Resumo: artigo que analisa o princípio constitucional da razoável duração do processo frente a antecipação de tutela no rito ordinário civil brasileiro. São abordados temas relevantes como a evolução do processo ao longo da história, assim como a adequação do instituto da antecipação da tutela às necessidades contemporâneas de celeridade processual e segurança jurídica.
Palavras-chave: direito – processo – tempo – tutela antecipada.
Abstract: article analyzes the constitutional principle of reasonable duration of proceedings against injunctive relief in the Brazilian civil ordinary rite. Relevant issues are addressed as the process evolves throughout history, as well as the adequacy of the institution of injunctive relief of the needs of contemporary legal certainty and promptness.
Keywords: Law – process – time – injunctive relief.
Sumário: 1. Introdução 2. Aspectos Fundamentais da Atividade Jurisdicional 2.1. O ser humano e os conflitos sociais: as formas de resolução dos conflitos ao longo da história 2.2. A atividade jurisdicional do Estado e seus aspectos constitucionais 2.3. Princípios da jurisdição estatal 2.4. A jurisdição e o processo 2.5. Os escopos da jurisdição 3. A Razoável Duração do Processo e a Antecipação da Tutela 3.1. O tempo do processo e a efetivação dos direitos 3.2. Princípios garantidores da razoável duração do processo 3.3. A antecipação da tutela definitiva no ordenamento jurídico brasileiro 3.4. A atual dinâmica processual brasileira da antecipação da tutela e o tempo de duração do processo 4. Considerações finais 5. Referências Bibliográficas
1. Introdução
No início da civilização humana, e ante a inexistência de um Estado que impusesse uma decisão acima da vontade das partes, os conflitos eram solucionados através da força. Vivia-se, então, a chamada fase da vingança privada, período em que inexistia uma verdadeira aplicação da justiça, senão a vitória do mais forte sobre o mais fraco (CINTRA, 2002, p.21).
A esse método, hoje também denominado autotutela ou ainda autodefesa, sucedeu uma outra forma de solução entre os conflitos, mais dialógica e racional, conhecida atualmente por autocomposição: as partes têm um conflito e para que este chegue a um fim, uma delas, ou ambas, abrem mão de parte do interesse, ou até mesmo dele todo.
Embora ainda existam resíduos desses dois sistemas na contemporaneidade, o passar dos tempos revelou a ineficiência de ambos para a solução de alguns casos, em virtude de se tratarem de meios parciais, onde há o envolvimento da vontade de uma ou de ambas as partes na produção da decisão.
Ainda no período do direito romano arcaico (das origens do direito romano ao século II a.C.), já havia a participação do Estado perante os conflitos entre os indivíduos: os cidadãos com alguma disputa compareciam perante um pretor e se comprometiam a aceitar o que fosse decidido. A participação do Estado nessa composição era tímida, mas foi um avanço nas relações sociais ao limitar o uso da autotutela para a pacificação.
O pensamento de que a arbitrariedade e injustiça das decisões tomadas pelo pretor ao qual as partes se submetiam pudesse comprometer as bases desse sistema de decisões fez com que a autoridade pública começasse a estabelecer algumas regras, a fim de estabelecer critérios mínimos a serem utilizados durante a formação da decisão. Surge, assim, a figura do legislador e, no ano de 450 a. C., a Lei das XII Tábuas (CINTRA, 2002, pp.22/23).
O Estado, após esse período, invade de vez esse campo e passa a ser o responsável pelo conhecimento e solução das controvérsias entre os cidadãos. Ao invés das partes comprometerem-se a aceitar a decisão do pretor, ou a nomear um árbitro para proferir decisões, o Estado passou ele mesmo a solucionar os conflitos e, desde então, há a obrigação das partes submeterem-se a essa decisão.
Assim, por volta do século II a. C., encerrou-se o ciclo de evolução da chamada justiça privada para a chamada justiça pública e nasceu o poder do Estado de substituir as partes para a tomada de decisões, a Jurisdição.
O exercício da Jurisdição se dá através de juízes, legalmente investidos para tanto, e as partes – que via de regra não podem mais agir para a solução do conflito – têm a possibilidade de fazer agir, através da provocação ao Estado, o qual passou a ter a obrigação de dar resposta adequada às demandas que lhes são submetidas.
A partir de então a sociedade cresceu e, com ela, aumentou o número de conflitos submetidos ao poder jurisdicional do Estado. Diversas teorias passaram, então, a explicar esse novo poder estatal e estudar as formas em que ele atuaria frente às demandas que lhe são submetidas.
O processo, enquanto meio pelo qual o direito de acionar a Jurisdição é exercido, cada vez mais assume um caráter formal e seu estudo destaca-se pela busca dos instrumentos possíveis a uma solução justa. Para os processualistas da Modernidade, a rigorosidade da observância das formas estabelecidas em lei para os procedimentos era a segurança que as partes tinham de uma decisão justa. Para os processualistas contemporâneos, a observância estrita dessas formas não é suficiente e há, cada vez mais, a necessidade de adequação dessas formas ao caso concreto para que se dê um provimento justo e correto.
