1.O tributo na História.
O tributo, no sentido de entrega compulsória de dinheiro ao governo, é um instituto que se faz presente nos momentos mais decisivos da História da Humanidade, estando na raiz de grandes transformações políticas e até religiosas.
É por demais conhecido o episódio narrado nos Evangelhos, quando os fariseus indagaram de Jesus a respeito do pagamento de tributo a César. “Devemos ou não pagar o tributo a César ?”. A um povo submetido ao domínio estrangeiro é humilhante esse pagamento, sendo explicável a rejeição ao tributo. A resposta do Mestre, contornando a provocação política, é até hoje alvo de profundas reflexões dos teólogos, que a apontam como marco da separação entre o Reino dos Céus e o reino terrestre.
Os governantes sempre exigiram dos governados o pagamento de tributos. A relação tributária desponta, na História, como relação de força: paga-se o tributo porque ele é exigido pelo mais forte, é imposto.
As nações submetidas militarmente são constrangidas à satisfação do botim do vencedor. Paga-se tributo ao invasor estrangeiro. Ou então, os súditos pagam tributos ao seu rei.
A origem do tributo, como resultado de uma situação de força, talvez ainda permaneça nostalgicamente no inconsciente coletivo, de forma a justificar a legitimidade da resistência ao pagamento, e a legitimar, igualmente, todos os procedimentos, mesmo que escusos, no sentido de se subtrair àquilo que o Estado exige.
A natureza do Homem, como ser social, torna inevitável a questão do relacionamento do indivíduo com o grupo. A vida na coletividade traz como decorrência a interdependência do indivíduo e do grupo: o grupo atende às necessidades do indivíduo, e o indivíduo é chamado a atender as necessidades do grupo social.
A evolução política da Humanidade permite-nos acompanhar alguns marcos interessantes.
No século XIII os barões ingleses revoltaram-se contra seu rei, João Sem Terra. Poderia ter sido apenas uma das muitas revoltas causadas pela indignação dos pagadores de tributos. No entanto, esse foi também um episódio que se tornou universalmente conhecido. O rei foi obrigado a jurar obediência a um documento escrito, denominado Magna Carta, antecedente das modernas Constituições, e que consagrou o célebre princípio: “não há tributação sem representação”. Isto é, o monarca, para exigir tributo, necessitaria da concordância dos representantes daqueles que vão pagar.
Os representantes dos contribuintes britânicos, quando convocados, davam autorização limitada no tempo, o que obrigava o rei a sucessivas convocações desses representantes, em busca de novas autorizações. O hábito de freqüentes convocações, no decorrer dos séculos, deu origem ao Parlamento Britânico. E a exigência da autorização dos representantes daqueles que vão pagar é hoje satisfeita mediante o princípio da estrita legalidade da tributação, pedra angular do Direito Tributário.
O tributo está também entre as causas da formação dos Estados Unidos da América, com seu novo modelo de Estado (Federal) e de Governo (Presidencialismo). O surgimento dos Estados Unidos da América está ligado ao pagamento de tributos, exigidos pela metrópole, e considerado extorsivo pelos súditos britânicos nas colônias.
A célebre Revolução Francesa, que tantas e profundas conseqüências acarretou, contemplou, em sua gênese, a questão tributária.
No Brasil, a tributação, considerada excessiva, deu motivo à Inconfidência Mineira. Para os padrões da época, era considerado insuportável que a Metrópole exigisse o “quinto” (vinte por cento) do ouro. Os tempos mudaram, mas não a incontida fome governamental pelo dinheiro do povo: hoje o Imposto de Renda é aplicado com a alíquota de 27,5% (vinte e sete e meio por cento) e já não se conspira como se conspirou em Vila Rica. E, o que parece mais grave, esse percentual incide também sobre salários, sendo que, no caso de funcionário público federal, também deve ser adicionado 11% (onze por cento) de contribuição previdenciária, além da CPMF (modestos trinta e oito centésimos por cento)!
2. O desenvolvimento do Direito Tributário.
A evolução política da sociedade humana, com a emergência das democracias modernas, trouxe mutações ao Direito e ao tributo.
