SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Notícia histórica. 3. O conceito e a classificação de imposto. 4. Análise crítica dos impostos estaduais (ITCMD, ICMS e IPVA). 5. Considerações finais. Referências.
Analisa-se a receita pública, com ênfase, especificamente, nos impostos estaduais, tendo em vista destacar as divergências doutrinárias, que são devidamente pontuadas. O enfoque desse estudo é a observação crítica dos impostos estaduais. Dentre os métodos e técnicas de pesquisa foram realizadas leituras e fichamentos. Nessa pesquisa, numa primeira parte é apresentada a notícia histórica, numa segunda parte há a análise do conceito bem como da classificação dos impostos e numa terceira parte consta uma avaliação acerca dos três impostos estaduais: imposto sobre transmissão causa mortis e doação, imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e imposto sobre a propriedade de veículos automotores.
1 INTRODUÇÃO
O tema envolvendo os impostos estaduais está intimamente ligado ao princípio federativo, em função do qual é imprescindível a devida fixação da competência tributária entre os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
No Brasil, o Estado e a União são tidos como autônomos, mas não soberanos (soberano seria tão somente o Estado Brasileiro) e é justamente essa característica que distingue a Federação da Confederação. Carraza (2005, p. 132) justifica isso da seguinte forma: “na federação, os Estados que dela participam (Estados-membros) estão subordinados a uma Carta Magna, que lhes confere competência, tanto quanto ao Estado Central (União)”.
Nesse aspecto, verifica-se que o Estado se autodetermina, ou seja, delimita o seu campo de atuação, tendo como documento limitador e legitimador dessa ação a Constituição Federal.
Assim, observa-se que União e Estados ocupam a mesma posição hierárquica e, portanto, suas respectivas normas estão no mesmo patamar jurídico, inexistindo subordinação entre elas.
A distinção entre os entes da federação não diz respeito à existência de hierarquia, mas sim ao estabelecimento de competências específicas, isto é, campos de atuação exclusivos fixados pela Constituição. É nesse sentido que Carraza (2005, p. 139) reitera:
Em nome desta autonomia, tanto a União como os Estados-membros podem, nos assuntos de sua competência, estabelecer prioridades. Melhor dizendo, cada pessoa política, no Brasil, tem o direito de decidir quais os problemas que deverão ser solvidos preferencialmente e que destino dar a seus recursos financeiros. É-lhes permitido também exercitar suas competências tributárias, com ampla liberdade.
É nessa perspectiva que se desenvolve esse estudo, ou seja, a partir da análise da competência de cada ente da federação, seguida da pesquisa específica da competência estadual, para que seja possível verificar, com mais embasamento teórico, os três impostos de atribuição do Estado: imposto sobre transmissão causa mortis e doação; imposto sobre circulação de mercadorias e serviços bem como o imposto sobre a propriedade de veículos automotores.
2 NOTÍCIA HISTÓRICA
Antes de tratar da evolução dos impostos propriamente ditos é interessante verificar o progresso pelo qual a receita pública sofreu ao longo do tempo, na medida em que os impostos são um tipo de receita, a fim de que seja proporcionada uma visão mais ampla do instituto em análise.
A receita pública, no dizer de Rosa Junior (2002, p. 49), numa concepção atual, consiste numa espécie de entrada ou ingresso de dinheiro nos cofres públicos, caracterizada pela sua permanência no patrimônio do Estado, afinal o Poder Público não tem por obrigação a restituição desses valores.
Nesse sentido, sustenta o autor (2002, p. 50): “[…] toda receita pública é entrada ou ingresso, mas nem todo ingresso ou entrada pode ser considerado receita pública”.
Assim, não será receita pública o patrimônio que não se incorpora permanentemente ao Estado, ou seja, aqueles valores que correspondem à “simples movimento de fundo”, como salienta Rosa Junior (2002, p. 50), ou seja, “[…] produto de caução, depósito, empréstimo, venda de bem ou fiança […]”. Portanto, são valores que ficam provisoriamente no patrimônio estatal, não incorporando a ele.
Nota-se que a diferenciação entre receita pública e ingresso é feita tão somente no âmbito doutrinário, pois a Lei 4320/64 fala em receita pública em sentido lato. Mas que se retorne à análise da receita a partir de sua origem.
No período clássico, a receita pública tinha por objetivo o pagamento de despesas efetuadas pelo Estado com atividades essenciais/básicas, as quais não podiam ser arcadas pelo particular.
Modernamente, a receita pública é vista de forma mais ampla, abrangendo não só a cobertura de necessidades públicas fundamentais, mas, também, a maneira promovedora da intervenção do Estado na economia.
De qualquer sorte, Rosa Junior (2002, p. 52) esclarece que os doutrinadores vêm estabelecendo cinco fases evolucionistas da receita pública, quais sejam:
– a parasitária→ marco do mundo antigo, em que o dinheiro público advinha da exploração do povo inimigo derrotado, através de saques e extorsões.
– a dominial→ a receita pública era fruto da exploração de bens do patrimônio do próprio Estado, como imóveis e indústrias. Tal era a marca do período medieval.
– a regaliana→ a receita provinha dos privilégios dos reis de explorar serviços ou mesmo conceder direitos aos particulares em troca do pagamento de regalias (contribuições) ao Estado. Um exemplo disso era o pedágio.
– a tributária→ o Estado aufere receita por meio da tributação, que passa a ser a sua principal fonte de renda pública.
– a social→ é a utilização do tributo, pelo Estado, com finalidade extrafiscal, a qual proporciona a intervenção do Ente Público no âmbito econômico, social e, por vezes, político.
Assim como a receita pública, o imposto, até mesmo por ser parte integrante daquela, pode ser observado sob dois focos: o fiscal e o extrafiscal, os quais demonstrarão, respectivamente, as finanças no período clássico e moderno.
Na escola liberal do período clássico tentava-se compatibilizar dois princípios: rendimento e justiça. No dizer de Rosa Junior (2002, p. 353) “[…] o imposto devia carrear aos cofres públicos o maior numerário possível; de outro lado, a arrecadação devia ser feita sem produzir um dano desigual sobre os contribuintes”.
De forma que o ideal estaria na arrecadação de um imposto simultaneamente rentável e justo. No entanto, essas noções sofreram modificações, de tal sorte que no aspecto da justiça “[…] o imposto não deve se basear somente na riqueza tributada, mas deve atender também às características próprias do contribuinte” (ROSA JUNIOR, 2002, p. 354).
Já no âmbito do rendimento “[…] passou a se entender que, além de produtivo, o imposto não deve variar na conjuntura, bem como deve ter a possibilidade de aumentando a sua taxa crescer em igual proporção o total arrecadado” (ROSA JUNIOR, 2002, p. 354).
Nesse ponto, valioso é o ensinamento de Seixas Filho (2005, p. 7): “ […] todos os tributos, sejam fiscais ou extrafiscais devem respeitar à capacidade econômica do contribuinte[…]”.
Nesses termos, a busca moderna é pela extrafiscalidade, ou seja, o imposto como instrumento viabilizador da interferência do Estado no domínio econômico, social e político. É a idéia de justiça social, mas sem perder de vista a capacidade contributiva.
Em suma, atualmente, deve-se harmonizar a contribuição do cidadão, a título de imposto, para que o Estado atenda às necessidades públicas; com a não afetação do imposto à vida do contribuinte/cidadão.
Nesse momento, torna-se indispensável a verificação pontual da evolução histórica dos impostos estaduais (ITCMD, ICMS e IPVA), objeto dessa pesquisa.
– Imposto de transmissão causa mortis (ITCMD)→ ingressou no direito romano no ano 5 d. c., pela Lex Júlia Vicesima Hereditatis. Tinha a incidência sobre heranças e legados dos cidadãos, com alíquota de 5% (BALEEIRO, 2002, p. 385).
Posteriormente, na Idade Média, tornou-se exigência do senhor feudal nas hipóteses de transmissão do aforamento ou da posse da terra, em virtude da morte do vassalo.