O conhecimento das demandas não se restringe mais a análise dos autos como fontes de informação, que devem seguir rigorosamente o mesmo caminho para se chegar à verdade. O provimento jurisdicional passa por um período em que se destacam diversos fatores envolvidos na espera por essa resposta: a sociedade contemporânea espera que o Judiciário lhe dê a resposta adequada, mas é adequado, também, que essa resposta venha em tempo razoável.
A morosidade do Poder Judiciário é apresentada com fonte de ineficiência dos provimentos jurisdicionais por não dirimir os conflitos sociais com a presteza exigida ou pelo menos em espaço de tempo razoável.
A legislação processual é constantemente apontada como uma das causas do prolongamento do tempo processual, pela riqueza de recursos postos à disposição das partes aliados à cultura de litigiosidade presente na maioria da sociedade.
Ainda na última década do século XX o processo civil brasileiro deu os primeiros passos para a busca da tão almejada celeridade. Quando editado, em 1973, o Código de Processo Civil Brasileiro só previa, como regra, a antecipação da tutela no procedimento cautelar, em seu art. 804, com a redação dada pela lei 5.925 também de 1973.
Havia alguns exemplos de antecipação de tutela satisfativa espalhados em procedimentos especiais, como no Mandado de Segurança, na Ação de Alimentos, nas Ações Possessórias, dentre outros. Durante esse período não se falava sequer em antecipação de tutela, tão somente em liminar (DIDIER JR, 2010).
A partir da necessidade de uma tutela satisfativa no procedimento ordinário e não somente no cautelar, em 1994 acrescentou-se ao Código de Processo Civil o art. 273 (já existente, mas agora com nova redação) e o parágrafo 3° do art. 461. Um marco na época, que inclusive gerou discussão doutrinária acerca da diferença entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, que culminou na conclusão de que a tutela antecipada é gênero do qual a tutela cautelar e espécie.
Pouco tempo depois, em 2002, acrescentou-se o parágrafo 7° ao art. 273 do Código de Processo Civil, que permitiu agora a aplicação de uma tutela antecipada cautelar em um processo não cautelar. Foi criada inclusive uma fungibilidade, que permite a concessão de uma tutela cautelar em um processo onde foi pedido uma tutela satisfativa antecipada.
Por fim, com observância a esse crescente anseio social de celeridade na resposta judicial, incluiu-se no rol dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro a garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), acrescido em dezembro de 2004 com a Emenda Constitucional nº.45.
O processo judicial entra, então, no Século XXI com um primeiro grande desafio a ser enfrentado: a adequação da “tempestividade da tutela jurisdicional com o tempo necessário aos debates entre os litigantes, à investigação probatória e ao amadurecimento da convicção judicial” (MARINONI, 2007, p.11).
As principais reformas com o objetivo de adequar o processo civil contemporâneo a esse novo preceito constitucional foram as leis 11.232/2005 (nova lei de execução civil), 11.441/2007 (que trata do inventario, separação e divórcio extrajudiciais) e 11.672/2008 (que trata do julgamento de recursos repetitivos), além de já tramitar no Congresso Nacional o anteprojeto de um novo Código de Processo Civil.
Dentro desse contexto, nasce um desafio aos juristas brasileiros, como conciliar o tempo do processo com todas as garantias fundamentais de ampla defesa e acesso à Justiça? As formas processuais existentes permitem a coexistência desses princípios? O procedimento civil ordinário, fortalecido ao longo de sua história como o procedimento de cognição plena, em sua forma atual é adequado ao tempo razoável de duração de um processo? A antecipação de tutela pode ser adequada a essa nova realidade sem que as partes tenham prejuízo de sua defesa e de duas garantias?
Busca-se, nesta pesquisa, identificar e fornecer dados claros acerca da antecipação da tutela, com as suas especificidades, de modo a afastar o mito sobre ela criado, com o exame dos procedimentos adotados para a sua concretização.
2. Aspectos Fundamentais da Atividade Jurisdicional
2.1. O ser humano e os conflitos sociais: as formas de resolução dos conflitos ao longo da história
Existem conflitos em todas as sociedades organizadas. Normalmente, caracterizam-se pela situação em que a capacidade de se compatibilizar interesses para um determinado fim não é atingida de forma pacífica e é necessário a utilização de outro meio para que se retorne ao status de normalidade. Assim, o conflito surge da discrepância de objetivos entre duas ou mais partes que não contam com um mecanismo efetivo de coordenação ou mediação (AZAR, 2001).
A primeira forma de resolução dos conflitos que aparece na história humana é a chamada modernamente de autodefesa ou autotutela, também conhecida como vingança privada, que era levada a efeito pelo próprio titular do interesse conflitante (ou do direito, na moderna acepção da Teoria Geral do Processo).
Percebeu-se, com a evolução das relações sociais, em especial com o aparecimento das primeiras normas de conduta e, consequentemente, jurídicas, que “a realização privada do direito nem sempre resultará na vitória daquele que efetivamente tinha razão, mas acabará impondo simplesmente a preponderância do interesse do mais forte, ou do mais astuto” (SILVA, Ovídio B. da, 1996, p.08).
