Resumo: O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise básica dos caracteres jurídicos, políticos e sociais que, na contemporaneidade, dificultam a concretização dos Direitos Fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988. A obra “A Tolice da Inteligência Brasileira” de Jessé Souza será utilizada como ponta pé inicial para situar os principais caracteres históricos de caráter religioso, político e social, que são muitas vezes ignorados (ou até despercebidos) pelos cidadãos brasileiros e que, se relacionados de forma lógica, resultam no atual cenário econômico social vivido no Brasil. Ao longo do desenvolvimento, serão trazidos à tona conceitos essenciais para o entendimento do tema, além de apresentar alguns dos problemas na efetivação dos Direitos Fundamentais. Este trabalho não se destina, certamente, a esgotar o conteúdo, mas exerce o dever acadêmico de expor fatos e problematizar ideias sobre um tema de extrema relevância para a Sociedade Brasileira.
Palavras-chave: Direitos fundamentais; influencias históricas; eficácia; efetividade; concretização;
Abstract: This article aims to perform a basic analysis of the legal, political and social characters, in contemporary times, hinder the realization of fundamental rights under the Brazilian Federal Constitution of 1988. The work "The Stupidity of Brazilian intelligence" of Jesse Souza will be used as a tip early foot to locate the main historical characters of religious character, political and social, which are often ignored (or even unnoticed) by Brazilian citizens and that if related logically, result in the current social economic scenario experienced in Brazil. Throughout the development, they will be brought to the fore the essential concepts for the understanding of the theme, and presents some of the problems in the enforcement of Fundamental Rights. This article is not intended certainly to exhaust the content, but has the academic duty to expose facts and discuss ideas on a highly relevant topic for the Brazilian Society.
Keywords: Fundamental rights; historic influences; efficiency; effectiveness; achievement
Sumário: Breve Síntese da Obra “A tolice da Inteligência Brasileira” de Jessé Souza; 2. Direitos Fundamentais; 2.1. Conceito e Classificação; 2.2. Eficácia X Efetividade das normas de Direitos Fundamentais; 3. Estado de Bem Estar Social e Atuação do Judiciário: Relevância para concretização dos Direitos Fundamentais; 3.1. O Estado de Bem Estar Social; 3.2. “Mínimo Existencial” x “Reserva do Possível”
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca abordar acerca das dificuldades de Concretização dos Direitos Fundamentais, na tentativa de esclarecer o por quê da ineficiência de direitos que são primordiais à vida da população.
O trabalho irá apresentar, sob a ótica da obra “A Tolice da Inteligência Brasileira” de Jessé Souza, a perspectiva histórica do autor, numa tentativa de equacionar porque ainda se perpetua uma desigualdade tão extrema no Brasil.
A relevância deste estudo consiste na necessidade de se analisar as razões pelas quais os Direitos Fundamentais encontram dificuldades para se concretizar, especificamente, os Direitos Fundamentais Sociais, que demandam, necessariamente, uma atuação positiva do Estado.
A efetividade dos Direitos Fundamentais é tema constitucional que ainda não encontra respostas suficientes nas doutrinas, sendo sempre ressaltada a dificuldade de tratar do assunto por diversos doutrinadores, como Luis Roberto Barroso, Paulo Bonavides, José Afonso da Silva, Ingo Sarlet, entre outros.
A exploração do tema justifica-se, então, pela necessidade de aprofundamento no estudo dessa temática, buscando explorar alguns dos fatores que dificultam a concretização desses Direitos, perpassando não apenas pelo cunho jurídico do tema, mas fazendo uma breve passagem histórica, política e sociológica sobre o assunto, tendo um escopo interdisciplinar.
Ao desenvolver a pesquisa, verificou-se a necessidade da compreensão de alguns conceitos, como por exemplo, o que são os Direitos Fundamentais, além da distinção entre eficácia e efetividade e, neste caso, não apenas a diferença lingüística, mas seus reflexos na prática.
O que se pretende com esta pesquisa não é emoldurar uma teoria, tampouco esgotar o assunto, mas principalmente se debruçar sobre o tema da efetividade dos Direitos Fundamentais, dentro de um universo interdisciplinar, envolvendo as disciplinas de Sociologia, Ciência Política e Direitos Fundamentais Constitucionais.
DESENVOLVIMENTO
1. Breve síntese da obra “A tolice da inteligência Brasileira” de Jessé Souza
A tese central da obra de Jessé Souza, A Tolice da Inteligência Brasileira (São Paulo; LeYa, 2015), está na teoria desenvolvida pelo autor de que o grande problema dos brasileiros não reside na concentração da riqueza numa parcela mínima de cerca de 1% da população, mas sim da “Corrupção do Estado”. O autor defende que a “violência simbólica” presente na sociedade contemporânea só existe em virtude do sequestro da “inteligência brasileira” a serviço desse 1% mais rico. Ele acredita que há uma falsa oposição entre Estado demonizado e mercado virtuoso.
No livro é ressaltado o fato de que não existe fortuna de cidadão brasileiro que não tenha sido originária de forma independente de financiamentos, infraestrutura e privilégios concedidos pelo Estado nem corrupção de estatais sem convivência do mercado de cartéis. A classe média que ascendeu e vem ascendendo no último século tem uma enorme colaboração dos políticos, que representam esse “Estado corrupto”.