Já no direito brasileiro, sua instituição se deu por meio do “selo de herança”, via alvará de 1809, com a denominação “imposto de herança e legados”, o que perdurou até a Constituição de 1891 (BALEEIRO, p. 385). Momento a partir do qual se estabeleceu a competência dos Estados para cobrança do imposto de transmissão causa mortis (TORRES, 2002, p. 344).
Com as Emendas n° 18/65 e n° 1/69 ocorreu uma limitação quanto ao objeto de incidência do imposto, de forma que se restringia à transmissão de bens imóveis. E, nesse particular, Baleeiro (2002, p. 385) tece uma importante crítica: “[…] política tanto mais estranha quanto, no estado atual do desenvolvimento econômico do Brasil, a riqueza mobiliária […] cada vez mais sobrepuja o vulto do valor das terras e edifícios”.
Mas verifica-se que o objeto dessa limitação era incentivar o mercado mobiliário, a partir de investimentos industriais.
Essa restrição de incidência de imposto de transmissão causa mortis sobre bens imóveis foi mantida, inclusive, pela Constituição Brasileira de 1969. Ademais, o âmbito do tributo era bem amplo, pois dizia respeito à transmissão a qualquer título, excluindo, tão somente, os direitos reais de garantia e a cessão de direitos, segundo Machado (2004, p. 340).
A Constituição de 1988, seguindo a Emenda Constitucional n° 5/62, por sua vez, conforme art 155, I, “[…] inovando na matéria, outorgou aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre transmissão causa mortis e sobre doação de quaisquer bens ou direitos, inclusive, portanto, bens imóveis” (BASTOS, 1999, p. 254).
Nota-se que as transmissões a título oneroso estão excluídas do âmbito da tributação estadual. Em síntese, Lobo Torres (2002, p. 344) aponta as duas grandes novidades do Texto Constitucional vigente quanto a esse imposto:
[…] separou o imposto causa mortis do inter vivos, atribuindo este último aos Municípios. A outra novidade do texto foi unir o imposto causa mortis ao imposto sobre doações, que antes estava embutido no inter vivos, o que se justifica pelo fato de ambos consistirem na transmissão gratuita de bens e pela necessidade de se evitar a evasão fiscal possível na doação de bens de pais para filhos, se o imposto intervivos fosse menor.
– Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS)→ esse tributo tem sua origem, seguindo o pensamento de Baleeiro (2002, p. 392), na centesima reram venaltum, decretada por Augusto, nas operações sobre todas as mercadorias, incluindo os escravos (a oneração era de 1% e no caso de escravos, 4%).
Depois, no período entre a Idade Média e a Idade Moderna, quase todos os Estados, tanto da Europa quanto da América, incluíram em seus ordenamentos jurídicos o imposto sobre vendas em geral.
Tal foi seguido pelo Brasil, que, em 1924, passou a arrecadar o então denominado “imposto sobre vendas mercantis” (BALEEIRO, 2002, p. 392), de competência da União, na base de 0,30%.
No entanto, com o advento da Constituição Brasileira de 1934 o tributo referido passou a ser da competência dos Estados e houve o aumento de sua base de 5 à 7%, dependendo do Estado tributante.
De acordo com Coêlho (2004, p. 384), o imposto sobre circulação de mercadorias (ICM), agora imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), pode ser considerado problemático desde a Emenda n° 18/65 à Constituição de 1946, ou seja, desde o movimento militar de 1964.
Já nessa data considerava-se o antigo imposto sobre vendas e consignações dos Estados (IVC) merecedor de ser retirado do ordenamento jurídico e Coêlho (2004, p. 384) elenca os motivos para tanto: “[…] um tributo avelhado, ‘em cascata’, propiciador da inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da Federação e tecnicamente incorreto”.
De forma que a solução seria a substituição desse imposto (IVC) por outro que fosse não-cumulativo e cujo fato gerador não fosse a realização de negócios jurídicos, porém a circulação de mercadorias e serviços no país.
Foi assim que surgiu o imposto sobre circulação de mercadorias (ICM), inspirado no “[…] modelo dos impostos europeus sobre valores agregados ou acrescidos, incidentes sobre bens e serviços de expressão econômica, os chamados IVAs” (COÊLHO, 2004, p. 384).
No entanto, era perceptível a incompatibilidade teórica e prática desse tributo (ICM), justamente em virtude de sua fonte inspiradora. Nos países europeus a organização era unitária, isto é, não havia Estados-Membros e quando isso não ocorria, verificava-se que a competência era do Poder Central.
Além disso, no Brasil já havia uma repartição de competências, de forma que aos Estados-Membros cabia a tributação do comércio de mercadorias; à União, a produção de mercadorias industriais; e aos Municípios, os serviços (COÊLHO, 2004, p. 385).
Tudo isso gerou uma enorme dificuldade na implementação do imposto sobre circulação de mercadorias (ICM). Nesse sentido, afirma Coêlho (2004, p. 385): “[…] a uniformidade das alíquotas, outra característica do imposto na ideação dos seus fautores […] desandou em diversas alíquotas (desuniformes, portanto) […]”. E acrescenta:
[…] a neutralidade do ICM tornou-se mera peça retórica. Através de isenções heterônomas, a União Federal utilizou à larga o ICM como instrumento de política econômica. E, mediante o mecanismo de ‘convênios’, transformados em ‘Assembléias Legislativas dos Estados Federados’, sob o garante autoritário da União […] o imposto tornou-se, largamente, um tributo extrafiscal.
Pois bem, a conclusão a que se chegou foi a de que o imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) tinha por características a uniformidade de alíquotas e tratava-se de um imposto com função fiscal.
Do inconformismo prático com o imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) surge o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), o qual passou a ser objeto de discussão pela Assembléia Nacional Constituinte de 1987. As argumentações que lhe favoreciam eram as seguintes:
[…] sua neutralidade na formação dos preços, o desestímulo à integração vertical das empresas, a aptidão para incentivar as exportações mediante a técnica da restituição do tributo pago internamente e a capacidade para harmonizar a economia do Estados-Membros, através da política de diversificação de alíquotas e bases de cálculo (TORRES, 2002, p. 345.
De qualquer forma, frise-se, esse tributo continua a ter o federalismo como o foco de seus problemas.
A despeito de todas as tentativas do legislador constitucional em adequar a tributação no que se refere à circulação de mercadorias, Bastos (1999, p. 255) considera que o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) mantém traços semelhantes ao seu precursor, o imposto sobre circulação de mercadorias (ICM).
Nesse aspecto, torna-se necessário destacar que as distinções entre esses impostos (ICM e ICMS) dizem respeito à hipótese de incidência tributária, em razão de agora abarcar a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Além disso, um outro ponto refere-se à extinção dos impostos únicos incidentes sobre energia elétrica, combustíveis líquidos e gasosos e lubrificantes bem como minerais do país, ou seja, tudo isso passou a ser tributado por imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS).
– Imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA)→ no que tange a esse tributo, cabe frisar a escassez de material doutrinário, talvez pela ausência de dificuldades teóricas e práticas no seu âmbito de abrangência.
De qualquer sorte, Torres (2002, p. 358) fixa como marco precursor do imposto sobre propriedade de veículo automotor (IPVA), a Emenda Constitucional 27/85. Através dessa Emenda veio a lume esse imposto, substituindo a anterior taxa rodoviária única. Desde então, a competência já era atribuída aos Estados e ao Distrito Federal.
Nesse período, havia uma vedação quanto à cobrança tanto de impostos quanto de taxas (vistoria, licenciamento, placa, etc) sobre a utilização de veículos.
A Constituição Federal de 1988 manteve a competência traçada pela Emenda Constitucional 27/85 e retirou do ordenamento jurídico a proibição expressa de cobrança de impostos ou taxas pela utilização de veículos.
