Questões contemporâneas do processo civil brasileiro

Sem dúvida, os princípios constitucionais[1] representam o tema central do direito brasileiro atual. Muitas monografias, artigos, coletâneas, teses e dissertações, além de seminários e cursos promoveram uma autêntica dissecação doutrinária, normativa e mesmo jurisprudencial.

Nenhuma seara jurídica escapou da pujança conformadora e integradora dos princípios, que cada vez mais galgam aplicação aos casos concretos principalmente no tocante ao Direito Constitucional, Direito Processual Civil e Direito Administrativo.

Vivenciamos felizmente, o movimento cultural e científico que se encaminha para os princípios jurídicos e desatam os impasses do positivismo exacerbado.

Os princípios constitucionais regem o Estado[2] Democrático de Direito e toda a trama principiológica envolve as mais variadas atividades jurídico-administrativas e faz surgir curiosas questões que exigem uma reflexão constante.

Em verdade, os princípios constitucionais são multifuncionais e desempenham vários papéis dentro da ordem jurídica, com caráter vinculante com relação às ações dos poderes públicos e dos poderes privados.

Em seu caráter multifuncional podemos identificar três distintos pontos e paradoxalmente convergentes:

a)    São paramétricos, servem para mensurar a validade ou invalidade de sentenças, atos judiciais, administrativos e privados e reúnem os comandos normativos que servem de fundamentação jurídica aos pedidos;

 

b)    São vetores interpretativos de normas e fatos, aplicáveis em normas constitucionais, infraconstitucionais e impõem ao intérprete, ao lidar com problemas jurídicos concretos, aporte à solução mais coerente com o mandamento principiológico. Nas sentenças localizam-se os princípios no capítulo da fundamentação, nas petições iniciais o arrazoado que explicita a causa de pedir;

 

c)    São supressores de lacunas normativas, presentes na ordem jurídica e, os princípios correspondem ao mais antigo método de integração de legislação (ex vi o art. 5º, LICC e art. 127 do CPC).

É inescapável a força vinculante dos princípios constitucionais pois todos devem se submeter aos seus ditames, conforme seu grau de densidade de cada norma constitucional[3].

De qualquer forma, a Constituição seja federal ou estadual (ou municipal) contém a complexa trama de princípios que são peculiares do Direito Constitucional e muitos outros que se espalham por tantos outros ramos jurídicos.

De maneira que podemos classificá-los de princípios constitucionais gerais e específicos (ou setoriais). Dentro da teoria jurídica contemporânea[4] os princípios são considerados normas jurídicas de impositividade e vinculação. E quando peneiram da textura das Constituições Federais, tais princípios galgarem o mais alto escalão normativo e servem de fundamento da sistemática jurídica.

A balizada doutrina ainda reconhece a existência de princípios implícitos que convivem harmoniosamente com os princípios expressos e, ambos com idêntica dignidade jurídica, vinculando de igual forma as pessoas as pessoas e entes.

Por vezes apesar de ser implícito constitucionalmente[5], o mesmo princípio vem galgar forma expressa noutros níveis legislativos como o estadual e o municipal.

Portanto, até mesmo as legislações infraconstitucionais, podem densificar ou alongar o tentáculo normativo do princípio constitucional, e isso tem acontecido muito amiúde no Direito Administrativo.

Os princípios constitucionais condensam uma ordem jurídica e reúnem os principais valores políticos sociais e econômicos encampados pelo Direito em função ordenadora do Estado e da sociedade.

Uma vez incorporados à ordem jurídico-constitucional efetivam as aspirações políticas, ideológicas e filosóficas dentro do aspecto normativo do Estado.

O Estado contemporâneo[6] é peculiar pois em sua atividade administrativa é essencial para realização de seus fins e, em especial, os fins sociais e políticos.

Cogita-se, por isso, entre outras razões, do protagonismo da administração na realização da Constituição[7] em especial no tocante aos direitos fundamentais sociais.

O Estado Democrático de Direito dá maior concretude aos princípios assim, o juiz, o administrador, o legislador e os particulares devem atender aos imperativos dos princípios que correspondam às máximas de otimização de valores constitucionais.

Entre tantos princípios, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana e, recomendo a leitura do artigo de minha lavra e da professora Denise Heuseler, sob o título “Ótica contemporânea do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” acessível em http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-constitucional/181170-a-otica-contemporanea-do-principio-da-dignidade-humana.html.

