Resumo: O presente artigo tem por objetivo o estudo da aplicabilidade do princípio constitucional do contraditório no âmbito do inquérito policial, bem como a compreensão acerca de sua natureza jurídica. Para tanto, faz-se necessário tecer alguns apontamentos sobre a teoria geral das provas e a qualidade que estas devem ser produzidas durante a fase investigatória do processo penal uma vez que as mesmas servirão como a base sólida para o desenvolvimento justo e efetivo da futura ação penal, buscando-se assim, a justiça na decisão bem como a segurança jurídica.
Palavras Chave: Inquérito Policial – Princípio do Contraditório – Provas – Segurança Jurídica
Abstract: The present article has the purpose of studying the applicability of the constitucional principle of the contradictory in the policiment investigation and the comprehension of your legal nature. For this, it is necessary to make some appointments about the general proof theory and the quality of its production in the stage of process investigation, once it will make a solid base for a fair and effective development of the future criminal act, looking forward to justice in decisions and law security.
Keywords: Investigation Police – Principle of the Contradictory – Legal Security – Proofs
Sumário: 1. Introdução – 2. O Direito à prova como um direito constitucional – 3. A qualidade da prova como corolário de um direito – 4. O inquérito policial e o conteúdo da instrução em contraditório. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
Os conflitos entre os indivíduos remontam de muito tempo atrás, desde que o mundo é mundo existem pessoas se desentendendo, não cumprindo com suas obrigações, matando, morrendo, enfim, necessitando de um poder imparcial que, acima delas, pudesse resolver e julgar tais controvérsias sem pender para nenhum dos lados. O que nem sempre foi assim, visto que interesses pessoais acabavam falando mais alto e esse julgamento ficava comprometido.
Porém, um tema que estava sempre presente era o da prova, instituto que foi sofrendo inúmeras modificações, acompanhando a evolução dos direitos humanos e até da tecnologia, mas sempre sendo crucial para o desenlace de um litígio.
Assim, no presente artigo, no primeiro capítulo irá se analisar o instituto da prova e o direito à ela como um direito constitucionalmente garantido para que ocorra uma efetiva prestação jurisdicional. Já no segundo capítulo será analisado o conteúdo da prova, a sua validade, a tormentosa questão das provas obtidas por meios ilícitos e as espécies de provas. No terceiro capítulo, por fim, será feita uma análise da prova como instrumento no inquérito policial e a grande discussão acerca da aplicação do contraditório e da ampla defesa no âmbito dessa peça investigativa.
2. O DIREITO À PROVA COMO UM DIREITO CONSTITUCIONAL
Permeia toda a Carta Magna inúmeros princípios que norteiam a atuação dos três poderes, quais sejam, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, instituída tal separação há tempos por Montesquieu. Tais princípios, sem pretender entrar na discussão ampla sobre o tema, não pretendem ser absolutos no que tange à sua aplicação, necessitando-se de um juízo de ponderação quando da sua utilização em casos concretos, principalmente quando tais princípios confrontarem-se diretamente. Ainda assim, podem ser considerados a base de um ordenamento jurídico, firmando entendimentos basilares que nos auxiliam quando da interpretação dos textos legais.
O primeiro deles é o princípio do acesso à justiça. Esse princípio tem como destinatário principal o legislador, mas atinge a todos os jurisdicionados (cidadãos) indistintamente. Infere-se desse princípio que ninguém pode mais ser impedido de ir a juízo deduzir sua pretensão perante o Poder Judiciário.
Vale destacar que o princípio em questão encontra respaldo na Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, que diz: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; em seu inciso LIV aduz: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; por fim, no art. 5º, LV aduz: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O princípio do acesso à justiça tem como essência preservar a garantia do cidadão de ter a tutela jurisdicional adequada, de ter uma prestação imediata do juiz à sua necessidade emergente, seja ele pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado. O que é protegido pelo princípio do acesso à justiça não é somente a prerrogativa do cidadão ingressar em juízo, entrar com uma ação, como se diz no jargão popular, esse princípio vai além, ele visa resguarda todo o caminho percorrido pelo processo de forma que ele se desenvolva respeitando os preceitos constitucionais, principalmente.
Um princípio decorrente do princípio do acesso à justiça é o da inafastabilidade da jurisdição, ou seja, o julgador não pode se eximir de sentenciar alegando obscuridade ou lacuna na lei (art. 126 do Código de Processo Civil) devendo, quando isso ocorrer, utilizar-se dos princípios gerais de direito, dos costumes, da analogia, da equidade, elencados no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e defendidos pela doutrina.
Assim, a decisão do magistrado será obtida por meio de sua livre convicção, seu livre convencimento, que pede a Constituição que seja motivado, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF). Preenchidas as condições da ação e os pressupostos processuais, deve o juiz, obrigatoriamente, pronunciar-se sobre o mérito da pretensão do autor, concedendo ou negando a tutela jurisdicional a ele solicitada.
Também encontra estreita conexão com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o princípio da imparcialidade do juiz, que é uma garantia de justiça para as partes, tendo elas o direito de exigir a presença de um juiz imparcial[1].
O princípio do acesso à justiça foi trazido à baila exatamente por que ele engloba o procedimento probatório, de modo a elucidar questões como a licitude e as garantias de que devem ser revestidas a produção de uma prova no processo. Tais garantias servem, em última análise, para assegurar a justiça das decisões, justiça essa que só é alcançada por um juízo imparcial, como fora anteriormente dito.
O procedimento probatório, por representar o momento central do processo, não pode sofrer nenhum vício que possa prejudicar uma das partes e a busca pela verdade no processo, pois caso isso ocorra, todo o processo estará comprometido, sendo passível de nulidade. Daí afirma-se a necessidade de observância desses princípios durante o procedimento probatório para que este seja o mais transparente possível.
Em conclusão, pode-se afirmar que a garantia do acesso à justiça, consagrado no plano constitucional, é a garantia ao próprio direito de ação e o direito de defesa, tendo como conteúdo o direito ao processo, com as garantias do devido processo legal. [2]
O princípio do contraditório é um princípio constitucional que deve ser aplicado em todos os tipos de processo: civil, penal, administrativo, e não só no processo penal como previa a Constituição anterior à Constituição Federal de 1988.
O contraditório é inerente às partes litigantes (autor, réu, denunciado e chamado ao processo), pois todo aquele que tem alguma pretensão material no litígio pode invocar o contraditório na sua defesa e de sua tese, concretizando assim o exercício pleno de defesa, uma consequência da igualdade dinâmica, cabendo ao Estado no plano jurídico suprir possíveis desigualdades para buscar a justiça em suas decisões.
O princípio acima colacionado deve ser compreendido em dois sentidos. O primeiro é a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes; já o segundo sentido é a prerrogativa que as partes possuem de reagirem processualmente aos atos que lhes forem desfavoráveis, exteriorizando suas manifestações frente ao que foi argumentado pela parte contrária, concretizando a dialeticidade processual, ou seja, perante a afirmação de uma realidade pelo autor (tese), a sua negação/afirmação é feita pelo réu (antítese) e dessa negação/afirmação é construída a sentença (síntese), considerando estarem autor e réu em situações subjetivas análogas.
O direito à prova, nítida manifestação do contraditório no processo, significa que as partes têm o direito de realizar a prova de suas alegações, bem como de fazer a contraprova do que tiver sido alegado pela outra parte.
O destinatário da prova é o juiz de modo que o mesmo não pode indeferir a realização de determinada prova sob o fundamento de que já se encontra convencido da existência do fato ou da própria questão incidental ou de mérito posta em causa. Todavia, cabe frisar que o juiz tem a prerrogativa de determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou que sejam protelatórias. Tudo isso com base na busca do ideário da verdade real, sempre que possível [3].