A despeito da exclusão da dita vedação, a doutrina vem sustentando pela sua dispensabilidade, posto que “[…] o fato gerador das taxas está sempre ligado à atuação estatal, não se compreendendo mesmo uma taxa sobre o uso de um veículo particular” (MACHADO, 2004, p. 365).
De toda forma, se verifica na realidade prática a cobrança de tais taxas, o que é flagrantemente inconstitucional.
3 O CONCEITO E A CLASSIFICAÇÃO DE IMPOSTO
3.1 CONCEITO
A tarefa de conceituar um instituto não é nada fácil, mas é importante destacar que se trata de algo de atribuição doutrinária (do cientista do direito) e não do legislador (técnico, mas não cientista), em razão da falta de conhecimento teórico que lhe é inerente, acaba cometendo falhas.
A Constituição Federal de 1988, mesmo se referindo em diversos pontos ao imposto, não lhe traz uma definição, o que é perfeitamente correto pelas razões acima destacadas.
Por outro lado, O Código Tributário Nacional (CTN), erroneamente, define imposto em seu art 16, nos seguintes termos: “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.
Tanto o Código Tributário não logrou êxito nessa questão que Torres (2002, p. 336) afirma: “a definição do CTN é insuficiente e abreviada, porquanto não contém todos os outros elementos característicos do imposto”.
Verifica-se, por exemplo, a ausência de menção à capacidade contributiva, expressa no art 145, §1° do texto Constitucional. Trata-se de algo essencial na definição de imposto.
Em razão das deficiências conceituais do legislador, o que já era esperado pela, repita-se, falta de cientificidade, é importante que seja acrescentada uma definição doutrinária e, nesse aspecto, Torres (2002, p. 336) traz um relevante ensinamento acerca do imposto:
[…] é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas gerais, é exigido de quem tenha realizado, independentemente de qualquer atividade estatal em seu benefício, o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.
Mas, também no âmbito doutrinário, Seixas Filho (2004, p. 11) traz uma definição mais concisa e, da mesma forma, completa, que, em razão disso, merece ser destacada: “[…] o imposto (tributo) será exigido com base (causa) em um indício ou parcela da capacidade econômica do contribuinte, isto é, uma parcela da capacidade econômica do contribuinte será expropriada ou desapropriada pelo Estado”.
De maneira geral, pode-se dizer que o imposto é uma contribuição em dinheiro, porém é imperioso destacar a existência de países, mesmo sendo poucos, em que é possível a retribuição do imposto por prestações em natureza ou trabalho. Porém tal não é o caso brasileiro, em virtude do art 3° do Código Tributário ser claro em dizer que tributo é prestação pecuniária.
Além disso, cabe frisar que somente as pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios), em princípio, têm competência para exigir o pagamento de imposto. Porém, essas pessoas políticas podem delegar seus poderes para outras entidades estatais ou paraestatais, sem perder de vista o interesse público. Isso é a parafiscalidade.
A primeira hipótese é o caminho normal/natural para que seja cobrado o imposto. Já a segunda, é excepcional. Nesse aspecto, é importante trazer os ensinamentos de Seixas Filho (2005, p. 1):
[…] quando a receita tributária financia as despesas gerais do Estado através do Orçamento Público, o tributo terá finalidade fiscal, enquanto será um tributo parafiscal se a receita tributária for desvinculada do orçamento para financiar especificamente um órgão, fundo ou despesa […].
E acrescenta o autor (2005, p. 1) que a primeira situação é “[…] função ordinária e natural […]”; enquanto a segunda, é “[…] uma função excepcional ou extraordinária”.
Quanto à condição de contribuinte vale ressaltar que podem ocupá-la tanto o cidadão, o nacional, quanto o estrangeiro, bastando que tenham um vínculo com o país. Nesse sentido são as palavras de Baleeiro (2002, p. 270):
Se alguém está política ou economicamente vinculado por qualquer modo a esse grupo, porque dele tira proveito, ou no âmbito dele exterioriza qualquer manifestação de capacidade contributiva, que pode ser objeto de arrecadação, compulsoriamente exigível, o imposto tem cabimento.
Ademais, o imposto, como visto até então, é devido sem que seja condição para tanto o serviço ou a contraprestação específica atribuída individualmente (uti singuli) ao contribuinte por lhe ter pagado.
Ao contrário, o imposto tem cabimento quando se tratar de serviços públicos gerais e indivisíveis (uti universi), dos quais poderão usufruir tanto quem efetuou o respectivo pagamento quanto quem não o fez.
Nesses moldes, Baleeiro (2002, p. 270) cita dois exemplos que ilustram bem o exposto e merecem ser transcritos:
O mendigo, em teoria, usufrui as vantagens decorrentes da ordem pública, da segurança nacional, da higiene, etc., como o multimilionário duramente tributado. Em muitos casos, através da assistência social a cargo do Estado, o indigente, que não suporta impostos, aufere maiores proveitos do que o grande contribuinte.
A título de melhor fixar a espécie tributária imposto, mostra-se necessário distinguí-la de outras figuras inerentes ao Direito Tributário.
O imposto se diferencia da requisição administrativa, pois essa advém de atos administrativos parcialmente discricionários, ao passo que os impostos são plenamente vinculados, até porque são tributos (art 3° do CTN).
Quanto ao tema, reitera Seixas Filho (2005, p. 3): “enquanto a autoridade administrativa possui uma potestade discricionária para requisitar recursos financeiros, somente através de uma potestade totalmente vinculada é possível à autoridade fiscal compelir o contribuinte a pagar um tributo […]”.
Além disso, há outro argumento, ou seja, na requisição, pelo seu cunho emergencial, não é possível verificar a capacidade contributiva, o que é indispensável no caso de imposto. Aliás, trata-se de exigência constitucional.
Os impostos se distinguem da taxa, da tarifa e do preço público, em razão do caráter uti universi, isto é, “[…] financiam a atividade geral do governo […]” (SEIXAS FILHO, 2005, p. 8), não sendo, portanto, “[…] financiadas diretamente por cada pessoa relacionada com a atividade estatal […]” (SEIXAS FILHO, 2005, p. 8).
No particular, diferenciam-se, ainda, do preço e da tarifa, por serem atos de império e não de gestão.
No que tange às contribuições, a diferença reside no caráter não-vinculado do imposto e, assim como as taxas, as contribuições são vinculadas a uma atuação estatal.
Em suma, diz Baleeiro (2002, p. 273): “as taxas, preços e contribuições de melhoria correspondendo a uma prestação recebida pelo contribuinte ou à despesa que ele ocasionou ao Estado, têm uma causa jurídica, que lhes serve de justificação ou fundamento”.
3.2 CLASSIFICAÇÃO
Vários são os critérios utilizados pela doutrina a fim de classificar os impostos e, em razão disso, há diversas classificações estabelecidas. No entanto, nessa pesquisa o objeto de estudo são os impostos estaduais, por isso será adotado o critério de discriminação de rendas.
Esse critério está contido na própria Constituição Federal, o que pode ser observado pela distribuição de competências tributárias entre os diversos entes da federação.
Assim, classificam-se os impostos em federais, estaduais e municipais, o que é feito, por exemplo, por Torres (2002, p. 337) e Rosa Junior (2002, p. 362).
A competência da União está traçada nos arts 153 e 154, I e II da Constituição Federal. Portanto, são impostos federais: o imposto de importação; o imposto de exportação; o imposto de renda; o imposto sobre produtos industrializados; o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro; o imposto sobre propriedade territorial rural; o imposto sobre grandes fortunas; além daqueles cuja competência é residual ou advêm de situações extraordinárias.
A competência dos Estados e do Distrito Federal está disciplinada no art 155 da Constituição Federal e compreende: o imposto sobre transmissão causa mortis e doação; o imposto sobre circulação de mercadorias e o imposto sobre propriedade de veículos automotores. Esse é o objeto da presente pesquisa.
Há, ainda, a competência dos Municípios fixada no art 156 da Constituição Federal, abarcando: o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana; o imposto sobre transmissão inter vivos e o imposto sobre serviços de qualquer natureza.