No Estado de Direito, a relação tributária (relação entre o Fisco e o devedor do tributo) é relação jurídica. Vale dizer: o Fisco submete-se à lei, tanto quanto o devedor do tributo. Essa relação jurídica tributária é relação obrigacional, compreendendo-se, portanto, no estudo geral das obrigações. Trata-se de obrigação ex-lege, que surge em virtude do comando legal, sem participação da vontade do devedor. Há, como em todas as obrigações, o credor, o devedor e a prestação a ser entregue. A obrigação de entregar dinheiro ao Fisco, denominada obrigação tributária principal na terminologia de nosso Código Tributário Nacional, está submetida aos princípios e às características compreendidas pela Teoria Geral das Obrigações.
Nos Estados contemporâneos, o “consentimento dos representantes daqueles que vão pagar o tributo” é exteriorizado mediante lei. Vale dizer: a lei é o veículo que manifesta a “vontade geral” da sociedade, aí incluída a autorização para a cobrança de tributos. Assim, em Direito Tributário, o denominado princípio da legalidade da tributação é a tradução contemporânea do princípio segundo o qual “não há tributação sem representação”.
No entanto, como é amplamente conhecido, na esteira da Revolução Francesa profundas mutações ocorreram no mandato político, que perdeu as características de Direito Privado que ainda ostentava, e passou a ser compreendido como mandato regido por regras de Direito Público. O deputado deixou de ser representante apenas do seu eleitor, para ser considerado representante de toda a sociedade. O representante político não está juridicamente obrigado a prestar contas aos seus eleitores, nem a auscultá-los no momento de votar, dentro do processo legislativo. Diz-se que o mandato político é mandato imputação: imputa-se ao representado a vontade do representante. Essa característica tem dado margem a abusos diversos, como aquele que permite ao candidato eleito, até mesmo antes da posse, vir a mudar de partido, ou de afirmar, sem constrangimento: “Esqueçam o que eu escrevi”. O resultado dessas condições juridico-políticas é que ninguém se sente representado pelo Parlamento e por isso florescem os grupos de pressão como tentativas de se fazerem conhecidas as reivindicações dos diversos grupos. A débil representatividade dos deputados traz como conseqüência o enfraquecimento da concepção da lei como expressão da vontade geral. A lei perde a sua respeitabilidade, e é vista apenas como regra de arbitragem no jogo das pressões sociais, sempre mutável ao sabor das conveniências das maiorias ocasionais; a lei perde a racionalidade, sendo muitas vezes fruto de um processo legislativo caótico.
O desrespeito pela lei é uma das causas da tolerância moral da sonegação tributária, pois essa obrigação tem como causa jurídica exclusivamente o comando trazido pelo legislador.
3. A tributação como fenômeno jurídico, político e econômico.
O problema tributário apresenta diversas vertentes, estando ligado à questão política relativa às finalidades do Estado (pois os gastos públicos dependerão, em quantidade e diversidade, das finalidades e das funções que o Estado assuma como sendo suas atribuições) e ao critério de rateio das despesas públicas entre os devedores do tributo.
A questão que se coloca perante todos diz respeito ao dever de sustentar o Estado. No passado, cabia aos súditos sustentar o Rei e sua Corte, hoje cabe aos membros da sociedade sustentar o Estado, com seu aparato administrativo. O dever de pagar o tributo é dever moral, político e jurídico; com o enfraquecimento dos padrões morais e das convicções políticas, a coatividade jurídica assume relevância maior.
4. As razões da sonegação tributária.
Assume notável importância destacar as razões pelas quais floresce a sonegação tributária.
4.1. desonestidade pessoal.
Há pessoas que não pagam suas dívidas por desonestidade pessoal. Não se sentem moralmente obrigadas, e somente quando o credor demonstra sua decisão de exigir o pagamento pela utilização dos mecanismos processuais, é que o devedor, caso não consiga utilizar alguma forma de se subtrair à jurisdição, realiza o pagamento. Obviamente, quem não se sente obrigado sequer ao pagamento de suas dívidas de natureza privada não se sentirá obrigado ao pagamento da dívida tributária, e considerará a sonegação como fato normal e desejável.
4.2. discordância com o valor da dívida que lhe é imputada.
Outra razão que poderá vir a ser invocada pelo devedor de tributos, para justificar o não-pagamento, diz respeito à discordância com o valor que lhe está sendo exigido pelo Fisco. Essa discordância poderá dizer respeito ao desacordo entre a exigência fiscal e o comando da lei (quando o Fisco cobra o que não lhe é devido) ou ao próprio comando do legislador (quando o devedor entende que a lei é inadequada, contemplando os fatos de forma equivocada ou distorcida, ou é irracional, ou está a exigir tributo sem a contemplação dos aspectos relevantes da situação econômica subjacente, etc).
