Resumo: O alto índice de atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes tem preocupado a sociedade que, com medo e insegurança, vem pressionando as autoridades em busca de uma solução para o problema. Desse modo, especula-se a possibilidade da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, como forma de tentar reduzir esses índices e por fim à insegurança social. Contudo, além de violar preceitos constitucionais de proteção à criança e ao adolescente, tal redução viola, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse certame, é necessário que se busque outros métodos para a resolução desse problema social tão grave. Como os fatores que contribuem para o aumento da delinquência infantojuvenil são os mais variados e, muitas vezes, complexos, o objetivo principal desse artigo é fazer uma análise da possibilidade da redução da maioridade penal e comparar a eficiência das medidas sócioeducativas e das penas elencadas no Código Penal Brasileiro, além de sugerir novos projetos e programas de prevenção à violência envolvendo crianças e jovens.
Palavras-chave: Proteção Integral; Maioridade Penal; Delinquência; Políticas-Públicas.
Abstract:The high rate of offenses committed by children and adolescents has worried the society with fear and insecurity, has been pressing the authorities to find a solution to the problem. Thus, it is speculated the possibility of reducing the age of criminal responsibility from 18 to 16 years old as a way to try to reduce these rates and an end to social insecurity. However, in addition to violating constitutional provisions to protect children and adolescents, this reduction violates also the Statute of Children and Adolescents. In this event, it is necessary to seek other methods to solve this social problem as serious. The factors which contribute to increased delinquency infantojuvenil are varied and often complex, the main objective of this paper is to analyze the possibility of lowering the age of criminal and compare the efficiency of educational measures and penalties listed in Brazilian Penal Code, as well as suggesting new projects and programs to prevent violence involving children and young people.
Keywords: Comprehensive Protection; Majority Criminal, Delinquency;-Public Policy.
Sumário: Introdução. 1. Histórico dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. 2. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos e deveres. 2.1. Dos direitos da criança e do adolescente. 2.1.1. Dever da família. 2.1.2. Dever da sociedade. 2.1.3. Dever do Estado. 2.2. Dos deveres da criança e do adolescente. 3. A Responsabilização da criança e do adolescente. 3.1.Medidas sócioeducativas. 3.1.1. Advertência. 3.1.2. Obrigação de reparar o dano. 3.1.3. Prestação de serviços à comunidade. 3.1.4. Liberdade assistida. 3.1.5. Inserção em regime de semiliberdade. 3.1.6. Internação em estabelecimento educacional. 3.2. A aplicabilidade das medidas sócioeducativas. 4. Redução da maioridade penal: Aspectos positivos e negativos. 4.1. Redução da maioridade penal: discussões iniciais. 4.2. A (In) Eficiência do sistema prisional brasileiro. 5. Medidas de prevenção às Infrações infantojuvenis. 5.1. Programa Oportunidade Legal (OLE) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 5.2. Programa “Se Liga”. Conclusão.
Introdução
Todos os dias, seja nos noticiários seja no cotidiano, a sociedade vem presenciando as barbaridades cometidas por crianças e adolescentes. Com medo e insegurança a população tem cobrado do Estado uma solução para o problema. O meio encontrado proposto por alguns parlamentares foi a redução da maioridade penal. Contudo, a Constituição da República assevera que serão imputáveis somente os maiores de dezoito anos de idade, salvo exceções. Além disso, a Lei 8.069 de 1990, o ECA, tem como fundamento precípuo a proteção integral de crianças e adolescente, considerando os mesmos sujeitos ainda em desenvolvimento. Nesse sentido, a redução da maioridade penal violaria os direitos fundamentais, como a liberdade e a dignidade humana, elencados na nossa Carta Suprema, além de Tratados Internacionais sobre os direitos da criança e o próprio Estatuto.
Diante do exposto, faz-se necessário o estudo do tema em face das discussões surgidas entre o direito individual da pessoa menor de 18 anos de idade e o direito da coletividade, que também deve ser assegurado pelo Estado. Assim, o objetivo dessa monografia, em linhas gerais, é demonstrar que somente a redução da maioridade penal, de 18 anos para 16 anos, não reduz a criminalidade infanto-juvenil. De outra maneira, especificamente, nosso objetivo é, através da análise de dados estatísticos e pesquisas direcionadas, demonstrar as possíveis causas do alto índice de criminalidade infanto-juvenil e identificar medidas efetivas de prevenção à delinquência juvenil.
Nesse diapasão, em um primeiro momento necessário expor a evolução dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, salientando a mudança da estigmatização da criança e do adolescente em determinadas condições sócioculturais como menores problemáticos ao reconhecimento de todos os indivíduos menores de 18 anos de idade como sujeitos de direitos e deveres.
Em um segundo momento, serão demonstrados quais são os direitos e quais são os deveres de crianças e adolescentes. Assim, como os fundamentos sociais e jurídicos da mudança no tratamento desses indivíduos. Além disso, serão demonstrados a função da família, da sociedade e do Estado na garantia da efetiva proteção dos mesmos.
No capítulo 4, serão tratados os fatores que responsabilizam o adolescente pelos seus atos, sobretudo, os atos infracionais. Serão tratadas as medidas sócioeducativas, mas, contudo, em linhas gerais, vez que o nosso objetivo é demonstrar que os adolescentes, mesmo sendo inimputáveis, também respondem juridicamente pelos atos contrários à lei. Pela abrangência do tema, não será tratado em específico, o procedimento judicial na aplicação das medidas sócioeducativas abrangidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O que se busca é demonstrar a eficiência ou não dessas medidas e, se sua aplicação, alcança os objetivos de reeducação e reinserção do jovem à família e à comunidade.
Diante da sensação de impunidade percebida pela sociedade, no capítulo 5, serão discutidos os aspectos positivos e negativos da redução da maioridade penal. Nesse aspecto, faz-se mister o debate sobre os projetos de emenda constitucional que visam a mudança da redação do artigo 228 da Constituição Federal em face da impossibilidade de mudança do mesmo artigo, vez que, sendo direito individual, estaria abrangido pelas ressalvas de mudança do artigo 60 da Constituição Federal.
Sobre outro aspecto, havendo a possibilidade de tal redução, a aplicação do Código Penal e, por conseguinte, a inserção desses jovens no sistema prisional, por muitos considerado ineficaz, seria capaz de gerar resultados mais satisfatórios e, dessa forma, reduzir a delinquência infanto-juvenil?
Por último, considerando que muitos jovens são recuperados por programas eficazes de proteção e auxílio, serão demonstrados projetos que conseguiram alcançar o objetivo de proteção pretendido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Pela disponibilidade dos dados e pela realidade a qual vivenciamos, serão utilizados dados do estado de Minas Gerais.
1. Histórico dos direitos da criança e do adolescente no Brasil
A Lei 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), completou 22 anos em 2012 e é uma importante norma de proteção à criança e ao adolescente. Contudo, apesar ter sido promulgado há mais de duas décadas, o ECA tem sido alvo de críticas por parte da sociedade e do próprio legislador por conta das medidas socioeducativas aplicadas ao menor. Para compreender as controvérsias a respeito de tal norma é necessário o estudo da evolução dos direitos da criança e do adolescente no tempo.
