Resumo: O presente artigo objetiva esclarecer o instituto da súmula vinculante no Brasil, nos permitindo expor fundamentos que balizam as correntes que lhe são contrárias e as que atuam em sua defesa. Nesse sentido, procuraremos mostrar, sem a pretensão de esgotarmos o conteúdo, os principais elementos que lhe estruturam, elencando, por conseguinte, de modo isolado, as razões que buscam legitimá-la, bem como os motivos que a fazem ser rechaçadas por parte da doutrina mais moderna.
Palavras-Chave: Poder Judiciário. Súmula vinculante. Avanço. Retrocesso.
Abstract: This article aims to clarify the Office of binding precedent in Brazil, allowing us to expose fundamentals that drive the currents that are inconsistent and that operate in its defense. In this sense, we aim to show, without the pretense of exhausting the contents, the main elements that structure, listing, therefore, in isolation, the reasons for seeking to legitimize it, and the reasons for that are to be rebuffed by the more modern doctrine.
Keywords: Judiciary. Binding precedent. Advancement. Rewind.
Sumário: Introdução. 1. Noção de súmula vinculante. 1.1. Características. 1.2. Competência. 1.3. Objeto. 1.4. Objetivos. 1.5. Legitimados. 1.6. Aplicabilidade. 1.7. Edição, revisão e cancelamento. 2. Súmula vinculante: Avanço ou retrocesso? 2.1. Razões a favor da súmula vinculante. 2.1.1. Celeridade e economia processual. 2.1.2. Amontoamento incontido de causas repetitivas. 2.1.3. Segurança jurídica. 2.1.4. Justiça impessoal e isonômica. 2.2. Razões contra a súmula vinculante. 2.2.1. Independência funcional dos magistrados. 2.2.2. Criação de Juízes-Legisladores. 2.2.3. Morosidade. 2.2.4. Excrescência no sistema jurídico romano-germânico. 2.2.5. Interpretação, insumo jurídico. 2.2.6. Instrumento de uma ideologia. Conclusão.
Introdução
O ser humano, enquanto elemento dinâmico da natureza, em sua busca incessante pelo desenvolvimento, sempre esta adaptando os recursos que lhe são fornecidos à satisfação de suas carências. Das necessidades nascentes procuram-se instrumentos correspondentes na tentativa de supri-las.
Os homens agem na razão das necessidades que sentem, tanto culturais quanto naturais, e para saciá-las, incorporam condutas e servem-se dos mais variados meios, sejam ou não institucionalizados.
Enquanto elemento imprescindível à sociedade, o Direito não foge às suas mudanças. Socialmente construído e historicamente formulado, o Direito deve adaptar-se a conjuntura do tempo e espaço.
Produzido pelo homem, através de um processo politicamente institucionalizado, para atender a uma exigência básica da convivência social, o Direito não pode ficar inerte ante as alterações sociais. Há o imperativo de sua permanente necessidade de adequação à realidade social sobre o qual opera.
O aumento significativo de demandas judiciais e de sua complexidade instalou na sociedade brasileira a crise no Judiciário. Empreendendo respostas, adequando-se às exigências de reforma, o Direito brasileiro albergou mudanças no texto constitucional. Assim, em 08 de dezembro de 2004, promulgou-se a Emenda Constitucional nº 45.
Na tentativa de ajustar o Poder Judiciário à realidade, se aprovou, portanto, o que se convencionou chamar de “reforma do judiciário”, trazendo uma série de alterações no texto constitucional, renovando e reafirmando a importância do exercício da função jurisdicional.
Nesse contexto, nasce a súmula vinculante. Instituto forjado sobre a perspectiva de condicionar pensamentos constitucionais divergentes acerca de determinadas matérias a uma única interpretação proferida pela Suprema Corte de nosso Estado, a súmula vinculante fora uma das soluções possíveis, implementadas pelo Legislativo, para formulação de um novo Judiciário.
Acrescentando o art. 103-A em nossa Carta Política, introduziu-se no Direito brasileiro o instituto da súmula da jurisprudência dominante com efeito vinculante, ou simplesmente, súmula vinculante. Com raízes no direito antigo, o respectivo instituto, que se encontra regulamentado pela Lei nº 11.417 de 19 de dezembro de 2006, trouxe ao universo jurídico pátrio, calorosas discussões.
Seria a súmula vinculante, pois, um caminho acertado pelo qual estamos seguindo em prol de um Judiciário mais condizente aos anseios sociais, ou seria mais um insucesso do Poder Constituinte Reformador na esperança de sanar os problemas que vigem?
A partir da análise contextualizada da súmula vinculante, abordaremo-na, trazendo a debate o papel que desempenha no palco da sociedade brasileira.
1. Noção de súmula vinculante
Para que melhor entendamos o que seja súmula vinculante, é necessário, antes de conceituarmos, que façamos a análise dos termos que a compõe.
Súmula deriva do latim summula, que significa sumário ou resumo. Segundo Marcus Cláudio Acquaviva súmula é a “ementa que revela a orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos”[1], ou seja, consoante entendimento de Antonio Carlos de A. Diniz, “consiste num enunciado sintético que contém a interpretação uniformizada de Tribunal sobre uma dada matéria”[2]. Enfim, a súmula é resultado do entendimento extraído e já assentado de decisões reiteradas que se tornaram jurisprudência.
Vinculante, por sua vez, tem a ver com algo que está ligado a outro. Seria, portanto, no âmbito jurídico, a filiação compulsória de uma decisão a uma outra já prolatada.
