“Com a nossa capacidade de fazer maluquices em nome de boas intenções, criamos uma legislação de menores que é um tremendo estímulo à perversão e ao crime, ao fazê-los inimputáveis até os 18 anos.” (Roberto Campos)
Dispõe a Constituição Federal, no seu artigo 228, que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, que ficam sujeitos às normas da legislação especial. De idêntico teor é o artigo 27 do Código Penal.
Em curto mais profícuo artigo, Dyanndra Lisita Célico[1] traz relevantes informações sobre como a legislação brasileira, ao longo do tempo, tratou da questão etária quanto à imputabilidade penal, além de nos referir como outros países do mundo atualmente enfrentam o tema.
“O Brasil adotou no Código Penal de 1890 os limites de 09 a 14 anos. Até os 09 anos, o infrator era considerado inimputável. Entre 09 e 14, o juiz verificava se o infrator havia agido com discernimento, podendo ser considerado criminoso. O Código de Menores de 1927 consignava 3 limites de idade: com 14 anos de idade o infrator era inimputável; de 14 até 16 anos de idade ainda era considerado irresponsável, mas instaurava-se um processo para apurar o fato com possibilidade de cerceamento de liberdade; finalmente entre 16 e 18 anos de idade, o menor poderia ser considerado responsável, sofrendo pena. A Lei Federal 6.691 de 1979, o chamado Código de Menores, reafirmou o teor do C.P.B quando classificou o menor de 18 anos como absolutamente inimputável.
“Em outros países a idade mínima para a responsabilidade criminal é variável, sendo de 07 anos na Austrália, Egito, Kuwait, Suíça e Trinidad e Tobago; 08 anos na Líbia; 09 anos no Iraque; 10 anos na Malásia; 12 anos no Equador, Israel e Líbano; 13 na Espanha, 14 na Armênia, Áustria, China, Alemanha, Itália, Japão e Coréia do Sul; 15 na Dinamarca, Finlândia e Noruega; 16 anos na Argentina, Chile e Cuba; 17 anos na Polônia e 18 na Colômbia e em Luxemburgo.”
Os legisladores constituintes e ordinários brasileiros, utilizando-se do critério biológico, consideraram que os menores de 18 anos de idade não possuem plena capacidade de entendimento para entender o caráter criminoso de atos que praticam.
No entanto, no mundo moderno e globalizado em que vivemos, tal postura resta totalmente superada pelos fatos, sendo urgente que se faça uma Emenda à Constituição para que a maioridade penal seja reduzida para os 16 anos. Frise-se que os posicionamentos a favor da redução da maioridade penal para 16 anos não são recentes, pois alguns doutrinadores defendiam isso mesmo antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Oportuno fazer referência à opinião do insuspeito e saudoso Miguel Reale: “Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo.”
Na mesma linha é o pensamento de Leon Frejda Szklarowski , no seu excelente artigo “O menor delinqüente” “…não se justifica que o menor de dezoito anos e maior de quatorze anos possa cometer os delitos mais hediondos e graves, nada lhe acontecendo senão a simples sujeição às normas da legislação especial. Vale dizer: punição zero”.
É de se mencionar, também, que a maioria dos juízes brasileiros é a favor da redução da maioridade penal, conforme aponta pesquisa realizada em 2006 pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Nessa pesquisa, realizada com quase três mil juízes de todo o país, 38,2% mostraram-se totalmente favoráveis à redução da menoridade penal; 22,8% disseram-se apenas favoráveis, 2,3% indiferentes, 21,1% contrários e apenas 14,5% totalmente contrários.
A presunção de que ao adolescente de 16 anos faltava o entendimento pleno da ilicitude da conduta que praticava podia encontrar alguma justificativa décadas atrás, quando o Brasil era uma sociedade agrária e atrasada socialmente. Hoje, com a densificação populacional, o incremento dos meios de comunicação e o acesso facilitado à educação, o adolescente não é mais ingênuo e tolo.