Ainda sem um grande rigor teórico, surge uma nova fase para a resolução dos conflitos sociais, onde os titulares dos direitos abrem mão de parte deles, ou até mesmo deles todos, para que o conflito chegue a um final. É a chamada autocomposição, meio mais moderno e mais eficaz que o anterior, que contudo ainda não apresentava soluções completamente justas por ainda ser parcial.
Percebeu-se que era impossível a coexistência harmônica em uma sociedade “sem a normatização do comportamento humano” (THEODORO JR, 2003, p.06). Fazia-se necessário não só o surgimento de normas disciplinadoras da vida em comum, mas também a atribuição de quem seria o responsável pela resolução dos conflitos, quando estes ocorressem.
O Estado trouxe para si, então, a responsabilidade de decidir os conflitos quando as próprias partes não se encontrarem em condições que possibilitem uma composição justa e plena sem que se prejudiquem seus próprios direitos. A relação deixa de ser entre o titular de um direito e o titular de um dever e passa a ser entre as partes e o Estado. Configura-se, dessa forma, o poder estatal da Jurisdição, que nada mais é do que uma das formas “de se outorgar proteção estatal àquele que dela necessitar” (SILVA, Ovídio B. da, Op. Cit., p.09).
2.2. A atividade jurisdicional do Estado e seus aspectos constitucionais
O sistema jurídico brasileiro é elaborado em função de princípios gerais e regras que lhe dão validade e eficácia. Conforme salienta René Ariel Dotti, “o vocábulo sistema tem origem grega (systema) e significa reunião, conjunto, método, organização, totalidade” (DOTTI, 2005, p.04). Não é qualquer reunião, contudo, que compõe um sistema, para tanto ela deve ser um conjunto de dois ou mais elementos que satisfaçam três condições: “a) o comportamento de cada elemento afeta o comportamento do todo; b) o comportamento dos elementos e dos efeitos no todo são interdependentes; c) nenhum dos elementos tem um efeito autônomo” (DOTTI, loc. cit.).
Os princípios e regras referidos no parágrafo anterior estão explicitados, sobretudo, no texto da Constituição que, segundo Ferdinand Lassalle:
“é a lei fundamental de uma nação porque é uma força que faz com que, por uma exigência de necessidade, todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são” (LASSALLE, 2001, p.10).
Percebe-se claramente essa forte influência principiológica no Direito Brasileiro a partir do fim da II Guerra Mundial, pois desenvolveu-se como nunca a Teoria dos Direitos Fundamentais, passou-se a dar força normativa aos princípios e reforçou-se as idéias acerca da jurisdição constitucional.
Como não podia deixar de ser, a atividade jurisdicional do Estado está também embasada, em primeiro lugar, na Lei Fundamental, a Constituição da República. Existem dispositivos expressos na Carta Magna acerca da Jurisdição, em especial no art. 5º, a partir do inciso XXXIV.
Confundem-se durante o texto constitucional as características relacionadas à Jurisdição e ao Direito Processual. Contudo, estão diretamente relacionados à atividade jurisdicional o Princípio Constitucional do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV), do Juiz Natural (art. 5º, LIII e XXXVII), da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional (art. 5º, XXXV), do Contraditório (art. 5º, LV) e, após a Emenda Constitucional nº.45, da Tempestividade da Tutela Jurisdicional (art. 5º, LXXVIII). Isso ocorre porque ambos os temas, jurisdição e processo, estão intimamente relacionados haja vista ser o primeiro ocupante da posição central no estudo do segundo (CÂMARA, 2008, p.63).
A consequencia dessa relação é que consolidam-se no âmbito do processo os Direitos Fundamentais, a Constituição ganha uma força cada vez mais normativa e fortalece-se a jurisdição constitucional, em especial os aspectos relacionados ao controle de constitucionalidade.
Estão previstos na Constituição Federal, por exemplo, toda a competência do Poder Judiciário Federal, assim como a reserva do que compete ao Judiciário Estadual. Há também os aspectos relevantes ainda a ações constitucionais (art. 5º) e a direitos do cidadão frente a órgãos jurisdicionais.
2.3. Princípios da jurisdição estatal
A quantidade e a classificação dos princípios inerentes á Jurisdição varia de acordo com o critério adotado e ainda com o doutrinador responsável pelo estudo. A título de exemplo, Cintra, Grinover e Dinamarco destacam a existência da lide, a inércia e a definitividade como as três características básicas da jurisdição (CINTRA, op. Cit, pp.134-135). Tourinho Filho, por sua vez, acresce às características citadas a substitutividade e a imparcialidade; já Mirabete, ao dissertar sobre tais características, apresenta algumas outras que chamou de formais indeclináveis: um órgão adequado; o contraditório regular; e um procedimento preestabelecido. (GARCIA, 2004).
Partindo desse pressuposto, destacam-se, então, os Princípios da Investidura, da Inafastabilidade ou da Indeclinabilidade, da Indelegabilidade, da Improrrogabilidade, da Inércia e da Iniciativa das Partes, da Definitividade e do Juiz Natural.