Nestes termos, prevendo a súmula vinculante em seu art. 103-A, nossa Carta Política de 1988, o fez, ditando-a, como instituto que tendo por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, a partir de aprovação pelo STF e publicação na imprensa oficial.
A luz do texto constitucional e de sua estrutura vinculatória tem-se, pois, a súmula vinculante enquanto ementa que manifesta o juízo do Supremo Tribunal Federal extraído de reiteradas decisões de matéria constitucional, objeto de divergência de entendimentos entre órgãos judiciários ou destes com órgãos da administração pública, que acarrete incertezas quanto a sua manifestação, bem como demande enorme quantidade de questões idênticas, ao qual vinculará seu enunciado e também os fundamentos que motivaram sua existência aos órgãos do Poder Judiciário e da administração pública, seja ela direta ou indireta, nas três esferas estatais, tendo em vista a validade, interpretação e eficácia de normas determinadas.
1.1. Características
Conforme vige a súmula vinculante em nosso Direito, são duas as características primordiais: Imperatividade e coercitividade[3].
Imperativo refere-se à imposição, ditame. Conforme contexto ao qual se insere, estaria a súmula vinculante para imposição de determinada orientação diante casos concretos específicos, resultando no acolhimento obrigatório de determinado sentido normativo.
Coercitividade, por sua vez, diz-se aquilo que se pode reprimir, conter. Em consonância com o primeiro adjetivo dado, estaria a coercibilidade, enquanto instrumento que permite a aplicação compulsória da súmula, que a permite ser efetivamente aplicada.
Restaria, portanto, a súmula vinculante como instituto jurídico de filiação compulsória, cuja inobservância é passível de reclamação à Corte Superior, acarretando, se julgada procedente, no efetivo cumprimento do enunciado pelo órgão violador.
1.2. Competência
Conforme dispõe a Constituição da República e a Lei nº 11.417/06, o órgão do judiciário competente para aprovação de súmula vinculante é o Supremo Tribunal Federal. Nenhum outro órgão do Poder Judiciário, portanto, terá competência para realização de tal ato.
Somente a instância máxima da organização judiciária brasileira, composta por onze ministros, de notável saber jurídico e reputação ilibada, escolhidos dentre os cidadãos, com mais de 35 anos e menos de 65 anos de idade, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, terá competência para aprovar súmula, que assentando orientação normativa, vinculará todos os demais órgãos do judiciário e da administração pública.
1.3. Objeto
Conforme estabelece o art. 2º, §1º, da Lei 11.417/06, “o enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão”[4].
Insta salientar que a controvérsia deve abranger tão só os órgãos do judiciário, ou destes com outro da administração pública. Se o conflito envolver somente órgãos da administração pública, resta posto, que súmula vinculante não poderá ser editada.
Curioso que se note, que o texto de que dispõe o art. 103-A, §1º, da CF88, malgrado seja muito semelhante com a redação do artigo supracitado, com ele não se confunde. Isso porque enquanto o primeiro se destina a falar sobre o objetivo da súmula vinculante e não objeto como constatamos da leitura do dispositivo ora transcrito.
De mais a mais, a luz do que dispõe o texto de lei acima, o objeto da súmula vinculante é a norma em conflito, ou seja, a disposição normativa que vem gerando divergência entre órgãos do judiciário ou destes com os da administração pública, acerca de seu sentido e alcance, gerando insegurança jurídica, bem como levando a multiplicação de processos perante o Pretório Excelso.
1.4. Objetivos
Os objetivos ao qual propõe a súmula vinculante não é outro, senão, mormente, a uniformização da jurisprudência.
Conforme a leitura do §1º, do art. 103-A da Constituição Federal de 1988, a súmula vinculante, quando editada, “terá por objetivo a construção de orientação normativa, acerca de preceitos aos quais tenha controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”[5].
Embora a súmula vinculante tenha como principal objetivo a uniformização da jurisprudência, o Constituinte Reformador buscou, a partir dele, impedir que houvesse a propagação de processos que tratassem sobre um mesmo tema, e também, oferecer, a quem esteja submetido ao Direito brasileiro, a certeza que diante de determinada lide não haverá outra exegese, se não aquela orientação já reconhecida e consolidada perante a Suprema Corte.
O instituto em epígrafe tem por escopo, portanto, determinar, segundo o STF, qual seja o entendimento mais acertado diante de determinada hipótese de incidência, haja vista interpretações divergentes entre órgãos do judiciário ou entre estes e os da administração pública, no que se refere às matérias de índole constitucional, visando, aos que se submetem às disposições normativas pátria, a convicção de resposta determinada diante de uma dada causa, bem como permitindo que não haja um aumento significativo no número de processos que versando sobre questões idênticas já tenham entendimento constitucional pacificado.
1.5. Legitimados
Diz a Carta Magna, no §2º do art 103-A, que “sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento da súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade”[6]. Logo, a priori, serão competentes para aprovar, revisar ou cancelar súmula vinculante, conforme observância do art. 103 de nossa Carta Política, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, e por fim confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
A redação do §2º, todavia, abriu a possibilidade de ampliação deste rol, ao permitir que a lei infraconstitucional pudesse complementá-lo, estabelecendo outros legitimados para aprovar, rever ou cancelar súmula vinculante. Neste sentir a Lei nº 11.417/06, em seu art. 3º, além dos elencados pelo art. 103-A, §2º da CF88, previu como legitimados, o Defensor Público-Geral da União, bem como os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Imperioso firmarmos que os Municípios têm legitimidade para propor edição, revisão e cancelamento de súmula, porém, à luz do artigo 3º, §1º, da Lei nº 11.417/06, só poderá fazê-lo incidentalmente, hipótese em que não se autorizará a suspensão do processo.