No primeiro caso, existe teoricamente a possibilidade de manejo dos recursos administrativos ou judiciais. No entanto, os recursos implicam com freqüência dispêndios financeiros com procuradores e advogados, o que pode conduzir o devedor a buscar uma saída menos onerosa, mesmo que ilegal, e a sonegação revela seus atrativos.
O legislador é também injusto quando habilita a Administração Tributária a adotar procedimentos de controle sobre uma classe de contribuintes (por exemplo, sobre a classe dos assalariados, exigindo que o empregador informe ao Fisco os salários pagos), enquanto não adota controle equivalente sobre outra classe de contribuintes (por exemplo, não exigindo que os Bancos informem ao Fisco os juros pagos).
4.3. a injustiça da lei.
A questão da lei injusta, aos olhos do devedor do tributo, pode ser apresentada de várias maneiras.
A injustiça pode decorrer de conflito entre a lei e os direitos fundamentais do devedor, como expressos na Constituição, quando estaremos diante da inconstitucionalidade da própria lei. Como já observado, a busca judicial da declaração de inconstitucionalidade implica ônus ao devedor, que poderá preferir a sonegação, ao seu sentir moral e juridicamente justificada.
No entanto, a injustiça da lei pode também ser decorrência de valorações feitas pelo legislador que, embora não conflitem com a Constituição, sejam inaceitáveis do ponto de vista da justiça social. Um exemplo é o caso da legislação sobre o Imposto de Renda, que tributa desigualmente contribuintes de mesmo poder aquisitivo, fazendo incidir sobre rendimentos do trabalho alíquota superior à incidente sobre rendimentos correspondentes a juros ou ganhos de capital.
4.4 discordância com os critérios de repartição das despesas públicas.
A forma de rateio das despesas públicas entre os que devem suportá-la é questão política.
Aliás, a própria questão de se saber quais são aqueles que devem suportar o custeio do Estado é um problema político. Assim, poderia se indagar se apenas os cidadãos (pessoas com direitos políticos) deveriam ser chamadas a contribuir aos cofres públicos, ou se qualquer pessoa residente no território do país deveria suportar esse encargo. A idade seria algum fator inibidor da cobrança isto é, não se deveria cobrar das pessoas menores de idade, ou dos anciãos? A pouca ou má saúde de uma pessoa poderia exclui-lo do rol dos contribuintes? Os não-residentes no território do país deveriam pagar tributos (por exemplo, os residentes no exterior que estejam recebendo rendimentos remetidos para eles, ou os turistas que estejam de passagem pelo país)? E as pessoas jurídicas, deveriam elas também serem chamadas a contribuir ?
Uma forma teórica de se ratear as despesas públicas seria dividir essas despesas pela quantidade de pessoas que devem pagá-las, de forma que todas as pessoas pagassem o mesmo valor. Isso pode parecer o mais justo para alguns, traduzindo perfeita isonomia tributária entre os contribuintes.
Outra forma seria cobrar tributo maior de quem mais se beneficia da presença do Estado ou de quem utiliza seus serviços. O que não seria fácil de se calcular.
A desigualdade entre as rendas e o patrimônio das pessoas afasta a possibilidade de se fazer uma cobrança tributária igualitária.
A noção de que a tributação refere-se à justiça distributiva, fez com que já há muito tempo tenha se desenvolvido a doutrina de que o Estado deve exigir tributos em conformidade com a capacidade contributiva daquele que paga. Assim, haverá aqueles que pagarão muito mais do que outros. O princípio da legalidade, em Direito Tributário, desenvolveu-se contemplando a teoria do fato gerador: a lei estabelece a descrição de um fato de conteúdo econômico, que é entendido como revelador da capacidade contributiva; todo aquele que praticar o fato gerador torna-se devedor do imposto, e deverá pagá-lo dentro dos parâmetros legais (base de cálculo e alíquotas).