Deve-se observar, em consonância com as peculiaridades do processo sobre o qual esteja sendo aplicado, o princípio do contraditório, alcançando diferente incidência no penal e no civil. Dessa forma, uma ofensa ao princípio do contraditório caracterizaria cerceamento de defesa, causa de anulação do processo ou do procedimento e o seu desrespeito poderiam gerar decisões inesperadas, baseadas em premissas infundadas que não foram apresentadas para possível contraprova.
O referido instituto não admite a existência, para os litigantes e seus advogados, de procedimento ou processo secreto, sejam no âmbito administrativo ou judicial (art. 5º, LV, CF). O que se admite, entretanto, é o procedimento ou processo sigiloso, o que garante o bom desenrolar das investigações, proibindo-se que terceiros estranhos ao processo, ou mesmo a imprensa, tomem conhecimento do que está acontecendo, podendo vir a prejudicar o resultado final e a interferir no procedimento probatório. O segredo de justiça é medida excepcional que visa resguardar o interesse social ou a intimidade da parte.
A ocorrência de tal princípio no processo civil se manifesta em todos os três tipos clássicos de processo (conhecimento, execução e cautelar) e independe também do meio pelo qual o processo se desenvolve, seja de jurisdição contenciosa ou voluntária. Entretanto, cumpre salientar, que parte da doutrina entende que não existe contraditório no processo de execução, o que é equivocado, pois o mesmo existe mas de forma diferida, dado o notório desequilíbrio entre devedor e credor.
Nessa toada, parece notório que o equivoco na afirmativa de ausência de contraditório na execução se posta em não se atentar para o fato de que o que certamente inexiste é a discussão relativa ao mérito do crédito do exequente, pois que não será objeto de perquirição, por parte do magistrado, a existência ou não acerca do crédito cobrado, pois que tal investigação com posterior debate já ocorrera, quer no processo de conhecimento anterior, originado em sentença (título executivo judicial), ou, ainda, ocorrerá em sede de embargos à execução (ação própria, geradora de processo de conhecimento) ou mesmo a impugnação no cumprimento de sentença, esse, procedimento incidente ao processo de conhecimento[4].
Em análise a citação processual, esta é ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que em face dele foi ajuizada pretensão, de modo a ensejar sua manifestação no processo diante do pedido do autor. É ato pelo qual implementa o contraditório no processo civil, que se iniciou com o ajuizamento da ação pelo autor.
Diversas são as atitudes que o réu pode tomar quando citado, de modo que o mesmo pode concordar com o pedido do autor ou então deduzir respostas. Somente a possibilidade que se dá ao réu de se manifestar no processo atende ao postulado do contraditório, não sendo necessário que de fato deduza resposta ou outra manifestação positiva diante do pedido do autor.
Ponto relevante da matéria é o que se refere à situação do contraditório quando se é deferida liminar inaudita altera pars, como no caso da antecipação da tutela de mérito. O contraditório continua existindo porém, como no processo de execução, ele será diferido.
O contraditório concedido em medida liminar inaudita altera pars existe, só que o mesmo será postergado para um momento posterior ao procedimento. Aliás, a própria provisoriedade dessas medidas indica a possibilidade de sua modificação posterior, por interferência da manifestação da parte contrária.
Como decorrência do princípio da paridade das partes, o contraditório significa dar as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta, requerendo e realizando provas, etc.
Essa igualdade de armas (par conditio), não significa, entretanto, paridade absoluta, mas sim tratar as partes com igualdade quando as mesmas estiverem em igualdade de situações processuais.
Passando a análise do princípio da ampla defesa, ele permite às partes a adequada dedução de alegações que sustentem sua pretensão (autor) ou defesa (réu) no processo judicial e no processo administrativo, com a consequente possibilidade de fazer a prova dessas mesmas alegações e interpor os recursos cabíveis contra as decisões judiciais e administrativas. Feitas as alegações, os titulares da garantia da ampla defesa têm o direito à prova dessas mesmas alegações. O direito à prova, pois, está intimamente conectado com a ampla defesa e dela é indissociável.
No que tange a ampla defesa, essa se procederá de duas formas: por meio da defesa técnica e da autodefesa. A defesa técnica é aquela produzida por profissional habilitado, o advogado, que possui o jus postulandi, salvo exceções e casos em que o advogado é dispensável, como na Justiça do Trabalho.
A autodefesa é o direito garantido ao réu de fazer-se presente com as próprias desculpas e com as próprias exceções toda vez que se acusa ou se aja contra ele em determinado procedimento. Tanto a defesa técnica quanto a autodefesa são vertentes diversas e complementares da mesma garantia, qual seja, a do contraditório e da ampla defesa.
A plenitude e a efetividade do contraditório indicam a necessidade de se utilizarem de todos os meios idôneos cabíveis e necessários para evitar que a disparidade de posições no processo possa incidir sobre seu êxito, condicionando-se a uma distribuição desigual de forças. Tanto por parte de quem age quanto por parte de quem se defende em juízo, devem ser asseguradas as mesmas possibilidades de obter a tutela de suas razões, buscando assim a concretização de um processo justo e pautado no interesse público.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa asseguram ao réu ampla oportunidade de defesa (art. 5º, LV, CF), contrapondo-se à tese exposta pelo autor (tese/ antítese). Ambos os princípios respeitam dois elementos integrativos e que o constituem: a informação (citação, intimação, notificação) e a reação (com a devida exceção quanto à revelia nos casos de direitos disponíveis) [5].
O juiz deverá, no momento do julgamento, apreciar e valorar todas as provas que lhe foram apresentadas, pois caso não o faça, ele estará infringindo o princípio do contraditório.
A cláusula do devido processo legal, em princípio, não visava questionar a substância ou o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim assegurar o direito a um processo regular e justo sem pensar num primeiro momento em dar garantia ao cidadão a ampla defesa e ao contraditório.
Esse pensamento passa a mudar a partir de 1980, quando se incorporou a cláusula do due process of Law, que se resumia na busca constante pela proteção substantiva dos direitos e liberdades civis assegurados no Bill of rights, que nada mais é do que a promoção da proteção dos direitos fundamentais contra ações invioláveis e arbitrárias do Estado.
No ordenamento jurídico pátrio, esse princípio somente ganhou forma expressa a partir da Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LIV.
Preceitos fundamentais como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, o juiz natural, dentre outros, são direitos subjetivos das partes, que sempre deverão ser observados para que se possa atingir o fim colimado do processo que é a justiça nas decisões. As garantias constitucionais devem ser sempre postas acima da lei ordinária para que o exercício da jurisdição seja efetivo.
Assim, toda vez que se violar um princípio ou norma constitucional processual que desempenhe função de garantia, a consequência será a ineficácia do ato praticado em violação à Lei Maior.
Nesse diapasão, surge a temática das provas obtidas por meios ilícitos que são aquelas que infringem normas de natureza material e as provas ilegítimas, que são aquelas produzidas contrariamente a normas de índole processual, ainda que estas estejam inseridas na Constituição (contra constitutionem), como por exemplo as provas produzidas sem observância ao princípio do contraditório, acima descrito. Tais provas são inadmissíveis, passíveis de gerar nulidade absoluta e serão como se elas não existissem no processo, ocasionando o seu desentranhamento dos autos, visto que o julgador não poderá utilizá-las para formar o seu convencimento.
No que diz respeito à produção das provas, entende-se que ela só é válida se feita na presença concomitante de partes e do juiz, de forma que a prova que é produzida sem a presença do juiz será tida como inválida, assim como a que for produzida sem a presença de uma ou ambas as partes, isto porque as partes não terão como se defender do que foi dito ou provado, e sendo assim, as provas produzidas nessas circunstâncias não poderão fazer parte da formação do convencimento privado do julgador, pois se assim fizer, poderá prejudicar a parte ausente.