Até o fim do século XV, para os indígenas, as crianças eram de responsabilidade não só da família como de toda a tribo. Já no século XVI, menores abandonados, em Portugal, eram trazidos para o Brasil para colaborar na aproximação dos índios com a catequese. Nos séculos seguintes, houve uma consolidação da infância, mas, contudo, em condição de inferioridade em relação aos adultos. Surgem as primeiras escolas, criadas com o objetivo de educar as crianças da elite. Nessa mesma época, surgem as “Rodas dos Expostos” inseridas nos muros das Santas Casas, onde bebês indesejados pelas mães eram colocados. No século XVIII, crianças e adolescentes foram inseridos no trabalho escravo por serem mais fortes fisicamente e as meninas, por sua vez, serviam à satisfação sexual de seus senhores. É criada, em Salvador/BA, a primeira iniciativa de atendimento a meninos e meninas abandonados. No ano de 1886, a Lei do Ventre Livre liberta os filhos nascidos dos escravos, aumentando, dessa forma, a população de crianças e adolescentes vivendo nas ruas. Já no século XX, em 1922, no Rio de Janeiro, é inaugurado o primeiro estabelecimento público para menores. Dois anos depois, em 1924, é criado o Tribunal para Menores que serviu de base para o primeiro Código de Menores promulgado em 1927[1].
O Código de Menores, o Decreto n° 17.943-A de 12 de outubro de 1.927, foi uma consolidação de leis de assistência e proteção a menores autorizada pelo artigo 1º, do Decreto n° 5.083 de 1º de dezembro de 1926:
“Art. 1º O Governo consolidará as leis de assistencia e protecção aos menores, adicionando-lhes os dispositivos constantes desta lei, adoptando as demais medidas necessarias á guarda, tutela, vigilancia, educação, preservação e reforma dos abandonados ou delinquentes, dando redacção harmonica e adequada a essa consolidação, que será decretada como o Codigo dos Menores.”
Tal Código era destinado à população, abandonada ou delinquente, menor de 18 anos de idade, sendo que o próprio Código dispunha de forma taxativa, em seu artigo 26 quem eram os menores abandonados:
“Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:
I. que não tenham habitação certa, nem meios de subsistencia, por serem seus paes fallecidos, desapparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou pessoa sob cuja, guarda vivam;
II. que se encontrem eventualmente sem habitação certa, nem meios de subsistencia, devido a indigencia, enfermidade, ausencia ou prisão dos paes. tutor ou pessoa encarregada de sua guarda;
III, que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres para, com o filho ou pupillo ou protegido;
IV, que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue á pratica de actos contrarios á moral e aos bons costumes;
V, que se encontrem em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou libertinagem;
VI, que frequentem logares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na companhia de gente viciosa ou de má vida.
VII, que, devido á crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração dos paes, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam:
a) victimas de máos tratos physicos habituaes ou castigos immoderados;
b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensaveis á saude;
c) empregados em occupações prohibidas ou manifestamente contrarias á moral e aos bons costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saude;
d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem;
VIII, que tenham pae, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda, condemnado por sentença irrecorrivel;
a) a mais de dous annos de prisão por qualquer crime;
b) a qualquer pena como co – autor, cumplice, encobridor ou receptador de crime commettido por filho, pupillo ou menor sob sua guarda, ou por crime contra estes.”
É explícito o caráter discriminatório da supracitada norma, uma vez que o Código de Menores não considerava a proteção integral de todos os menores sem distinção de classe social e econômica. O objetivo principal do Decreto era manter a sociedade “protegida” de menores pseudodelinquentes.
Consagrando o disposto no Código, em 1942, é criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), órgão do Ministério da Justiça que funcionava como sistema penitenciário destinado à população menor de 18 anos de idade, cuja lógica de trabalho era a reclusão e repressão das crianças e adolescentes infratores ou abandonados.
Nos anos seguintes são criados instrumentos internacionais importantes de proteção ao menor: a Declaração Universal dos Direitos Humanos-DUDH, em 1948 e, em 1959, é aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos da Criança, DUDC. Apesar de a DUDH assegurar direitos ao menor, reconhecendo-os como sujeitos de direito, foi necessário uma declaração específica de proteção integral. Assim, baseados na Declaração de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas, promulgou, 11 anos depois, a Declaração Universal dos Direitos da Criança que preconiza 10 princípios direcionados ao bem-estar de crianças e adolescentes.
Visando acompanhar as mudanças internacionais e ampliar o rol de direitos direcionados ao menor, em 1964 é criada, pela Lei Federal 4.513, a Fundação do Bem Estar do Menor (FUNABEM) substituta do SAM que foi o marco de transição entre a concepção repressiva para a assistencialista. No ano seguinte, em 1965, é fundada o Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF), que traz para o Brasil programas de proteção à saúde da criança e da gestante nos estados do Nordeste com o fim de reduzir a mortalidade infantil e neonatal.
No fim da década de 70, no ano de 1.979 o Código de Menores é revogado pelo segundo Código de Menores, a Lei 6.697, que incorpora a nova concepção assistencialista à população infanto juvenil. Contudo, assim como o antigo Código de Menores, o novo Código também possuía um caráter discriminatório, uma vez que considerava em situação irregular aqueles menores de classe socioeconômica baixa e destinava a eles as disposições sobre assistência, proteção e vigilância de acordo com artigos 1º e 2º:
“Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores:
I – até dezoito anos de idade, que se encontre em situação irregular;
II – entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei.
Parágrafo único – As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação.
Art. 2º Para os efeitos deste Código considera-se em situação irregular o menor:
I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III – em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI – autor de infração penal.”
Impulsionados pela discriminação sofrida, no início da década de 80, menores provenientes de famílias pobres e excluídas criam o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua. Pela primeira vez se falou em protagonismo juvenil e o menor foi reconhecido como sujeito participativo. Na mesma década são criadas a Frente de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes e a Comissão Nacional Criança Constituinte.
Em 1988 é promulgada a Constituição Federal do Brasil, que traz em seu texto o artigo 227, base para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
No ano seguinte é criada a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, um dos mais importantes Tratados de Direitos Humanos, ratificado por todos os países membros da Organização das Nações Unidas, a ONU com exceção dos Estados Unidos e da Somália, que dispõe em seu artigo 2º:
“Art. 2
1. Os Estados – partes respeitarão os direitos previstos nesta Convenção e os assegurarão a toda criança sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer tipo, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, impedimentos físicos, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2. Os Estados – partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que a criança seja protegida contra todas as formas de discriminação ou punição baseadas na condição, nas atividades, opiniões ou crenças, de seus pais, representantes legais ou familiares. “
Finalmente, consolidando o disposto na Constituição da República e nas normas internacionais, é promulgada a Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente de acordo com o artigo 1º. Para os efeitos do Estatuto, considera-se criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (artigo 2º).
Foram décadas de desafios em busca da proteção ao menor que se consolidou em normas rígidas que buscam, acima de tudo, proteger a dignidade e a proteção integral da criança e do adolescente.
2.A criança e o adolescente como sujeitos de direitos e deveres
2.1. Dos direitos da criança e do adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu texto, determina que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e deveres.Em um primeiro momento, importante destacar um rol de direitos assegurados a eles. Segundo Ramidoff (2009, p. 142)
“a criança e o adolescente são sujeitos de direito porque não só são tidos como titulares de direitos, mas, também, porque são reconhecidos como tais (protagonistas) por todo ordenamento jurídico brasileiro através de garantias diferenciadas e especiais, como, por exemplo, a proteção integral e a absoluta prioridade, dentre outros asseguramentos distintos.”
Nesse sentido, dispõe o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que:
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral (grifo nosso) de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Tal artigo busca a efetivação da primazia do princípio constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente, elencado no artigo 227 da Constituição da República e consagrado no artigo 1º do ECA.
O Princípio da Proteção Integral foi baseado na Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC) que dispõe “que a criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade” (Princípio 2º; DUDC). Para garantir tal proteção, dentre os seus dez princípios, a Declaração aponta, em seu princípio 6º, a família como sendo primordial para o desenvolvimento completo da criança e do adolescente:
“PRINCÍPIO 6º
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão.
Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.”