A arquitetura jurídica do Estado de Direito possui o subsistema contendo uma necessária abertura para novas questões que restam imprevistas nas regras legais e constitucionais que exigem para razoável compreensão, interpretação e aplicação dos princípios constitucionais principalmente para resolver o déficit de legitimidade e justiça em situações que seriam incontornáveis senão fossem os comandos dos princípios para que realizem na melhor forma que possível a composição da lide.

No Estado Democrático de Direito[8], o segredo na atividade administrativa, a arcana imperii, é repudiada pelo princípio da publicidade dos atos administrativos, a discriminação injusta e abusiva, vem sendo condenados em face da incidência do princípio da impessoalidade, e inúmeros outros princípios que caracterizam do Estado Democrático de Direito em nível jurídico-constitucional-administrativo.

Esses princípios, entre outros, endereçam-se ao objeto precípuo do constitucionalismo, que é o controle do poder político, do atuar administrativo em face dos direitos da pessoa, especialmente as desprovidas de posses e recursos materiais suficientes à sua subsistência e de sua família.

O controle do poder[9] visa impedir as injustiças e compeli-lo a realizar o justo[10] é a aspiração do Direito Constitucional e o Direito Administrativo da atualidade, revelando-se pelos princípios que condensam os direitos fundamentais de defesa, ou direitos fundamentais as prestações.

Os princípios constitucionais possuem o nobre papel em especial os jus-administrativos de promover ou conter a ação administrativa e potencializar o atuar das regras, por meio da interpretação.

Visam dar transparência, confiabilidade, eficiência, segurança e legitimidade nas relações entre o Estado e a pessoa humana, entre a autoridade e a liberdade[11], entre as normas de competência estatal e as normas de direitos fundamentais.

Podemos expor o núcleo dos princípios jus-administrativos em três níveis: a) os princípios constitucionais fundamentais; b) os princípios constitucionais gerais; c) os princípios constitucionais específicos ou setoriais.

Para Luís Roberto Barroso os princípios fundamentais são aqueles que contêm decisões políticas estruturais do Estado[12], sumarizam todas as demais normas constitucionais, e para os quais estas podem ser direta ou indiretamente reconduzidas ou desdobradas como deduções analíticas das normas matrizes.

Nestes princípios está consubstanciada a opção política entre Estado unitário e federação, república ou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo, regime democrático.

Destacam-se os seguintes princípios: republicano (art.1º, caput da CF/1988); princípio federativo (art. 1º, caput do mesmo diploma legal); princípio do Estado Democrático de Direito, princípio da separação de poderes (art. 2º), princípio presidencialista (art. 76) e o princípio da livre iniciativa (art.1º, inciso IV).

Embora os princípios gerais não integrem o núcleo de decisão política formadora do Estado, são relevantes especificações dos princípios fundamentais. Estes possuem menor grau de abstração e, enseja, em muitos casos, a tutela imediata das situações jurídicas que contemplam.

São exemplos: os princípios da legalidade, da isonomia e do juiz natural. Já os princípios gerais continuam e são: princípio da autonomia estadual e municipal (art. 18); do acesso ao Judiciário da irretroatividade das leis e do devido processo legal.

Os princípios setoriais presidem específico conjunto de normas afetas a certo tema, capítulo ou título da Constituição. Irradiam-se limitadamente, mas em seu âmbito de atuação são supremos.

Por vezes, representam mero detalhamento dos princípios gerais como os princípios da legalidade tributária ou da legalidade penal. Outras vezes, são autônomos, como o princípio da anterioridade em matéria tributária ou do concurso público em matéria de administração pública.

Entre os princípios fundamentais os mais importantes para as atividades jus-administrativas são o princípio republicano e o do Estado Democrático de Direito[13].

O princípio republicano impõe que se entenda a administração pública como instituição que tem por fim atender as necessidades do povo, que elegeu representantes (o chefe do Executivo, o chefe da Administração Pública, em nosso sistema presidencialista), o que implica na periodicidade de mandatos, a realizações das eleições gerais para escolha dos governantes, o exercício do sufrágio universal, direto e secreto; implica a responsabilidade penal, civil, administrativa e política dos gestores públicos de todas as qualidades, sejam agentes políticos ou administrativos; o respeito às liberdades públicas, ou melhor, ao conjunto de direitos fundamentais pertinentes ao homem.

Sua larga abertura e baixa densidade permite que seja compreendido em consonância com princípios constitucionais gerais (legalidade, igualdade, responsabilidade dos agentes públicos por seus atos e, etc…) e setoriais como a legalidade administrativa, impessoalidade, moralidade e, outros princípios de maior densidade.