De mais a mais, curioso que se note, que contrariamente ao processo de revisão e cancelamento, onde o STF só pode vir a manifestar-se mediante provocação, a aprovação de súmula pode ser realizada de ofício como bem assegura o caput do art. 103-A da Constituição Federal de 1988.
1.6. Aplicabilidade
Consoante a própria nomenclatura dada ao instituto, a aplicação da súmula vinculante é compulsória. Sejam os órgãos do judiciário, sejam os da administração pública direta ou indireta, estão obrigados, diante do caso concreto, a aplicá-la.
Salienta-se, contudo, que somente os órgãos do Poder Judiciário e do Executivo estão compelidos à sua aplicação, restando ao Poder Legislativo, em suas funções típicas, a liberdade de criar lei ou emenda constitucional que até mesmo lhe contrarie.
Conforme seja a demanda processual, a tutela jurisdicional oferecida, quando adstrita à súmula vinculante, deverá vir fundamentada, obrigando o julgador a demonstrar que o litígio se adequa não só ao sentido da súmula aplicada como também aos fundamentos que autorizaram a sua constituição[7].
Em caso de decisão que contrarie o conteúdo de súmula vinculante, cabe ao litigante que se viu prejudicado ante a indevida inobservância da súmula, o direito de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo da possibilidade de questionamento do descumprimento da súmula em grau de recurso, uma vez que não há impedimentos para que uma segunda instância venha reapreciar questões de fato[8].
A reclamação constitucional, nestes termos, destina-se, conforme aduz André Ramos Tavares, “a sustentar a integridade da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela Constituição”[9].
A partir da entrada em vigor da súmula, devem os órgãos, seja do judiciário ou administração pública respeitá-la, cabendo, desde logo, aplicá-la. Existindo decisão que contrarie, seja porque aplicou indevidamente, seja porque não aplicou quando se exigia, caberá à parte interessada, reclamar tal irregularidade à Suprema Corte.
Ao Pretório Excelso, cabe, após a análise da reclamação e entendimento que houve irregularidade na aplicação da súmula, a anulação do ato administrativo ou decisão judicial, requisitando, por oportuno, que novo ato ou decisão seja emitida, aplicando ou não a súmula, conforme exigência do caso em concreto.
Neste sentido, diz o art.103-A, §3º da Constituição Federal de 1988, reiterado pelo art.7º, caput e §2º da Lei nº 11.417/06, que “do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cessará a decisão judicial reclamada, determinando que outra seja proferida com ou a observância da súmula, conforme o caso”[10].
Pouco importa se quem inobservou a súmula vinculante foi o judiciário ou a administração pública, diante do desrespeito ao seu enunciado cabe reclamação pela parte interessada ao STF.
Destaca-se, que o art. 7º, §1º, da Lei regulamentadora, somente autorizou, no âmbito administrativo, reclamação perante o STF, quando já houverem esgotadas as vias administrativas de impugnação.
Diante do exposto resta afirmarmos que não cabe ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade contra súmula vinculante, bem porque esta não se trata de ato normativo do legislativo nem tampouco de lei.
1.7. Edição, revisão e cancelamento
Malgrado o instituto da súmula vinculante tenha origem em Emenda Constitucional, é em lei infraconstitucional que recebe regulamentação.
Nesse sentido, é a Lei nº 11.417, editada em 19 de dezembro de 2006, que traz previsão acerca de como se procede a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante.
Sendo antevisto no caput do art 103-A, a edição, assim como disposto no §3º do art 2º da Lei nº 11.417/06, requer decisão, posicionada à sua criação, tomada por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária. Faz-se necessário, portanto, que pelo menos oito, dos onze Ministros que compõe o Pretório Excelso deliberem pela aprovação da proposta de súmula vinculante para que ela possa produzir efeitos.
Precede à criação de súmula vinculante, nestes termos, a existência de controvérsia atual relevante, ou seja, requer que haja, ao tempo da edição, divergência de interpretação acerca de texto de lei constitucional e que esta, de alguma forma, tenha relevância jurídica[11].
Salienta-se, por oportuno, que é plenamente possível que haja conversão de súmula não vinculante em vinculante, bastando para tanto, o respeito ao procedimento estabelecido pela Lei regulamentadora. Diz o art. 8º da Emenda Constitucional nº. 45 que “as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de integrantes e publicação na imprensa oficial”[12].
A revisão e o cancelamento, por sua vez, assim como na edição, requerem que em sessão plenária no STF pelo menos dois terços dos seus membros assim deliberem.
Frisa-se, por oportuno, que a proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula, conforme disposto no art. 6º da Lei que regulamenta o art. 103-A da Magna Carta, não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão.
Destaca-se também que em qualquer destes três procedimentos o relator pode admitir, a respeito do que proclama o §2º do art. 3º da Lei supracitada, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Pretório Excelso.
Sendo editada, revista ou cancelada súmula, há o prazo de dez dias, como bem assevera o art. 2º, §4º, da Lei nº 11.417/06, contados do dia seguinte à sessão que optou por uma destas três condutas, para que o STF publique em seção especial do Diário Oficial da Justiça e do Diário Oficial da União o respectivo enunciado. Somente a partir dai, então, passará a ter eficácia, a menos que a Suprema Corte, a teor do que dispõe art. 4º da mesma Lei, por decisão de dois terços de seus membros, fundando-se em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, restrinja o efeito vinculante a um dado período ou decida que só tenha eficácia a partir de outro momento.