Além do disposto na norma Internacional, o artigo 4º do ECA, consagrando o disposto no artigo 227 da Constituição da República dispõe que:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar (grifo nosso) e comunitária.” (BRASIL, 2012)
Dessa forma, é função da família junto à sociedade e ao Estado garantir que os direitos de crianças e adolescentes, abrangidos pelo Princípio da Proteção, sejam assegurados e, dessa forma, lhes seja possibilitado um desenvolvimento completo e harmonioso.
Para tanto, é necessário a aplicação de outros princípios derivados daquele que garante a proteção integral da infância e da juventude. Assim, tanto no artigo 227 da Constituição da República quanto no artigo 4º do ECA há a aplicação do Princípio da Prioridade Absoluta que, conforme parágrafo único compreende
“Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”
Nas palavras de Wilson Donizetti Liberatti (2003, p.19):
“Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.”
Além do Princípio da Prioridade, o Estatuto ainda traz, de forma esparsa em seu texto, os princípios da Prevenção Geral, Prevenção Especial, Indisponibilidade e Irrenunciabilidade de direitos, Reintegração e Ressocialização, dentre outros que serão tratados, posteriormente, de forma ampla e detalhada.
2.1.1. Dever da família
Nos termos do artigo 4º do ECA é dever da família, junto à sociedade e ao Estado assegurar os direitos da criança e do adolescente, mantendo-os a salvo de qualquer forma de supressão de seus direitos individuais ou coletivos. Para tanto, faz-se necessário discutir o conceito de família, para depois definirmos qual a função da família na proteção integral de jovens e crianças. “A família é afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que a integram e criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” (SILVA; 2009; p.850)
Até a década de 80 apenas o matrimônio era elemento formador da família. Assim, de acordo com o Código Civil de 1916, só era considerada legítima a família composta pelo casal e os filhos havidos da união matrimonial (BRASIL, 1916). O extinto Código Civil, ainda elencava, em seu artigo 229, que os filhos comuns, nascidos ou concebidos antes do matrimônio, só seriam legitimados pelo casamento. Dessa forma, os filhos que não fossem comuns seriam considerados ilegítimos e não teriam os mesmos direitos daqueles que fossem frutos do matrimônio.
Com o advento da Constituição da República em 1988, consagrando o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e visando a proteção integral da família, as entidades formadas pela União Estável e, também, aquelas formadas por só um dos pais e seus descendentes foram reconhecidas como entidade familiar (Art. 226;§§ 3º e 4º da CF/88).
Contudo, foi necessário ampliar ainda mais o conceito de família. Assim, como muitas entidades familiares são formadas não só pelos pais, mas por parentes próximos, salientando não só fatores biológicos como também afetivos na formação dessa entidade, passou-se a considerar família, também, aquelas entidades formadas por parentes próximos com as quais a criança ou o adolescente mantém vínculos de afinidade e afetividade de acordo com o parágrafo único do artigo 25 do ECA,vejamos:
“Art. 25 […]
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.”
Tais mudanças no conceito de família foram necessárias para garantir a proteção do Estado à família de forma abrangente e aplicar corretamente o principal princípio do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Princípio da Proteção Integral. Assim, o artigo 22 do ECA incumbe aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Dentre esses deveres estão a obrigação de matricular os filhos na escola, mantê-los longe de ambientes que possam contribuir de forma negativa no seu desenvolvimento psíquico, o dever de cuidado de forma a garantir que a criança e o adolescente cresçam e se desenvolvam em um ambiente digno e saudável.
“A família é o primeiro agente socializador do ser humano. A falta de afeto e de amor da família gravará para sempre seu futuro.” (LIBERATTI, 2003, p.24) Portanto, diante de sua função precípua na formação psicossocial da criança e do adolescente, caso a família deixe de cumprir seu dever de proteção integral à criança e ao adolescente ou, de qualquer forma, seja negligente em sua função, aplicar-se-á o disposto no artigo 24 do Estatuto:
“Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.”
O artigo supracitado, contudo, não deverá ser aplicado nos casos de carência ou falta de recursos materiais somente. Nos termos do artigo 23, essas famílias deverão ser incluídas em programas oficiais de auxílio.
2.1.2 Dever da sociedade
Para que seja assegurado a todas as crianças e adolescentes a proteção integral, a sociedade e o Estado têm o dever, junto à família, de garantir que os direitos desses indivíduos sejam, efetivamente, cumpridos. Assim, passemos a analisar o dever da sociedade enquanto garantidora desses direitos.
Sociedade, segundo Soares (2008) pode ter dois conceitos diferentes dependendo da interpretação. Em uma interpretação organicista, que tende para uma posição ideológica reacionária em relação ao poder, “a sociedade pode ser compreendida como o conjunto de relações por intermédio das quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente, de forma ordenada, visando estabelecer entidade nova e superior.” (2008, p.22) Em outro sentido, em uma interpretação mecanicista, que possui uma posição mais filosófica, segundo o autor, “a sociedade é um grupo derivado de um acordo de vontades formalizado por seus próprios membros, entrelaçados em vínculo associativo e imbuídos do mesmo interesse comum, que apenas será obtido pela conjugação de seus esforços.” (2008, p.22)
Dados os significados de sociedade e relacionando-o ao parágrafo 4º do ECA, qual é o dever da sociedade enquanto proteção da criança e do adolescente? Como vimos, a sociedade se deriva de um acordo de vontades baseados em interesses comuns. É o chamado pacto social, ao qual cada um renuncia uma parte de sua liberdade em favor da coletividade e se subordinam a regras sociais e normativas criadas por meio de seus representantes. Assim, o papel da sociedade é garantir que os direitos elencados tanto na Constituição da República quanto no próprio Estatuto não sejam violados, como dispõe o artigo 70 do ECA: Art.70 É dever de todos (grifo nosso) prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. (BRASIL, 2012)
Assim, mesmo que a obrigação da sociedade seja subsidiária à da família, a comunidade em geral tem o dever de prevenir qualquer ameaça a esses indivíduos. Dessa maneira, à sociedade cabe o dever de fiscalização social. Para tanto, surge o princípio da prevenção.
Segundo Costa (2004, p.134) existem três modalidades de prevenção, qual seja: prevenção geral, que trata sobre os fatores sociais; prevenção detectada, que versa sobre a infância abandonada e prevenção específica, que trata do adolescente infrator.
O primeiro encontra correspondência no artigo 70, dantes mencionado, como nos artigos 17 e 18 do ECA. Tais proteções ainda são asseguradas na Constituição (art. 5º, III, X), na Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 4, 5, 6,7, 12), na Declaração dos Direitos da Criança (Princípios 2, 3 e 9) e na Convenção sobre os Direitos da Criança (arts. 14, 16, 19, 34, 35, 36 e 37, a, b, c, d). (COSTA, 2004, p.134) Quanto à prevenção detectada, coloca a entidade escolar, enquanto sociedade, na detecção de situações específicas de violação presumida de direitos, como dispõe o artigo 56 do ECA
“Art.56 Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I. Maus tratos envolvendo seus alunos;
II. Reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
III. Elevados níveis de repetência;”
Além disso, deverão ser respeitados os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se, a estes, liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura. (art. 58, ECA). Nesse diapasão, não só a sociedade estudantil como também a sociedade em geral, deverão respeitá-los em seus valores étnicos, sociais e culturais, assim como asseveram tanto a CF quanto o Estatuto.
No que concerne à prevenção específica é necessário que se consagre o disposto no artigo 3º da nossa Carta Suprema
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
No que tange ao papel da sociedade, para que o princípio da prevenção específica seja efetivado é necessário que o disposto no primeiro inciso do supracitado artigo seja garantido. Construir uma sociedade livre, justa e solidária é fundamental para que todos os jovens tenham seus direitos garantidos e, dessa forma, não se corrompam.