A escolha dos fatos que dão ensejo ao nascimento da obrigação tributária, já delineada na própria Constituição Federal, com a outorga das competências tributárias, e o exercício efetivo dessas competências por parte dos legisladores, é passível de muitas críticas, sob o ângulo da justiça dessa tributação. É fácil perceber que o ideal de capacidade contributiva está longe de ser atendido; o próprio dimensionamento dessa capacidade revela-se complexo e talvez inatingível. A existência de muitos tributos, afetando desigualmente os fenômenos econômicos, e a possibilidade da repercussão do encargo financeiro do tributo pago pelo contribuinte, que passa a atingir terceiros sem vinculação jurídica com o fato gerador, evidencia distorções de grande porte. As muitas discussões teóricas sobre a conveniência de se tributar a renda auferida, ou a renda consumida, ou de se utilizar a denominada tributação direta ou de se preferir a tributação sobre o consumo, provam que o problema nem sequer chegou a uma solução teórica aceitável.
Assim, um contribuinte pode estar convencido de que a tributação que incide sobre ele não é socialmente justa, e esse convencimento pode servir de razão moral a justificar a sonegação. O fato de a lei instituidora do tributo ter sido aprovada pelo Congresso Nacional não é argumento suficientemente forte para quem não se sente representado por esse mesmo Congresso.
4.5. Ausência de comutatividade da obrigação tributária.
A ausência de comutatividade da obrigação tributária desperta o sentimento de que não se trata de dívida igual as de Direito Privado, sendo justificável o não-pagamento. Talvez isso explique a aceitação do sonegador pela sociedade. Com efeito, o agente que pratique roubo sofre notável repulsa no meio social. Aquele que falsificar a contabilidade de um prédio em condomínio, para apoderar-se dos recursos pertencentes aos condôminos, será mal visto e evitado por todos (embora possa causar menos medo do que o assaltante a mãos armadas), e será considerada justa sua condenação criminal. No entanto, o vender sem nota fiscal é aceito até por muitas pessoas consideradas honestas.
Há quem proteste contra o pagamento de tributo, alegando que não recebem nada em troca do imposto que paga. Essa alegação evidencia desconhecimento de que a dívida de imposto não está vinculada a qualquer ação estatal em relação ao contribuinte. O devedor de impostos deve pagá-los em virtude de, dentro dos critérios legais, ter manifestado capacidade contributiva, razão pela qual espera-se dele que contribua para as despesas estatais. O tributo representa uma forma de transferência de renda dentro da sociedade, e é uma falsa expectativa esperar uma recompensa pessoal pelo pagamento do imposto (além daquela decorrente de poder contar com serviços públicos gerais de melhor qualidade). O imposto não deve ser confundido com preço público, pois este corresponde à compra de bem ou serviço, dentro de relação contratual, enquanto o primeiro é obrigação ex-lege.
4.6. A má aplicação dos dinheiros públicos.
Os contínuos escândalos, relacionados com a má aplicação dos recursos públicos, e seus desvios ilícitos, causam insatisfação geral e passam a ser justificativas para o não-pagamento de tributos.
4.7 – A falta de transparência na aplicação dos recursos públicos.
Uma razão muitas vezes invocada como desculpa para a sonegação de tributos é sintetizada na expressão: “não vejo onde é aplicado o meu dinheiro”. Essa queixa decorre da constatação da ineficiência do serviço público, que muitas vezes funciona em precárias condições. Não obstante a existência de algumas tentativas de realização do chamado “orçamento participativo”, a quase totalidade da população vive alheia à elaboração da lei orçamentária (onde o imenso peso político dos segmentos sociais se faz presente, mediante seus grupos de pressão), desconhecendo os critérios de aplicação do dinheiro arrecadado. Sem negar que boa parte dos recursos orçamentários são utilizados em finalidades socialmente injustas, ignorando-se prioridades que a justiça social impõe, a falta de acompanhamento da elaboração e execução da lei orçamentária por parte dos cidadãos é uma das causas dos desvios na aplicação dos dinheiros públicos. Relativamente ao argumento acima mencionado, deve-se registrar também que é mais fácil ver o que falta fazer do que o que foi feito.
4.8. dificuldade de competição com os sonegadores.
Uma outra causa da sonegação é a dificuldade de competição entre empresas que cumprem criteriosamente seu dever fiscal e aquelas que sonegam tributos. O contribuinte que pauta sua conduta nos termos da lei vê-se forçado, em razão da concorrência a deixar de pagar os tributos devidos, para igualar-se às condições do concorrente. Isto revela um dos efeitos deletérios da sonegação tributária: a contaminação do não-sonegador. Sem dúvida, o consumidor tem sua parcela de culpa nesse esquema, pois deixando de exigir a nota fiscal, auxilia a manutenção do procedimento ilegal.