De acordo com o Princípio da Investidura, para que alguém exerça a jurisdição, é preciso que esteja regularmente investida no cargo de juiz e em pleno exercício, de acordo com o que prescreve a lei. Apenas ao juiz, em exercício na forma legal, cabe a atividade jurisdicional do estado.
Previsto expressamente no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (que aduz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), o Princípio da Inafastabilidade ou da Indeclinabilidade garante a todos aqueles que tiverem seu direito violado ou ameaçado, não sendo possível o órgão julgador “eximir-se de prover a tutela jurisdicional àqueles que o procurem para pedir uma solução baseada em uma pretensão amparada pelo direito” (GARCIA, op. cit.).
Há, entretanto, uma série de leis infraconstitucionais que condicionam o esgotamento da instância administrativa para que se ajuize uma demanda judicial, são exemplos, a lei do habeas data, a lei do Mandado de segurança, a lei das súmulas vinculantes, dentre outras, mas todas devem ser interpretadas de acordo com a Constituição Federal. Ou seja, somente é possível exigir este exaurimento se não houver urgência, pois não havendo urgência as restrições são razoáveis, assim devem ser interpretadas, sob pena de denegação de tutela jurisdicional.
Consequência do princípio anterior, o Princípio da Indelegabilidade impede que o juiz delegue a outro órgão a sua jurisdição. Se fosse possível tal delegação, haveria violação tanto ao Princípio da Indeclinabilidade quanto ao do Juiz Natural. Esse, contudo, não constitui uma proibição absoluta, pois admitem exceções como, por exemplo, o art. 102, I, m, da CF/88, e os artigos 201 e 492 do Código de Processo Civil, dentre outros.
A jurisdição sempre é exercida sobre um determinado território, conhecido como foro. Também conhecido como Princípio da Aderência ao Território, o Princípio da Improrrogabilidade veda ao juiz o exercício da função jurisdicional fora dos limites territoriais estabelecidos pela lei competente. Assim como o anterior, também não é um princípio de caráter absoluto, pois admite mitigações a exemplo da conexão e continência (art. 102 do Código de Processo Civil) e o desaforamento no julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri (art. 427 e seguintes do Código de Processo Penal).
Cintra, Grinover e Dinamarco conceituam o Princípio da Inércia e da Iniciativa das Partes como sendo aquele pelo qual somente poderá o órgão jurisdicional aplicar a lei ao caso concreto se devidamente provocado pela parte interessada em face da existência de uma pretensão resistida ou insatisfeita amparada pelo ordenamento jurídico, e explicam que o seu exercício espontâneo acabaria sendo contraproducente, “pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos a casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes” (CINTRA, op. cit. p.134). Mais uma vez trata-se de princípio não absoluto, pois hipóteses de iniciativa do próprio juiz em vários ramos do Direito Processual, por exemplo: abertura de inventário (art. 989 do Código de Processo Civil), concessão de habeas corpus (art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal) e a instauração de execução trabalhista (art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho).
O Princípio da Definitividade decorre também de previsão constitucional expressa (art. 5º, XXXVI, que estatui: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”) e implica na idéia de que a sentença judicial se torna imutável, isto é, definitiva, com o esgotamento de todos os recursos previstos em lei. Há controvérsias quanto à sua natureza absoluta ou relativa, em razão da existência de fenômenos que relativizam a coisa julgada, tais como a ação rescisória e a querela nullitatis, contudo é certo que somente o órgão jurisdicional produz decisões (ou atos jurisdicionais) com a forma presumida de definitivos.
Expresso por sua vez em vários preceitos constitucionais (art. 5º, LIII e XXXVII, da Constituição Federal), o Princípio do Juiz Natural traduz a idéia de que a atividade jurisdicional só pode ser exercida por juiz anteriormente constituído por lei para a prática de tal poder. A força desse princípio é tão significativa que ele também está expresso em acordos e convenções internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), promulgada no direito brasileiro pelo Decreto nº.678 de 1992, que traz em ser art. 8º,
1: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
2.4. A jurisdição e o processo
A soberania estatal, conforme expresso no art. 2º da Constituição Federal de 1988, é exercida em três funções, a legislativa, a administrativa e a jurisdicional (Art. 2º: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário). Trata-se não de uma divisão de poder estatal, uma vez que esse é uno e indivisível, mas tão somente a explicitação de que o exercício deste poder pode se dar de três manifestações diferentes, comumente chamadas de funções estatais (CÂMARA, op cit, p.63).
As diferenças entre as três funções estatais são claras, contudo, é necessário destacar o que há de comum nas três funções, isto é, a manifestação de poder soberano do Estado. E o que destaca na função jurisdicional (ou simplesmente jurisdição) é de que esta é a única revestida da característica da definitividade (decorrente da coisa julgada, conforme tópico anterior).
A jurisdição é um poder atribuído a um terceiro imparcial para, mediante um processo, reconhecer, efetivar ou proteger situações jurídicas concretamente deduzidas em decisão insuscetível de controle externo com aptidão para a coisa julgada e criativa. Nesse aspecto, surge então o processo como meio de levar a termo essa tão importante função estatal.