Tomas de Aquino (1225-1274; apud SOARES, 2008, P.24) afirma que “a finalidade principal da sociedade refere-se ao bem comum, cabendo ao Estado garantir ao homem, como membro dessa comunidade, as condições essenciais para a consecução de seu bem estar material impostas pelo instituto humano.” Assim, “a finalidade social, escolhida pelo homem, consiste no bem comum- conjunto de todas as condições de vida que configurem e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.” (SOARES, 2008, p. 24)
Garantir que todos tenham acesso isonômico aos diferentes recursos sociais e culturais, faz com que problemas sociais, que são fatores determinantes no desenvolvimento do jovem, sejam reduzidos, garantindo, por conseguinte, a redução dos índices de delinquência juvenil.
2.1.3 Dever do Estado
O artigo 227, que traz em seu texto o princípio da proteção, abrangerá os seguintes aspectos, segundo o §3º:
“Art. 227,§3ª[…]
IV. garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição do ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilidade, segundo dispuser a legislação tutelar específica.
V. obediências aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade;
VI. estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII. programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.”
O Parágrafo supracitado traz em seu texto os princípios do Devido Processo Legal (inciso IV), Brevidade e Excepcionalidade (inciso V), Melhor Interesse da Criança (inciso VI), Prevenção Especial (inciso VII).
O primeiro diz respeito ao Princípio Fundamental assegurado pelo artigo 5º da Constituição da República e encontra correspondência no artigo 110 do ECA, que dispõe que nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Segundo Alexandre de Moraes (2011, p.279)
“o devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor (grifo nosso) e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).”
Isto posto, o Estado tem o dever de garantir que, assim como qualquer outro indivíduo, nas ações envolvendo crianças e adolescentes, sejam respeitados o direito a ampla defesa, ao contraditório e à aplicação justa, seja de medida protetiva ou sócioeducativa.
O princípio da brevidade e excepcionalidade são tratados, especificamente no artigo 121 do ECA, in verbis:”Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.” Tal princípio deverá ser observado nos casos em que a medida aplicada seja a internação, respeitando-se o disposto no artigo 122 do ECA:
“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.”
Nesses termos, a função do Estado é o de zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança (artigo 125, ECA).
Quanto aos princípios Melhor Interesse da Criança (inciso VI) e Prevenção Especial (inciso VII), ambos são, também, tratados no artigo 100 do Estatuto que versa sobre as medidas de proteção à criança e ao adolescente. Assim, no que se refere ao Princípio do Melhor Interesse da Criança, o inciso IV do supracitado artigo dispõe que:
“IV – interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.”
Quanto ao Princípio Prevenção, no que se refere à atuação do Estado, o inciso VI dispõe que logo que a situação de perigo seja conhecida, a intervenção das autoridades competentes deverá ser efetuada. Dessa maneira, logo se verifique o envolvimento da criança ou do adolescente com entorpecentes, o Estado deverá intervir.
Em síntese, o Desembargador Nepomuceno Silva, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de Embargos de Declaração afirma que:
“Ementa: […] 2. Compete ao poder público, conjunta e solidariamente, assegurar-lhes – com absoluta prioridade – a efetivação dos direitos à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, prerrogativas constitucionais indissociáveis do direito à vida digna. 3. O princípio da prioridade absoluta compreende a primazia de receber proteção e socorro, em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; a precedência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. 4. O ECA submete-se, por expressa disposição legal, à hermenêutica sociológica (ou teleológica), pois na sua interpretação levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 5. A omissão e a inércia do município, no que tange à politica menorista, exigem que o Judiciário, com respaldo nos princípios da razoabilidade, da moralidade, e da proteção integral e prioritária dos direitos da criança e do adolescente, imponha-se-lhe obrigação de fazer, consistente na efetiva implantação dos programas e regimes socioeducativos previstos no ECA.[2]”
Desta maneira, o Estado é o maior responsável pela efetivação dos direitos da criança e do adolescente. Ressalte-se que sem políticas públicas de apoio à família, investimentos direcionados a educação e proteção da infância, e a concretização de um Estado livre de desigualdades sociais, não será possível que a família e a sociedade desempenhem seu papel de forma adequada.
2.2 Dos deveres da criança e do adolescente
A Lei 8.069/90 dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. No entanto, dentre o rol de garantias e direitos destinados a eles não consta qualquer autorização referente ao descumprimento das leis e normas de convívio social. Nesse sentido, o artigo 5º da Carta Magna dispõe que: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (grifo nosso), garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”
Desse modo, interpretando literalmente o mencionado artigo tem-se que independente da condição, seja homem ou mulher, adulto ou criança, todos se sujeitam à lei. Nesse aspecto, é garantido a todas as pessoas residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Assim, é defeso a qualquer indivíduo a violação de quaisquer desses direitos. Isto posto, pode-se afirmar que a criança e o adolescente têm o dever de respeitar a lei.
Sobre outro aspecto, o ECA dispõe que “crianças e adolescentes têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (Art. 15;).
O direito à liberdade, nos termos do artigo 16, compreende aspectos como: o direito de locomoção, ressalvadas as restrições legais; liberdade de expressão; liberdade de religião; brincar, praticar esportes e divertir-se; participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação (grifo nosso); participar da vida política, na forma da lei; buscar orientação, refúgio e auxílio.
Nesse diapasão, ao mesmo tempo em que crianças e adolescentes têm direitos, têm, também, deveres. O inciso V do artigo 16 do ECA diz que o direito de liberdade compreende o direito de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação. Dessa maneira, como todos têm direito a não serem discriminados têm, também, o dever de não discriminar o outro.
Além dos deveres implícitos nas normas constitucionais e infraconstitucionais, que têm a finalidade de garantir a segurança coletiva, existem outros deveres dos quais crianças e adolescentes são sujeitos: respeitar os membros de sua família e de sua convivência social; frequentar a escola; preservar espaços públicos; dentre outros.
Todos esses deveres, implícitos nas normas ou impostos pela sociedade, são essenciais para a manutenção do convívio social e familiar harmonioso necessário ao desenvolvimento da criança e do adolescente. Caso crianças ou adolescentes deixem de cumprir seus deveres de obediência a alguma norma social ou legal poderão ser responsabilizados.
O ECA assegura à família o poder familiar, que dentre outros fatores, incumbe aos pais e à família educar os filhos menores de 18 anos de idade. Assim, toda vez que uma criança descumprir alguma norma, o responsável, no cumprimento de seu dever educacional, poderá repreendê-la com o intuito de prevenir novos descumprimentos normativos e demonstrar a importância da existência das normas.
Quanto à desobediência da norma estatal, serão aplicadas as medidas contidas na legislação destinada à proteção da infância e da juventude. É o que trataremos a seguir.
3. A responsabilização da criança e do adolescente
O artigo 15 do ECA dispõe que:”Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.”
Segundo o Estatuto, o indivíduo até os dezoito anos de idade ainda está em processo de desenvolvimento e, por esse motivo, merece ser protegido. Contudo todo sujeito de direito também é sujeito de deveres. Assim, mesmo que o jovem tenha direito à proteção de sua dignidade, liberdade e outras garantias, ele se sujeita às normas impostas pelo Estado. Caso a criança ou o adolescente infrinjam a lei, poderão ser aplicadas medidas de responsabilização na medida de sua conduta.
Contudo, verifica-se que tanto a Constituição da República quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre a garantias de proteção, determina que os menores de dezoito anos de idade são inimputáveis, ou seja, “não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito.” (GRECO, 2010, p.380). Ainda segundo Sanzo Brodt (1996; p.46)
“A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. […] O segundo, a capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico.”