4 ANÁLISE CRÍTICA DOS IMPOSTOS ESTADUAIS (ITCMD, ICMS E IPVA)
4.1 IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCMD)
A Constituição Federal de 1988, em seu art 155, I, diz que é da competência dos Estados e do Distrito Federal instituir impostos sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos.
Percebe-se que no Texto Constitucional atual o objeto da transmissão é qualquer bem ou direito, e não, somente, bens imóveis, como era na Constituição de 1969; e, além disso, foram excluídas do âmbito dessa tributação as transmissões a título oneroso.
Assim, só haverá a incidência desse imposto nas transmissões a título gratuito, ao contrário da Constituição Federal de 1969 que englobava as transmissões a qualquer título.
A função desse imposto, de acordo com Machado (2004, p. 341) é fiscal, pois objetiva a arrecadação de recursos para os Estados e o Distrito Federal.
Quanto ao fato gerador, caberá à lei estadual estabelecê-lo, tendo em vista a observância das linhas mestras traçadas pela Constituição Federal. No entanto, não é precipitado dizer que será “[…] a transmissão, a causa morte ou por doação, de quaisquer bens ou direitos” (TORRES, 2002, p. 344).
Nesse sentido, o Texto Constitucional diz que na hipótese de bens imóveis, a competência para instituir e arrecadar o imposto será do Estado onde estiver situado o imóvel e, portanto, do Distrito Federal se nele se encontrar localizado o bem (art 155, §1°, I da Constituição Federal).
Em se tratando de bens móveis, títulos e/ou créditos, a competência será fixada a partir do domicílio do doador ou do local em que for processado o inventário ou o arrolamento (art 155, §1°, II da Carta Magna).
Quando a residência ou o domicílio do doador, ou do de cujus, localizar-se no exterior, ou o inventário for processado no exterior, caberá à lei complementar a fixação da competência para instituição do imposto (art 155, §1°, III).
As alíquotas máximas desse imposto serão estabelecidas pelo Senado Federal, através de resolução (art 155, §1°, IV da Constituição). Nesse aspecto, complementa Machado (2004, p. 342): “[…] salvo esta limitação, prevalece a liberdade dos Estados e do Distrito Federal para o estabelecimento de tais alíquotas”. Isso será efetivado via lei ordinária estadual.
A Resolução n° 9/92 fixou a referida alíquota máxima em 8%. Entretanto, a resolução torna-se problemática quando se observa o seu art 2°, que diz: “as alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal”.
No que se refere a essa disposição, Torres (2002, p. 344) é enfático em afirmar pela sua inconstitucionalidade, por ferir o art 155, §1°, IV da Constituição, pois esse dispositivo legal limita a atuação do Senado à fixação da alíquota máxima, ou seja, não lhe caberia tratar de princípios constitucionais, no caso, o princípio da progressividade.
Ademais, transgride o art 145, §1° da Constituição, isto é, o princípio da personalização, visto que limita a progressividade “[…] ao valor do quinhão hereditário, desconhecendo a posição pessoal do herdeiro na linha hereditária; discriminou entre os herdeiros e os legatários e donatários, reservando àqueles a incidência progressiva” (TORRES, 2002, p. 344).
Enfim, o autor (2002, p. 344) sustenta que há a inviabilidade da progressividade, em razão de seu patamar ser considerado extremamente baixo (8%), impossibilitando uma justa aplicação.
Na sua visão, essa teria sido uma boa oportunidade para a promoção da justiça social, porque “o imposto causa mortis, incidindo sobre o incremento do patrimônio dos herdeiros e legatários sem qualquer esforço deles, denota excelente capacidade contributiva […]” (TORRES, 2002, p. 344). Na mesma perspectiva, Baleeira (2002, p. 387) corrobora:
O herdeiro, pelo fato de adquirir um quinhão hereditário ou um legado, logra um aumento de sua capacidade econômica. Logo, o momento é oportuno para que essas novas faculdades sejam objeto de uma tributação enérgica, pois o incremento econômico se logrou sem nenhum trabalho ou esforço do contribuinte. Não importam as objeções econômicas dos clássicos, porque todo imposto cerceia a acumulação de capitais privados, embora opulente os capitais nacionais ou públicos.
O doutrinador informa que em determinados países as alíquotas máximas são de 35%, para filhos, e de 70%, para legatários, quando se trata de quinhões de alto valor.
A idéia base consiste no atendimento simultâneo dos princípios: da progressividade, proporcionando o aumento das alíquotas diante do aumento do montante tributável; e da personalização, agravando a tributação conforme “[…] o afastamento entre herdeiro e de cujus na linha de sucessão” (TORRES, 2002, p. 345).
Caberá ao ente da federação competente para instituir o imposto, por meio de lei, regular a base de cálculo. Machado (2004, p. 342) afirma que a base de cálculo “deve ser, em princípio, o valor de mercado do bem objeto de transmissão. Pode ser menor. Não pode ser maior, posto que se estaria atingindo riqueza outra que não o próprio bem transmitido”.
Como a Constituição nada menciona acerca do contribuinte e do tipo de lançamento a ser realizado, caberá à lei do Estado tributante pormenorizá-los.
No entanto, em linha de princípio, é possível afirmar que o contribuinte, no caso de herança, deverá ser o herdeiro ou legatário; e no caso de doação, poderá ser tanto o doador quanto o donatário.
Nesse ponto, Baleeiro (2002, p. 388) sustenta que a companheira também poderia ser beneficiária da transmissão causa mortis e, portanto, ser contribuinte do respectivo imposto. É assim que se posiciona: “o legislador estadual deveria considerar, igualmente, em posição benigna, a ‘companheira’ nos casos em que lhe têm reconhecido amparo as leis trabalhistas e a jurisprudência (STF, súmula n° 380)”.
No entanto, há que se fazer uma reflexão quanto à matéria: Venosa (2004, p. 117) sustenta que “[…] a lei n° 8.971/94 inseriu o companheiro na ordem de vocação hereditária”. A questão reside em saber se esse diploma legal foi ou não recepcionado pelo Código Civil vigente, pois o legislador não foi expresso a esse respeito.
Caso se entenda que a companheira é herdeira a questão estará solucionada. Mas o Código Civil de 2002 não confere, expressamente, à companheira o status de herdeira, pois, a despeito de concorrer com os herdeiros legítimos (art 1790), porém somente quanto aos bens adquiridos onerosamente a partir da união, não consta do rol de herdeiros legítimos do art 1829 do Código Civil.
Ainda no campo hipotético, pode-se dizer pela tendência ao lançamento por declaração, na medida em que, via de regra, “o contribuinte oferece ao fisco os elementos necessários ao respectivo cálculo” (MACHADO, 2004, p. 343).
4.2 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS)
A Constituição Federal de 1988 ampliou o objeto de abrangência desse imposto, de forma que, além da circulação de mercadorias (já tributada por ICM no Texto Constitucional anterior) incluiu as prestações de serviços interestaduais e intermunicipais; e de comunicações.
Quanto às operações de circulação de mercadorias, houve a ampliação de sua compreensão a partir do detalhamento constante do art 2° da Lei Complementar 87/96, em substituição ao Decreto Lei 406/68 e co Convênio ICMS 66/88.
Assim, o fato gerador desse imposto, segundo Torres (2002, p. 346) bem como a corrente doutrinária e jurisprudencial dominantes é:
[…] a circulação econômica das mercadorias revestidas obrigatoriamente de qualquer forma jurídica. Todo ato jurídico que implique circulação econômica de mercadoria, independentemente de sua natureza gratuita ou onerosa, será fato gerador de ICMS; da mesma forma as situações jurídicas que legitimem a circulação econômica, como, por exemplo, a situação do industrial e do comerciante que promovem as remessas de mercadorias de um estabelecimento para outro de seus estabelecimentos, bem como o autoconsumo da mercadoria sem a sua circulação física para fora do estabelecimento, posto que para o ICMS é indiferente que haja, ou não, a transferência de domínio. (grife-se)
Torres (2003, p. 346) fundamenta seu entendimento em dois dispositivos da Lei Complementar 87/96: o art 2°, §2°, pelo qual “a caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua”; e o art 21, I, segundo o qual considera-se ocorrido o fato gerador “da saída da mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.