Dessa afirmação deriva-se outro princípio, o do juiz natural, presente no art. 5º, LIII da CF/88, o qual deve ser entendido sob os seguintes aspectos: ninguém poderá ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; entre os juízes pré-constituídos surge a regra do que é considerado competente para aquela demanda; e só a Constituição Federal pode instituir o juízo e fixar a sua competência.
Este princípio deve sempre ser compreendido junto com outros princípios fundamentais como o direito à ampla defesa e ao contraditório de modo que estes são espécies daquele, pois como se sabe, a CF/88 assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa.
Para um país que se considera democrático e que ao longo de sua história revelou certa fragilidade histórico-política, é de suma importância que se respeite os chamados princípios constitucionais nos processos judiciais ou administrativos, pois não há democracia nem Estado de Direito se não há respeito à Constituição.
Observando-se o devido respeito que deve ser dado à Constituição e dando uma devida prestação jurisdicional ao cidadão, sem postergação, o devido processo legal terá conseguido atingir seu objetivo dentro de um país que preza ser reconhecido como um país democrático.
3. A QUALIDADE DA PROVA COMO COROLÁRIO DE UM DIREITO
Quanto aos princípios da prova são três: o da auto-responsabilidade das partes, onde estas assumem as consequências de sua inatividade, negligência, erro ou atos intencionais; o da audiência contraditória, ou seja, toda prova admite contraprova (princípio do contraditório); e o princípio da aquisição ou comunhão, onde a prova não pertence a parte que a produziu e sim à justiça. A prova, uma vez juntada no processo, pertence ao mesmo e não mais às partes, como assevera o princípio da comunhão da prova.
Primeiramente, cumpre salientar, que o direito à prova hoje, deve ser visto como um direito fundamental já que ela irá influir na decisão do magistrado que foi formatada a partir de um contraditório.
Partindo agora para um estudo mais efetivo e específico do tema delimitado, passa-se neste tópico a tratar do conceito de prova, de como ela deve ser constituída, a que objetivo ela se propõe, a quem incumbe o ônus de sua comprovação, das suas distintas classificações e, por fim, das suas subclassificações, se assim se pode chamar, as provas diretas e indiretas.Podem ser encontrados na doutrina um sem número de conceituações referentes ao instituto da prova, não sem razão, já que ela é considerada “a alma do processo”. Além de servir para formar o convencimento do julgador, o destinatário mor desse instrumento, de forma a justificar a sua decisão perante a sociedade, a prova tem o intuito de convencer todos os partícipes daquela lide de que o que ela corrobora é o correto, o verdadeiro.
Segundo preleciona Júlio Fabbrini Mirabete[6],
“A prova é o meio que as partes se utilizam para tentar fazer nascer na cabeça do juiz a convicção sobre a veracidade do que está sendo alegado, uma vez que não existe hierarquia entre provas, o livre convencimento motivado do juiz que irá prevalecer.”
Trata-se de uma materialização necessária para que se vislumbre e se constate a veracidade do que se está alegando perante as partes integrantes do litígio, principalmente perante o magistrado, que irá confirmar ou não a verossimilhança da prova com o que possivelmente ocorreu, formará desse modo, um juízo positivo ou negativo acerca da existência dos fatos para, ao final, formar seu livre convencimento motivado nela, até como uma forma de embasamento palpável, visto que a sociedade atual é exigente no que se refere à reconstrução dos fatos da vida para o processo. Ou seja, a prova para ter validade, terá que ser produzida perante o juiz e a parte contrária, excetuando-se os casos de produção antecipada de provas que tem natureza cautelar e que o contraditório é diferido. Dessa forma, a prova nada mais é do que uma arma, à qual o Estado irá apreciar, possibilitando que se concretizem nela os fatos ocorridos na vivência real, dando esse direito a ambas as partes, para que de forma isonômica possa garantir a efetiva tutela do direito lesionado e a busca pela verdade real, fim maior, do processo. Como se verá adiante, os meios de prova não são absolutos, uma vez que encontram seus limites na inadmissibilidade das chamadas provas ilícitas ou ilegítimas.
Esse instrumento que materializa, ou melhor, transporta os fatos ocorridos na vida para dentro do processo, é utilizada em qualquer ramo, mas, principalmente, no âmbito penal e civil. Quanto ao tema, alguns doutrinadores afirmam que existe uma teoria geral para a formulação das provas, em ambas as searas, outros já afirmam que no âmbito penal as provas devem ser produzidas com muito mais qualidade, visto que em um processo penal estariam em jogo garantias individuais muito mais sensíveis, como a liberdade.
Todavia, de acordo com entendimento dominante hodiernamente, não existem diferenças entre as provas produzidas no processo civil e as provas produzidas no processo penal.
No que tange aos possíveis sentidos da prova, predomina na doutrina a sua divisão em: prova como meio, prova como atividade e prova como resultado.
A atividade se resumiria como sendo o conteúdo essencial da prova, ou seja, são os motivos ou razões extraídas dos meios sobre a existência ou inexistência dos fatos. Já na acepção como meio, a prova seria a manifestação formal do fato e, por fim, na acepção de resultado, a prova seria nada mais que o convencimento do juiz, ou seja, o poder que ele tem de influir nesse convencimento.
A prova passa a ser a fixação do fato controverso submetido a percepções obtidas e deduções extraídas de acordo com o ordenamento jurídico, cabendo assim, às partes e ao juiz de ofício, trazer os fatos ao processo, segundo forma prescrita em lei, podendo-se assim, chegar a uma definição de prova que seria a soma dos fatos produtores da convicção apurados no processo.
As regras jurídicas se modificam, mas nem por isso elas devem deixar de dar a prova judiciária a mesma segurança às demais ciências empíricas para assegurar desse modo, que o livre convencimento se desenvolva com racionalidade, livre do arbítrio. Busca-se o acertamento dos fatos probandos. Esse sistema aberto de livre convencimento faz com que o juiz necessite buscar em outras áreas do saber instrumentos para que ele possa entender e valorar as provas apresentadas.
Mas a prova não se resume apenas ao seu conceito funcional aqui apresentado no sentido de formar o convencimento do juiz, ela também sofre muitas influências externas, como da imprensa, por exemplo. No momento da apresentação das provas, o juiz deve dar às partes a oportunidade de contraditá-las, decorrência lógica do princípio do contraditório abordado no capítulo antecedente.
Muitas das vezes, a busca pela verdade ocorrerá de forma indireta, por meio das chamadas provas indiretas, como testemunhas, documentos e perícia, uma vez que os fatos investigados no processo aconteceram no passado, não sendo possível reconstituí-los.
Passa-se agora a análise do que seria o objeto da prova, que segundo Leonardo Greco[7] ,
“O objeto da prova seria o apontamento dos fatos relevantes e controversos, em que o primeiro se resumiria como sendo aquele em que a parte poderia extrair consequências jurídicas favoráveis a sua pretensão enquanto que os controversos são aqueles que modificam ou impedem aquela pretensão para o réu”.
O objeto da prova confunde-se muito com o seu objetivo. Assim sendo, objeto da prova nada mais é do que a demonstração do fato alegado ao magistrado responsável pela causa, para que ele possa solucionar o litígio.
Existem também os fatos que carregam em si uma presunção de veracidade, dada a eles pelo ordenamento jurídico, no entanto, devem eles estar em consonância com os demais fatos apurados e provas produzidas, para que assim o juiz possa verificar a compatibilidade entre eles e proferir sua decisão.
Um conceito geral de prova seria o processo mental pelo qual se estabelecem as conclusões que decorrem de determinadas premissas. A produção antecipada de provas tem como finalidade fazer com que a parte não corra o risco de perder uma prova que mais adiante lhe poderia ser imprescindível, tudo isso com base na celeridade e efetividade da tutela jurisdicional que é buscada hoje em dia com o processo.