O princípio do Estado democrático de Direito[14] exige que otimize o controle sobre a administração pública, sobre o poder público e se maximizem os direitos fundamentais da pessoa humana, padrões de conduta material para os gestores e para as instituições administrativo-públicas.

Tal princípio exige que a administração prossiga seus fins públicos orientados por um dos grandes princípios capitais, o que é decorrência axiológica do Estado de Direito: o princípio da dignidade da pessoa humana.

A personalização ou repersonalização do Direito com a refundamentação do conceito de interesse público exigem o olhar atento e perspicaz dos juristas e aplicadores do Direito.

Desta forma, o princípio republicano e do Estado Democrático do Direito são peças fundamentais à compreensão do núcleo de princípios pertinentes às atividades jus-administrativas.

Todos os princípios gerais e os setoriais constitucionais devem, ao serem interpretados, e aplicados, atender aos conteúdos, aos comandos, as otimizações (maximazões) demandadas destes dois princípios fundamentais e seus consectários.

Muitos princípios constitucionais gerais convergem para explicar suas pertinências temático-normativas com núcleo principiológico. Entre os princípios gerais podemos destacar os princípios de legalidade/liberdade[15], princípio razoabilidade, do contraditório, do devido processo legal, da ampla defesa, princípio do juiz e do promotor natural.

O princípio contido no art. 5º, inciso II da CF/1988 (da legalidade/liberdade) na esfera das liberdades da pessoa se opere por meio da lei.

Sendo a lei definida como ato jurídico-político votado pelo povo, por meio de seus representantes (desdobramento do princípio republicano).

É a lei que define as competências da administração pública, o tempo de seu mandato, as condições de validade do exercício do poder administrativo, seus controles, as faculdades e poderes dos cidadãos sobe os quais incidem os poderes da administração.

Enfim, é a lei que regula a relação entre a liberdade[16] e a autoridade, entre o individual e o social, entre a autonomia do cidadão e o círculo de atividades administrativo-públicas.

O princípio da razoabilidade encontra-se implícito no art. 5º, LIV da CF/1988 e, repisado na lei federal 9.784/1999 (art. 2º, parágrafo único, inciso VI) e é bem expressa na “adequação entre os meios e fins”, vedada a imposição de restrições, sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias do atendimento do interesse público.

Concluímos que todos os atos jurídicos-públicos irrazoáveis são atos inconstitucionais, ilegais, inválidos, atos suscetíveis de desconstituição por imposição dos efeitos de nulidade.

O princípio do devido processo legal conforme sua matriz norte-americana tem sua dimensão objetiva e sua dimensão subjetiva, ou seja, um material e outra processual.

Entre nós, de certo forma, a dimensão substancial vem mediada por reflexões que se ocupam dos princípios da razoabilidade e dos princípios da proporcionalidade.

No Brasil[17] a dimensão adjetiva ganhou maior aceitação que se ocupa da garantia da legalidade do procedimento, do justo processo[18], é um “princípio-mãe” e mediador do conflito entre liberdade e autoridade, regulando o jogo de poder desenvolvido pelas atividades estatais.

O juiz, o promotor, o defensor, o advogado, o administrador e o legislador estão vinculados aos processos que a ordem constitucional[19] e a infraconstitucional traçaram para o exercício de suas atribuições e competências.

É a garantia fundamental dos indivíduos, cabe ainda enaltecer o caráter fragmentário e aberto da Constituição Federal, daí a auto-aplicabilidade de algumas garantias constitucionais.

Ressalte-se que o due process of law administrativo tem peculiaridade não compartilhada com o processo civil, trabalhista ou penal, pois possui competência normativa que se realiza pelos regimentos ou leis.

Assim, a estrutura mínima sempre será dada pela Constituição Federal, mas o desenvolvimento eficaz há de ser desenvolvido pelo legislador ou ente constitucional com competência normativa.

O princípio da segurança jurídica também previsto no art. 5º, XXXVI da CF/1988 impõe que as relações jurídicas, as posições de direito delas decorrentes, se já validamente consolidadas, se fruto da coisa julgado, ato jurídico perfeito ou modificarem-se os efeitos já consolidados.

Reclama igualmente que sejam respeitadas a decadência e a prescrição e, especialmente referente o direito de punir, investigar, aplicar sanções por parte das autoridades.