Atualmente, o legislador entende que o jovem de 16 anos já possui maturidade para votar. Ora, quem tem capacidade de escolher Presidentes da República, Senadores, Deputados, Prefeitos e Vereadores, interferindo, assim, diretamente na escolha dos destinos da Nação, não terá discernimento para saber que matar, roubar e furtar é errado?
Refira-se, por importante, que o novel Código Civil brasileiro, atento ao fato de que o jovem amadurece mais cedo, permitiu, no seu artigo 5º, parágrafo único, inciso I, a emancipação aos 16 anos de idade.
Emancipado – o que pode ocorrer por intermédio de escritura pública outorgada pelos genitores -, o jovem poderá constituir família, com os pesados encargos daí decorrentes, com manutenção de um lar e a criação e educação da prole; poderá constituir uma empresa e gerenciá-la, respondendo, sem interferência de terceiros, por todas as obrigações inerentes ao exercício do comércio.
No entanto, na órbita penal, surrealisticamente, o jovem, apto a assumir as obrigações retro-referidas, continuará sendo submetido às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou seja, o legislador penal continua a entender que o jovem entre 16 e 18 anos possui desenvolvimento mental incompleto.
É fato notório – só não enxerga quem não quer ver por cegueira ideológica – que os adolescentes, além de possuírem plena ciência da ilicitude da conduta que praticam, valem-se conscientemente da menoridade para praticarem ilícitos infracionais, sabendo o quanto são brandas as medidas passíveis de serem aplicadas a eles. Não é gratuito o sentimento popular de que para o menor infrator nada – ou quase nada – acontece em termos de reprimenda estatal.
Assim, é altamente improvável – senão impossível – que o adolescente sinta-se dissuadido de praticar um ato infracional por temor da aplicação de uma medida socioeducativa, especialmente se esse ato lhe trazer ganhos pecuniários.
Punição insignificante é sinônimo de impunidade. Ao adolescente, o sistema de justiça passa a idéia de que o crime compensa, pois: a) muitas vezes a hipótese de ser descoberto o ato infracional é pequena; b) quando descoberto o ato, freqüentemente as provas são insuficientes para a procedência da representação; c) a demora no tramitar do procedimento faz com que o sistema de justiça não veja mais a utilidade social em uma punição, pois comumente há várias audiências, realização de estudo social, oitiva de testemunhas, recursos em caso de condenação, o que às vezes consome o tempo que leva para o infrator atingir os 21 anos, quando, então, a medida socioeducativa não mais poderá lhe ser imposta. Quando a medida socioeducativa aplicada torna-se irrecorrível, vêm os percalços de praxe: dificuldade de encontrar o infrator; cumprimento irregular da medida, o que gera audiências de advertência somente após um razoável prazo de tempo face às pautas congestionadas dos julgadores; falta de vagas caso a medida menos gravosa imposta tenha de ser convertida em medida de internação, etc.
É incontestável que o Estatuto da Criança e do Adolescente é leniente demais com a delinqüência juvenil, não atingindo uma das suas finalidades que é a intimidação dos jovens que cogitam de praticar atos infracionais. A solução a curto e médio prazos para conter o aumento da delinqüência juvenil passa pela adoção de medidas mais repressivas, especialmente a redução da maioridade penal.
Os partidários da não-redução da maioridade penal para 16 anos escudam-se em argumentos frágeis. Dentre eles, que com a referida redução em breve estaríamos colocando crianças na cadeia.
Ora, tal afirmativa não passa de um artifício de retórica, conhecido com ‘rampa escorregadia’, em que um simples ‘empurrão’ basta para que se chegue a conclusões logicamente inaceitáveis.
Quem se utiliza desse golpe de retórica parte da premissa de que um fato específico ‘X’ inexoravelmente vai conduzir a outro fato Y, sem razões aparentes ou sem possibilidade de qualquer graduação, como uma bola de neve que se avoluma montanha abaixo.
O argumento dos opositores da redução da maioridade penal peca pela ingenuidade. Parte-se da falsa premissa de que a grande maioria dos adolescentes que são encaminhados para as unidades de internação são de baixa periculosidade, e que lá se tornam piores ao entrar em contato com os internos perigosos (estupradores, autores de vários homicídios e roubos, etc).