Em regra, as provas são produzidas no processo, durante a chamada fase de instrução, entretanto, nada impede que elas sejam realizadas perante outras autoridades, como por exemplo, a inquirição de testemunhas através de carta precatória.
Passando agora a análise do ônus da prova, previsto no art. 333 do CPC, pode-se defini-lo como a faculdade ou encargo que tem a parte de demonstrar no processo a real ocorrência de um fato que alegou em seu interesse, ou seja, o ônus da prova, em regra, cabe à parte que alegou os fatos (o autor).
Entretanto essa regra não é absoluta, pois o juiz poderá, no curso da ação, determinar de ofício diligências para dirimir dúvidas sobre pontos relevantes. Isso tudo o juiz faz para buscar a verdade real dos fatos.
Finalmente, passa-se a análise mais profunda da prova direta e indireta. No caso da prova direta, a prova versa diretamente, como o nome sugere, sobre a hipótese, e o grau de confirmação da hipótese coincide com o grau de aceitabilidade da prova, que é determinado mediante uma série de pressupostos e inferências realizadas pelo sujeito que se aproveita da prova, sobre a base na qual se estabelece o grau de credibilidade racional da proposição que constitui o elemento prova.
Por outro lado, quando o elemento de prova é diretamente percebido, em condições normais, pelo sujeito que o utiliza, podem entrar no jogo inferências muito simples, como as que se referem à fidelidade das percepções e a capacidade de analisar os dados empíricos. Tal valoração pode ser muito mais complexa quando for necessário estabelecer a credibilidade ou a autenticidade do elemento de prova. De acordo com Michele Taruffo [8] ,
“Si hay duda, el problema se resuelve tomando em consideración todas las circunstancias relevantes y extraindo a partir de ellas inferências que permitan establecer hasta qué punto se puede considerar que el documento representa la verdade de los hechos.”
Por outro lado, diferentemente do que ocorre com a prova direta, a prova indireta existe quando há uma única prova a respeito da hipótese sobre o fato, ou seja, há uma prova que demonstra a existência de um fato diferente daquele afirmado pela hipótese.
Entretanto, a partir da descrição desse outro fato, que é chamado de secundário, é possível extrair inferências que afetam a fundamentação da hipótese em questão. Desse modo, de forma detalhada, examinou-se neste item de estudo, além do conceito de prova, as suas classificações, objetos e formas de constituição, que irão auxiliar no entendimento ao longo do trabalho.
Dando prosseguimento ao tema das provas, passa-se agora a análise da prova no que tange a sua validade, que pode ser investigada tanto na sua constituição, na sua propositura ou na sua origem. A validade da prova pode ser auferida pela presença do contraditório e pela presença concomitante do juiz e partes no momento de produção da prova, o que denota eficácia àquela instrução.
A prova é produzida para gerar efeitos em um processo, mas é transportada documentalmente para outro processo. A partir do momento que é reconhecida a validade desse documento como meio de prova, devido à existência de uma sentença transitada em julgado, tal prova é admitida pelo sistema jurídico pátrio, desde que respeitado o princípio do contraditório assim como em todos os outros casos.
Muitos doutrinadores afirmam que o empréstimo da prova produzida em outro processo é contrário ao princípio da imediação, já que a prova deve ser produzida pelo juiz da causa, devido também ao princípio da identidade física do juiz previsto no art. 131 do CPC que aduz: “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegado pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.
Nesse sentido, a utilização da prova emprestada retiraria a validade e a eficácia desse meio de prova. Tal princípio já é mitigado muitas vezes quando da produção da prova testemunhal por carta precatória, por exemplo, onde o juiz que colhe o depoimento não é o juiz da causa, e mesmo assim tal meio de prova permanece eficaz.
Mesmo com a existência dessa corrente doutrinária, não se pode negar a eficácia da prova emprestada que, obviamente respeitando certas regras, é válida como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se ter em mente que o papel que uma prova possa desempenhar em um processo, no que se refere aos fatos e às pretensões dos litigantes, pode não ser necessariamente o mesmo papel, com a mesma importância e com o mesmo fim que terá no processo destinatário.
Desse modo, o juiz do processo destinatário não fica adstrito à valoração dada àquela prova no processo de origem, ficando adstrito somente à eficácia da coisa julgada civil ou penal, podendo interpretar a prova emprestada e deduzir dela suas observações com a liberdade que lhe caberia se a prova fosse originária do processo em tela.
O instituto da prova emprestada pressupõe alguns requisitos constitucionais. O primeiro deles é a prova emprestada ter sido produzida em processo formado entre as mesmas partes. Um segundo requisito, apontado pela autora Ada Pellegrini[9] em discordância com o que foi dito acima, “é o de que o contraditório no processo originário tenha sido instituído perante o mesmo juiz, que também seja o juiz da segunda causa”.
Tal corrente não é adotada neste trabalho por se tratar de requisito que na grande maioria das vezes não pode ser observado, devido aos inúmeros ramos jurídicos e seus juízes especializados. Independentemente de posições distintas, no campo da legalidade da prova, são pressupostos essenciais: a observância dos princípios que regem a prova e a observância dos princípios que regem a prova documental, no processo em que a prova foi transportada.
Pôde-se perceber ao longo do estudo acerca das provas, que elas podem se manifestar e se materializar em inúmeras espécies, chamadas de meios de provas, quais sejam: perícia, interrogatório, confissão, testemunha, reconhecimentos, acareações, documentos, indícios, dentre outros.
Na correta definição de Júlio Fabbrini Mirabete[10] meios de prova são “as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade: depoimentos, perícias, reconhecimentos etc.”.
A qualidade na produção de uma prova tem como consequência uma efetiva busca de uma tutela jurídica justa, e isso só é possível a partir do momento em que os princípios e garantias constitucionais são assegurados e respeitados. A partir do momento em que a parte é impedida de produzir a prova, ela passa a ser privada do meio de acesso à ordem jurídica justa, fim processual, inviabilizando o objetivo constitucional. O processo justo compreende de um lado, a adequação e a efetividade dos instrumentos processuais disponíveis e, de outro, a adequada tutela possível de ser alcançada no final do processo.
O direito à prova deve ser entendido como elemento constitutivo das garantias constitucionais da ação e da defesa, podendo a parte atuar em ambas as esferas utilizando-se da prova para corroborar as suas afirmações com relações aos fatos que se quer provar, senão as garantias de ação e de defesa careceriam de conteúdo substancial, teriam alcance restritivo e limitado.
O direito de ação é o direito de provocar o Estado, mexer com a inércia da jurisdição, acionando o Poder Judiciário para que ele faça a apreciação da lide em questão de forma imparcial. Trata-se de direito constitucional assegurado a todas as pessoas, como descrito no art. 5º, XXXV, CF, de modo que, a ação mais a jurisdição origina o processo justo, também compreendido dentro do conceito de garantia constitucional da ação.
No entanto, o direito de ação não se resume a essa provocação da estática estatal, de forma que compreende também o direito à prova, conferindo às partes a possibilidade de utilização de todos os meios probatórios em direito admitidos, desde que, relevantes, úteis e pertinentes para a comprovação dos fatos alegados. E, caso houvesse um cerceamento desse direito, haveria uma impossibilidade de agir, de demonstrar as situações fáticas em que se baseiam a sua demanda.
Consequência do direito de ação surge o direito de defesa em contraposição, para legitimar a atuação jurisdicional, sendo ambos baseados no princípio do contraditório e iguais em seus direitos, uma vez que ambos buscam ver comprovados na sentença os fatos que alegam. Nesse sentido, conforme os ensinamentos de Eduardo Cambi[11],
“O direito de defesa consiste na possibilidade efetiva de reagir em juízo, com todos os meios processuais predispostos pelo ordenamento jurídico, para que o demandado possa fazer valer as suas próprias razões.”
