Reconsiderando o processo civil brasileiro


Imerso num profundo positivismo jurídico, sob a influência de vigorosos dogmas, com grande preocupação conceitualística e, ainda sob o influxo de mar revolto de princípios de forte verve garantista, veio a travar embates entre princípios e valores oriundos do contraditório e do devido processo legal (due process of law).


A grande lição de Mauro Cappelletti é que o acesso à justiça é o maior valor a se cultuar no trato das coisas do processo.


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Da minha parte enxergo o acesso à justiça como parte da cidadania, daí não se pode deixar de identificar que a tutela jurisdicional como meio concreto de oferta de processo justo, isto é, capaz de produzir igualmente resultados justos.


O direito de processo como meio eficaz de defesa de seus interesses e direitos com plena observância dos preceitos e regras inerentes ao exercício da jurisdição, da ação e da defesa (due processo of law).


Nem a segurança jurídica supostamente absoluta, é de fato  valor tão elevado que legitime  fechar de olhos aos reclamos por um processo rápido, ágil e realmente capaz de eliminar conflitos de interesses propiciando soluções válidas e invariavelmente úteis.


Ao passarmos por esse curso que pretende produzir uma atualização no conhecimento do direito processual brasileiro, vamos em verdade, analisar as tendências contemporâneas do processo.


Durante as aulas, será necessário o debate sobre as questões controvertidas produzidas pelas sucessivas reformas introduzidas no CPC.


E, o certo descompasso do CPC tão retalhado com o Código Civil de 2002.


Primeiramente, vamos lembrar que o vigente Código de Processo Civil Brasileiro foi fruto do anteprojeto do eminente professor Alfredo Buzaid (discípulo de Liebman) e, trouxe no seu bojo uma exposição de motivos que indicou o porquê seguiu a trilha dos modelos europeus e, já propugnava pela unificação das execuções da sentença condenatória e dos títulos extrajudiciais, ficando destarte suprimidas a ação executiva oriunda do CPC de 1939 e o executivo fiscal como “ação autônoma”.


Mais tarde, a execução fiscal recupera sua autonomia pela Lei 6.830/80.


A arquitetura jurídica tornou o processo mais célere e eficiente. Esquadrinhando atalhos, sumarizações e condensações necessárias aos procedimentos.


E, nesse sentido opinou Barbosa Moreira quando detectou as atuais tendências do direito processual civil.


As reformas setoriais do CPC sob a iniciativa da ESCOLA NACIONAL DA MAGISTRATURA, orientada na época pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e do Instituto Brasileiro de Direito Processual então presidido pela professora ADA PELLEGRINI GRINOVER e, ainda com a colaboração de outros ilustres processualistas que lograram em termos gerais de alcançar excelentes resultados.


Basta, por exemplo, identificar o progresso tanto pragmático como teórico trazido pelo instituto da antecipação dos efeitos da tutela (inclusive na seara da ação rescisória).


Adiante: a célere sistemática do agravo de instrumento (o que conteve e reduziu sensivelmente o anormal uso do mandado de segurança).


Pela maior eficiência e praticidade conferida à ação de consignação em pagamento, pela introdução da ação monitória (um tertius genus de cognição e execução), a já anunciar o contemporâneo processo sincrético fartamente utilizado na liquidação da sentença hoje em dia.
Pela ampliação do rol de títulos executivos extrajudiciais, pela eficácia potencializada das sentenças dirigidas ao cumprimento das obrigações de fazer, não-fazer e também de entrega de coisa.


Outros pontos relevantes foram aparecendo paulatinamente como o limite do reexame necessário do duplo grau de jurisdição, a permitida fungibilidade das providências antecipatórias e as medidas cautelares incidentais, pelo reforço dado a execução provisória com a permissão de alienação de bens mediante a caução adequada.


Pela atribuição de força executiva lato sensu à sentença condenatória de entrega de bens; pela permissão ao relator que proceda à conversão do agravo de instrumento em retido;


Pela limitação de cabimento dos embargos infringentes; pela melhor disciplina da audiência preliminar; pela possibilidade de instituição de multa ao responsável quando for pessoa física pelo descumprimento de decisões judiciais.


Pela possibilidade do indeferimento liminar da peça exordial conforme o art. 285-A do CPC.


Pela melhoria experimentada pelos procedimentos executivos, pois como é sabido, a execução sempre foi o autêntico “calcanhar de Aquiles”, ou em palavras vulgares, “ o telhado de vidro do processo civil”.


As reformas sucessivas do CPC na verdade o transformou num diploma legal reformático ponderando principalmente o número reduzido de magistrados atuantes em comparação ao aberrante e massivo índice crescente de litigiosidade presente em todos os tribunais brasileiros.


Enfim, busca-se o trivial que é melhorar o desempenho processual. E produzir a prestação jurisdicional adequada e tempestiva.


O cumprimento das sentenças aclamado por Alcalá-Zamora que foi doutrinador que sempre combateu o tecnicismo da dualidade artificial criada no direito processual, entre o processo de conhecimento e o processo de execução.