Deste modo, a súmula vinculante, a priori, tem vigência imediata. Tão logo seja publicada na imprensa oficial, a súmula deve ser respeitada pelos órgãos ao qual ela vincula. Somente por decisão de dois terços dos membros do STF, em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, a súmula vinculante poderá ter seus efeitos restringidos em relação ao aspecto temporal.
Imperioso que se note, na razão do art. 5º da Lei nº 11.417/06, que em havendo revogação ou modificação de lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o STF, de oficio ou por provocação, procederá a sua revisão ou cancelamento, conforme seja o caso.
De mais a mais, com fulcro no procedimento de edição, revisão e cancelamento da súmula, é imperioso que se diga que a natureza do processo de manejo da súmula, malgrado haja pensamentos contrários, é, consoante entendimento de André Ramos Tavares, como “um processo objetivo típico (embora com certas particularidades), que promove a aproximação entre o controle difuso-concreto de constitucionalidade (reiteradas decisões) e o controle abstrato-concentrado (efeito vinculante)”[13]. Posicionamento, ratificado, por Leonardo Vizeu Figueiredo, ao conceber que se trata de procedimento de natureza objetiva, na medida em que versa, “exclusivamente, sobre a validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas em face do texto constitucional”[14].
2. Súmula vinculante: Avanço ou retrocesso?
A súmula vinculante, desde que ganhou notoriedade na legislação brasileira, vem sendo objeto de tormentosas discussões acerca de tratar-se ou não de um instituto condizente com os fins aos quais se propõe o Direito. Nesse sentido, com a sua criação, a partir da Emenda Constitucional nº 45, grupos se insurgiram em sua defesa, em contrapartida daqueles que iam de encontro a sua adoção. São numerosas as manifestações dos operadores do direito sobre o instituto, demonstrando as vantagens e desvantagens de seu uso. Com a controvérsia, questionou-se, portanto, qual o papel do instituto da súmula vinculante dentro do ordenamento jurídico pátrio. Seria um erro, ou um pequeno ato em direção aos ideais a que se propõe o Direito? Estaríamos ou não buscando a satisfação do ideal de justiça?
2.1. Razões a favor da súmula vinculante
São numerosos os argumentos em defesa da súmula vinculante. Muitos operadores do Direto, pois, defendem a sua utilização fundamentando a sua posição a partir das mais diversas justificativas para legitimá-la.
2.1.1. Celeridade e economia processual
Como notório, a burocratização, e, por conseguinte, a morosidade, é um mal que por muito tempo permeia o judiciário brasileiro. Considerado o maior vilão da crise do judiciário brasileiro, a lentidão da justiça seria, para muitos, a principal causa para adoção da súmula vinculante. A súmula vinculante seria, portanto, um remédio que malgrado não sanasse todos os vícios, ajudaria a amenizá-los.
Na medida em que uma decisão já sumulada, nos moldes ao qual prevê o art. 103-A da CF88 e sua respectiva Lei reguladora, viabiliza a supressão de etapas no tramite processual, possibilita ao cidadão ver a sua contenda solucionada muito mais rápida, tornando o judiciário mais ágil e eficaz. Assim, para aqueles que subsidiam a sua posição em prol do uso da súmula pautando-se nesse argumento de defesa, a súmula vinculante seria um meio hábil para incrementar a celeridade e a economia processual.
Alguns chegam a dizer que em conseqüência do menor custo processual e da celeridade que possam resultar as demandas, as sumulas vinculantes evitariam que os menos afortunados se afastassem do acesso à justiça, bem como houvesse deterioração do objeto demandado[15].
Estaria, portanto, a súmula vinculante, assumindo um papel de lubrificante de peças, cujo emprego se faz nas engrenagens da maquina do judiciário, permitindo que ela possa trabalhar melhor.
2.1.2. Amontoamento incontido de causas repetitivas
O amontoamento de causas repetitivas é um forte argumento, pelo qual se utiliza parte da doutrina, na defesa da súmula vinculante. Uma vez que são muitos os processos que versam sobre questões idênticas, a súmula seria um elemento necessário para resolução do grande número da lides, que se amontoam no Supremo.
Nesse sentido, muitos doutrinadores balizam a legitimidade desse argumento, fundamentando-o na literalidade do texto constitucional. Para eles, a Constituição Federal de 1988, no art. 103-A, adotou-o na medida em que menciona que a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
O STF, até 1999, só para se ter noção do problema que o aflige, julgou um volume de processos 1856% maior que o levado a efeito há 59 anos, mesmo composto, desde então, por 11 ministros. A forma com vem crescendo o número de demanda perante o Supremo é absurda. Em 1994, o STF recebeu 26.662 feitos e julgou, naquele ano, 28.752. Em 1995, por conseguinte, 30.706 foram os feitos, sendo julgados 35.214. Já em 1996, foram recebidos 30.706 e sendo proferidas apenas 29.000 decisões. Por sua vez, em 1997, 33.963 processos foram distribuídos, sendo 40.615 julgados. E por fim, com base nos dados colhidos, houve, em 1998, um crescimento na ordem de 13% relativamente ao ano de 1997, o que nos dá aproximadamente um total de 48.000 feitos apreciados[16]. Se parece assustador a forma com que se cresceu o número de demandas perante o STF de 1994 a 1999, resta farto que, hoje, uma elevada quantia de processos está empilhada para serem apreciados junto ao STF.