Esse fato evidencia que a complacência com a sonegação é uma das formas de injustiça tributária, pois acarreta situação diferenciada entre os contribuintes, em prejuízo justamente do contribuinte responsável e cônscio de suas obrigações sociais.
4.9. Alegação da impossibilidade de pagamento, em razão dos resultados empresariais.
A conduta ilícita do devedor, deixando de pagar os tributos devidos, pode se socorrer da alegação da existência da impossibilidade econômica do próprio pagamento, sob a afirmação de que se tivesse que cumprir com todas as suas obrigações fiscais iria à falência. Esse argumento, embora utilizado com freqüência, entra em contundência com o princípio da capacidade contributiva, eleito pela Constituição como um dos parâmetros a nortear a atividade tributante do Estado. Se o legislador definiu fatos geradores, impondo-lhes bases de cálculo ou alíquotas incompatíveis com o exercício da atividade econômica, ferida restou a capacidade contributiva, e a lei é inconstitucional. Todavia, como já assinalado, é extremamente difícil a demonstração do não-acatamento, pelo legislador, do princípio da capacidade contributiva.
Por outro lado, se procedente o argumento, teríamos que supor sonegadoras todas as empresas que sobrevivem.
4.10. Dificuldade de interpretação da legislação tributária.
A legislação tributária com inusitada freqüência atribui ao sujeito passivo a obrigação de identificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, e a realizar os cálculos necessários para o dimensionamento do valor da prestação a ser entregue ao Fisco. Há devedores que acabam por não cumprirem corretamente suas obrigações tributárias em virtude de encontrarem dificuldades em conhecer a lei aplicável, e realizar os cálculos devidos. No Brasil, a responsabilidade pela interpretação da lei tributária, com demasiada freqüência, é entregue ao sujeito passivo. Apesar de o Código Tributário Nacional estabelecer, no art. 142, que o lançamento é ato privativo da Administração Tributária, na prática o que se verifica é a utilização abusiva do lançamento por homologação, que impõe ao sujeito passivo a responsabilidade pelo dimensionamento da dívida tributária, cabendo ao devedor do tributo ou ao responsável pelo seu recolhimento, descobrir a legislação aplicável, verificar sua atualização, determinar a matéria tributável, a alíquota, a base de cálculo, o prazo para pagamento, realizando por sua conta e risco os cálculos necessários).
4.11. excesso de obrigações tributárias acessórias
As obrigações tributárias ditas acessórias (“deveres instrumentais”) burocratizam a vida do contribuinte, implicando notável custo administrativo. Há formulários difíceis para serem preenchidos, prazos diferenciados para a entrega de declarações, escrituração contábil adaptada à legislação de certos tributos, etc. A multiplicidade dos tributos existentes (federais, estaduais e municipais) e dos diversos órgãos que os administram exigem do contribuinte a manutenção de empregados especializados, que devem acompanhar a mudança da legislação e das exigências administrativas.
4.12. A sonegação tolerada. Fiscalização deficiente.
A convicção de que a sonegação não será detectada pela Administração Tributária estimula os devedores que resistem ao pagamento do tributo a manterem-se inadimplentes.
Com efeito, a certeza da impunidade enfraquece a coatividade da norma jurídica.
A Administração Tributária nem sempre conta com os recursos humanos e materiais necessários para o desempenho de suas funções, o que diminui os riscos do sonegador, encorajando-o a permanecer em sua conduta.
4.13. Esperando a remissão e a anistia.
O próprio legislador incentiva indiretamente a prática da sonegação, com as freqüentes remissões de crédito tributário não pago ou concessão de anistia para as infrações tributárias. A anistia pode vir a ser condicionada ao pagamento dos tributos em atraso, como forma de motivar o devedor a pagar seus débitos tributários. Não obstante os propósitos do legislador sejam o de estimular esses pagamentos, produzindo a entrada da receita financeira nos cofres públicos, acaba produzindo a expectativa de que sempre haverá anistia para os inadimplentes, o que passa a ser causa da própria inadimplência.