Esclareça-se, então, como faz VOLNEY CORRÊA JÚNIOR, que esses truculentos internos da FEBEM (ou FASE, ou outra designação, conforme o Estado da Federação) não se tornaram bandidos porque lá foram ter, mas lá foram ter justamente porque são bandidos.
Sabe-se que somente os jovens que cometeram atos infracionais graves (como homicídios e roubos) são encaminhados para internação, enquanto aos demais são aplicadas medidas tais como prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, etc.
Não há qualquer cientificidade nos argumentos dos defensores da não-redução da maioridade penal. Infelizmente, os garantistas menoristas querem alçar à condição de argumento científico seus chavões e preconceitos.
Para operar-se a redução da maioridade penal é necessária Emenda à Constituição, pois como referido, o artigo 228 da Carta Magna prescreve serem inimputáveis os menores de 18 anos.
O eminente jurista GUILHERME DE SOUZA NUCCI defende a possibilidade de emenda constitucional para redução da maioridade penal, afirmando que há ‘‘uma tendência mundial na redução da maioridade penal, pois não mais é crível que os menores de 16 ou 17 anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida’, finalizando com a afirmação de que não podemos concordar com a tese de que há direitos e garantias fundamentais do homem soltos em outros trechos da Carta, por isso também cláusulas pétreas, inseridas na impossibilidade de emenda prevista no artigo 60, § 4º, IV, CF...(Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 109).
Não há se falar em cláusula pétrea, pois na apreciação do resultado da interpretação, como adverte CARLOS MAXIMILIANO: “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreve inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis” (Interpretação e aplicação do Direito, Forense, 19ª edição, 1995, p. 136).
Ora, não se mostra minimamente razoável afirmar que o legislador constituinte quisesse ‘petrificar’ a idade de 18 anos como o marco inicial para a imputabilidade penal, já que estaria desconsiderando a evolução dos tempos em todos os aspectos sociais. Assim como a maioridade civil foi alterada em razão dos avanços sociais e tecnológicos da sociedade, a maioridade penal o pode ser.
E mesmo que a garantia da maioridade penal aos 18 anos fosse cláusula pétrea – o que se diz ad argumentadum tantum -, poderia ser alterada, pois essa espécie de cláusula não pode vincular indefinidamente as gerações futuras.
Felizmente, os constitucionalistas começaram a perceber que não é correto uma Constituição, por meio das cláusulas pétreas, bloquear a capacidade de autodeterminação jurídica das gerações futuras, o que seria autêntico ato de abuso de poder constituinte. As cláusulas pétreas não podem ser instrumento de tirania de uma determinada geração sobre as gerações posteriores.
O passado não pode engessar o presente e o futuro. A vontade da maioria, em um dado momento histórico, não pode ter a pretensão de guiar eternamente o agir das gerações seguintes. Note-se que as minorias de ontem podem tornar-se as maiorias do amanhã; inobstante, suas escolhas jamais poderiam prevalecer por terem sido barradas pelas cláusulas pétreas.
A preservação a todo custo das cláusulas pétreas é opção antidemocrática, pois impede que o povo (titular da soberania), diretamente ou por seus representantes, faça periodicamente as correções legislativas tão necessárias para a construção de uma sociedade mais justa. Ainda, há o perigo das cláusulas pétreas induzirem à abstração de outros valores protegidos constitucionalmente que, em determinado momento histórico, devem ter prevalência.
O jurista Vanossi refere que as cláusulas pétreas são inúteis e até contraproducentes. A função essencial do poder reformador é a de evitar o surgimento de um poder constituinte revolucionário, mas, paradoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa função. Isto porque transmutam-se em fatores de instabilização do sistema constitucional, passando a condensar os anseios pela ruptura da ordem jurídica, que se torna a ser a única alternativa para a derrubada de obstáculos normativos.