Nesse aspecto, com o responsabilizar a criança e o adolescente sendo os mesmos inimputáveis?
Dispõe o Estatuto que Crianças e Adolescentes encontram-se em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, por esse motivo deverão ser responsabilizados por uma norma diferente daquela aplicada aos adultos. É o que dispõe o artigo 27 do Código Penal Brasileiro: “Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
Assim, o indivíduo menor de 18 anos de idade não poderá ser punido penalmente, mas ficará sujeito às normas estabelecidas na Lei 8.069/90 (ECA).
Nas palavras de Annina Lahalle (2004, p.92) “tendo cometido um delito, o menor deve se conscientizar de sua responsabilidade, ao mesmo tempo em que seus direitos devem ser protegidos”. Nos termos do artigo 103 do ECA, o delito cometido pela criança ou adolescente é chamado de ato infracional:”Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”
Nesse sentido, a orientação número 4 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras de Beijing, da qual o Brasil é Estado Membro, dispõe que:
“4. Responsabilidade Penal
4.1Nos sistemas jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para jovens, seu começo não deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias que acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual. (REGRAS DE BEIJING1985)” [3]
Assim, levando-se em consideração o disposto na orientação supracitada, crianças e adolescentes autoras de ato infracional terão tratamento diverso quanto à aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. À criança, verificada a prática de ato infracional, nos termos do artigo 105, serão aplicadas a medidas previstas no artigo 101. Ao adolescente poderão ser aplicadas medidas como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional, além das medidas previstas no artigo 101, I a VI, de acordo de com a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração, conforme dispõe o artigo 112:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no Art. 101, I a VI.”
As medidas sócioeducativas são sanções com finalidade educativa, visando a reinserção familiar e social do adolescente autor de ato infracional.
3.1. Medidas sócioeducativas
3.1.1. Advertência
“A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.” (Art. 115, ECA). A advertência é a mais branda das medidas sócioeducativas e será aplicada nos casos dos atos infracionais menos graves.
Segundo Joaquim Barbosa, Ministro do Supremo Tribunal Federal,
“A imposição de tal medida, […], deve ser vista como um modo de o Poder Judiciário chamar a atenção do menor, alertando-o para a gravidade de seus atos no contexto da comunidade em que reside, sem ter que submetê-lo ao constrangimento inerente a um procedimento judicial.” (STF. RE 248.018, julgamento em 6-5-2008, Segunda Turma, DJE de 20-6-2008)[4]”
3.1.2. Obrigação de reparar o dano
Nos casos em que o ato infracional gerar reflexos patrimoniais, aplicar-se-á o disposto no artigo 116 do Estatuto: “Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.”.
Levando-se em consideração que tal medida visa fazer com que o autor recomponha os danos sofridos pela vítima e, para tanto se faz necessário que o mesmo invista um valor em pecúnia e, em muitos casos, esse adolescente não tem condições financeiras para arcar com o prejuízo, dispõe o § único do supracitado artigo que “havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.”
Para Liberatti (2003, p.106) “o cumprimento dessa medida tem finalidade educativa e deverá suscitar no adolescente, tanto pela restituição quanto pela indenização do dano, o desenvolvimento do senso por responsabilidade daquilo que não é seu.” Nesse sentido, ao reparar o dano sofrido pela a vítima, o adolescente se conscientiza de seus atos e se integra nas normas de convivência social.
3.1.3. Prestação de serviços à comunidade
Dispõe o artigo 117 da Lei 8.069/90
“A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.”
Comparando o Estatuto ao Código Penal podemos observar a semelhança entre a medida sócioeducativa e a pena do artigo 46
“Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.”
A diferença entre as duas normas é que a primeira institui a prestação de serviços como medida sócioeducativa, que não possui caráter punitivo, mas reeducador e ressocializador do jovem infrator. Já a segunda institui a prestação de serviços como pena alternativa. Nesse diapasão, configurando tal medida a execução de trabalhos braçais, a prestação de serviços poderá ser imposta ao adulto como pena, mas nunca ao adolescente, uma vez que tal imposição caracterizaria trabalho forçado, o que é vedado pelo §2º do artigo 112. Em outro aspecto, Murillo José Digiácomo (2012)[5], salienta que:
“ Importante também não perder de vista que de nada adianta a pura e simples "imposição" de uma determinada atividade ao adolescente, sem que a mesma possua uma justificativa técnica para ser instituída e uma finalidade pedagógica ou "terapêutica" claramente definida, e sem que o adolescente seja "convencido" de sua importância para os objetivos almejados (e das consequências de seu descumprimento), bem como acompanhado de forma sistemática (por pessoas próximas – como é caso dos "orientadores"), de modo que eventuais dificuldades no cumprimento das atividades propostas e/ou seu puro e simples descumprimento sejam desde logo detectados, resultando numa intervenção – também imediata e previamente planejada (até porque a "resistência" às intervenções propostas, as "recaídas" no tratamento e o descumprimento da medida são perfeitamente previsíveis) – por parte do orientador e/ou pelos técnicos do programa socioeducativo.”
Assim, no caso em que o adolescente se recuse a cumprir tal medida, deverá ser elaborado junto a ele e a família, uma forma alternativa do cumprimento da mesma, fazendo com que, dessa forma, ele se conscientize da importância da medida.
3.1.4 Liberdade assistida
A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, de acordo com o artigo 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Para Liberatti (2003), pela amplitude de sua abrangência no acompanhamento e auxílio do adolescente, tal medida visa a perfeita integração desse jovem à família e à comunidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define que medidas de privação de liberdade como os regimes de inserção em semiliberdade e internação em entidade educacional deverão ser excepcionais. Dessa forma, a aplicação tanto da medida de prestação de serviços à comunidade quanto da medida de liberdade assistida são prioritárias.
3.1.5. Inserção em regime de semiliberdade
A medida de semiliberdade equivale ao regime semiaberto elencado no artigo 33,§1º, b do Código Penal. A semiliberdade tem por objetivo a escolarização e profissionalização do adolescente, de acordo com o §1º do artigo 120 do ECA. Por esse motivo, Liberatti (2003, p. 111) defende que:
“A semiliberdade é executada em meio aberto, implicando necessariamente, a possibilidade de realização de atividades externas, como a frequência à escola, às relações de emprego, etc. Se não houver esse tipo de atividade, a medida sócioeducativa perde sua finalidade.”
A inserção em regime de semiliberdade poderá ocorrer como medida inicial ou como progressão do Regime de Internação, de acordo com o artigo 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outrossim, como a semiliberdade também visa o cerceamento da liberdade do adolescente, tal medida está sujeita aos princípios da excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
3.1.6. Internação em estabelecimento educacional
A internação em estabelecimento educacional, de acordo com artigo 121 do ECA, “constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”
Nesse sentido, assim é o entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC 88.945/SP:
“Ementa: Estatuto da Criança e do Adolescente. Interpretação
O estatuto da criança e do adolescente há de ser interpretado dando-se ênfase ao objetivo visado, ou seja, a proteção e a integração do menor do convívio familiar e comunitário, preservando-lhe tanto quanto possível, a liberdade. (…) Segregação. O ato de segregação, projetando-se no tempo medida de internação do menor, surge excepcional, somente se fazendo alicerçado uma vez atendidos os requisitos do art.121 da Lei 8.069/1990(STF. Rel.:Min. Marco Aurélio.1ªTurma.Decisão 04/03/2008)”
“A internação tem seu parâmetro na legislação penal correspondente ao regime fechado.” (LIBERATTI, 2003, p.113) Contudo, diferente do caráter dúplice de punição e ressocialização da pena privativa de liberdade, a medida de internação deve constituir medida de reeducação e ressocialização do adolescente com a finalidade de reinseri-lo ao convívio familiar e comunitário.