Com base nestes dados, levanta-se outro, que para muitos operadores do direito é suficiente para que súmula vinculante continue a viger em nossa sociedade, qual seja, cerca de 70 a 90% das causas são reiterativas, ou seja, tratam de questões idênticas[17].
Enfim, é com vistas em números como estes, que parte da doutrina tem-se se valido para defenderem a adoção da súmula vinculante no País. Sob o argumento de que são numerosos os processos versando sobre questões idênticas, muitos doutrinadores têm emitido a sua opinião em favor da súmula.
2.1.3. Segurança jurídica
Tido como uma das razões para adoção da súmula vinculante no Direito brasileiro, a segurança jurídica pode ser entendida, como instrumento de certeza, que afasta a possibilidade de surpresas na resposta judicial.
Elemento imperioso para o Direito, a segurança jurídica é o que permite aos cidadãos ter confiança na justiça. A partir dele, pois, pode o sujeito que esteja submetido às leis brasileiras ter a segurança de que a tutela jurisdicional que exige não se submeterá a interpretações diversas da que naquele momento é pacifica e já se encontra assentada.
Com este raciocínio, não só o Legislador de Reforma, ao editar a Emenda Constitucional nº 45, como também, muitos operadores do Direito, vêem na segurança jurídica um pilar de sustentação do instituto da súmula vinculante.
Na defesa deste entendimento André Ramos Tavares faz salientar que tendo as súmulas origem num processo de padronização da jurisprudência, muito contribuem para a segurança jurídica, vez que são extremamente oportunas para impedir os conflitos dentro do próprio Judiciário[18].
Por entender a súmula vinculante como instrumento em que diversas orientações jurisprudenciais reduzem-se a uma única, muitos dos que defendem seu uso frisam que a partir dela os processos não estarão à mercê de distintas interpretações, permitindo, pois, certeza que aquilo que for demandado será apreciado sem maiores dúvidas quanto ao entendimento do STF. A súmula vinculante estaria, portanto, reduzindo as incertezas quanto às decisões conflitantes entre os diversos julgadores.
2.1.4. Justiça impessoal e isonômica
Para muitos, a súmula vinculante impõe à Justiça brasileira, um viés mais impessoal e isonômico.
A partir dela consubstancia-se a possibilidade, diante dos casos que a avoquem, de uniformização das decisões, independentemente das condições pessoais dos sujeitos que litigam.
Utilizando-se do termo “democracia”, numa alusão à noção de impessoalidade, Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à Revista Consulex, antes mesmo de se promulgar a Emenda Constitucional nº 45, aduziu que o “efeito vinculante, pode se constituir em um grande instrumento de democratização de justiça à medida que permite a equalização de situações jurídicas independentemente da qualidade de defesa ou da situação peculiar de um outro litigante”[19].
Neste sentir, disse, em 1998, Antônio José M. Feu Rosa, até então Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que o efeito vinculante das súmulas, encontra resistência, haja vista ser “medida de Justiça, beneficiando principalmente os fracos e oprimidos”[20].
A edição da súmula possibilitará, pois, que a justiça seja prolatada de maneira isonômica. A população em seu todo, diante de casos semelhantes, terá para si a mesma decisão.
A partir dela, busca-se, como bem salienta Fernando Capez, “assegurar o princípio da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de forma distinta para situações fáticas idênticas, criando distorções inaceitáveis”[21].
2.2. Razões contra a súmula vinculante
Àqueles que não concordam com a adoção da súmula vinculante no Direito brasileiro se apóiam em argumentos muito bem fundamentados. Entendendo que a entrada deste instituto representa um retrocesso do ordenamento jurídico pátrio, muitos doutrinadores vêm tecendo inteligentes interpretações do papel que desempenha a súmula vinculante no cenário brasileiro.
Dentre juristas de nomes que a essa corrente se filia, encontramos, não só Dalmo de Abreu Dalari, como também, Fábio Konder Comparato, Carmem Lúcia Rocha, Lênio Luís Streck, Evandro Lins e Silva e muitos outros[22].
2.2.1. Independência funcional dos magistrados
Em meio às civilizações mais primitivas, onde não lográvamos um Estado coeso e sólido capaz de criar leis e impô-las ao cumprimento da sociedade, os conflitos que nela surgiam viam na força bruta a forma de solucioná-los.
A autocomposição, que ainda hoje perdura residualmente no direito moderno, em resposta ao uso da força como forma de resolução de conflitos, foi solução adotada pelos grupos sociais, na busca da pacificação social, ante a ausência de um Estado capaz de conceber leis e torná-las de observância obrigatória. Como forma resolutória de conflitos, ancorada no acordo entre as partes, a autocomposição, seja através da renúncia ou desistência, do convencimento ou submissão ou até mesmo da transação, pouco a pouco foi cedendo espaço a uma outra forma de solução de conflitos, a heterocomposição.
Dia após dia, os sujeitos foram reconhecendo que nem a autotutela nem a autocomposição seriam os melhores meios para resolver os embates que surgiam no seio social. A escolha de um terceiro, de um outrem que não integrasse a contenda, foi, então, a solução encontrada. Surge, pois, a heterocomposição.