O terceiro imparcial, investido na jurisdição estatal, é um estranho ao conflito. Além de estranho, deve ser também desinteressado no deslinde da questão. Dessa forma, ocorrendo quaisquer das hipóteses legais em que se levante dúvidas acerca dessas características, o órgão julgador deve ser afastado e outro deve conduzir o processo decisório em seu lugar. A jurisdição é una e ao ser exercida por quem tem interesse diverso há um desvirtuamento de sua finalidade, que contamina todo o sistema.
Da mesma forma, o direito processual é um só, porquanto a função jurisdicional é única, qualquer que seja o direito material debatido, sendo, por isso mesmo comum a todos os seus ramos os princípios fundamentais da jurisdição e do processo.
Jurisdição e processo são dois institutos indissociáveis. Nos dizeres de Humberto Theodoro Jr, “o direito à jurisdição é, também, o direito ao processo, como meio indispensável à realização da Justiça” (op cit, p. 52). A Constituição, por isso, assegura aos cidadãos o direito ao processo como uma das garantias individuais (conforme tópico anterior). A lide só é plenamente composta quando dentro de normas processuais traçadas para tal fim.
É no processo que se verificam, também, três características essenciais da Jurisdição, a inércia, a substitutividade e a natureza declaratória. Pela inércia, o Estado-juiz só pode agir se for provocado e o meio de manifestação dessa provocação é o ajuizamento de uma demanda através de um processo. De acordo com a substitutividade, o Estado-juiz substitui as partes e toma uma decisão por elas, que deve ser obedecida em observâncias as regras processuais. Pela natureza declaratória, o Estado-juiz declara no processo quem tem o direito, assim é concretizada a atividade jurisdicional, quando formalizada através do devido processo legal.
2.5. Os escopos da jurisdição
É inegável o caráter instrumental do processo. Se antes ele era considerado o instrumento de atuação do direito material, modernamente é visto como o “instrumento que se vale o Estado para alcançar os escopos da jurisdição” (DINAMARCO, 1999, p.157). Importante também o ensinamento de Alexandre Freitas Câmara, ao destacar que “esses são escopos do próprio Estado”, vez que a Jurisdição é uma das formas de manifestação do poder estatal (CÂMARA, op cit, p.78).
Os escopos da Jurisdição podem ser de três ordens distintas, quais sejam sociais, jurídicos e políticos. Essa divisão é um reflexo da atual sistemática da doutrina processualista, que identifica a função não apenas jurídica desse poder, mas também a sua posição sociopolítica dentre os fenômenos de manifestação estatal.
Dinamarco destaca, então, como escopos sociais da jurisdição dois fenômenos: pacificar com justiça e educar a sociedade (DINAMARCO, op. cit. p. 157). O primeiro destaca o processo como relevante meio de solução dos conflitos sociais, enquanto o segundo leciona o que as pessoas não podem fazer, sob pena de violarem o ordenamento jurídico e correrem o risco de serem sancionadas.
O cuidado que se deve tomar é de que a Jurisdição não deve ser banalizada a ponto de ser um mero meio de resolução dos conflitos. Contudo, não se pode deixar de destacar que ela é o principal meio de resolução, através do qual muitos conflitos são efetivamente finalizados.
O escopo jurídico da Jurisdição é a própria atuação da vontade concreta do direito objetivo (CÂMARA, op. cit. p.80). O Estado deve manter íntegro o ordenamento jurídico ao aplicar ao caso concreto as disposições do direito em suas soluções.
Destacam-se ainda três escopos políticos da Jurisdição: a afirmação do poder estatal, o culto às liberdades públicas e a garantia de participação do jurisdicionado nos destinos da sociedade.
O Estado precisa afirmar o seu poder para se sustentar, pois sem essa afirmação não haveria como impor aos jurisdicionados condutas legais. É graças a essa afirmação que o Estado consegue alcançar todos os outros escopos. Além disso, como culto às liberdades públicas, o Estado busca assegurar a observância dos direitos fundamentais a todos os jurisdicionados. Por fim, a garantia de participação do jurisdicionado nos destinos da sociedade é vista através de sua participação direta através de ações populares (lei 4.717/65, art. 1º: qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista – grifo nosso) e ações civis públicas (lei 7.347/85, art. 5º – têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: a associação – grifo nosso).
3. A Razoável Duração do Processo e a Antecipação da Tutela
3.1. O tempo do processo e a efetivação dos direitos
O tempo necessário às partes para levarem ao conhecimento do Estado-juiz, com a maior riqueza de detalhes possível, a sua demanda influencia diretamente o tempo de espera por uma resposta adequada e justa (não necessariamente procedente).
Demorado um processo judicial, todo o ordenamento jurídico carecerá de efetividade. Assim acontece porque as normas de direito material necessitam da garantia de sua correta realização, que dar-se-á através do processo quando as partes não chegarem a uma composição amigável em uma disputa.
Não é recente a preocupação dos juristas com o impacto do tempo de duração do processo judicial na efetivação dos direitos discutidos em juízo. Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973, em seu Capítulo III, destacou que são duas as exigências para aperfeiçoamento do processo, a rapidez e a justiça (BRASIL, 2010, p. 358).