Dessa maneira, as mesmas garantias constitucionais do direito de ação estendem-se ao direito de defesa ao longo de todo o processo, gerando a chamada “paridade de armas”, prevalecendo a igualdade, a isonomia.
Na mesma toada, a utilização do princípio do contraditório na valoração das provas está intimamente relacionada ao princípio da dialeticidade do processo, ou seja, para todo movimento realizado por uma das partes deve-se abrir uma oportunidade para que a outra parte responda a esse movimento com outro movimento, a fim de minimizar-lhe os efeitos.
O direito à prova, nesse contexto, assegura, como já dito, a efetivação das garantias constitucionais, assim como do contraditório e garante a qualidade do provimento jurisdicional apresentado, não sendo apenas uma decorrência das garantias constitucionais da ação e defesa, mas sim, após a ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, também é uma regra de direito positivo, integrando o rol dos direitos fundamentais.
Segundo preleciona o art. 322 do CPC, o rol de provas lá estabelecido não é taxativo, de maneira a admitir as provas atípicas. Assim, todo meio de prova que não seja ilícito é permitido, desde que seja legítimo, pertinente, relevante e possibilite à outra parte confrontá-lo, exercendo o seu direito de contraditá-la, o que valida e dá eficácia ao processo.
Por mais amplitude que o direito à prova possa ter, assim como os outros direitos, ele não é absoluto, podendo sofrer interferências e restrições de outros direitos, restritivamente, é claro, devendo o juiz, novamente, atuar com base no princípio da proporcionalidade, caso a caso, motivadamente, sempre.
Assim, a violação do direito à prova gerará um vício de nulidade da decisão do juiz, ou seja, toda vez que for proferida sentença sem produção de provas, ela está fadada à nulidade, até que ela seja declarada.
Quanto à prova como instrumento da verdade, conclui Leonardo Greco[12] que, “a prova vai cumprir aquela função social apontada por Devis Echandia: dar segurança às relações sociais e comerciais, prevenir e evitar litígios e delitos, servir de garantia dos direitos subjetivos e dos diversos status jurídicos”.
Tal função social deve ser cumprida tanto no processo penal quanto no civil, independentemente das suas peculiaridades.
Um dos temas mais intrigantes e controversos no que diz respeito às provas é auferir quando a prova é ilícita, não sendo, portanto “aproveitada” no processo, por mais que dela se infira nitidamente os fatos que desejam ser provados. São exemplos de provas ilícitas as efetivadas através de invasão de domicílio, violação de correspondência, tortura, escuta clandestina, etc.
Assevera a Constituição Brasileira, em seu art.5º, LVI, a ineficácia, no processo administrativo ou judicial, da prova obtida por meios ilícitos, já a jurisprudência caminha no sentido da teoria intermediária, aplicando o princípio da proporcionalidade para cada caso concreto. No inquérito policial, por se tratar de peça informativa da denúncia ou da queixa, não está englobado na restrição com relação às provas ilícitas deste artigo, no entanto, alguns direitos devem ser assegurados.
Segundo Nuvolone[13],
“A prova será ilegal sempre que houver violação do ordenamento como um todo (leis e princípios gerais), quer sejam de natureza material ou meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição for de natureza material, vale dizer, quando for obtida ilicitamente.”
Existe um conceito legal de prova ilícita que pode ser encontrado no art. 157 do CPP que diz: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, devendo ser entregues a quem as produziu.
Em outra classificação, de José Celso de Mello Filho [14],
“A prova pode ser ilícita em sentido material e em sentido formal. A primeira ocorre quando a prova deriva de um ato contrário ao direito e pelo qual se consegue um dado probatório, e diz respeito ao momento de formação da prova; a segunda, quando a prova decorre de forma ilegítima pela qual ela se produz, muito embora seja ilícita em sua origem, dizendo respeito ao momento introdutório da prova, afrontando o direito processual.”
Desse modo, deve-se passar a análise da teoria norte-americana denominada “fruit of the poisonous tree”, ou “Teoria dos frutos da árvore envenenada”. Segundo essa teoria, uma árvore envenenada não pode produzir bons frutos, ou seja, caso a prova seja derivada, direta ou indiretamente, da prova ilícita, se basearem, ou se originarem, ela também será ilícita, não podendo produzir efeitos, sendo inutilizáveis, mesmo que tiver sido produzida licitamente em momento ulterior, se acham contaminadas pelo vício transmitido pela ilicitude.
Nesse ínterim, se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação, a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.
Essa teoria é mitigada pela incidência dos princípios da atenuação, da fonte independente e da exceção de boa-fé. O princípio da atenuação legitima a valoração das provas secundárias sempre que elas poderiam ter sido obtidas por outro meio autônomo e legal. Para o ordenamento jurídico brasileiro, bastaria que fosse possível a obtenção da prova por outro meio e estaria afastada a ilicitude.
Contudo, mesmo que essas provas tenham sido obtidas por meios ilícitos e tenham sido desentranhadas do processo, o juiz, de uma forma ou de outra, já tomou conhecimento delas, tendo já comprometido a sua imparcialidade, já que não se poderá retirar de sua mente as conclusões que as provas lhe proporcionaram, até para a proteção do próprio magistrado.
Por isso, mister se faz o afastamento do juiz que com elas teve contato, uma vez que a sua isenção fora maculada, segundo melhor doutrina. Todavia, o dispositivo que assim asseverava, deveria ter feito parte da reforma do CPP em 2008, mas fora vetado (artigo 157, §, 4º).
4. O INQUÉRITO POLICIAL E O CONTEÚDO DA INSTRUÇÃO EM CONTRADITÓRIO
Para que se inicie um estudo acerca da prova como instrumento fundamental no inquérito policial, deve-se adentrar no estudo da evolução do instituto do “inquérito policial” e seu consequente histórico, sendo de suma relevância para conhecer e melhor entender o assunto, perceber a sua gradual evolução até o estágio em que se encontra.
O “nascedouro do inquérito policial” surgiu com a Lei 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto Regulamentar nº. 4.824 de 1871, determinando a incumbência aos delegados e subdelegados da tarefa de investigar os fatos supostamente criminosos e informar ao juízo competente para a formação de culpa do encaminhamento do material produzido aos promotores públicos[15]. Percebe-se, nesse momento, a divisão do inquérito policial em indagações anteriores e atos de documentação dessas indagações, concretizando o inquérito e estruturando-se o processo penal sob a proposta acusatória.
Mudança relevante ocorreu com o advento da República, visto que a competência para legislar sobre matéria processual civil e penal também alcançou as unidades federativas, gerando uma ruptura na unidade legislativa da época. Nesse momento, o inquérito ganha o status de documento para formação da culpa por excelência, não sendo mais mero auxiliar. A unidade legislativa sobre matéria processual foi recuperada pela Constituição Federal de 1934, sendo mantidas pelas cartas magnas de 1946, 1967 e a atual vigente de 1988.
Sobressai a questão de saber, segundo o autor Rovégno[16] que,
“A verificação de um acontecimento, que se assemelha à descrição teórica de uma conduta tida como ilícito penal, impõe ao Estado uma atuação voltada a esclarecer as exatas circunstâncias desse fato.”
Dito isto, afirma Paulo Rangel[17] que o inquérito policial tem uma função garantidora: “a investigação tem o nítido caráter de evitar a instauração de uma persecução penal infundada por parte do Ministério Público diante do fundamento do processo penal, que é a instrumentalidade e o garantismo penal”.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, deixa claro que tanto a garantia da ampla defesa quanto a do contraditório estão direcionadas para a mesma realidade jurídica. Os incisos LIV e LV do referido artigo bem ilustram essa situação. Em conjunto com esse dispositivo, o art. 144 da CF delimita e descreve a polícia judiciária que atuará no desenvolvimento do inquérito policial, que, dentre outras características, é presidido pelo delegado de polícia.