Na razão de sua evolução, o Estado firmou-se e conseguindo impor-se aos particulares, avocou a dirimência das contendas, tornando competente para solução dos litígios. Coube a ele, portanto, enquanto Estado-juiz, a aptidão de dizer a vontade do ordenamento jurídico ao caso concreto. Monopolizando a atividade jurisdicional tornou-se o Estado responsável pela solução dos litígios.
Com o passar dos tempos, portanto, a autotutela foi gradativamente sendo substituída, de modo a termos, na contemporaneidade, a heterocomposição, enquanto instrumento resolutivo de contendas, pelo qual o terceiro a solucioná-lo é o Estado, como forma principal de resolução de conflitos de interesses.
O magistrado enquanto instrumento pelo qual se vale o Estado para dizer o que o ordenamento jurídico pátrio preceitua, busca, pois, a cada demanda que se desdobra sobre sua competência, a aplicação de decisões adequadas ao caso concreto, de modo a buscar a melhor solução, condizente ao ideal de Justiça que permeia o Direito. Neste sentir, deve o magistrado, vinculado ao que diz a nossa lei, e motivado pelas suas convicções, aplicar o que se acha mais justo ante cada caso que perpassa perante seus olhos.
Necessário que haja dessa forma, independência para que possa aplicar o melhor Direito. Tanto é, que na busca de evitar que suas decisões sofressem qualquer influência, proclamou-se constitucionalmente as garantias de independência dos magistrados, tal quais a de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Desse modo, há de se preservar a independência funcional dos magistrados. Qualquer tentativa de suprimi-la deve, pois, ser extirpada.
A independência funcional do Juiz, apenas o subordina à Lei. O julgador, não possui superiores hierárquicos ao qual deva obedecer ordens e instruções para julgamentos das causa que lhe são afetas.
Ao se exigir a tutela jurisdicional do Estado, o sujeito procura que um terceiro possa lhe fornecer uma resposta adequada com que a situação em litígio exige, de modo que se faça Justiça.
A edição da súmula vinculante assenta uma interpretação à qual os órgãos tanto do judiciário como também da administração pública devem vincular-se. Assim, a súmula vinculante, ao determinar a orientação que deve ter o magistrado na prolação da sentença, vai de encontro à independência funcional do juiz. Amordaçando-os, ela lhes retira a possibilidade de buscar soluções mais justas ao caso concreto.
Não pode haver instituto que tolha o convencimento do magistrado. A adoção do instituto, segundo alguns doutrinadores, é, pois, incoerente, ante ao que dispunha o ordenamento jurídico pátrio, é um retrocesso do Direito brasileiro, estaríamos nos afastando do ideal de Justiça.
2.2.2. Criação de Juízes-Legisladores
O Poder Constituinte consagrou, no art. 2º da Constituição de 1988, o princípio da Tripartição de Poderes, ao prever que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Pautado num sistema de freios e contrapesos, adotou-se, portanto, entre os Poderes Constituídos uma lógica de relacionamento que os permite controlar-se, sem que nenhum deles possa se sobrepujar ao outro.
Desse modo, dotando cada um dos Poderes com funções típicas e atípicas, a Carta Política brasileira permitiu a consagração do sistema do “check and balances”.
Neste sentir, enquanto o Poder Legislativo tem como função típica a criação de leis e o Poder Judiciário a aplicação delas, foi deixado ao Poder Executivo o encargo da administração do Estado.
Por sua vez, pensadas para conceber maior autonomia a cada um dos respectivos Poderes, permitindo-os tornar independentes e harmônicos entre si, as funções atípicas correspondem às funções típicas dos demais Poderes.
Por conta dessa divisão de funções, muitos doutrinadores têm admitido que a adoção da súmula vinculante, tal como prevista, seria uma forma institucionalizada de usurpação de competência do Poder Legislativo pelo Judiciário. Isso porque, o STF funcionaria como verdadeira Casa Legislativa, ao editar, a partir de suas interpretações, súmulas que devem ser forçosamente empregados na aplicação do Direito ao caso concreto, seja por parte dos demais órgãos do Judiciário seja pela Administração Pública.
Consagrando o entendimento do STF como fonte de direito de observância obrigatória pelos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, a súmula vinculante autorizou que o Poder Judiciário adotasse o que se convencionou chamar de “exercício de função legislativa anômala”, competência um tanto incoerente com o que proclama a Tripartição de Poderes. Atribuiu-se a ele, pois, competência que rompe o equilíbrio entre os Poderes, resultando na criação de verdadeiros Juízes-Legisladores.
Nesse sentido, o ex-Ministro do STF, Evandro Lins e Silva, já afirmara que “a fonte primaria do direito é sempre a lei, emanada do Poder Legislativo, para isso eleito pelo povo diretamente. Os Juízes não tem legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei”[23].
As súmulas vinculantes, nestes termos, invadem a esfera de competência do Poder Legislativo, são verdadeiras normas cogentes, o que revela, sobremaneira, violação do princípio da Tripartição de Poderes. Tal como cogitada, elas institucionalizam flagrante vício de inconstitucionalidade, violando preceito constitucional consagrado pelo Poder Constituinte como princípio fundamental.
2.2.3. Morosidade
É sabido de todos que o Direito é muito dinâmico. Devendo adequar-se à realidade ao qual se insere, o Direito deve estar atento às transformações sociais.
A súmula vinculante, neste sentir, deve satisfazer às exigências da sociedade, acompanhando suas mudanças.
Ocorre que, diante da morosidade do Judiciário nacional, é dificultoso pensarmos que as súmulas vinculantes possam ser revistas ou canceladas, tão logo as bases que fundamentaram a sua edição sejam alteradas.