Destaca ainda o ilustre jurista que a necessidade de se compatibilizar esses dois institutos dentro do mesmo diploma legal se dava por ser o processo um instrumento posto à disposição de dar razão a quem efetivamente a tem, e isso ocorrendo satisfaz-se não só um interesse privado das partes, mas sim de toda a sociedade (BRASIL, op. cit., p. 359).
A integração ao ordenamento jurídico brasileiro da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) ou Pacto de São José da Costa Rica, através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, trouxe dois dispositivos que reforçam essa preocupação do legislador em dar efetividade a direitos, através do devido processo, em tempo hábil às necessidades das partes e do Estado-juiz:
“Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. (grifo nosso) (art. 8º, 1).
“Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou Tribunais competentes, que a projeta contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.” (grifo nosso) (art. 25,1)
Alguns anos mais tarde, é promulgada no Brasil a Emenda Constitucional nº.45, publicada no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 2004, que inclui no art. 5º do texto constitucional o inciso LXXVIII, assim redigido:
“Art. 5º. LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A constitucionalização da duração do processo reflete o primeiro grande desafio dos processualistas no Século XXI, garantir a uma tutela jurisdicional tempestiva, considerando o tempo necessário aos debates entre os litigantes, a investigação probatória e ao amadurecimento da convicção judicial pelo órgão julgador (MARINONI, 2007, p.11).
Esse desafio, instigante aos juristas e que reflete diretamente em todo os que necessitam socorrer-se ao Poder Judiciário para a efetivação de um direito, refletiu-se também na redação do anteprojeto do novo código civil brasileiro, elaborada por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal e presidida pelo Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça.
Logo na introdução ao anteprojeto, destaca o presidente da comissão como seu principal desafio “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere” (grifo nosso) (BRASIL, 2010 -2-, p.7). E segue na exposição de motivos a discorrer que um sistema processual onde não é proporcionado à sociedade o reconhecimento e a satisfação de seus direitos, não se harmoniza com as garantias constitucionais trazidas com a introdução de um Estado Democrático de Direito (BRASIL, op. cit, p.11).
No âmbito do Poder Judiciário, por sua vez, diversos mecanismos vêm sendo sistematicamente implementados a fim de que o processo tenha essa conotação célere frente à necessidade de se efetivar os direitos postos em juízo. O principal destaque atualmente é o programa “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, órgão criado com a promulgação da Emenda Constitucional nº.45/04, que visa à ampliação do processo de conhecimento do Poder Judiciário por meio da coleta e da sistematização de dados estatísticos e do cálculo de indicadores capazes de retratarem o desempenho dos tribunais (BRASIL, 2009).
O programa do CNJ segue critérios estabelecidos pela Resolução nº.76/09 do próprio Conselho e se presta ao levantamento de dados relativos a despesas, pessoal, recolhimentos/receitas, informática e área física dos Tribunais; o quantitativo de casos novos, a carga de trabalho do magistrado, a taxa de congestionamento da Justiça, a taxa de recorribilidade externa e interna e a taxa de reforma da decisão; a despesa com assistência judiciária gratuita e o quantitativo de pessoal atendido; e a participação governamental nas demandas judiciais (BRASIL, 2009).
Os dados coletados são analisados e, em uma reunião anual com representantes de todos os Tribunais do Brasil, são estabelecidas metas a serem cumpridas para o melhoramento da prestação jurisdicional no país.
3.2. Princípios garantidores da razoável duração do processo
Dentre os princípios basilares do sistema jurídico brasileiro alguns estão diretamente relacionados à duração do processo e, consequentemente, à efetividade da prestação jurisdicional.
O primeiro que merece destaque é o já mencionado direito à razoável duração do processo, trazido pela Emenda Constitucional nº.45/2004, que acrescentou ao art. 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, assim redigido: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Tal disposição constitucional garante à parte não somente uma duração em tempo razoável, mas também uma garantia de celeridade na tramitação de seus pleitos. O referido dispositivos aplica-se não somente ao Poder Judiciário, mas também a todos que necessitem pleitear direitos no âmbito administrativo.
Apesar da amplitude do conceito de “razoável duração”, o que poderia acarretar em uma indeterminação quanto à sua aplicação concreta, tal Princípio vem sendo bem aceito pelos Tribunais brasileiros e muitas medidas têm sido tomadas para a garantia de sua aplicação.
Além disso, em sede de habeas corpus e mandado de segurança, diversas decisões já foram proferidas para que os feitos tivessem seu fim em tampo hábil à efetivação de direitos dos litigantes.
Reflexamente, pode-se destacar princípios garantidores de uma processo célere e eficiente em diversos outros incisos do mesmo art. 5º do texto constitucional, tais como a garantia do devido processo legal (inciso LIV), o direito de petição aos Poderes Públicos (XXXIV, a), o direito de acesso à jurisdição (XXXV), e ainda o Princípio da Eficiência da Administração Pública (art. 37 da CF/88) e o Princípio da Economicidade na fiscalização dos Poderes Públicos (art. 70 da CF/88).