A Constituição portuguesa de 1976 sofreu várias revisões, sendo despojada ao longo dos anos de muitos dos seus princípios socialistas, à exceção das cláusulas pétreas. No entanto, em certo momento, mesmo estas se tornaram incompatíveis com o momento histórico vivido e com o tratado de Maastrich.
O constitucionalista Jorge Miranda forjou, então, a teoria da dupla revisão, pela qual podia alterar-se a cláusula que determina quais são as cláusulas pétreas, mas não a matéria. Dessa forma, primeiro muda-se a redação das cláusulas que estipulam as cláusulas pétreas (‘despetrificação’) e numa segunda revisão altera-se a matéria. Foi a solução que o evoluir dos tempos e a realidade dos fatos impôs a Portugal.
Sob outro enfoque, argumenta-se que as cláusulas pétreas não poderiam impedir a alteração de disposições específicas concernentes aos direitos e garantias individuais. Com efeito, a tutela constitucional é das instituições e não de determinadas disposições casuisticamente referidas pelo poder constituinte originário, as quais poderiam ser suprimidas e alteradas desde que se mantivesse intocável o princípio que justificou sua criação.
A Constituição, no artigo 60, § 4º, inciso IV, dispõe que ‘não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais. A expressão ‘tendente a abolir’ deixa implícita a idéia de um conteúdo mínimo inalterável, o que, evidentemente, não se confunde com a eliminação completa dos direitos e garantias individuais.
No entanto, reitere-se o óbvio: a maioridade penal é estabelecida por uma determinada política criminal, não se tratando de garantia individual, já que é fixada em atendimento às circunstâncias de tempo em que vivemos e dos valores reinantes na sociedade.
De outra forma, teríamos que sustentar a sandice de que temos um jovem de 16 anos maduro, que pode casar, assumir encargos familiares, constituir e dirigir empresas transnacionais, contratar, assumir obrigações fiscais e trabalhistas e demais atos de exercício de mercancia, influir na vida política de seu país por meio do voto, mas que, coitado, não tem maturidade para saber que matar, roubar, furtar e estuprar é errado. Quem em sã consciência poderá sustentar isso?
Não se ignora que uma das causas da delinqüência juvenil é a falta de políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente . Só que a sociedade não pode esperar indefinidamente que sejam implementadas as políticas públicas de emprego, educação, etc, que o país necessita. Ninguém duvida que tal implementação levaria décadas, e que os resultados positivos só seriam atingidos depois de mais outras décadas. Nesse interregno – de décadas -, a sociedade pacata e ordeira necessita de proteção contra os menores delinqüentes, especialmente em relação àqueles que praticam assassinatos, estupros e roubos.
O problema deve ser enfrentado de duas formas: criando políticas sociais de trabalho, educação e emprego, sim, mas simultaneamente fazendo os jovens entre 16 e 18 anos responderem penalmente pelos seus atos.
A sociedade não pode presenciar pacatamente o incremento da violência por parte de adolescentes entre 16 e 18 anos, que praticam os crimes mais perversos e violentos e são submetidos apenas às debilitadas e tíbias normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, Diploma Legal que tem servido apenas de fomento à delinqüência juvenil no que pertine ao trato das práticas infracionais.
O povo brasileiro exige de suas autoridades uma reação forte contra adolescentes que praticam atos infracionais graves. Até o falecido Cardeal Aloísio Lorscheider, líder religioso católico, era favorável à redução da maioridade penal.
Quando o Estado não impõe punição impessoal proporcional à conduta ilícita e aos danos causados às vítimas, estimula-se a vingança privada. É uma agressão para o cidadão pacato e ordeiro que as normas do ECA sejam tão benevolentes com os menores infratores, tratando-os como pobres vítimas de um sistema social injusto, ao invés de puni-los como predadores que são. Essa situação apenas corrói a legitimidade das autoridades e fomenta a criminalidade.
Infelizmente, no Brasil o cidadão de bem se vê forçado a concordar com o afirmado por VOLNEY CORRÊA JÚNIOR: “No Brasil, o adolescente é equivalente ao ‘007’ no Reino Unido – tem licença para matar’.
Promotor de Justiça no RS
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