O primeiro inciso retro mencionado aduz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Por devido processo legal entende-se a mola mestra de todos os outros direitos, chegando a se confundir com o próprio Estado Democrático de Direito, devendo ser observado em toda a atividade estatal potencialmente apta a atingir o patrimônio jurídico do indivíduo.
Após análise profunda, chega-se à conclusão de que a “privação” inserida nesse inciso se refere a toda e qualquer forma de restrição, seja ela total ou parcial, definitiva ou temporária, hipóteses em que se enquadra o inquérito policial. Se a aplicação do direito ao devido processo legal não sofre restrição, seus direitos derivados, como o contraditório e a ampla defesa tampouco. Não pode mais se conceber a existência de um Estado Democrático de Direito, no qual exista ainda alguma seara (inquérito policial) que padece da cobertura do manto constitucional com todas as suas garantias inerentes.
Uma interpretação desses incisos da Constituição de forma extensiva não é uma hipótese irreal, inconcebível dentro do ordenamento jurídico pátrio. Pelo contrário: configura-se na melhor solução ao dilema enfrentado.
Trata o presente estudo à cerca do Inquérito Policial, seu conceito por alguns doutrinadores, suas características e a importância para a persecução penal.
Desta feita, dispõe o artigo 4º do Código de Processo Penal: “Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
Uma vez iniciada as investigações do inquérito policial (art. 5º CPP), seja através de portaria administrativa do Delegado de Polícia, agindo de ofício ou através de requisição do membro do Ministério Público, chegará determinado momento que o Delegado de Polícia terá que enviar estes autos ao titular da ação penal.
O Inquérito Policial, segundo Eugênio Pacelli de Oliveira[18] ,
“Como regra é a iniciativa da ação penal a cargo do Estado, também a fase pré-processual penal e nos crimes comuns. É atribuída a órgãos estatais, competindo às autoridades administrativas, excepcionalmente, quando expressamente autorizada por lei e no exercício de suas funções, e a Policia Judiciária, como regra, o esclarecimento das infrações penais”.
O inquérito policial pode ser definido como o conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade de uma infração penal.
Neste sentido, ensina Fernando Capez[19], “É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.
Assim, o inquérito policial tem como principal objetivo a busca de indícios de autoria e de materialidade, a fim de que seja, então, remetido ao Representante do Ministério Público para que promova ou não a denúncia.
Como se observa, segundo Pacelli[20], “o inquérito não é, absolutamente indispensável à propositura da ação penal, podendo a acusação formar o seu convencimento a partir de quaisquer outros elementos probatórios”.
Denota-se, por outro lado que no inquérito policial, não há acusação nem defesa, somente levantamento de fatos para uma possível denúncia / queixa-crime posterior.
Por ser o inquérito policial um documento informativo, isto é, um instrumento para que seja levada a “notitia” ao membro do Ministério Público (ou ofendido) para a propositura da ação penal cabível, e levando em consideração o valor probatório relativo desta peça inquisitiva, fica claro que estas diligências policiais investigativas servem somente para informar o titular da ação penal de que houve uma infração penal e que tal sujeito é o indiciado como autor do crime.
Neste contexto, merece destaque a posição de Rovégno[21] sobre o assunto,
“É o expediente escrito, produzido pelo órgão de polícia judiciária competente, onde são reunidas e documentadas todas as diligências levadas a efeito (e todos os resultados encontrados nessas diligências) durante a tarefa de esclarecer as circunstâncias de um fato que se apresentou inicialmente com a aparência de ilícito penal passível de sancionamento, confirmando ou informando essa aparência inicial e, esclarecendo, se possível, na hipótese confirmatória, a autoria da conduta.”
Define-se o sistema processual brasileiro como sistema acusatório misto, ou seja, é formado por duas fases, uma inquisitorial, que caracteriza o momento da investigação, e outra acusatória.
A corroborar com esse entendimento, Guilherme de Souza Nucci[22] assim define inquérito policial:
“O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e de sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que o inquérito serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada”.
Percebe-se que todas as conceituações apresentadas trazem a sua contribuição para definir o que seja o inquérito policial, instituto tão caro à busca do Estado de Direito, principalmente no que diz respeito à área penal e processual penal.
As características de um instituto também são relevantes na sua identificação. Dessa forma, segundo Paulo Rangel[23], o inquérito policial é inquisitorial, formal, sistemático, unidirecional, discricionário e sigiloso.
Pelo fato de todo o poder de direção do inquérito estar nas mãos da autoridade policial, que pode iniciar as investigações da forma que julgar conveniente, sem regras determinadas, diz-se que o inquérito policial é inquisitorial. A formalidade do inquérito decorre do Código de Processo Penal que exige que as peças sejam escritas e assinadas pela autoridade policial.
A terceira particularidade do inquérito policial é o fato de ser sistemático, ou seja, as peças devem ser juntadas aos autos obedecendo uma sequência lógica de modo à facilitar a compreensão dos fatos lá organizados como um todo.
A exigência de que a autoridade policial não faça um juízo de valor ao longo das investigações no inquérito policial deriva da sua característica de ser unidirecional, ou seja, o objetivo precípuo do inquérito é de apurar as infrações penais supostamente cometidas.
O inquérito policial é também discricionário, porque a autoridade policial, ao iniciar uma investigação, não está presa a nenhum tipo de formalidade determinada anteriormente, o que não se confunde com arbitrariedade, pois a autoridade não pode atuar movida por motivos pessoais sem qualquer respaldo em lei.
E por fim, o sigilo do inquérito é de suma importância, na medida em que for necessário para esclarecer os fatos ou por interesse público.
De acordo com previsão do Código de Processo Penal e de entendimento doutrinário representado por Guilherme Nucci, o inquérito policial pode ser instaurado de seis distintas formas, quais sejam: de ofício, por provocação do ofendido, por delação de terceiro (delatio criminis), por requisição de autoridade competente, pela lavratura do auto de prisão em flagrante e pela notitia criminis.
Primeiramente, o inquérito pode ser iniciado de ofício quando a própria autoridade policial toma conhecimento da prática da infração penal, que seja de ação penal pública incondicionada, e instaura o inquérito policial objetivando apurá-la.
De modo diverso ocorre quando o ofendido informa à autoridade policial a lesão ocorrida no seu bem jurídico protestando pela sua pronta atuação.
Já quando outra pessoa leva até a autoridade policial a informação de ocorrência de alguma infração penal de iniciativa do Ministério Público, é chamada de iniciativa por delação de terceiro, delatio criminis.
A autoridade competente, o juiz, o promotor ou o procurador da república, também podem exigir que se inicie o inquérito policial se entenderem que existem provas suficientes para tanto, sendo assim, espécie de instauração do inquérito por requisição da autoridade competente.
Quando o agente for preso por alguma das situações descritas no artigo 302 do Código de Processo Penal, ou seja, quando for preso em flagrante, o inquérito policial se iniciará pela lavratura do auto de prisão em flagrante.
E por último, o inquérito policial poderá ser iniciado pela notitia criminis, que é quando a autoridade policial, por meio de sua própria investigação, toma ciência da infração penal, quando ela é levada pela vítima ou quando é requisitada pela autoridade competente.
Sendo assim, assevera Nucci[24] nas ações públicas condicionadas e nas ações privadas há a obrigatoriedade de provocação do ofendido, na forma de representação ou requerimento, respectivamente.
Registra-se neste momento, que a princípio, o inquérito policial tem natureza complexa, porque nele são praticados atos de distintas naturezas administrativas, judiciais e jurisdicionais.
Assim, o inquérito policial tem como principal objetivo a busca de indícios de autoria e de materialidade, a fim de que seja, então, remetido ao Representante do Ministério Público para que promova ou não a denúncia.