Mesmo antes da edição da referida Emenda 45/04, o ordenamento jurídico brasileiro já contemplava o direito das partes a um processo célere e justo. O parágrafo 2º do art. 5º da Constituição traz em seu texto que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
O Pacto de San José da Costa Rica, por sua vez, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto nº 678, de 1992. Como esse tratado é de Direitos Humanos e foi ratificado e incorporado ao direito brasileiro, a disposição de seu art. 8º, 1[1], já fazia parte do rol de direitos e garantias individuais dos brasileiros antes do advento da Emenda Constitucional nº 45 em 2004.
Ao lado dessas garantias legais, caminham ainda os princípios gerais do direito, como a proporcionalidade e a razoabilidade.
Não é por ser um conceito aberto que a razoável duração do processo deva ser aplicada de maneira desleixada, arbitrária ou ainda dezarrazoada. A justiça só se encontrará me decisões que conseguirem unir ponderadamente a resposta célere e o tempo necessário para formação da convicção mais próxima possível à realidade dos fatos e do direito postos em Juízo.
3.3. A antecipação da tutela definitiva no ordenamento jurídico brasileiro
A tutela antecipada é uma técnica processual que permite a antecipação dos efeitos da tutela definitiva. Há previsão legislativa que permite ao órgão julgador a antecipação de efeitos provisoriamente, isto é, a antecipação de efeitos que só poderiam ser obtidos ao final de um devido processo.
Antes, contudo, de se aprofundar no histórico da antecipação da tutela no direito brasileiro, e consequentemente no seu panorama atual, é necessário tecer alguns comentários acerca dos conceitos de tutela definitiva.
Conforme ensinamento de Fredie Didier Junior (2010, p. 350), a tutela definitiva pode ser satisfativa ou cautelar. A tutela satisfativa, por sua vez, subdivide-se em de conhecimento e de execução. Os três tipos de tutela, segundo o autor, confundem-se com as três principais divisões do processo, ou seja, de conhecimento, de execução e cautelar.
Assim que foi editado o Código de Processo Civil, em 1973, mais precisamente com as alterações dadas pela Lei 5.935 de 1º de outubro de 1973, só havia a possibilidade um tipo de tutela antecipada, que era a tutela cautelar, prevista no art. 804 daquele diploma normativo:
“Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.”
Assim, não era possível se pleitear uma tutela antecipada satisfativa. Segundo Marinoni (2007 – 2, p.195), tais dispositivos transformaram-se em uma verdadeira “válvula de escape para a prestação jurisdicional tempestiva”, pois essa modalidade de tutela tornou-se uma técnica de sumarização do processo de conhecimento e, olhando por alto, “um remédio contra a ineficiência do velho procedimento ordinário, viabilizando a obtenção antecipada da tutela que somente poderia ser concedida ao final”.
Tal omissão legislativa (a falta de previsão de uma tutela antecipada satisfativa) acabaram por transformar a tutela cautelar antecipada no que a doutrina e a jurisprudência chamaram de cautelar satisfativa. A necessidade de providências efetivas pelos litigantes influenciaram na edição, em 1994, da Lei 8.952, que autoriza o juiz, em caráter geral, a conceder liminar satisfativa em qualquer ação de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos que o novo texto do art. 273 arrola:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 2002)
§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento”. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
Posteriormente, veio a Lei nº 10.444, de 2002, e incluiu dois parágrafos nesse dispositivo do Código de Processo Civil, assim redigidos:
“§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 2002)
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 2002)
Com a edição dessas novas leis, distinguiu-se definitivamente a tutela cautelar da tutela antecipatória, pois a primeira não pode satisfazer ainda que provisoriamente o direito acautelado, enquanto que a segunda tem esse condão. A tutela antecipada dá à parte o resultado prático que ela procura obter através da própria tutela final.
3.4. A atual dinâmica processual brasileira da antecipação da tutela e o tempo de duração do processo
O art. 273 do Código de Processo Civil traz em seu bojo uma previsão genérica de antecipação da tutela. Qualquer ação de conhecimento pode ter os efeitos da tutela antecipados, seja no procedimento sumário, nos juizados especiais, ou qualquer outra ação de conhecimento, até mesmo em ações constitutivas e em ações declaratórias.
Tais provimentos são destinados a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal e deve existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal. “São reclamos de justiça que fazem com que a realização do direito não possa, em determinados casos, aguardar a longa e inevitável demora da sentença final” (Theodoro Jr., op. cit. pp. 336-337).
Este instituto não pode ser concedido de ofício pelo órgão julgador, deve ser pedido por uma das partes, inclusive do Ministério Público, seja como parte seja como custos legis.
Quanto ao momento de postular e obter a tutela antecipada, segundo Humberto Theodoro Jr (op. cit. p. 338), não há uma oportunidade certa e única imposta com força preclusiva pela lei. Como liminar, a medida encontrará local adequado para ser requerida na própria inicial da ação, dispensando a formulação em petição separada para autuação como se fosse um pedido de medida cautelar. Trata-se de um simples incidente do processo de cognição e não de uma medida do processo cautelar.
