovação da regularidade fiscal da empresa contratada como condição para o adimplemento da obrigação de pagamento da despesa por parte do órgão público contratante.
Palavras-chave: Regularidade fiscal. Obrigação de pagamento. Lei nº 8.666/93. Tribunal de Contas da União.
Sumário: I – Introdução; II – Desenvolvimento, III – Conclusão
I – Introdução
Prefacialmente, damos conhecimento sobre uma importante deliberação contida no Acórdão nº 1.299/2006 do Tribunal de Contas da União, que servirá de vetor para o desenvolvimento e conclusão deste trabalho. Dita decisão negou provimento ao Recurso de Reconsideração interposto pelo TRT/RJ contra o Acórdão nº 740/2004, mantida, pois, a determinação a esse Tribunal do Trabalho de “efetuar pagamentos decorrentes de obrigações assumidas mediante a verificação da situação da regularidade fiscal do credor,[1] em observância à Decisão no 705/94 – Plenário (Ata no 54/94)”. Por via de conseqüência, a partir dessa deliberação, deve a Administração desse Tribunal (servindo também como referência para todos os demais órgãos públicos) dar eficácia à determinação 9.3.15 do citado Acórdão nº 740/2004, verbis:
“incluir nos contratos celebrados com terceiros cláusula facultando à Administração a possibilidade de retenção de pagamentos devidos, caso as contratadas não estejam regulares com a seguridade social, em observância ao §3o do art. 195 da Constituição Federal”.
Logicamente, a inclusão deste tipo de cláusula[2] não deve se limitar aos termos de contrato, mas ser estendida também aos demais instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço, o que certamente conduzirá o órgão de Controle Interno desse Tribunal a recomendar, com espeque também na Súmula nº 111[3] do C. TCU, que os responsáveis pela área de contratos tomem as providências cabíveis a fim de dar eficácia à respectiva determinação.
II – Desenvolvimento
É pacífica a jurisprudência do Tribunal de Contas da União[4] no sentido que, nos pagamentos efetuados pela Administração, decorrente ou não de contratação para pronta entrega, inclusive nos contratos de execução continuada ou parcelada, é obrigatória a exigência da documentação relativa à regularidade para com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Fazenda Federal,[5] além, como foi dito, da Seguridade Social (CND).
Verdadeiramente, refoge da determinação do TCU o condicionamento do pagamento à verificação da regularidade em relação à Fazenda Estadual e a Municipal e, deste modo, a cada pagamento realizado, devem ser verificadas as condições de habilitação do contratado. Essa é a pedra de toque da questão, ou seja, a análise da documentação do contratado, como condição para o pagamento da despesa, deve guardar relação com as exigências da habilitação da licitação, quer de regularidade, quer de qualificação, inteligência do inc. XIII do art. 55 da Lei 8.666/93.
Lembramos, entretanto, nos exatos termos utilizados pelo Analista de Controle Externo da Secretaria de Recursos (SERUR)[6] do TCU, que inaugurou o exame do mérito do Recurso de Reconsideração acima citado, que “a retenção exige prudência no sentido de não ser retido mais do que o suficiente para resguardar a Administração”, tendo ele invocado a lição do prestigioso Marçal Justen Filho (Comentário à Lei de licitações e contratos administrativos. 5. ed. rev. e ampliada. São Paulo: Dialética, 1998. p. 531), vejamos:
“E se a Administração verificar que o sujeito não liquidou suas dívidas previdenciárias produzidas pela atividade necessária à execução do contrato? Cabe à Administração o dever de promover a retenção dos valores necessários a sua liquidação, pagando ao particular os valores remanescentes.”
Deve-se destacar, contudo, que já há entendimento divergente no Superior Tribunal de Justiça,[7] bem como junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AI nº 2004.01.00.0289960/DF),[8] que começam a apontar no sentido da ilegalidade da retenção de pagamento por serviços prestados.