3.2 Aplicabilidade das medidas sócioeducativas
Na aplicação das medidas sócioeducativas deverá ser observado o fato de a criança e o adolescente ainda estarem em desenvolvimento. Assim:
“Segundo diretriz programática do §1º, ao administrar tais medidas, o Juiz da Infância e Juventude, livre do enfoque penalista, não se aterá somente às circunstâncias e à gravidade do delito, mas, em primeiro lugar, a capacidade do adolescente de cumpri-las, vale dizer, as condições peculiares de pessoa em formação e desenvolvimento.” (COSTA, 2004, p. 228)
Nesse diapasão, a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, deveria ser baseada na recuperação desses indivíduos, de acordo com entendimento de Walter Luiz de Melo, Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que afirma:
“EMENTA:EMBARGOS INFRINGENTES […] Exsurge do ECA um de seus princípio que é a segurança, com absoluta prioridade, à efetivação dos direitos fundamentais daqueles que se encontram em condição de desenvolvimento. Exatamente daí o caráter educativo e não penalizante das medidas socioeducativas dispostas no ECA que visam sempre a recuperação do menor para o convívio em sociedade. Assim, sempre que verificada a prática de ato infracional disposto como crime, deve o juiz aplicar a medida necessária e suficiente à reintegração e ressocialização do adolescente. Contudo, o que se verifica é que as medidas elencadas correspondem às penas punitivas do Código Penal.” [6](grifo nosso)
Nesse sentido, segundo Diniz (2009, p.79)
“Referida Lei (ECA) prescreve autênticas disposições penais, provocando equivalências funcionais entre a personalidade do menor e do adulto em suas medidas sócioeducativas: (i) advertências; (ii) obrigação de reparar o dano; (iii) prestação de serviços à comunidade;(iv)liberdade assistida; (v) semiliberdade;(vi) medida de internação.São medidas que acabam por comunicar códigos de forte efeito ‘estigmatizante’ no menor.”
Data vênia, apesar de as medidas serem equivalentes às penas elencadas no Código Penal, deve-se salientar que sua finalidade é outra. A aplicação e execução dessas medidas, de acordo com os princípios elencados no ECA, deveriam objetivar e garantir a reeducação e ressocialização desses indivíduos. Ao analisar, minuciosamente, o disposto no Estatuto, poderá ser verificado que mesmo as medidas possuindo a mesma nomenclatura das penas, sua aplicação deverá respeitar o fato de que os indivíduos a quem o Estatuto se destina ainda são sujeitos em desenvolvimento.
Ocorre que o Poder Público não disponibiliza recursos financeiros que possibilitem que as medidas alcancem seu fim. Assim, dentre as causas da má aplicação do Estatuto estão a falta de vagas nas instituições de internação, levando alguns jovens a cumprirem a medida em instituições para adultos, de acordo com HC1.0000.10.040686-7/000:
“'HABEAS CORPUS' – MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO – CUMPRIMENTO EM CELA COMUM DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL – EXCEPCIONALIDADE – DENEGAÇÃO. Muito embora a excepcional situação do caso justificasse o afastamento do prazo descritivo contido no art. 185, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente já que o infrator supostamente cometera o grave crime de homicídio qualificado em função de dívida de droga, ação realizada por meio de execução sumária e sem arrependimento, o que tornaria indefensável a condição absoluta do prazo de cinco dias ali declinado, não se mostra razoável manter a segregação pura e simples em cela comum, como meio para atingir os fins da internação provisória ou definitiva, mormente por longo período de tempo, porque a só segregação não suporta sequer o caráter pedagógico necessário à medida socioeducativa, de modo que a saída razoável será de se impor a adaptação da medida a outra prevista na legislação, retirando o menor da cadeia pública local, até que a vaga seja ofertada pelo Poder Executivo. “ [7](grifo nosso).
Em outro exemplo, estão os recursos humanos insuficientes e, também, mal preparados que em alguns casos torturam e maltratam os internos.
“EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – MENOR INTERNADO EM LOCAL INADEQUADO, SOFRENDO MAUS TRATOS E TORTURAS.
É dever do Estado zelar pela proteção e incolumidade do adolescente, sendo responsável pela indenização por danos morais que vier a sofrer quando do seu internamento por ordem judicial, em decorrência da prática de ato infracional, em estabelecimento inadequado, e no qual venha a sofrer violência física e sexual, independentemente da prova de culpa dos servidores públicos ali lotados.”[8]
Diante disso, os objetivos de reeducação e ressocialização não se concretizam e geram a presunção de impunidade desses jovens.
4. Redução da maioridade penal: aspectos positivos e negativos
4.1 Redução da maioridade penal: discussões iniciais
Muitos foram os casos em que crianças ou adolescentes figuraram ativamente em crimes bárbaros. Devido à grande evolução da “criminalidade” juvenil, a população vem pressionando o Estado em busca de uma solução. É o que, nas palavras de Winnicott (1987, p.120) chamamos de vingança pública, em suas palavras “nenhum delito pode ser cometido sem que haja um acréscimo do fundo comum de sentimentos inconscientes de vingança pública”.
Nesse sentido, visto que os índices de delinquência juvenil têm aumentado, foi realizada uma pesquisa pelo CNI-IBOPE, a Pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira: Segurança Pública, em outubro de 2011. Instigados pela vingança, afirmação nossa, 86 % dos entrevistados se demonstraram a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, sendo que desses, 75% concordam totalmente e 11% parcialmente, conforme gráfico a seguir:
Perguntados sobre as causas que determinam a participação de jovens em crimes, 83% das pessoas entrevistadas, concordaram que a atribuição da responsabilidade penal somente a partir dos 18 anos seria o principal fator.
Por causa dessa pressão que a sociedade vem exercendo em busca de uma segurança há muito inexistente, tramitam no Congresso Nacional, Propostas de Emenda à Constituição – PEC e Projetos de Lei, visando a redução da maioridade penal de 18 anos de idade para de 16 anos. Os parlamentares buscam, dessa forma, diminuir essa criminalidade juvenil exacerbada e, ao mesmo tempo, sanar o desejo de justiça da sociedade. Nesse diapasão, o Senador José Roberto Arruda propôs a PEC nº 20 de 1999, que visa alterar o artigo 228 da CF, no sentido de considerar inimputáveis somente os menores de 16 anos de idade.
“PEC nº 20/1999 Ementa: Altera a redação do caput do art. 228 da Constituição Federal, para considerar inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial; acrescenta parágrafo único ao referido artigo para dispor que os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos são penalmente imputáveis, quando constatado o seu amadurecimento intelectual e emocional, na forma da lei.”[10]
Além da PEC nº 20, existem várias outras com o mesmo objetivo. Algumas versam sobre a redução para 16 anos, mas só quando comprovada a capacidade de discernimento do agente. Outras mantêm a imputabilidade, mas buscam aumentar o prazo para cumprimento das medidas socioeducativas quando o adolescente usar de violência ou grave ameaça e, também, nos atos equiparados a crime hediondo.
Em corrente contrária, há os que defendem que seria impossível a redução da maioridade penal, pois o artigo 228 da CF estaria dentre o rol de direitos individuais esparsos na CF. Sobre isso, José Afonso da Silva (2009, p. 176) afirma que
“Direitos individuais dizem-se os direitos do indivíduo isolado. […] Contudo, é ainda empregada para denotar um grupo de direitos fundamentais, correspondente ao que se tem denominado direitos civis. É usada na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos fundamentais concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade.”
Dessa forma, o artigo 228, estaria dentre o rol de garantias imutáveis, de acordo com o artigo 60,§4º, denominadas ‘cláusulas pétreas’, especificamente o inciso IV.