Em sentido diverso, Tonera e Brasil Junior (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 198) afirmam que a transferência de domínio é requisito para a cobrança de ICMS. Esses autores estabelecem as seguintes condições para a incidência de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços:
I- se trate de negócio jurídico firmado por comerciante ou a esse equiparado pelo Direito Comercial;
II- o negócio jurídico deva consubstanciar-se em contrato de natureza mercantil;
III- o deslocamento seja oneroso – operação onerosa;
IV- implique deslocamento de bem passível de comercialização; e
V- implique transferência de titularidade daquele bem.
Percebe-se que, nessa perspectiva, a mera circulação física de mercadoria não enseja a cobrança do imposto, ou seja, é imprescindível a circulação jurídica, nos termos acima expostos.
Nesse sentido, frise-se, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que parece mais sustentável, conforme julgados que seguem abaixo:
Tributário. ICMS. Fato gerador. Saída física. Inocorrência. Deslocamento de mercadorias entre filiais do mesmo contribuinte. A mera saída física da mercadoria, consistente no deslocamento entre filiais da mesma empresa, não constitui fato gerador de ICMS, que demanda haja circulação de conteúdo econômico, mediante movimentação de riquezas, normalmente em função de compra e venda de bens (mercadorias). Precedentes. Recurso provido, por unanimidade. (Resp. 62.383/SP – 1995/0012825-0 – DJ 28.08.1995 – p. 26.570 – Rel. Min. Demócrito Reinaldo – Decisão 21.06.1995 – Órgão Julgador – 1ª Turma) (grifou-se)
Tributário. ICMS. Transferência de bens. Fato gerador. 1. O deslocamento de bens de um estabelecimento para outro, pertencente ao mesmo titular, ainda que situado em Estado diverso, não gera hipótese de incidência de ICMS, isto porque para que ocorra o fato gerador do mesmo, é imprescindível que haja a venda de mercadoria. (Resp. 121.738/RJ – 1997/0014732-0 – DJ 01.09.1997 – p. 40.760 – Rel. Min. José Delgado – Decisão 17.06.1997 – Órgão Julgador – 1ª Turma) (grifou-se).
Tratando ainda da circulação de mercadoria, entendida a partir da transferência de domínio, Seixas Filho (2006, p. 115) relata um parecer envolvendo a possibilidade de responsabilização fiscal e criminal de uma Empresa sediada no Rio de Janeiro ao emitir uma nota fiscal de venda para um estabelecimento indicado pela empresa compradora, com alíquota interestadual reduzida, em razão do veículo pertencente à compradora não ter entregue a mercadoria no estabelecimento convencionado como destinatário, mas em outro estabelecimento, localizado num Estado cuja alíquota interestadual era majorada.
Vale ressaltar que o problema em análise envolve uma venda FOB, ou seja, considera-se que a propriedade da mercadoria se transfere plenamente à compradora com a sua respectiva entrega. No caso, essa entrega se deu no interior da própria fábrica, de forma que a mercadoria foi devidamente colocada no veículo de propriedade da empresa compradora.
O autor (SEIXAS FILHO, 2006, p. 117) defende que a partir de então a responsabilidade é plenamente da empresa compradora, incluindo o transportador, por quaisquer eventos que venham a ocorrer envolvendo diferenciação de alíquota. Ensina o doutrinador:
Estando a mercadoria vendida em plena posse e propriedade da empresa compradora, existente de fato e juridicamente no mercado, qualquer alteração que resolver dar ao seu destino será de sua total e plena responsabilidade jurídica, nada podendo transbordar para a empresa vendedora, por sua total escusabilidade com relação aos atos praticados pela adquirente.
Assim, só caberia a responsabilidade solidária entre ambas as empresas, a ser apurada pelo Fisco, se comprovado dolo ou culpa da empresa vendedora. No caso, não pode haver a presunção do dolo ou da culpa. Portanto, defende-se a possibilidade de responsabilidade subjetiva, mas nunca a objetiva, em razão da imprescindibilidade de verificação da culpabilidade para a imputação de um ilícito tributário. Na análise do caso acima descrito, Seixas Filho (2006, p. 121) concluiu que:
[…] o auto de infração lavrado contra a empresa vendedora não tem cabimento por falta de prova de algum ato ilícito praticado pela mesma, devendo ser, conseqüentemente, invalidado para todos os efeitos jurídicos, seja na área tributária, seja na criminal.
No que se refere à venda objeto de tributação, essa deve consistir numa prática rotineira, na medida em que a venda ocasional não pode ser tributada por imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (TONERA E BRASIL JUNIOR. PEREIRA FILHO coord. 2005, p. 195).
Tal já era o entendimento do Supremo Tribunal Federal desde a Constituição Federal de 1967: “o ICMS não incide sobre venda ocasional estranha à atividade profissional do vendedor e não realizada com o fim de lucro (RTJ, V. 531, p. 191)” (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 195).
Portanto, nota-se que é indispensável a habitualidade em vendas para que se possa cogitar em cobrar imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.
O Estado competente para cobrar esse imposto é aquele “[…] em que se verifica a sua hipótese de incidência” (MACHADO, 2004, p. 344). Mas, muitas vezes, os efeitos práticos objetivados não são alcançados, em razão das distorções decorrentes da não cumulatividade (art 155, §2°, I da Constituição Federal) desse imposto.
Afinal, privilegiam-se os Estados predominantemente produtores em detrimento daqueles que são preponderantemente consumidores.
No caso desse mesmo imposto, mas no âmbito da importação, a competência para cobrança é do Estado de localização do estabelecimento importador.
No entendimento de Pereira Filho (2005, p. 209), o ICMS-importação, introduzido pela Emenda Constitucional 33/01, é inconstitucional, pois:
“[…] foi desnaturado o critério material do ICIMS nas importações, que, antes do advento da referida Emenda, consistia na conduta de realizar operações relativas à circulação de mercadorias, provenientes do exterior, passando a incidir, agora, sobre a conduta de importar bens do exterior”.
Pela leitura da citada emenda verifica-se que o Estado poderá tributar, a título de ICMS, todas as importações de bens e não somente aqueles que impliquem em circulação de mercadorias, por qualquer pessoa, mesmo que não seja comerciante. Nesses termos, Pereira Filho (2005, p. 217) tece a seguinte crítica:
Nota-se, com base na leitura do novo texto constitucional que […] pode-se considerar como fato gerador do imposto não só as operações relativas à circulação de mercadorias, quer sejam realizadas no mercado interno ou se iniciem no mercado externo, mas também, a entrada de qualquer bem importado do exterior, por qualquer pessoa física ou jurídica, mesmo que não seja contribuinte do imposto.
Deve-se considerar, ao contrário do que a Emenda 33/01 deu a entender, como sujeito passivo desse imposto a pessoa física ou jurídica que pratique negócios jurídicos com habitualidade. Esse, inclusive, já era o entendimento do Supremo Tribunal Federal antes da própria Emenda que incluiu o ICMS-importação no sistema jurídico pátrio. Diz Pereira Filho (2005, p. 214):
[…] o STF, em julgamento proferido em momento anterior à promulgação da EC 33/01, já decidira que a pessoa física que importasse bem, para uso próprio, não deveria pagar ICMS, já que não realizava operações relativas à circulação de mercadorias, porquanto não se vislumbrava o traço de habitualidade na importação das mesmas.
Essa sustentação está em compasso com o Texto Constitucional, o qual fixa o estabelecimento importador como o sujeito passivo do ICMS, ou seja, é necessário que se trate de comerciante, que pratique de forma reiterada negociações jurídicas com mercadorias.