Como exemplo, elucidativo, apontamos o mandado de injunção que teve sua eficácia tão criticada por sua inicial interpretação que lhe deu o STF.

O princípio da igualdade (inciso I, do art. 5º da CF/1988) impõe que os poderes públicos, na edição das leis gerais e abstratas, na edição de sentenças ou atos administrativos, e trate a todos com igualdade, na medida de suas forças econômicas, culturais e sociais.

Proíbem-se privilégios, discriminações absurdas e impõe tratamento isonômico para tender igualar os desiguais, principal em políticas públicas de caráter social (saúde, educação, lazer e, etc…).

Para sua compreensão há as equiparações requeridas pela ordem jurídica, discriminações autorizadas e outras discriminações vedadas.

Os princípios do contraditório[20] e da ampla defesa (art. 5º, LV da CF/1988) têm (cada um) o seu conteúdo jurídico consagrado como garantias constitucionais, posições processuais, poderiam ser lidos conjuntamente com o princípio do devido processo legal.

Atualmente a Constituição Federal vigente disciplinou-os em dispositivos separados e, assim devem ser tratados por nossos doutrinadores.

Alguns aspectos da ampla defesa[21] no campo do Direito Administrativo merecem destaque, o que permite adição de argumentos e produção de provas, bem como o acompanhamento das produzidas (e o conhecimento prévio delas) pela parte contrária ou pela administração pública. Pode a defesa ser escrita ou oral, pode ser pelo próprio interessado, ou pelo representante legal regularmente constituído.

Deve ser prévia a qualquer ato de decisão, deve ser hábil e forte a ponto de poder influir a uma decisão favorável do postulante ou do defendente.

O princípio constitucional do contraditório impõe que as acusações sejam pormenorizadas que o tempo para defesa seja razoável e integral, exige comunicações prévias à prática dos atos processuais, reclama o debate aberto e honesto sobre todos os pontos de vista, o que propicia o amadurecimento da decisão final contendo correta e honesta fundamentação, imparcial, eficiente, técnica e razoável.

Postula o contraditório[22] tratamento igualitário no processo fornecendo paridade de armas aos litigantes; prioriza-se que atente para eventual hipossuficiência de defesa de algumas das partes, propiciando a intervenção processual igualizadora e humanizada.

Exigindo a comunicando pessoal e presencial dos atos intimatórios aos interessados, não bastando, principalmente em processo de índole sancionatória, a mera publicação editalícia da comunicação.

Os princípios do juiz e do promotor natural sediado no art. 5º, LIII da CF/1988, antes admitidos apenas no processo penal, hoje são aceitos no processo civil e devem também ser bem aceitos no processo administrativo.

Exige que juízo prévio, anterior ao fato, criado e competenciado por lei, processe o caso e o julgue, de acordo com critérios racionais fixados pela ordem de Direito. Exige-se do julgador imparcialidade, equidistância dos interesses em controvérsia.

Outra face do mesmo princípio se revela o princípio constitucional do promotor natural[23], do acusador natural, do deflagrador processual prévio e conhecido de antemão, especialmente em processos administrativos nos quais se exigem a ação, atitude de certas autoridades administrativas.

Lembremos que exigir um julgamento imparcial, uma movimentação acusatória comprometida com interesses legítimos e precípuos do Estado de Direito[24], é promissor em brecar injustiças.

Princípios constitucionais setoriais são aqueles assentados no caput do art. 37 CF/1988 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) além do princípio da motivação dos atos administrativos (princípio implícito) e os princípios da legitimidade da despesa pública e da economicidade.

Tal rol de princípios setoriais não é exaustivo principalmente em face dos grandes aprofundamentos e complexidades dos princípios constitucionais.

É possível que os princípios constitucionais venham a colidir entre si, demandando do intérprete ponderação, onde se verifique possa prevalecer o princípio de maior importância, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas.

Para o manejo dos princípios constitucionais exige não apenas o conhecimento de seu conteúdo e significação mas também da metodologia tendente a compreender quais normas constitucionais possuam maior densidade e concorrem à solução de um único caso.

Pura e simplesmente adotar unilateralmente a posição de apenas um princípio é desconhecer os fins de um sistema normativo aberto, composto de regras e princípios, destinado a realizar as tarefas e as missões do Estado Democrático de Direito, na contemporaneidade.

Muitas vezes, o preconceito, ignorância e até má-fé de alguns operadores desavisados fazem com que um único princípio seja absolutizado derrogando a força de outros de maior importância em face do caso concreto, e mesmo frustrando a aplicação de regras constitucionais ou legais[25].