Além disso, MORAES (2011, p.2011) assevera que:
“Entende-se impossível essa hipótese, por tratar-se de inimputabilidade penal, prevista no art. 228 da Constituição Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem submetidos à persecução penal em Juízo, tampouco poderem ser responsabilizados criminalmente, com consequente aplicação de sanção penal. Lembremo-nos, pois, de que essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em juízo.”
É certo que o artigo 228 da CF, apesar de se encontrar no Título da Ordem Social configura verdadeiro direito individual. Contudo, há os que defendem que o disposto no artigo supracitado não seja direito individual. Assim, o deputado Efraim Filho, no relatório que versa sobre o Projeto de Decreto Legislativo nº 1.002 de 2003 sobre plebiscito para consulta popular da redução da maioridade salienta que:
“Alguns tratadistas entendem que a norma do art. 228 revela um direito individual e não um direito social. De sorte que, com o amparo do que preceitua o § 2º do art. 5º da Constituição Federal, defendem que o limite etário para a inimputabilidade penal se insere, embora deslocado, no rol dos direitos fundamentais e que, logo, constitui cláusula pétrea, inalcançável por emenda constitucional. Com a devida vênia, entendo que não houve qualquer erro topográfico na Constituição Federal. A norma foi aposta no Título da Ordem Social exatamente porque se trata de um direito social. O bem jurídico tutelado na Ordem Social não é o mesmo protegido pelas garantias fundamentais contidas art. 5º da Constituição Federal. Não se trata de garantir o direito fundamental do indivíduo, mas sim, de fazer com que o Estado busque o primado do trabalho, o bem-estar e a justiça social. No tocante à inimputabilidade penal, o bem jurídico tutelado não é de natureza individual, e o que a Constituição almeja sobrestabelecer é a justiça social. Não há, portanto, que se falar em cláusula pétrea. A maioridade penal pode, sim, ser passível de redução, se essa for a vontade expressa na consulta popular.” [11]
Como demonstrado, não há um consenso sobre a possibilidade da redução da maioridade penal. Contudo, ultrapassado o debate, e analisando outros fatores, surge o impasse: reduzir a maioridade penal, por si só, resolverá o problema de delinquência juvenil?
Bregalda (2007, p.89) afirma que “a posição pela redução alicerça-se mais em um viés político do que, necessariamente, na resolução do problema social de criminalidade.”
Segundo SANTOS (2009,p.60)
“A forma simplista com que se apresenta e se defende a redução da maioridade penal o Brasil, além de mascarar a real necessidade em se implementar uma política social séria, que atinja os fatores etiológicos da delinquência juvenil, apresenta o adolescente infrator como uma espécie de perigo à sociedade, jungindo os problemas da criminalidade à sua “perigosidade” e discernimento, como se ele, por si só, pudesse ser unilateralmente culpado.”
BREGALDA (2007, p.90) ressalta, ainda, que:
“A violência, dentre outros motivos, está ligada à pobreza, à miséria cultural e ao enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Sabe-se de antemão que a maioria dos internos de instituições que visam a reeducação de menores é habitante de regiões marginalizadas socialmente e de alta periculosidade criminosa. Regiões essas que ultrapassamos limites temporais da história.”
A redução da maioridade penal como política de combate à violência além de se mostrar comprovadamente ineficaz, constitui violação explícita tanto aos princípios de proteção consagrados nos Tratados Internacionais, quanto na própria Constituição e Estatuto da Criança e do Adolescente. Não podemos afirmar, que o Estatuto é ineficiente quanto à aplicação de sanções a adolescentes. Contudo, assim como muitas normas do nosso ordenamento, o ECA encontra falhas.
Assim, para reduzir efetivamente os índices de delinquência infantojuvenil, há que se buscar erradicar as causas determinantes da violência. Nas palavras de Beccaria (2003, p. 101):
“É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma do bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência.”
Outrossim, aplicando-se corretamente o Estatuto a cada caso específico e direcionando investimentos para a fiscalização e aplicação efetiva de tais medidas, será possível alcançar tanto os anseios da sociedade quanto a efetivação do Estatuto. Sobre isso, Gonçalves salienta que:
“Ao invés de se “etiquetar” um jovem como imprestável social, como um delinquente irrecuperável, o legislador pode se basear no Estatuto da Criança e do Adolescente, que muitas vezes é mal interpretado, para obter as medidas corretivas necessárias e incrementar as pouco eficazes para o bem da própria sociedade, sem que seja necessário reduzir a maioridade penal.” (2011, p.315)
São medidas que se aplicadas na maneira e no tempo correto, impedirão que o clamor público viole direitos, por muito tempo, almejados.
4.2 A (In) eficiência do sistema prisional brasileiro
Ultrapassados os fundamentos favoráveis e desfavoráveis acerca da maioridade penal, na eventual aprovação de uma Emenda Constitucional que permita a redução da maioridade penal, e a consequente inserção de adolescentes no sistema prisional, quais seriam as consequências dessa mudança tanto para esses jovens quanto para a sociedade e o próprio sistema?
Segundo dados consolidados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o sistema penitenciário nacional, em dezembro de 2010, contava com 263.847 vagas para indivíduos do sexo masculino e 17.673 vagas para indivíduos do sexo feminino, somando um total de 281.520 vagas. Contudo o número de indivíduos no sistema penitenciário, nesse período, somava 445.705, ou seja, um déficit de 164.185 vagas.
Sabemos que a superlotação é apenas um dos problemas do sistema prisional. Nesse sentido, Campana (2004, p.2) afirma que:
“dentre as mazelas prisionais que contribuem para descaracterizar e potencializar o indivíduo para o crime temos: a ociosidade, a superlotação, a promiscuidade, a formação de grupos mafiosos, a lei do silêncio, dominantes e dominados, a consecução e confecção de armas, o problema da abstinência sexual, as fugas e motins, a violência dos funcionários (guardas) contra os presos.”
Todos esses problemas são oriundos da falta de investimentos na ampliação de vagas, qualificação dos trabalhadores para essa atividade e investimentos em recursos educativos e profissionalizantes. Por falta de investimentos, o sistema prisional não alcança seu objetivo que é o de educar e ressocializar o indivíduo para reinseri-lo à convivência familiar e comunitária. Sobre isso, Gonçalves (2011, p.311) salienta que:
“A prisão tem o conceito de uma instituição que exerce um controle total sobre o condenado, com a finalidade de ser um órgão disciplinador já que monitora o indivíduo em todos os aspectos: intelectual, físico e até mesmo moral, contudo, o caráter recuperatório se perdeu pela falta de estrutura e superlotação” (grifo nosso).
Afirma, ainda, que “o preso ao invés de ter um espaço para se arrepender, obtém um cursinho do crime, no qual tem verdadeiras aulas de aprimoramento em práticas danosas que propiciam a este uma gama de formas delitivas.” (2011, p.311)
Santos (2011, p.56) defende que:
“Resta induvidoso que o sistema carcerário, longe de ser um instrumento ressocializador, é muito mais uma fábrica de delinquência, na qual o elemento humano perde todo o seu caráter de humanidade, transformando-se em coisa, por meio de uma reificação irreversível, que impede o apenado de retornar ao convívio social e de ser aceito pela própria sociedade.”
Isto posto, na possibilidade da redução da maioridade penal, sendo o sistema prisional ineficiente até na recuperação de adultos, a responsabilização penal de adolescentes a partir dos 16 anos diminuiria as estatísticas de violência infantojuvenil?
Em um primeiro momento, a inserção desses jovens no sistema prisional acarretaria um aumento no déficit no número de vagas. Ao reduzir a maioridade, seria necessária uma ampliação significativa no número de vagas, que há dois anos não cobria cerca 63,16% da demanda.