Assim, na mesma linha de pensamento, o art 4°, p.u., I da Lei Complementar 87/96 é inconstitucional, visto declarar que “é também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade, importe mercadorias do exterior, ainda que as destina a consumo ou ao ativo permanente”.
Em suma, a Emenda Constitucional 33/01 transgride o art 153, I da Constituição Federal, pois esse dispositivo confere exclusivamente à União competência para cobrar imposto sobre importação de produtos estrangeiros. De forma que essa competência não pode ser delegada aos Estados, como o fez a emenda.
Além disso, fere o art 154, I da Lei Maior, na medida em que esse diploma legal diz que a União não poderá criar outros impostos que estejam previstos no dispositivo anterior e em citado dispositivo já há o imposto sobre importação.
Portanto, as críticas que se devem fazer à Emenda Constitucional 33/01 são fundamentalmente duas, conforme lições de Pereira Filho (2005, p. 221):
[…] ao modificar a linguagem da Constituição, o legislador, na realidade, (i) afetou o critério material do ICMS, porque a conduta não é mais realizar operações com mercadorias oriundas do exterior, mas importar mercadorias ou bens; (ii) desfigurou o sujeito passivo do ICMS, visto que, atualmente, o sujeito passivo não mais precisa levar a cabo atos mercantis, com freqüência, bastando que realize o fato importar mercadorias ou bens do exterior.
No que se refere à prestação de serviços, também objeto da incidência desse imposto, destacam-se o transporte interestadual e intermunicipal bem como a comunicação. Verifica-se que as prestações de serviço em geral permanecem da competência municipal, tributáveis por meio de imposto sobre serviços (ISS).
Antes da promulgação da vigente Carta Política, os tribunais discutiam se era cabível a incidência de imposto sobre o transporte de carga própria, de forma que se pacificou o entendimento pelo não cabimento, diante da inconstitucionalidade. Nesses termos, esclarece Machado ((2004, p. 353):
O entendimento segundo o qual o ISTR não incidia sobre o transporte de carga própria, aliás, chegou a ser consagrado pelo Supremo Tribunal Federal. O DJU de 25.5.1984, pp. 8.232 e 8.233, publicou vários acórdãos do STF que em sessão plenária de 14.3.1984 decidira pela inconstitucionalidade do art 3°, III do Decreto-lei n. 1.438/75, com redação que lhe deu o Decreto-lei n. 1.528/77.
A partir da Constituição de 1988, com a atribuição de competência dos Estados e do Distrito Federal para cobrar imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, manteve-se o entendimento e Machado (2004, p. 353) traz as razões para tanto: “[…] o valor desse transporte estará necessariamente incluído no valor das mercadorias transportadas, e assim automaticamente alcançado pelo tributo”.
No âmbito das prestações de serviços, o legislador constitucional repartiu a competência tributária entre Estados e Distrito Federal e Municípios, adotando o critério da exclusão, ou seja, o art 156, III do Texto Constitucional fixa a competência municipal quanto aos serviços de qualquer natureza ressalvados aqueles contidos no art 155, II da Constituição.
Os serviços relativos ao art 155, II da Constituição devem ser definidos por meio de Lei Complementar, por força do art 156, III do mesmo diploma legal. A grande questão discutida pela doutrina diz respeito ao caráter taxativo ou exemplificativo dessa lei complementar.
No entender de Chiesa (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 83) o rol da lei complementar quanto aos serviços de competência do Município é meramente exemplificativo, sob pena de se ferir a autonomia das unidades tributantes, pois, caso contrário, está a se admitir que o Congresso Nacional determine os serviços de competência do ente municipal. Nesse sentido, sustenta o autor:
[…] a Lei Complementar não enumera taxativamente os serviços que podem ser tributados pelos Municípios por intermédio do ISS, mas apenas aplica ao ISS as diretrizes do art 146 da Constituição Federal, ou seja, presta-se a dispor sobre ‘conflitos de competência’ (aplicação a casos concretos) entre o ISS e outros tributos, e regular limitações constitucionais ao exercício da competência para, via imposto, tributar as prestações de serviço de qualquer natureza.
Assim há que se entender que o Município pode instituir o tributo sobre toda e qualquer prestação de serviço, salvo aquelas que a própria Constituição lhe afastou. Portanto, a competência municipal, nesse âmbito, é plena.
Analisando-se o Texto Constitucional verifica-se que a competência dos Estados e do Distrito Federal relaciona-se à prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, portanto, os intramunicipais, na visão de Chiesa (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 86), são tributáveis pelo ISS municipal; e de comunicação, mas quanto a esses não traz maiores especificações.
Na visão do autor (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 86) há que prevalecer a interpretação sistemática do Texto Constitucional e a partir do exame de suas normas verifica-se a preocupação do legislador em garantir a autonomia financeira dos entes da federação.
Nesse aspecto, não seria razoável entender-se que aos Estados e ao Distrito Federal compete a tributação ilimitada sobre a prestação de serviços de comunicação, de forma que cabe aos Estados cobrar referido imposto quando a prestação do respectivo serviço se dê no seu âmbito territorial. Assim, reitera Chiesa (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 86):
[…] os serviços prestados nos estritos limites dos Municípios somente podem ser tributados pelo ISSQN, incidindo o ICMS tão-somente quando os serviços de comunicação extrapassarem os respectivos limites (serviços de comunicação transmunicipais).
Outro ponto que merece destaque diz respeito àquilo que se deve entender por comunicação a ensejar a incidência do respectivo ICMS-comunicação. Quanto ao tema, Chiesa (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 90) sustenta que referido imposto terá cabimento quando se tratar de prestação de serviço de comunicação e não a pura e simples comunicação, em si mesma considerada.
Chiesa (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 90) é claro ao afirmar que o imposto em estudo “[…] incide sobre um negócio jurídico que tenha por objeto uma obrigação de fazer com que se efetive a comunicação”.
E acrescenta: “[…] não é todo e qualquer serviço que dá ensejo à cobrança de ‘ICMS-comunicação’, mas somente as prestações de serviços que viabilizam a comunicação entre partícipes que estão situados fora dos limites de determinado Município”.
Afinal os mesmos serviços quando se estabelecem no âmbito territorial do Município são passíveis de ISS, imposto de competência municipal. Chiesa (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 94) traz uma lista de situações que deveriam ser tributadas por ISS e não por ICMS-comunicação: serviço 102; serviço hora-certa; serviço despertador; caixa de mensagem, pois não constituem serviço de telefonia propriamente dito e sim prestação autônoma.
O imposto sobre circulação de mercadorias e serviços tem por função preponderante a fiscalidade, consistindo em fonte de receita para os Estados e o Distrito Federal.
Contudo, esse imposto tem sido usado, freqüentemente, com função extrafiscal, o que, no entender de Machado (2004, p. 344), é uma realidade “[…] desaconselhável, em virtude das práticas fraudulentas que o tratamento diferenciado pode estimular”.
Vale ressaltar que a função extrafiscal atribuível ao ICMS é permitida pelo art 155, §2°, III da Constituição Federal, que autoriza a seletividade do imposto, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
E, para evitar o surgimento de problemas, o art 155, §2°, IV e V da Constituição restringe essa faculdade, segundo Machado (2004, p. 344), “[…] atribuindo ao Senado Federal competência para estabelecer as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação e a esse facultando o estabelecimento de alíquotas máximas e mínimas nas operações internas”.
Vale ressaltar que na Constituição anterior as alíquotas do ICMS “[…] deviam ser uniformes para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais” (BASTOS, 1999, p. 258).