Por outro lado, nada impede que seja concedida a qualquer momento, inclusive na sentença ou até mesmo na apreciação de um eventual recurso.
A concessão da antecipação da tutela depende dos seguintes requisitos: requerimento da parte; produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial; convencimento do juiz em torno da verossimilhança da alegação da parte; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu; e possibilidade de reverter a medida antecipada, caso o resultado da ação venha a ser contrário à pretensão da parte que requereu a antecipação satisfativa.
Para não transformar a liminar satisfativa em regra geral, o que afetaria, de alguma forma a garantia do devido processo legal e seus consectários do direito ao contraditório e ampla defesa antes de ser o litigante privado de qualquer bem jurídico, a tutela antecipatória submete a parte interessada às exigências da prova inequívoca do alegado na inicial.
Todas essas cautelas não necessárias a fim de que se evitem injustiças e que a parte que tenha razão não tenha de sofrer o ônus da demora para satisfação plena de seu direito. Se é certo que toda efetividade rápida tem riscos, é certo também que não é só a ação de alguém que pode causar um prejuízo, a omissão também é relevante. Os órgãos julgadores têm de ter essa sensibilidade para análise dos casos concretos.
De toda esta análise, verifica-se que a “técnica antecipatória visa apenas a distribuir o ônus do tempo do processo” (MARINONI, 2007 – 2, p. 196). As partes não podem ter desconsideradas suas necessidades de tempo durante o trâmite do processo, daí a sensação cada vez maior de injustiça com a lentidão de uma resposta jurisdicional ao problema posto em Juízo.
Quanto mais demorado é um processo, durante mais tempo o patrimônio jurídico da parte litigante é diretamente atingido. Em outras palavras, com a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida o processo tende a durar menos tempo para a satisfação do direito.
Há necessidade da Jurisdição estatal ser vista sob esse novo prisma, pois com a velocidade com que vem acontecendo as transformações sociais nos dias de hoje, os litigantes clamam por respostas rápidas a seus anseios.
4. Considerações finais
Desde o início da civilização humana o homem sempre procurou resolver os conflitos surgidos na sociedade de diversas formas.
No princípio, o conflito era solucionado através da força e, consequentemente, a vitória do mais forte prevalecia. Era a fase da vingança privada, período em que inexistia uma verdadeira aplicação da justiça.
A essa fase, modernamente conhecida como autotutela ou ainda autodefesa, sucedeu uma outra forma de solução conhecida atualmente por autocomposição.
Da impossibilidade de coexistência harmônica da sociedade sem uma forma justa de composição de conflitos, o Estado trouxe a responsabilidade de se sobrepor às vontades das partes conflitantes e decidir em seu lugar. Tem início, então, o exercício do poder estatal denominado jurisdição.
A Constituição brasileira de 1988, assim como as demais constituições contemporâneas, trouxe no bojo de seu texto Princípios relativos à atividade jurisdicional do Estado e consolidou de vez a ideia desse instituto como verdadeiro poder estatal.
Os princípios inerentes à Jurisdição, além daqueles trazidos pela Constituição em vigor, também estão expressos em leis infraconstitucionais, como nos Códigos de Processo em vigor, e em tratados internacionais, como é o caso, por exemplo, do Tratado de San José da Costa Rica (ou Convenção Interamericana de Direitos Humanos).
Tal poder estatal é exercido precipuamente através de um processo judicial, que traz em seu conteúdo características das mais variadas ordens, tais como sociais, jurídicas e políticas.
Após o fortalecimento do processo como instrumento de garantia do poder jurisdicional do Estado, outras características passaram a integrar o estudo e composição desse importante instituto. Dentre elas, destaca-se, contemporaneamente, o tempo de duração do processo judicial.
Ao longo dos séculos considerado irrelevante, pois sempre era posto de lado em face da segurança jurídica, o tempo do processo ganha especial conotação no início do século XXI e passa a ser, senão o principal, um dos mais importantes aspectos da atividade jurisdicional já nos primeiros anos deste período.
Preocupação constante nas reformulações atuais dos principais códigos de processo, o tempo ganhou até destaque constitucional com o acréscimo do inciso LXXVIII ao art. 5º, da Constituição Federal, após a emenda constitucional nº 45 de 2004.
Após o status constitucional, reforçou-se a necessidade de meios e instrumentos que garantissem ao processo a sua tramitação em tempo adequado para amadurecimento da demanda e efetivação dos direitos postos em juízo.
Apesar de caminhar timidamente em seu início, em meados da década de 70, a antecipação da tutela definitiva vem ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro, a ponto de ganhar mais artigos e leis que permitam a sua consolidação, como é o exemplo do novo artigo 273 do Código de Processo Civil.
Com essa nova dinâmica, o processo tende a ter uma duração cada vez mais adequada e necessária à justa composição da lide. Os direitos discutidos em juízo ganham ferramentas que permitem sua efetivação ainda no início do processo, o que favorece o diálogo razoável entre as partes sem que nenhuma delas sofra graves prejuízos com a demora da resposta do Judiciário ao seu problema.
Analista da Defensoria Pública da União, em Brasília-DF. Pós-graduado (especialista) em Direito Processual Civil.
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