Em outro sentido, é notório que o sistema prisional é um sistema falido, assim, inserir um indivíduo, ainda em desenvolvimento psíquico, em um ambiente em que o homem deixa de ser homem e “vira bicho”, geraria, nesse, uma estigmatização irreparável. O homem quando é condenado cria em seu inconsciente a verdade de que é inferior e que seu destino não pode ser outro se não a do indivíduo criminoso.
5.Medidas de prevenção às infrações infantojuvenis
Uma vez salientada a ineficiência da redução da maioridade penal, resta-nos buscar medidas efetivas de prevenção não só à delinquência juvenil, mas, principalmente, de prevenção à violação dos direitos desses jovens. É certo, que a maioria dos jovens que cumprem ou já cumpriram medidas sócioeducativas são oriundos de famílias de baixa-renda, não concluíram os estudos ou vivem em regiões propensas ao tráfico de drogas, de acordo com relatório do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente (CIABH)[12] Assim, segundo Bregalda(2007, p.92) ”O recuo nos números da criminalidade envolvendo menores infratores, seja nos grandes centros, seja no interior do Brasil, ocorrerá com a eficaz implantação das políticas que promovam a valorização do indivíduo como um verdadeiro cidadão.”
Ao contrário do que se acredita, esses jovens podem ser recuperados e reinseridos na família e na comunidade. Para tanto, são necessários investimentos, não só do Estado, mas da família e da sociedade na recuperação dos mesmos. E não se trata só de investimento financeiro, mas de credibilidade e, também, de oportunidades.
Nesse diapasão, existem projetos e programas que investem na educação, profissionalização e valorização de jovens, que de alguma forma e por algum motivo, infringiram a lei. São projetos em que o Estado em parceria com empresas privadas investiram estudos detalhados sobre o assunto e criaram formas de reduzir a criminalidade juvenil e, ainda, valorizá-los. Isto posto, vejamos alguns exemplos desses projetos e/ou programas.
5.1. Programa Oportunidade Legal (OLÉ) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
O Programa Oportunidade Legal (Olé) foi lançado em agosto de 2009, no Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR). Situado no bairro Esplanada, o programa atende adolescentes encaminhados pela Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte.
O objetivo do Programa Olé é promover o desenvolvimento social e econômico de jovens em situação de risco social ou em conflito com a lei, por meio de atividades de educação ambiental, inclusão digital e geração de emprego e renda. Assim, O programa visa contribuir, prioritariamente, com a formação cidadã de jovens em situação de risco social ou em conflito com a lei, por meio de um cronograma de atividades, com duração de três meses, onde são ministrados conteúdos de responsabilidade socioambiental, informática e técnicas de inclusão no mercado formal de trabalho, num moderno Telecentro, doado pelo Ministério das Comunicações e instalado nas dependências do Centro Mineiro de Referência em Resíduos.
De acordo com as informações contidas na página do programa, o projeto tem como parceiros a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), o Serviço Voluntário de Assistência Social (SERVAS), a Fundação do Meio Ambiente (FEAM), o Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC/MG), a Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM) e a Associação Municipal de Assistência Social (AMAS).[13]
5.2. Programa “Se Liga” [14]
O Programa “Se Liga” é uma parceria entre a polícia civil, instituições privadas e a sociedade, voltado para o apoio aos adolescentes e jovens que já cumpriram medidas socioeducativas de internação ou semiliberdade. O programa visa dar continuidade aos processos de ressocialização e reeducação dos jovens que cumpriram medidas sócioeducativas, criando novas oportunidades aos mesmos.. Além disso, o programa visa contribuir no processo de fortalecimento de vínculos comunitários, familiares e sociais, buscando, utilizar os equipamentos disponíveis da rede de atendimento, conforme estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A responsabilidade por esse trabalho é dividida entre a família, a sociedade e os demais órgãos de atendimento, dentro de uma perspectiva de promoção social. É imprescindível a articulação entre esses diversos atores sociais para potencializar ou articular a rede de atendimento nos municípios mineiros.
O programa tem como objetivos principais: articular a rede de atendimento; atender e localizar a demanda do adolescente, tais como fatores de risco aos quais ele esteja propenso,além das necessidades sócioculturais; definir fluxo e efetivar encaminhamento para as redes pública e privada de serviços dos municípios; além de favorecer e incentivar o adolescente e seus familiares a utilizarem os equipamentos públicos disponíveis na comunidade, tais como projetos de atendimento à criança e ao adolescente inseridos na comunidade que ofereçam cursos profissionalizantes, esporte e lazer; bem como estimular o debate acerca do tema da adolescência.
O Programa é não é obrigatório, podendo o jovem, se de sua vontade, optar de que forma irá participar do “Se Liga”, considerando os eixos: saúde, profissionalização, educação, família, trabalho e renda.
A proposta do Programa “Se Liga” é permitir que o jovem, egresso de instituições de internação, encontre novas oportunidades, preferencialmente, em sua comunidade, permitindo, assim, que o mesmo se reintegre à comunidade.
Tanto o Projeto Olé quanto o Programa “Se Liga” são exemplos de que com a ação correta e investimentos em projetos direcionados são capazes de oferecer oportunidades aos jovens e, assim, impedir que os mesmos sejam corrompidos ou, nos casos daqueles que já cumpriram medidas sócioeducativas, voltem a cometer crimes. Além dos dois programas, existem outros,como o Projeto Criança Esperanças em Vilas e Aglomerados de todo o Brasil, que visam garantir a proteção integral de crianças e adolescentes, proporcionando-lhes oportunidade de alfabetização e profissionalização, além de escolas de esportes.[15]
Conclusão
Por todo o exposto, levando-se em consideração que os direitos da criança e do adolescente são indisponíveis e que o interesse dos mesmos sempre deverá prevalecer, conclui-se que a redução da maioridade penal para qualquer idade inferior a 18 anos de idade, mostra-se ineficiente. Dentre os fatores que permitem tal conclusão estão as violações dos direitos desses indivíduos por parte do Estado, da sociedade e, na maioria dos casos, da família.
Como demonstrado, fatores como pobreza extrema, desestruturação familiar, déficit escolar, drogadição na família, infraestrutura inadequada em espaços públicos, maus tratos, violência sexual, física ou psíquica, todos esses dentre outros, podem provocar desenvolvimento psíquico negativo. Assim, crianças ou adolescentes subordinados a esses fatores tendem a desenvolver conduta violenta.
Em outro aspecto, inserir esses jovens em um sistema prisional falido, só acarretaria o aumento do problema. Sabemos que o objetivo de ressocialização das penas que impõem prisão ao agente criminoso não atinge seu fim. Infraestrutura precária e superlotação, como já mencionado anteriormente, apenas contribuem para a estigmatização do preso, além de qualificá-lo no mundo do crime. Isto posto, reduzir a maioridade penal, visando punir o adolescente autor de ato infracional, não seria capaz de atingir o seu fim. O que a sociedade busca é segurança e, o Estado, de forma simples e pouco abrangente, na expectativa de calar o clamor público aprova Leis de pouca eficácia e nenhum resultado.
Por todo o exposto, afirma-se que para que a criança e o adolescente sejam protegidos, como preconiza o ECA, é necessário a elaboração de políticas públicas eficazes na prevenção da violação dos direitos desses indivíduos e de valorização da família como base da sociedade. Tem-se que quanto mais investimentos forem feitos na redução de desigualdades sociais, menos problemas a sociedade terá.
À vista disso, como o problema da violência é um tanto quanto complexo, as políticas públicas devem buscar solucioná-lo em sua origem e, não, tratá-lo no seu fim.
Bacharel em Direito
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