Conforme conceitua Fernando da Costa Tourinho Filho[25],
“O inquérito visa à apuração da existência de infração penal e a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato criminoso. (…) Apurar a autoria significa que a Autoridade Policial deve desenvolver a necessária atividade visando descobrir, conhecer a verdadeira autoria do fato infringente da norma. Porquanto, não se sabendo quem o teria cometido, não se poderá promover a ação penal.”
Nesse diapasão, entende Paulo Rangel[26] que a natureza jurídica do inquérito policial “é de um procedimento de índole meramente administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal.”
No entendimento de Caio Sérgio Paz de Barros[27],
“O inquérito policial é um procedimento jurisdicionalizado, porque está sob o controle do juiz de direito e porque as autoridades oficiam sem interesse próprio e sob a égide do juiz de direito. É procedimento porque se concretiza na sucessão de atos concatenados, sem disposição – prévia e legalmente – estabelecida, bem como não desencadeado (o procedimento) por meio da ação.”
Destarte, preceitua Rovégno[28],
“O inquérito policial compõe-se de um conjunto de atos, administrativos e jurisdicionais, os primeiros essenciais (alguns deles obrigatórios) e os segundos eventuais e acessórios, reunidos numa única pasta, em razão de comungarem da mesma finalidade: apurar a verdade sobre um fato aparentemente criminoso.”
Tendo em vista os posicionamentos supra citados, assim sendo, o jus acucusationis não se opera nessa fase uma vez que a acusação formal só se dará quando oferecida a denuncia ou a queixa, não ocorrendo nenhuma ofensa a defesa do acusado a ausência do contraditório no inquérito, pois é uma peça meramente informativa em que não há acusação formal.
Outro ponto que merece ser destacado é que o processo é a síntese (somatório) dos atos que lhe dão corpo e da relação entre eles (procedimento), juntamente com as relações jurídicas entre os seus sujeitos (relação jurídica processual), tendo, portanto, o inquérito, natureza jurídica processual, visto que possui procedimento próprio previsto no Código de Processo Penal e relação jurídica entre o Estado, representado pela figura da autoridade policial, e o indiciado[29].
A identificação correta acerca da natureza jurídica do inquérito policial servirá para delimitar a incidência ou não de certos princípios constitucionais, mais especificamente do princípio do contraditório.
Neste tópico da presente pesquisa, insta salientar a importância que possui a qualidade da prova no inquérito policial, servindo como elemento fundamental para o desenvolvimento das investigações e de suporte para a consequente instauração de instrução probatória em uma possível ação penal. A investigação não pode ser maculada por nenhum vício que, futuramente, enseje uma nulidade processual e ponha a perder todo um trabalho de perquirição anterior à ação penal e durante o seu trâmite.
Segundo Rangel[30]
“A valoração dos elementos colhidos na fase do inquérito somente poderá ser feita se em conjunto com as provas colhidas no curso do processo judicial, pois, sendo o inquérito, meramente, um procedimento administrativo, de característica inquisitorial, tudo o que nele for apurado deve ser corroborado em juízo”.
A doutrina majoritária entende ser inadmissível a condenação do réu com base apenas nas provas derivadas da investigação na fase do inquérito policial, pois que fora colhida sem a participação do indiciado, devendo, ao ser utilizada na fase processual, ser corroborada por provas produzidas naquele momento.
Já foi dito em momentos anteriores que, a prova obtida por meios ilícitos é inadmitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, previsão constitucionalmente defendida. A exceção é se a prova ilícita/ilegítima, for utilizada para favorecer o acusado, quando produzida por ele mesmo, hipótese em que transformar-se-á em legítima defesa e excluirá a ilicitude e o crime, por consequência.
Destaca o autor Mirabete[31] que,
“Para que a prova seja produzida com qualidade e posteriormente não prejudique o andamento do processo penal, se for o caso, alguns princípios devem ser observados, quais sejam: o da auto-responsabilidade das partes, a audiência contraditória, o da aquisição ou comunhão, oralidade, publicidade e livre convencimento motivado.”
O exame de corpo de delito e perícias em geral podem ser realizadas na fase do inquérito, o que é até mais provável dada a necessidade de se colher vestígios o mais rápido possível. A perícia pode ser determinada por autoridade policial logo que chegar até o seu conhecimento a prática da infração penal, de acordo com o artigo 6º, VII, CPP, ou até a conclusão do inquérito. Esse é um exemplo de prova de suma importância que, se realizada infringindo qualquer garantia constitucional, poderá resultar em um processo penal viciado, dada a má qualidade probatória, quanto ao seu aspecto formal.
A prova pode se materializar por diversos meios e pode possuir diversas funções, sendo a principal, ainda, o convencimento do magistrado, a busca pela verdade, mas esses objetivos só ganham corpo à medida em que forem produzidos mediante observância legal, ainda que em fase “pré-processual”, no intuito de fortalecer os mecanismos de controle dos resultados que gerará no processo.
Como esclarece Leonardo Greco[32], como instrumento da verdade é que a prova vai cumprir sua função social, dar segurança às relações sociais e comerciais, prevenir e evitar litígios e delitos e servir de garantia aos direitos subjetivos. O autor assim se manifesta:
“A descoberta da verdade é o adequado elemento funcional do conceito de prova, como pressuposto de realização da justiça e da tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos. Os obstáculos à realização desse objetivo devem ser, sempre que possível, removidos e as dificuldades em alcançá-los não devem atirar-nos no ceticismo ou na falácia de soluções redutoras, como as da verdade formal, do julgamento fortemente influenciado por presunções ou por valorações probatórias aprioristicamente estabelecidas.”
É de se observar, pois, que a prova é o instrumento básico fundamental para garantia do desenvolvimento processual justo, seja ele de qualquer espécie, penal, civil, administrativa, pois o que se busca é dar respaldo suficiente ao juiz da causa para que o mesmo possa proferir a sentença de mérito sem qualquer vicio, daí conclui-se ser a prova o “coração do processo”.
Independentemente das divergências doutrinárias quanto a ser o inquérito policial processo ou procedimento, não se nega a exigibilidade do contraditório na sua formação, e não só dele, mas de todas as regras norteadoras do processo penal, tais como: oficialidade, verdade real, ampla defesa, indisponibilidade, dentre outros.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, inciso LV, dispõe que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Mais a frente, também no artigo referente aos direitos e garantias individuais, o legislador constituinte assegura ao preso a assistência de advogado (art. 5º, inciso LXIII).
De modo que, o indiciado não pode ser considerado objeto da investigação, mas sim sujeito de direitos constitucionalmente garantidos que prevalecem na seara do inquérito policial.
Destaca-se o posicionamento de Barros[33] ,
“Aqueles que suscitam a hipótese de ausência do contraditório firmam a sua opinião sob o argumento de que no inquérito policial as perquirições são de natureza jurídica administrativa, “sem acusação formalizada”, de modo que a ausência do contraditório não traria danos ao imputado.”
O princípio do devido processo legal, já abordado em momentos anteriores, é garantia constitucional, artigo 5º, inciso LIV da CF/88, é direito fundamental, e deve estar presente para que seja assegurada a validade do processo. Como aduz Geraldo Brindeiro[34], “o devido processo legal não visa questionar o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim assegurar o direito a um processo regular e justo”.
Esse princípio vem sempre associado ao princípio do contraditório, e ambos são assegurados aos litigantes em processo judicial ou administrativo.
Fundamentado no artigo 125, I do Código de Processo Civil, registra-se as palavras de Nery Júnior[35],
“Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis. O princípio do contraditório é manifestação do Estado de Direito, da igualdade partes e do direito de ação e, consequentemente, do direito de defesa, de forma que não sendo observado esse princípio corolário do direito, se configurará cerceamento de defesa, causa de anulação do procedimento ou processo”.
Segundo Caio Sérgio Paz de Barros[36] o inquérito policial é “procedimento jurisdicionalizado, investigativo, inquisitivo, e, mediante a necessária observância do contraditório (…)”.