A valorização do formalismo no nosso ordenamento jurídico é elemento que muito prejudicaria a súmula vinculante na consecução da Justiça. Isso porque, não há como obtê-la, na medida em que determinada súmula, mesmo caduca, vincula os julgadores.
A morosidade no qual o judiciário brasileiro se afunda, e que por anos é objeto de críticas, será um óbice à adequação das súmulas vinculantes à realidade, o que torna inevitável o abarrotamento das prateleiras e escaninhos do STF, agora não mais com processos judiciais, mas sim com reclamações constitucionais.
2.2.4. Excrescência no sistema jurídico romano-germânico
O modelo do direito codificado-continental (civil law) e o modelo judicial do precedente judicial anglo-saxão (common law) são os dois principais sistemas jurídicos do mundo ocidental. Sistemas com características diferentes, cada um deles, disciplina o ordenamento jurídico, atribuindo conotações distintas aos institutos jurídicos.
André Ramos Tavares, neste sentir, afirma que entre os modelos “há uma radical oposição […] Enquanto o modelo codificado atende ao pensamento abstrato e dedutivo, que estabelece premissas e obtém conclusões por processos lógicos, tendendo a estabelecer normas gerais organizadoras, o modelo jurisprudencial obedece, ao contrário, a um raciocínio mais concreto, preocupado em resolver o caso particular. O modelo do common law está fortemente concentrado na primazia da decisão judicial […] É, pois, um sistema jurídico judicialista. Já o Direito codificado […] esta baseado, essencialmente, na lei. É, pois um sistema normativista”[24].
Com origem no Direito Romano, o civil law tem como principal fonte do Direito a legislação. Também conhecido como sistema romano-germânico ou continental europeu, o civil law, consagra o primado da lei. As soluções encontradas a cada caso concreto provêm, sobretudo, das disposições dos Códigos e das Leis.
Já o sistema jurídico anglo-saxão, nascido a partir das atividades dos tribunais reais de justiça inglesa, tem nos costumes a principal fonte do Direto. Mais comumente conhecido como common law, fundamenta-se, sobremaneira, com vistas nos usos e costumes, do que com as leis propriamente ditas. Carlos Alberto do Amaral, nesse sentir, diz que nesse sistema essencialmente costumeiro, natural que o precedente ostente a força normativa capaz de implicar a sua aplicação a novos casos, com os quais guarde identidade[25]. O processo costumeiro de produção jurídica defere aos tribunais, portanto, a tarefa de positivação do direito, editando normas de caráter geral.
Nesse sentir, o chamado precedente (stare decisis) utilizado no modelo judicialista é o caso já decidido, cuja decisão sobre o tema (leading case) atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados[26].
Sistemas jurídicos distintos, ancorados sobre estrutura e abordagem metodológica própria, é fundamento, pois, para que muitos contextualizem a súmula vinculante como uma excrescência do sistema jurídico romano-germânico.
A importação de instituto nos molde do stare decisis, previsto pelo sistema jurídico anglo-saxão, ao direito brasileiro, é um erro. Já falava Alexandre Sormani, antevendo as conseqüências da edição de súmulas vinculantes, que no Brasil, onde a jurisprudência é apenas uma fonte de apoio e não uma fonte criadora do direito, a adoção de súmulas pode causar inconsistências e dificuldades no funcionamento judicial[27].
Conforme assevera Leonardo de Oliveira Linhares[28], a adoção do stare decisis, em país que adota o sistema consuetudinário e tem produção legislativa escassa, tem campo para desenvolver-se e consolidar-se, na medida em que as lacunas deixadas pelo legislador permitem que as decisões jurisprudenciais possam preenchê-las. Contudo, num sistema do common law, tal como vemos no Brasil, instituto desta índole, que garante força de lei a orientação de Órgão Superior, é dissonante.
Carlos Alberto Amaral, juntamente com outros operadores do Direito, defende que a vinculação de decisões é característica da família do common law, não se podendo adotar essa standardização em um ordenamento jurídico filiado ao civil law[29].
Para muitos operadores do Direito, portanto, a nossa realidade jurídica não comporta o instituto da súmula vinculante, visto que, o nosso sistema privilegia a lei, e não a jurisprudência.
2.2.5. Interpretação, insumo jurídico
A subsunção normativa caminha sobre os mais distintos modos interpretativos. É a partir do caso em concreto que o julgador pode analisar a norma de modo a aplicar-lhe de modo adequado.
A partir do choque de idéias eclodem novas concepções. É na diversidade, portanto, de visões sobre a vontade da lei, que se estabelecem correntes conflitantes de pensamento, fazendo dinamizar o ordenamento jurídico, adequando a lei à forma mais efetiva na dirimência de conflitos.
Ao vincular órgãos do Judiciário e da Administração Pública à orientação do STF, se impede que debates teóricos sejam travados em contendas judiciais. Isso porque, diante de uma resposta certa do órgão julgador, a rigor, não há porque despender esforços em sentido contrário.
Embora, construções teóricas possam ser expostas e debatidas em congressos, publicações jurídicas, são nos julgamentos, onde os conflitos de interesse são de fato solvidos, que encontramos solo fértil para a proliferação das mais diversas interpretações diante da subsunção normativa.
Nesse contexto, o operador do Direto que esteja insatisfeito com o enunciado da súmula vinculante, resta apenas, discuti-lo em sede do STF, um grande sacrifício, haja vista os meandros que o cercam.