Posto que a unicidade da relação jurídica processual e de sua função se estende ao longo de todo procedimento…


A verdade atualmente aceita é da completa integração das atividades cognitivas e executivas. Conjurando o que chamamos de processo sincrético, dotado de fase de conhecimento logo seguida da fase de execução.


Couture conclamava: “conhecimento e declaração sem execução é academia e não processo!”


Vencida a velha dicotomia cognição versus execução, algumas posições fundamentais preciso mesmo ressaltar, a saber:


a) manteve-se a numeração original dos artigos do CPC vindo o resultado das reformas surgir pelo acréscimo de letras (muito parecido com o que se deu no Código Italiano);


b) o Livro II passa a integrar regras somente quanto às execuções por título extrajudicial, podendo haver aplicação subsidiária das regras do procedimento do cumprimento de sentença (art. 475-R do CPC).


c) nas execuções por título extrajudicial após a citação para o pagamento, a realização por oficial de justiça (art. 652 do CPC) prossegue a realização da penhora e avaliação num mesmo momentum, podendo o credor indicar, na exordial da execução os bens do devedor a serem preferencialmente penhorados (conforme, aliás, as recentes alterações sofridas pelo CPC de Portugal que manda também o exeqüente já na exordial executiva indicar tais bens – vide art. 810, n. 5 do CPC Português).


d) ainda nas execuções de título extrajudicial a defesa do executado, não mais dependerá de “segurança de juízo” e se realizará por meio de embargos, de regra SEM efeitos suspensivos, e a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à citação seguindo-se a instrução probatória e sentença (art. 740 caput do CPC).


e) É prevista a possibilidade de o executado requerer, no prazo para embargos (com o reconhecimento da dívida, e a renúncia aos embargos) o pagamento em até SEIS parcelas mensais com o depósito inicial de trinta porcento do valor total do débito. (art. 745-A do CPC).


f) A alienação em hasta pública antes tão anacrônica e formalista além de ser onerosa e demorada, não mais vista como meio melhor para alcançar o justo preço ao bem expropriado. Daí o CPC propor a adjudicação pelo próprio credor, por preço não inferior ao da avaliação;


g) E, assim não o desejando, poderá ainda o credor promover a alienação por iniciativa particular ou através de agentes credenciados mediante permissão e supervisão do juiz. (art. 685-C do CPC).


Assim, será última ratio a realização da alienação em hasta pública.


h) Há a previsão de simplificação dos trâmites (prevendo-se até o uso dos meios eletrônicos) e permitindo ao arrematante o pagamento parcelado do preço do bem imóvel mediante garantia hipotecária.


i)É abolido o instituto da remição (pelo executado) que teve origem em tempos remotos e gerados por diferentes condições históricas, econômicas e sociais.


Ao cônjuge, companheiro, descendentes do executado será lícita a remição, isto sim, exercer a faculdade de adjudicação, em concorrência com o exeqüente. (art. 685-A, § 3º do CPC).


j) o surgimento da penhora on-line que reforça a efetividade do processo de execução, e a prioridade da penhorabilidade de numerário;


l) Também reformadas as regras quanto à penhorabilidade e impenhorabilidade de bens que foram atualizadas priorizando-se a penhora de dinheiro (art. 675 CPC); Prestigiando a maior efetividade do processo de execução e maior solvabilidade do crédito judicializado;


m) Quanto à execução contra Fazenda Pública será objeto separado e que tem merecido atualização;


n) o advento da regulamentação da súmula vinculante pela Lei 11 417/2006 que entrou em vigor em 20/03/2007;


Tratando-se de obrigação por quantia certa, o cumprimento por execução opera-se nos termos do novel Capítulo X do Título VIII do Livro I com aplicação subsidiária no que não for incompatível, das regras do Livro II referente à execução de título extrajudicial.


Vide art. 475-I do CPC.


o) temos ainda a moderna execução provisória (Lei 11.232/2005) a lei até prevê dispensa de caução nos casos de crédito de natureza alimentar, ou decorrente de ato ilícito até o limite de 60 salários-mínimos, quando o exeqüente se encontrar em estado ou situação de necessidade.


Vide ainda art. 475-O inciso II , §2º do CPC


Bem, isso é apenas um começo, de muitos debates e explorações que proporei aos ilustres ouvintes.


Aproveito para manifestar que estou honrada em ser convidada e, estar aqui entre os doutores, para contribuir humildemente de forma positiva para a Escola de Magistratura de Rondônia.


Não poderia deixar de manifestar meu apreço sincero por algumas pessoas, sabendo que outras tantas também foram anonimamente responsáveis por aqui eu me encontrar…
Agradeço assim ao Desembargador Dr. Roosevelt Queiroz Costa (Diretor da EMERON); ao Desembargador Miguel Mônico Neto; ao Dr. Juiz Alexandre Miguel; a Jaqueline Dissenha Lopes , a Jaqueline Brito, Antônio Heberton, a Juíza Dra. Duília Sgrott Reis e o Promotor Dr. Mauro Tomai
E, por fim, agradeço a paciência de todos por me ouvirem até agora.


Obrigada.



Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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Equipe Âmbito Jurídico

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