De acordo com o Texto Constitucional vigente, consagra-se a possibilidade do ICMS ser seletivo, conforme acima explicitado. Mas, para evitar fraudes na busca pelo pagamento da alíquota mais baixa, a Constituição estabeleceu as regras contidas no art 155, §2°, VII e VIII, que são elucidadas por Machado (2004, p. 356) da seguinte maneira:
[…] se o adquirente de um bem destinado ao consumo ou ao ativo fixo não é contribuinte do imposto, a alíquota aplicável é a interna. É irrelevante o fato de estar o adquirente domiciliado, ou sediado, em outro Estado. Se o adquirente é contribuinte do imposto, fato que comprovará facilmente junto ao vendedor, a alíquota aplicável é a interestadual. Se o contribuinte do ICMS adquire mercadoria em outro Estado e a destina ao consumo próprio, ou ao ativo fixo, pagará o Estado de sua sede a diferença.
Um outro ponto destacado pela doutrina diz respeito às isenções, que podem ser concedidas aos Estados por meio de convênios, visto que a Constituição Federal, em seu art 155, §2°, XII, “g”, faz remissão à lei complementar e a respectiva lei de n° 24/75 disciplina a celebração dos convênios.
A grande divergência doutrinária quanto ao tema refere-se à adequação do convênio enquanto instrumento formal hábil a conceder isenções em ICMS. Nesse aspecto, Bastos (1999, p. 260) traz três posicionamentos distintos.
O primeiro, pela adequação total e absoluta do convênio para veicular essas isenções, sendo, portanto, dispensável a aprovação legislativa posterior.
O segundo, intermediário, é no sentido de que o convênio só produz efeitos jurídicos após a ratificação ulterior das Assembléias Legislativas Estaduais.
O terceiro entende que o convênio é instrumento inadequado para tratar de isenção, o que só pode se dar mediante lei, conforme art 97, VI do Código Tributário.
Outro fundamento, ratificando esse último posicionamento, está na própria Constituição, em seu art 155, §2°, XII, “g”, que diz caber à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos”.
Seguindo essa tendência, os convênios que os Estados celebram entre si “[…] devem funcionar como limitações ao Poder Legislativo de cada qual, mas não como instrumento para disciplinar as relações entre o fisco e o contribuinte” (MACHADO, 2004, p. 362). Essa parecer ser a melhor argumentação.
O Supremo Tribunal Federal vem se posicionando no sentido de uma vez revogada a norma concessiva de isenção, seja restabelecida a cobrança do ICMS de imediato.
Quanto à base de cálculo desse imposto vale ressaltar que, de maneira geral, será “[…] o valor da operação relativa à circulação de mercadoria, ou o preço do serviço respectivo”.
Mas cabe frisar que a Lei Complementar 87/96 enumera de forma diversa outras situações específicas.
Há discussão doutrinária com relação à inclusão de juros, nas vendas financiadas e a prazo, na base de cálculo do ICMS. Na lição de Salomão (PEREIRA FILHO coord., 2005, p. 229), a corrente majoritária sustenta a inconstitucionalidade dessa inclusão. E o autor (PEREIRA FILHO, 2005, p. 230) aborda os seguintes fundamentos:
Pelo prisma tributário, é absolutamente indiferente para o Estado e para o comerciante, se ele vendeu à vista ou de forma financiada, pois os encargos financeiros não poderão ser tributados pelo ICMS de forma alguma. A base de cálculo é, e será sempre, o preço à vista da mercadoria, mesmo nas compras financiadas através de cartões de crédito; qualquer valor incluído nesse cálculo extrapola a competência para cobrança do ICMS.
E acrescenta ser irrelevante que a venda a prazo se estabeleça por cartão de crédito ou por financeira, o ICMS não poderá atingir os juros. Diz o autor (PEREIRA FILHO, 2005, p. 230):
Exatamente como se dá com os encargos exigidos pelas operadoras e financeiras, os juros cobrados diretamente pelo vendedor face à concessão de prazo, jamais poderão ser alcançados por um imposto cuja hipótese de incidência é uma operação mercantil, e não financeira.
Verificam-se nessas situações duas relações jurídicas diversas: uma, referente à compra e venda, na qual a cobrança de ICMS é cabível; e outra, consistente no crédito, cuja cobrança de ICMS não é autorizada constitucionalmente, por outro lado, incide IOF (imposto sobre operações financeiras).
Mas, de modo surpreendente, o doutrinador (PEREIRA FILHO, 2005, p. 235), citando entendimento de Geraldo Ataliba no mesmo sentido, chega à conclusão, fundado na Lei 6463/77, alterada pela Lei 8979/95, de que se não for possível identificar no valor da mercadoria o que seja o preço e os juros e demais encargos caberá a incidência do ICMS, pois esse abrangerá o valor total da mercadoria, incluindo, portanto, os juros.
Nessa perspectiva, duas situações se tornam possíveis: a logo acima citada e, outra, na qual seja perfeitamente possível identificar o que seja valor da mercadoria e o que seja juros e encargos; caso em que o primeiro valor será objeto de ICMS e o segundo de IOF. Enfatiza Salomão (PEREIRA FILHO, 2005, p. 237):
Parece nítido […] que a questão é formal. Se este procedimento contábil não for feito, com a minuciosa demonstração do que é valor da mercadoria e do que são encargos financeiros, esta distinção tributária não terá aplicação e, ai sim, incidirá ICMS sobre tudo, pois não será possível distinguir a natureza dos valores da operação. Por outro lado, uma vez respeitadas as exigências da lei 6463/77, com a identificação contábil e pública precisa do que é preço de mercadoria e o que são encargos financeiros, o Estado está impedido constitucionalmente de exigir ICMS sobre o valor referente aos referidos encargos.
Há ainda outra situação interessante envolvendo a base cálculo do ICMS. Trata-se do pagamento antecipado de ICMS por estimativa, denominado, por vezes, de substituição tributária para frente, o que vem consagrado pela Constituição Federal em seu art 148, no que é repetido pela Lei Complementar 87/96.
Quanto à matéria, Seixas Filho (2006, p.124), seguindo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende não haver qualquer inconstitucionalidade nessa prática, ou seja, da incidência do ICMS mesmo antes da ocorrência do fato gerador, “[…] desde que seja autorizada a restituição ou compensação do valor pago a maior em relação ao verdadeiro valor da dívida […]”, o que é, inclusive, autorizado pela lei complementar 87/96, em seu art 10.
Esse regime de estimativa funda-se “[…] numa presunção de como deverá ocorrer na fase futura o fato gerador” (SEIXAS FILHO, 2006, p. 124). O legislador levou em consideração que a inocorrência desse fato gerador presumido é raríssima, afinal “[…] dependerá de não ser vendida a mercadoria sujeita ao regime da substituição tributária” (SEIXAS FILHO, 2006, p. 127).
O que se implementa, com freqüência, na prática, é a ocorrência do fato gerador de forma diversa da presumida. Nesse caso, deverá ocorrer a restituição ou a compensação do ICMS.
Assim, Seixas Filho (2006, p. 129) conclui pela constitucionalidade do pagamento antecipado de ICMS e faz a seguinte sugestão:
[…] o regime de substituição tributária para a frente do ICMS, poderá ser instituído por mera lei ordinária, pois não só a técnica de arrecadação por estimativa, como a técnica de pagamento antecipado, desde que previsto em confronto de contas a final, não exigem autorização legislativa especial.
No mesmo sentido, Sacha (2004, p. 384). Além dele, Machado (2004, p. 357) também defende a constitucionalidade da substituição para frente do ICMS e reitera da mesma forma, ou seja, que “[…] o arbitramento da base de cálculo é apenas para efeito de antecipação. Sendo a operação relativamente à qual o imposto foi antecipado de valor menor, tem o contribuinte direito à restituição da diferença”. E acrescente-se, quando o valor for recolhido à maior, caberá a compensação.
4.3 IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA)
A doutrina brasileira oferece poucas palavras a esse tributo e Sacha (2004, p. 411) justifica esse comportamento pelo seguinte motivo: “o imposto não oferece grandes dificuldades […]”.
De toda sorte é possível elencar alguns, mesmo poucos, pontos relevantes que envolvem a matéria.