A concessão de prêmios para o pagamento dos débitos tributários em atraso, com anistia das multas e diminuição dos juros, é afrontosa para o contribuinte que pagou tempestivamente sua dívida tributária, criando situação diferenciada entre contribuintes, com o favorecimento do inadimplente e do sonegador.
O recente Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, instituído pela Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, é um exemplo dessa situação. Ao devedor foi dada a oportunidade de consolidar suas dívidas tributárias e pagá-las em suaves parcelas, distribuídas ao longo de muitos anos, mediante a aplicação de juros inferiores aos normalmente incidentes nas dívidas tributárias em atraso.
4.14. A extinção da responsabilidade penal pelo pagamento do tributo sonegado.
A complacência legislativa com o crime de sonegação tributária já se manifestava no art. 2º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, que estabelecia:
“Art 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria”.
Em sentido semelhante, a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que “define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo” dispunha em seu art. 14 que:
“Art. 14 Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts 1º a 3º quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
Embora esses dispositivo tenham sido revogados pelo art. 98 da Lei nº 8.383, de 30.12.1991, o legislador não suportou as pressões dos sonegadores, tendo editado em 1995 a Lei nº 9.249, cujo art. 34 dispõe que:
“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
4.15. O “sigilo bancário” oponível ao Fisco.
A ação fiscal de combate aos sonegadores é grandemente inibida pelo desenvolvimento de doutrinas que afirmam não poder a Administração Tributária, de forma contínua e regular, exigir que os Bancos lhe forneçam informações sobre os depósitos bancários dos contribuintes. O acesso a tais informações somente seria possível mediante autorização judicial.
Esses doutrinadores chegam ao ponto de sustentar suas opiniões com fulcro em dispositivos da Constituição Federal, tais como os incisos X e XII do art. 5º, que consagram como invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” e “o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”.
Essa interpretação do texto constitucional bem revela o quanto a complacência com a sonegação tributária faz parte da cultura brasileira. Em nome de uma suposta proteção à privacidade e ao sigilo “de dados” criou-se toda uma polêmica, que serve de escudo protetor aos sonegadores de tributos e aos detentores de recursos ilícitos.
Curiosamente, os dados relativos a salários não são considerados abrigados no manto do sigilo oponível ao Fisco. Assim, o mesmo Banco que informa ao Fisco a relação de salários pagos a seus empregados não informa ao Fisco a relação de juros pagos a seus aplicadores e depositantes. Os contribuintes são divididos em duas classes: uma delas é portadora de “sigilos” oponíveis ao Fisco, a outra é escancaradamente submetida ao controle da Fiscalização. Há o “sigilo bancário”, inexiste o “sigilo salarial”.
5- CONCLUSÕES.
Uma política de combate à sonegação exigiria, entre outras providências:
5.1. Um programa de educação cívica, de forma a que fosse desenvolvida a consciência social dos cidadãos, alterando o enfoque com o qual o tributo é hoje percebido.
5.2. A incrementação da participação política dos membros da sociedade, que implicasse acompanhamento da tramitação de proposições legislativas que disponham sobre tributos. O combate à sonegação exige reforma política que obrigue os “representantes” a votarem de acordo com os compromissos assumidos com seus eleitores. Os partidos políticos devem adotar política tributária explícita, com “fechamento de questão” em torno dos princípios programáticos do partido em matéria tributária. Sem essa providência, a decantada afirmação de que “não há tributação sem representação” é apenas um slogan vazio, o contribuinte não se sente representado.
5.3. A adoção de nova política tributária, que buscasse extirpar as gritantes injustiças tributárias detectáveis em nosso ordenamento.
5.4. A adoção de maior transparência na confecção do Orçamento, e a adoção mais generalizada do Orçamento Participativo.
5.5. A concessão de direito de ação aos cidadãos, para que possam impedir judicialmente qualquer aplicação dos dinheiros públicos de forma discordante com as finalidades que motivaram a instituição do tributo, ou de forma discordante com o Orçamento aprovado.
5.6. Ação governamental mais efetiva no combate à sonegação dos tributos, com reaparelhamento das Administrações Tributárias.
5.7. Abandono da prática legislativa de concessão de anistia aos sonegadores de tributos.
5.8. Aprimoramento da legislação tributária, eliminando-se exigências burocráticas de pouca utilidade.
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor e Pesquisador no Curso de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília
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