Os princípios constitucionais seu conhecimento e sua prática são condições sem as quais a hígida, eficiente e legítima atividade administrativa e jurisdicional não se realizará quer seja na república, quer seja no Estado Democrático de Direito.

Construir a dinâmica do processo justo[26] requer um efetivo esforço intelectivo sobre os princípios constitucionais não só do julgador mas sobretudo de todas as esferas do poder constituído do Estado.

 

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Notas:
[1] De tamanha importância tais princípios que vem expressamente citado no atual projeto de novo CPC logo em seu primeiro artigo, in litteris: “Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”.
[2] O Estado moderno ao romper com as estruturas medievais de poder, desenvolveu traços típicos que vão informar a ideia de Estado até os dias presentes. Nesse sentido, há uma unidade de poder concentrada no Estado que vai se sobrepor a todas as demais instãncias.E a figura do Estado é espelhada no soberano, titular de um poder direto, imediato e ilimitado, capaz de concentrar todas as funções que hoje são denominadas legislativas, administrativas e jurisdicionais.
[3] Humberto Dalla Bernardina de Pinho expõe:"agora a hermenêutica passa a sr neoconstitucional, pressupondo que as normas podem assumir a geição de regras ou princípios. As regras devem ser interpretadas de acordo com os princípios. Havendo colisão de regras, usa-se a hermenêutica tradicional. Havendo contraposição de princípios, é preciso recorrer à técnica da ponderação, buscando ou uma composição destes ou a solução que melhor se adeque ao espírito constitucional." (In:PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Os princípios e as garantias fundamentais no Projeto de Código de Processo Civil: breves considerações acerca dos artigos 1º ao 12 do PLS 166/10. Rio de Janeiro, volume VI,p.52 2010. Disponível em: http:/www.redp.com.br/arquivos/redp_6a_edicao.pdf Acesso em 11/12/2013).
[4] A compreensão do processo civil contemporâneo impelo a uma releitura do devido processo legal e das chamadas garantias constitucionais do processo.Desta forma, o devido processo dista em muito de ser um conceito fixo e estático, deixando de ter uma dimensão puramente liberal e garantística e passando a ser informado pelos direitos fundamentais numa perspectiva dinâmica.
[5] A concepção de constituição pode variar conforme a doutrina que a enfoca, assim temos: a) concepções jusnaturalistas: denota a superioridade dos direitos naturais, mormente os direitos fundamentais dos homens; b) concepções positivistas: é uma lei dotada de superioridade hierárquica, não se perquirindo de eventual posição axiológica dentro do ordenamento jurídico. Principais defensores: Laband, Jellinek, Carré de Malberg e Kelsen; c) concepções historicistas: expressa realmente o desenvolvimento histórico-jurídico de um povo, lastreando-se principalmente em seus costumes. Principais defensores: Burke, De Maistre e Gierke; d) concepções sociológicas: é documento que organiza e disciplina os fatores reais de poder, bem como suas interações recíprocas. Principais defensores: Lassalle, Sismondi e von Stein; e) concepções marxistas é uma superestrutura jurídica predisposta a ser um instrumento de dominação ideológica da uma classe sobre outra. Principais defensores: Marx, Lênin; f) concepções institucionalistas: expressa a organização da sociedade, demonstrando suas idiossincrasias ou suas aspirações institucionais ou políticas. Principais defensores: Hauriou, Renard, Burdeau, Santi Romano e Mortati; g) concepção decisionista: revela uma decisão política fundamental assumida pelo poder constituinte, que acolhe, em si mesma, outras decisões. Principal defensor: Carl Schmitt; h) concepções decorrentes da filosofia dos valores: é uma ordem de valores; estes, por seu turno, teriam existência anterior à própria constituição; a constituição, assim, é um acolhimento jurídico de valores sociais. Principais defensores: Maunz e Bachof; i) concepções estruturalistas: descortina estruturas sociais historicamente situadas, sendo ponto de equilíbrio dessas estruturas. Principais defensores: Spagna Musso e José Afonso da Silva. (IN: CAEIRO, Bárbara de Oliveira Caminha; BARCELOS, Renato de Abreu. Estado e Constituição: A reciprocidade das condicionantes históricas.Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10476&revista_caderno=9  Acesso em: 11/12/2013).