Nesse sentido, cita-se o entendimento de Paulo Rangel[37],
“Desnecessário o contraditório por três razões: primeiro, por ser um procedimento administrativo; segundo, porque os atos administrativos possuem atributos que lhes são próprios; e terceiro, em não havendo acusação, mas sim mera investigação dos fatos, o indiciado não precisaria se defender, utilizar-se do contraditório, que somente teria lugar se deflagrado processo judicial.”
Todavia, se o Supremo Tribunal Federal já entendeu, julgando o RE nº.201.819-8[38], que os direitos fundamentais devem ser respeitados na esfera privada, subentende-se que, com maior força, devem ser respeitados judicial e administrativamente.
Nesse sentido, o processo deve ser visto como a busca pelo justo, de maneira democrática, seja em que ambiente for, desde que se busque a solução de pretensões relativas a direitos resistidos ou não, principalmente em se tratando de direitos fundamentais[39].
Sendo assim, não se pode cogitar a ausência do contraditório na perquirição penal, sendo que, até mesmo o Supremo Tribunal Federal, tem aceitado a efetividade do referido princípio nas relações privadas onde se encontra ausente a figura do Estado, – conforme corroborado pelos julgados abaixo – que dirá no inquérito policial, onde a presença do Estado é intensa, representada nas autoridades policiais que exercem o jus puniendi em nome do Estado.
Outra decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que esclarece o tema referente à existência do contraditório no inquérito policial, é a decisão proferida pelo Ministro Relator Gilmar Mendes, em sede do HC 92.599-5/BA[40], em que o STF reconhece o direito ao contraditório no inquérito policial e, mais do que isso, reconhece a existência do contraditório fora dele, em qualquer procedimento investigatório, ainda que privado, devendo-se garantir a aplicabilidade dos princípios constitucionais fundamentais, como demonstra também a decisão anteriormente citada.
O Habeas Corpus em tela questiona decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça que indefere pedido de juntada de laudo pericial ao inquérito policial sob a alegação de não ser necessária tal defesa em vista de ser o mesmo mero “procedimento investigatório e inquisitorial não envolto pelo contraditório”. Todavia, ao chegar essa demanda ao STF, a Corte máxima do país entendeu por assegurar a amplitude do direito de defesa, mesmo que em sede de inquéritos policiais, respaldando a tendência interpretativa de garantir aos investigados a máxima efetividade constitucional no que concerne à proteção dos direitos fundamentais (art. 5º, incisos LIV e LV).
Nesse ínterim, o STF recentemente aprovou com nove votos favoráveis, a súmula vinculante nº.14, que assim expressa:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
A súmula vinculante, com o conteúdo proposto, qualifica-se como um eficaz instrumento de preservação de direitos fundamentais, afirmou Celso de Mello. Percebe-se nitidamente, que o objetivo intentado pela súmula foi o de tornar mais efetivo direitos e garantias individuais, mais especificamente a publicidade e, por consequência, o direito ao contraditório, uma vez que dando amplo acesso ao advogado para que conheça os elementos de prova já colacionados ao inquérito policial permite a ampla defesa e consequentemente o exercício do contraditório dos direitos do indiciado.
No mesmo sentido, assevera a Lei nº.8.906 de 1994, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 7º, inciso XIV que é direito do advogado “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.
Com a edição da Lei nº.10.792/03, foi inserido no interrogatório judicial a figura do advogado, precedente que dá respaldo para que o advogado também esteja presente quando da oitiva do indiciado pela autoridade policial, como determina o artigo 6º, inciso V do CPP, de que essa oitiva deverá seguir os moldes do interrogatório policial, medidas que implicitamente confirmam a necessidade de defesa, igualmente do indiciado no inquérito e do acusado no processo, impedindo a violação do princípio do contraditório. Guilherme de Souza Nucci[41], assim obtempera:
“Conjugando-se o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, associado à presunção de inocência, bem como ao direito constitucional ao silêncio, tem-se que o interrogatório do indiciado, na fase policial, longe do contraditório e despido de ampla defesa, pois não há necessidade da presença do advogado, (grifos nossos) deve revestir-se de toda lisura a ser realizado pela autoridade policial somente se o investigado desejar colaborar. Por outro lado, não devemos olvidar que há dois preceitos constitucionais que consagram esses princípios: o preso tem direito de ter assistência de advogado, quando detido (art. 5º, LXII, CF), bem como o de ter identificado o responsável por sua prisão ou interrogatório policial (art. 5º, LXIV,CF). As cautelas impostas devem-se ao controle de legalidade da prisão e à apuração da responsabilidade criminal como determina a lei.”
Muitos autores justificam a ausência de contraditório no inquérito policial por inexistir acusado na fase de investigação criminal e pelo fato do inquérito possuir natureza inquisitiva, não comportando defesa que, segundo muitos, deve dirigir-se àquele que pode decidir sobre algo, como por exemplo o juiz, e não à autoridade policial. Desse modo, a possibilidade de defesa no inquérito só o tornaria conturbado, causando sérios gravames à futura relação processual penal.
Na perspectiva de José Frederico Marques[42],
“Não se deve tolerar um inquérito contraditório, sob pena de fracassarem as investigações policiais, sempre que surja um caso de difícil elucidação. Infelizmente, a demagogia forense tem procurado adulterar, a todo custo, o caráter inquisitivo da investigação, o que consegue sempre que encontra autoridades fracas e pusilânimes. Por outro lado, a ignorância e o descaso relativos aos institutos de processo penal contribuem, também, decisivamente, para tentativas dessa ordem.”
Existem ainda, segundo André Rovégno[43], os posicionamentos intermediários como o de Antonio Scarance Fernandes, que,
“Não acredita que se deva respeitar o contraditório no inquérito, por ser fase investigativa, mas acena com a possibilidade de defesa, não ampla, mas limitada ao resguardo dos interesses mais relevantes do suspeito.”
A confusão conceitual entre processo e procedimento não é novidade na doutrina pátria, de modo que o legislador pode muito bem ter confundido os conceitos e ter dito menos do que desejava, restringindo a aplicação dessas garantias.
O Supremo Tribunal Federal, já em 1981, proferiu decisão em Habeas Corpus confirmando a incidência da garantia da ampla defesa no inquérito policial, e o Tribunal Regional Federal afirmou que o contraditório e a ampla defesa deveriam existir no inquérito policial, sendo ele uma espécie de processo administrativo.
Questão importante que concerne ressaltar neste contexto é a promulgação da Lei 11.690 de julho de 2008, onde o art. 1º. deu nova redação ao artigo 155 do Código de Processo Penal, in verbis,
“Art. 155 – O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”
Desta feita, torna-se explícita a vedação da condenação baseada em provas exclusivas do Inquérito Policial, tendo como exceção as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas.
Merece registro as considerações de Andrey Mendonça[44], onde pontua que,
“A referida alteração consubstancia-se com o princípio do contraditório, previsto no art. 5º. , LV, da CF/88. Não veda a fundamentação das sentenças, pelo magistrado, baseadas nas provas do inquérito policial, contudo, veda a fundamentação exclusiva em tais provas.”
Neste contexto, o que se observa é que o fundamento de não utilização das provas repetíveis, colhidas no inquérito policial, sem a ausência de contraditório, ressalta que as provas colhidas na fase investigatória devem ser obtidas com a oportunidade de contraditório para o indiciado.
Pós-Doutorado em Direito na Universidade de Coimbra – PT
Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho com
Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho
Pós-Graduado em Direito Processual pela Universidade Gama Filho
Professor e Coordenador de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Lato e Stricto Sensu
Membro Efetivo das Comissões Permanentes de Direito Processual Civil e Direito da Integração do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB
Advogado
Graduado em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora – MG
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