João Baptista Herkenhoff, antes mesmo da promulgação da EC nº. 45, já entendia que a criação da súmula vinculante é uma tentativa de fechar o judiciário aos avanços, ao novo, ao desafio de criar, podando toda e qualquer tentativa de prática de um Direito mais aberto e mais crítico[30].
Assim, a súmula vinculante dificulta a evolução do Direito. Inibindo a produção de embates teóricos, ela o impede de desfrutar de opções interpretativas que possam transformá-lo, tornando-o mais justo.
2.2.6. Instrumento de uma ideologia
Sabemos que os dispositivos de Lei, quando emanados, têm objetivos. As normas não são criadas por mero capricho. Toda disposição normativa criada está balizada em propósitos.
As súmulas vinculantes, ao dirimir conflitos interpretativos, devem sempre ter em vista o fim a que a norma foi editada, preservando-a nos moldes em que foi pensada.
Ocorre que, alguns doutrinadores, na análise da súmula vinculante, são veementes ao dizer que ela, pode trazer consigo, acobertado pela justificativa da uniformização da jurisprudência, o escopo de defender uma dada ideologia ancorada sobre perspectivas outras, que não a da Justiça.
O procurador da Justiça gaúcha Lênio Luiz Streck diz que as súmulas são uma forma de controle do discurso jurídico dominante nos plano dos tribunais superiores[31].
Neste sentir, diz José Anchieta da Silva, antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº. 45, que é “razoável admitir que a nomeação de Ministros para o Supremo Tribunal Federal, em futuro próximo, se instalada a obrigatoriedade da súmula vinculante, passará a contar com este componente político, valendo mais ou valendo menos o currículo do candidato à indicação, de acordo com a sua convicção pessoal, a favor ou contrário à admissão da súmula, circunstância que deverá ser considerada de acordo com os interesses do governo da época, se mais interessado ou se menos interessado na edição de tais súmulas de efeito vinculante amplo”[32].
Assim, para muitos operadores do Direito, a súmula vinculante, acobertada por justificativas das mais diversas, poderia esconder outros propósitos não condizentes com aqueles inicialmente pensados quando da elaboração do texto legal.
Conclusão
Há alguns anos, muitos sujeitos têm buscado a melhor solução para os problemas que se instauraram no Poder Judiciário. A crise do judiciário brasileiro, durante décadas, tem aguçado os operadores do Direito a encontrarem o melhor antídoto para suas enfermidades. Através das mais diversas acepções, aqueles que vêem solvência a essa conjuntura de dificuldades, debruçam-se sobre as mais diversas inovações jurídicas.
Os empecilhos que permeiam o Poder Judiciário, na busca de uma atuação mais condizente com que a sociedade almeja, basicamente, resumem-se à lentidão das demandas, acarretada em razão de diversos outros problemas, tais quais, explosão de processos, o número reduzido de magistrados bem como o formalismo excessivo e o sistema irracional de recursos.
A súmula vinculante, neste sentir, seria instrumento que implementaria significativas mudanças no Poder Judiciário. Estaríamos com ela, introduzindo, sobretudo, celeridade nos processos que são submetidos ao exercício judicante do Estado.
Ocorre, todavia, e assim concluo, que o instituto foi pensado sobre uma realidade diversa da que vivemos. Tratar-se-ia de mero remédio encontrado pelo Legislativo que apenas mitigaria as dores que vem sofrendo o Poder Judiciário sem, contudo, curar-lhes a causa. Seria meramente um paliativo jurídico.
Ponderando os pensamentos erigidos após a criação do instituto em epígrafe, entendo que em prol de um Judiciário mais eficaz, poderíamos mitigar alguns princípios se, todavia, seus objetivos fossem logrados ao longo dos tempos.
Ocorre, porém, que estamos diante de uma sociedade dinâmica, pelo qual as mudanças são constantes. A criação, revisão e cancelamento das súmulas vinculantes com o passar dos anos abarrotarão as pautas do STF, fazendo erigir novamente o principal problema que se tentou acabar com a criação do respectivo instituto, qual seja, a morosidade processual. Estaríamos, portanto, abrindo um novo conduto de afogamento do Judiciário.
A medida que os anos passam é natural que não só se aumente o número de demandas, como também a sua complexidade. Ancorado na implementação da Justiça, à Suprema Corte brasileira restará a edição de novas súmulas, revisando ou cancelando as que já se encontrarem em vigor. Preenchendo seus expedientes diários com discussões voltadas a essa finalidade, demandas processuais que exigem sua apreciação ficarão guardadas a espera de julgamento, o que incorrerá, por mais uma vez, na lentidão do tramite processual.
Estaríamos, portanto, diante de um remédio constitucional, que pode ser eficaz neste instante, mas que não resolveria os problemas do Pretório Excelso com o decorrer do tempo.
Tenho por certo, que a melhor solução à crise do judiciário, não estaria na adoção de paliativos, como vejo a súmula vinculante, mas sim na reestruturação do judiciário. Não adianta, portanto, forjarmos institutos que somente satisfaçam os ímpetos imediatistas.
Enfim, entendo que o melhor a ser feito, neste sentir, seria a formulação de um novo Judiciário, que disponha não só de pessoal e estrutura física adequados, como também de um corpo normativo que possibilite os operadores do Direito trabalharem com eficiência, permitindo que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado seja otimizada, viabilizando que o Judiciário possa levar Justiça às demandas que lhe são propostas dentro de um curto prazo.
Analista judiciário – área judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 4 Região. Especialista em Direito Público.
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