[6] O Estado de direito é um sistema institucional, é uma situação jurídica onde cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até as mais fortes potências públicas. O Estado de direito é baseado pelo respeito a hierarquia das normas, da separação dos poderes e dos fundamentais. Também não se exige que todo o direito esteja escrito. Já o Estado democrático de direito se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, o respeito pelos direitos humanos e das liberdades fundamentais, através do establecimento de uma proteção jurídica. Mesmo as autoridades públicas estão subordinadas ao respeito da regra de direito. O termo "Estado democrático de direito" sintetiza dois conceitos distintos que juntos definem a forma de funcionamento tipicamento assumdio pelo Estado ocidental. O Estado democrático de direito modifica o conteúdo do princípio de legalidade, pois a lei estabelece a igualdade por ter como característica a generalidade, posto que seja regra geral para todos. Já o Estado constitucional de direito assegura a centralidade da pessoa humana e a garantia de seus direitos fundamentais como vínculos estruturais de toda a dinâmica política que implica o princípio democrático. É regido pela supremacia constitucional pois o texto fundamental assume a função de ser a norma conformadora de toda ordem jurídica. Assim caberá ao Judiciário a função de aproximar o modelo normativo existente na constituição da prática efetiva do Estado.
[7] Apesar das variadas teorias que tentam impor a justificação estatal, chegamos aos elementos caracterizadores do Estado que são: povo, poder, território e finalidade. É quase um consenso entre os tratadistas que a finalidade do Estado consista, basicamente, em buscar o bem comum de um povo em certo território.
[8] Quando firmou-se a constituição escrita na Europa e na América, o Estado de Direito já aparece historicamente como Estado Constitucional, no qual toda a lei fica submetida á Constituição, posto que seja a lei maior e o fundamento de toda a ordem jurídica. (In: BARROS, Sergio Resende. Noções sobre Estado Democrático de Direito. Disponível em http://www.srbarros.com.br/pt/nocoes-sobre-estado-democratico-de-direito.cont Acesso em 11/12/2013).
[9] Importante salientar que a fundamentação do Estado de Exceção apresenta-se em contraponto ao Estado Democrático de Direito, enquanto espaço, ou no conceito de campo conforme Carl Schmitt, no qual o Estado Democrático de Direito não se aplica. Ocorre que a noção de campo serviu para a formação dos denominados campos de concentração durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Entretanto, convém lembrar que a expressão não nasceu na prática nazista, mas na formação do território americano, no momento da conquista do oeste, quando nos espaços territoriais de cativeiros indígenas os americanos mantignham os antivos da terra ianque no campo, espaço geográfco onde a Constituição Liberal Americana não vigia. Agamben refere-se ao Estado de exceção como uma tentativa de incluir na ordem jurídica a própria exceção, criando uma zona de indiferenciação em que o fato e o direito coincidem.   (In: OPUSZA, Paulo Ricardo. Agamben e o Estado de Exceção: uma mediação entre o Direito constitucional e o vazio.Disponível em:http://www.uniguacu.edu.br/deriva/Ensaios/docente/AGAMBEN%20E%20O%20ESTADO%20DE%20EXCECAO%20artigo%20Paulo%20Opuszka.pdf Acesso em 11/12/2013).
[10]Quando cogitamos em processo justo é para designar aquele modelo de processo conformado pelos direitos fundamentais, os quais deixam de ser visualizados sob um prisma defensivo, peculiar do Estado Liberal, além de sofrerem todos os influxos do regime jurídico dos direitos fundamentais. Já o contraditório é um verdadeiro direito fundamental do processo civil no Estado Democrático de Direito, ganhando colorido, indo além da simples bilateralidade da audiência. A nova roupagem do contraditório se faz por ser considerado como elemento essencial e fator de legitimação democrática do processo, afastando, imediatamente, a ideia segundo a qual a parte possa ser considerada simples objeto de pronunciamento judicial no iter procedimental.O valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo e da cooperação das partes.
[11] Já o Estado Liberal Clássico passou a ser idealizada na justificação patriomonial ou religiosa de poder, traduzida no governo da vontade discricionária do Príncipe, opõe-se ao governo da razão, da sonberania da vontade geral expressa no Parlamento por meio de normas gerais e abstratas e de direitos fundamentais. A ideia primacial é que o governo deve ser limitado no sentido de que a única forma em que as instituições políticas de uma sociedade podem ser justificadas e para que todos possam viver suas vidas por si mesmos.
[12] De certa forma, o Estado democrático é um plus se comparado apenas com o Estado de Direito. O elemento democrático fora introduzido como um travamento do poder, e apto a gerar a legitimação do poder. Se bem que há de se distinguir a legitimação do direito, dos direitos fundamentais do processo de legitimação do sistema jurídico. Outra coisa, é a legitimação do exercício do poder político. Concluimos então que o Brasil é um Estado de direito e também um Estado democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular.