O imposto sobre a propriedade de veículos automotores tem, predominantemente, função fiscal, ou seja, visa a arrecadação de receita para atender às necessidades públicas dos Estados e dos Municípios, pois segundo Bastos (1999, p. 265) esses entes da federação repartem igualmente entre si o produto da arrecadação.
Mas há situações em que esse tributo apresenta função extrafiscal; é assim que Machado (2004, p. 365) traz como exemplo a discriminação em razão do combustível utilizado.
De forma que o autor (2004, p. 365) faz uma sugestão interessante a título de realização de justiça fiscal: “[…] melhor seria que o IPVA tivesse alíquotas progressivas em função da utilidade e do valor do veículo, onerando mais pesadamente os automóveis de luxo”. Quanto a esse tema, Seixas Filho (1999, p. ), entende que isso já é uma realidade, ou seja, “nada impede que um veículo ou imóvel de maior valor recebam do legislador ordinário uma alíquota maior do que um veículo ou imóvel de menor valor”.
A idéia base é que o veículo mais luxuoso demonstra maior capacidade contributiva e, portanto, permite maior invasão patrimonial por meio da tributação. Machado (2004, p. 366) compartilha desse mesmo pensamento e afirma que essa possibilidade se estabelece diante das hipóteses de extrafiscalidade do IPVA.
Entendendo da mesma maneira, Sacha (2004, p. 411): “o IPVA é modalidade de imposto sobre o patrimônio pessoal, direto e progressivo, em razão do valor do veículo de propriedade do contribuinte” (grife-se).
Aliás, no que diz respeito à alíquota vale frisar que a do IPVA é fixa e, em verdade, não há tecnicamente alíquota (e também base de cálculo), pois o valor do imposto é fixado numa tabela, divulgada pelo Estado, isto é, não existe cálculo a ser realizado.
Nesse ponto, afirma Machado (2004, p. 366): “tendo-se em vista a marca, o modelo e o ano de fabricação do veículo, localiza-se na tabela o valor do imposto a ser pago”.
O autor (2004, p. 366) esclarece que a jurisprudência vem se posicionando pela rejeição de tributação diferenciada de veículos tendo em vista a origem, distinguindo entre veículos nacionais e estrangeiros.
Quanto à matéria, Seixas Filho (2006, p. 59), em parecer, também se posiciona no mesmo sentido, ou seja, pela proibição de se discriminar produtos estrangeiros em sede de IPVA.
O autor argumenta que essa diferenciação transgride vários dispositivos constitucionais, dentre eles: os art 21; 22, VIII e 152. E salienta que a discussão acerca da inconstitucionalidade da Lei 948/85 do Estado do Rio de Janeiro perdeu a sua razão de ser, pois foi corrigida tacitamente pela lei 2877/97, em seu art 10.
A questão é latentemente inconstitucional pela simples observação do art 152 do Texto Constitucional, o qual veda aos entes da federação o estabelecimento de diferença tributária entre bens e serviços, qualquer que seja a sua natureza, pela sua procedência ou destino.
É nesse sentido que Seixas Filho (2006, p. 53) reitera: “não podem os Estados distinguir um produto nacional de um produto de procedência estrangeira fixando alíquota diferenciada, seja em matéria de ICMS, seja no âmbito do IPVA {…]”.
Verifica-se ainda, além da vedação constitucional expressa, essa mesma proibição de discriminação entre mercadorias e produtos, em razão da origem nacional ou estrangeira, em Tratados Internacionais, regionais (MERCOSUL) e Multilaterais (GATT-Acordo Geral de Tarifas e Comércio), dos quais o Brasil é signatário e, portanto, deve respeito às normas. Assim, tem sido o entendimento dos tribunais:
“CONSTITUCIONAL. DISTINÇÃO ENTRE ISENÇÃO HETERÔNOMA E GARANTIAS DO GATT. Quem tributa ou isenta do ICMS são os Estados. Mas a União pode, por acordo internacional, garantir que a tributação, quando adotada, não discrimine os produtos nacionais e os estrangeiros, em detrimento destes. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos” (Embargos de Declaração no REsp. nº 136545/RJ – 2ª Turma – Unânime – Rel. Min. Ari Pargendler – publicada a ementa no DJ – I, – de 24.11.97, p. 61.177).
Segundo Seixas Filho (2006, p. 58) a única regra referente a obstáculos tributários numa mercadoria exportada de um país para outro participante do Tratado é o imposto de importação, o qual possui competência federal.
Portanto, na visão de Seixas Filho (2006, p. 57), aceitar que essa discriminação seja efetuada pelos Estados significa invasão da competência exclusiva da União para relacionar-se com Estados estrangeiros bem como participar de organizações internacionais; além de afetar a competência exclusiva da União para legislar sobre comércio exterior e sobre impostos de importação de produtos estrangeiros.
Ademais, no momento em que o contribuinte efetua o pagamento do imposto de importação nenhuma outra distinção tributária pode ser estabelecida no âmbito interno, sob pena de bis in idem.
Machado (2004, p. 366) tem visão no mesmo sentido: “[…] em se tratando de comércio exterior os instrumentos adequados são os impostos federais sobre importação e exportação, em virtude da competência da União nessa matéria”.
É nessa perspectiva da inconstitucionalidade no estabelecimento de distinções entre veículos nacionais e estrangeiros através da fixação de alíquotas majoradas para esses últimos no âmbito estadual, que Seixas Filho (2006, p. 59) conclui:
[…] o veículo de procedência estrangeira somente poderá ser tributado com base nessa qualidade, de não ser nacional, pela União Federal, e mesmo assim, exclusivamente, através do imposto de importação. Após o seu desembaraço aduaneiro, nenhuma distinção mais poderá ser feita entre bem ou produto nacional ou estrangeiro, em detrimento deste último.
A titulo de esclarecimento vale observar que o fato gerador desse imposto é a propriedade de veículo automotor e o contribuinte, o proprietário desse veículo. De forma que a doutrina (MACHADO, 2004, p. 366) vem sustentando que o estabelecimento da propriedade tem como marco o licenciamento.
No que se refere ao contribuinte, vale ressaltar que a lei 4955/85 do Estado de São Paulo, por exemplo, considera o possuidor como responsável solidário, juntamente com o proprietário, pelo pagamento do IPVA; de forma que ambos ou qualquer deles isoladamente podem ser acionados para que efetuem o respectivo pagamento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que o ideal é que cada ente da federação atue a partir do exercício da competência que lhe conferiu a Constituição Federal, ou seja, sem invadir a competência de outras pessoas políticas.
O objetivo da federação é justamente o de promover a igualdade entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o que é viabilizado através do Texto Constitucional fixando suas respectivas competências. Nesses termos, ensina Carraza (2005, p. 146):
[…] sendo autônomo cada Estado deve, sem interferências federais ou estaduais, prover as necessidades de seu governo e administração. Para isto, a Lei Maior conferiu a todos o direito de regular suas despesas e, conseqüentemente, de instituir e arrecadar, em caráter privativo e exclusivo, os tributos que as atenderão.
Mas cabe frisar que, além dessas hipóteses traçadas na Constituição, há situações em que os Estados irão exercitar sua competência via lei complementar, o que conserva o princípio federativo da mesma maneira, afinal essa autorização destinada ao legislador infraconstitucional é conferida pela própria Lei Maior.
Nota-se que cada ente da federação é autônomo para exercer a sua competência tributária, portanto, é imperioso que nenhum deles interfira na atribuição do outro, a fim de que seja mantido e preservado o direito de regular suas próprias despesas.
Por outro lado, é imprescindível que os cidadãos exerçam o seu dever e efetuem o pagamento dos respectivos tributos, para que o Estado disponha de recursos suficientes para atender, ao menos, as necessidades públicas essenciais, promovendo o bem estar social.
Mestranda em Políticas Públicas e Processo pela Faculdade de Direito de Campos (FDC – RJ), pós-graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV – ES) e advogada.
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