Quanto ao correto tratamento a ser dispensado às concessionárias de serviço público em débito fiscal, informamos que o Controle Externo já se posicionou no sentido de ser possível a contratação de pessoas jurídicas inadimplentes com o INSS/FGTS quando o serviço a ser oferecido pela contratada for considerado de caráter essencial, nos termos do inc. VII do art. 10 da Lei nº 7.783/1989. De igual modo o fez em relação ao tratamento a ser dado em relação aos valores devidos pelo contratante (órgão público) no correr da execução, face à falta de regularidade da contratada, in expressis verbis:
“Decisão nº 431/1997 – Plenário
…omissis…
Assunto: Contratação de empresas estatais prestadoras de serviço público sob o regime de monopólio – Possibilidade, ainda que inadimplentes com o INSS e o FGTS. Ementa: Consulta formulada pelo Secretário de Controle Interno do Superior Tribunal de Justiça relativa à contratação de empresas paraestatais sem a apresentação das certidões comprobatórias de regularidade junto ao INSS e ao FGTS – Possibilidade de a Administração Pública contratar os entes paraestatais detentores do monopólio de serviços públicos essenciais, mesmo sem a apresentação das citadas certidões – Princípio da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público – Pagamento dos valores devidos – Necessidade de apresentação de justificativas devidas e da autorização da autoridade superior do Órgão – Comunicação dos fatos ao Conselho Curador do FGTS e ao INSS – Remessa de cópia da Decisão, Relatório e Voto ao responsável – Arquivamento dos autos. (…)
Decisão O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE: (…)
2. responder ao responsável que as empresas estatais prestadoras de serviço público essencial sob o regime de monopólio, ainda que inadimplentes junto ao INSS e ao FGTS, poderão ser contratadas pela Administração Pública, ou, se já prestados os serviços, poderão receber o respectivo pagamento, desde que com autorização prévia da autoridade máxima do órgão, acompanhada das devidas justificativas;”(g.n)
Assim, nos casos de contratação de empresas estatais inadimplentes, sob o regime de monopólio, considerada a supremacia do interesse público e o princípio da continuidade administrativa, poderão ser contratadas aquelas em situação irregular com o INSS e o FGTS, quando se tratar de serviços essenciais aos órgãos da Administração.
Considerada, pois, a essencialidade da prestação e a necessidade de continuidade da ação administrativa, bem como a horizontalidade da relação verificada na prestação de serviços públicos por concessionárias/permissionárias, nos termos do inc. II do §3º do art. 62 da Lei nº 8.666/93, o pagamento da despesa deve ser realizado, mesmo à vista da não regularidade.
Resta-nos, nessa condição, recomendar a necessidade da comunicação da irregularidade da pessoa jurídica prestadora de serviços ao órgão interessado (vg: INSS, Conselho Curador do FGTS), fazendo constar dos autos tal providência.
Gostaríamos de ressaltar que — da mesma forma que a Administração deve atentar para o que disposto no art. 3°, §1°, inciso I da Lei nº 8.666/93, bem como para a redação dada ao Decreto n° 3.722/2001, pelo Decreto n° 4.485/2002, observando que, em qualquer modalidade de licitação, não se pode exigir, mas se deve aceitar, a inscrição prévia no SICAF como meio de prova da habilitação de interessado (cf. item 1.5, TC-014.511/2005-4, Acórdão nº 989/2006-TCU-1ª Câmara e item 9.3, Acórdão nº 1.070/2005-TCU-1ª Câmara) —, deve também essa mesma Administração acolher outros meios de comprovação de regularidade como pressuposto ao pagamento.
Alertamos aos gestores que o descumprimento das determinações do Tribunal de Contas da União pode ensejar aos responsáveis a aplicação da multa prevista no art. 58 da Lei nº 8.443/92.[9]
III – Conclusão
Pelo exposto, vê-se que é remansoso o entendimento do Tribunal de Contas da União sobre a possibilidade de retenção do pagamento à empresa contratada por parte da Administração Pública, mesmo à vista da execução do serviço, o que se faz em estrita observância ao §3o do artigo 195 da Constituição Federal, observada, no entanto, a proporcionalidade dessa providência.
Assessor da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – TRT/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Administração Pública pela FGV.
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