[13] São fundamentos do Estado Democrático de Direito: a soberania (interna e externa); a cidadania; a dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (que pode ser resumido pelo respeito ao direito de manifestações ideológicas e sua convivência no campo democrático, sem veto ou censuras à liberdade de expressão e de pensamento).
[14] Interesante notar que no atual Estado democrático de direito, a exceção se expressa em seu próprio modelo, quando afinal os direitos fundamentais e garantias de preservação da vida não atingem uma significativa camada da população.
[15] Nesse sentido, referem Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais: "Como liberal, o Estado de Direito sustenta
juridicamente o conteúdo próprio do liberalismo, referendando a limitação da ação estatal e tendo a lei como ordem
geral e abstrata. Por outro lado, a efetividade da normatividade é garantida, genericamente, através da imposição
de uma sanção diante da desconformidade do ato praticado com a hipótese normativa. Transmutado em social,
o Estado de Direito acrescenta à juridicidade liberal um conteúdo social, conectando aquela restrição à atividade
estatal a prestações implementadas pelo Estado. A lei passsa a ser, privilegiadamente, um instrumento de ação
concreta do Estado, tendo como método assecuratório de sua efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela ordem jurídica. Em ambas as situações, todavia, o fi m ultimado é a adaptação à ordem estabelecida"
(STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010, p. 91).
[16] Se o Estado liberal clássico era baseado na limitação dos poderes do Estado como forma de assegurar o desenvolvimento da burguesia e do então incipiente modelo econômico capitalista, a partir da configuração de direitos fundamentais vistos como garantias da autonomia individual. Há evidente ênfase ao Poder Legislativo e uma total subordinação do Poder Judiciário à lei, que espelhava os valores burgueses, o processo civil acabou refletindo essa forma de Estado.
[17] A evolução do antigo Estado de Direito (Liberal ou social) para o Estado Constitucional de Direito representa um avanço jurídico e político extraordinário.
[18] A caracterização do processo como uma espécie de duelo privado é comum a quase todas as legislações processuais liberais, que enfeixam uma série de princípios que dão lugar a um modelo processual típico. Tais princípios foram encampados particularmente pelas duas principais legislações processuais puramente liberais como o Código Napoleônico de 1806 e o Código italiano de 1865. Notamos que não havia muitos procedimentos especiais e pouquíssimos casos de jurisdição voluntária, disciplinados como procedimentos de caráter nitidamente administrativo.
[19] Aliás, Canotilho sustenta que o Estado de Direito é um Estado Constitucional. Pressupõe a existência de uma constituição normativa estruturante da ordem jurídica e vinculativa de todos os poderes públicos. Assim Estado Constitucional é mais do que Estado de Direito.
[20] O direito fundamental ao contraditório é considerado em perspectiva ativa, como verdadeiro direito de influir sobre a elaboração e a formação do convencimento do juiz. O processo, dessa forma, serve às partes, e estas servem ao processo. O contraditório, com efeito, não é só informação, mas, também, participação em toda atividade processual, de maneira que esta seja efetiva e vapaz de influir decisicamente no resultado do processo.
[21] Esse contraditório participativo tende a reduzir o arbítrio judicial além de ser mais obejtivo o controle da motivação da decisão, mais coerente com a teoria da instrumentalidade do processo. Articulando o direito processual segundo os ditames constitucionais estando vinculado a uma visão positivista e dogmática que tende destaca a aplicação da  lei como fonte de direito na resolução da lide.Desta forma o efeito material da revelia deve ser visto como consequência extrema e de excepcional inércia do demandado, sob pena de ofender o princípio da ampla defesa e do contraditório. O STF mesmo apesar das dificuldades, chegou a conclusão de que a revelia determina uma presunção não mais que meramente relativa de que os fatos não impugnados em contestação, cabendo portanto a possibilidade do revele requerer provas desde que oportunamente compareça em juízo.
[22] O contraditório é o princípio que informa que só há relação processual completa e regular após a devida citação do demandado e que toda decisão só exarada depois de ouvidas ambas as partes, lembrando que só afeta aos litigantes.Porém, em meados do século XX o contraditório toma novo corpo, recuperando-se o valor essencial do diálogo judicial, instituindo o princípio da cooperação para formação do comando final, repensando-se na pós-modernidade a ideia de iudicium vigorante até o século XVII, onde se fazia presente, no processo, uma dimensão retórica e bem dialética. Deu-se então maior ativismo do Estado-juiz que deve comandar o processo, promovendo efetivo contraditório, incentivando constante diálogo entre os litigantes, emt odas as fases processuais, convencendo-se melhor, dessa forma, da solução viável a ser definida no caso concreto (justiça) legitimando assim a decisão por insituir a paz social já então construída pelos três integrantes da relação jurídica processual e não apenas ditada ou outorgada arbitrariamente pela figura do julgador, que se põe em posição hierarquicamente superiora aos litigantes.
[23] O princípio do promotor natural é na opinião da maioria dos estudiosos um princípio implícito constitucionalmente. Existem duas visões sobre este: uma mais ampla, que o entende à semelhança do princípio do juiz natural( este sim, expresso na CF/1988 no art. 5º, inciso XXXVII e LII) como uma garantia contra a substituição de um mebro originalmente designado para um processo por outro membro. Já noutra visão mais restrita, que é dominante na doutrina e na jurisprudência, o princípio significa que o membro designado para atuar num processo dele não pode ser retirado arbitrariamente, nem pode haver manipulação na distribuição de processos aos membros do MP. No entanto, há doutrinador que entende que tal princípio não está implícito constitucionalmente. Caso se entenda que o conteúdo dessa norma seria uma impossibiliadde de substituição de um membro natural por outro, isso iria contrariar o princípio (expresso) da indivisibilidade. Por outro lado, se adotar o conceito mais restrito, nada mais se tem do que a proibição do desvio de finalidade, o que é vedado em toda a administração pública (apenas de não existir um princípio do administrador natural).
[24] Jorge Miranda ao apontar o conceito de Estado de Direito escreveu que não é suficiente enumerar, definir, explicitar, assegurar de per si os direitos fundamentais; requer que a organização do poder pol´tiico e toda a organização constitucional estejam orientadas para a sua garantia e a sua promoção. Não basta também afirmar o princípio democrático e procurar a coincidência entre a vontade política do Estado e a vontade popular em qualquer momento, é preciso estabelecer um quadro institucional em que esta vontade se desenvolva em liberddade e em cada cidadão tenha a segurança da previsibilidade do futuro. Não pode haver incompatibilidade entre o elemento subjetivo e o elemento objetivo da COnstituição; que os direitos fundamentais tenham um quadro institucional de crescimento e que a garantia de liberdade se faça mediante a divisão do poder. A síntese desses princípios,o modelo ou ideia em que se traduzem vem a ser o Estado de Direito (In: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: direitos fundamentais. 3.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p 195-196).
[25] É verdade que a possível colisão entre normas e princípios constitucionais tem trazido graves problemas na teoria jurídica contemporânea. Há teorias que negam a própria colisão e prometem resultados prévios, cujo processo de demonstração fica situado num ponto arimediano entre a desvoberta intuittiva e adutodemonstração da hermenêutica. Acontece que o Direito não se move através da mera lógica formal. Conforme afirmam Konrad Hesse e Gadamer, o intérprete não pode atingir o conteúdo de uma norma como que de um ponto arquimédio situado fora da existência histórica, mas apenas em contato com a situação histórica concreta.  Assim se o intérprete deseja realmente conhecer um conteúdo de uma norma, resume Hesse, este deve relacioná-la a um problema concreto. No caso de colisão de princípios, aplica-se a ponderação sopesando qual axiologia é mais relevante diante do caso concreto.
[26] A travessia do Estado de Direito ao Estado Constitucional encontra correspondência na supremacia dos direitos fundamentais em que estes são detentores de posição privilegiada na constituição. Ter um direito fundamental segundo a concepção dos direitos como triunfos significa duas coisas: de um lado, e no que respeita às relações entre o indivíduo e o Estado, significa ter uma posição, juridicamente garantiada, forte, entrincheirada contra particulares, ter um direito fundamental significa também, no mínimo, ter uma particular e concretizada posição de auonomia e liberdade que o Estado de Direito está igualmente vinculado a proteger contra ameaças ou lesões oriundas de terceiros, mesmo quando, ou sobretudo quando, esses terceiros formam uma maiooria ou quando o particular está sujeito, nas relações que estabelece com outros particulares, ao desequilíbrio de uma relação de poder assimétrica.

Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Equipe Âmbito Jurídico

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