Nesse sentido, vale ressaltar que esse é um fator histórico que gera e amplia a desigualdade no país desde os tempos da colonização. Afinal, no período colonial, o privilégio que a Igreja Católica fornecia aos chamados “de sangue azul”, discriminando os negros e pobres, e obrigando-os a servir os ricos, vigora até os tempos de hoje, mas de forma maquiada.
Na contemporaneidade, ocupando o papel da Igreja Católica que legitimava a riqueza de uma parcela mínima da população, estão os especialistas/cientistas, que atuam diretamente voltados para criar teorias legitimadoras dos ricos e formas de alienar e conformar a maioria mais pobre da população. Esses cientistas, que deveriam partir de uma análise sociológica e fiel com a realidade, se posicionam de forma claramente política, e variam seus entendimentos conforme lhes é favorável.
O autor nos faz enxergar que a desigualdade brasileira sempre foi escondida pela ciência, nunca esteve no centro de suas preocupações, ou melhor, pelo contrário, a ciência buscava (e busca até hoje) “invisibilizar” essa extrema desigualdade e suas causas, fazendo crer que é por burrice ou preguiça que se é pobre.
Jessé Souza afirma que “indivíduos e classes sociais têm que, efetivamente, ser feitos de ‘tolos’ para que a reprodução de privilégios tão flagrantemente injustos seja eternizada”. Por isso é tão fundamental compreender como intelectuais e especialistas distorcem o mundo para tornar todo tipo de privilégio injusto em privilégio merecido ou, na maior parte dos casos, privilégio invisível enquanto tal.
Ressalto, por oportuno, que a dificuldade em se concretizar os Direitos Fundamentais esbarra exatamente nesses privilégios invisíveis, que geram uma justiça seletiva, disposta a atender o “máximo existencial” dos ricos e que nem sequer se importa com o “mínimo existencial” dos verdadeiramente necessitados.
É ingênuo pensar que existem sociedades modernas blindadas por esses fatores históricos geradores de desigualdade. O que ocorre é que muitas sociedades não permitem que esses fatores se perpetuem de forma dominante, possibilitando uma geração de riqueza que atinge toda a população e que melhora de forma proporcional a qualidade de vida de todos. Esse, infelizmente, não é o cenário Brasileiro.
Em alguns países essa desigualdade se alimenta de forma a se perpetuar de maneira progressivamente devastadora. Isso gera um Estado ineficiente no que tange às garantias que deveriam ser fornecidas por um Estado de Bem Estar Social e um mercado pouco dinâmico, com baixo desenvolvimento socioeconômico e consequentemente, poucas melhorias nas condições de vida dos mais pobres.
Diante do que foi exposto, é possível perceber que a tolice dos “inteligentes”, que segundo Souza foram “colonizados até o osso”, está em enxergar esse problema histórico de baixo desenvolvimento socioeconômico como inerente à população pertencente a essa sociedade e não como fruto de uma estrutura historicamente desigual e excludente de distribuição de riqueza entre as pessoas.
Ocorre uma confusão entre a causa (desigualdade extrema associada a pobreza extrema) e a consequência (uma reprodução exponencial e ilimitada das “doenças modernas”). A população, “os tolos” (assim chamados por Jessé Souza), acabam enxergando sociedades “melhores” subjetivamente, onde na verdade o que existe são sociedades estruturalmente menos desiguais, de forma objetiva.
Com efeito, vale ressaltar que essa leitura equivocada da sociedade e dos “costumes” que perpetuam tanta desigualdade não é característica do povo brasileiro, mas sim uma febre mundial. O papel dos cientistas sociais na modernidade é criar uma “fábula para adultos” (Jessé Souza), que conta a falsa história de que existe um motivo “maior”, para não dizer divino, de que algumas pessoas são ricas e outras não. Infelizmente, a maioria absoluta dos brasileiros ainda creem nessa fábula.
Percebe-se que a Concretização dos Direitos Fundamentais tropeça exatamente nessa tolice da sociedade brasileira, que é ingênua a ponto de assimilar as justificativas para a desigualdade sem se questionar sobre a veracidade desses motivos e sem refletir sobre os “por quês” de certas atitudes e concepções estarem tão enraizadas na sociedade e serem as causadoras da eternização dessa desigualdade extrema.
Por fim, faz-se necessário salientar que alguns Direitos Fundamentais, que dependem diretamente de uma atuação positiva do Estado, que é o caso dos direitos fundamentais sociais, certamente não serão fornecidos com o rigor que deveriam se a população não buscar a racionalização desses fatores de desigualdade e se indignar com as “justificativas” científicas. Esse é um processo necessário para que haja uma atuação política dos cidadãos, no sentido de cobrar do Estado os Direitos previstos na Constituição Federal e que, consequentemente, ocorram melhorias em setores como Saúde, Educação e Moradia.
2. Direitos fundamentais
2.1. Conceito e classificação
Apesar de parecer um conceito fácil e sabido por todos, faz mister ressaltar o que a Doutrina entende por “Direitos Fundamentais” e como estes estão classificados.
Nesse sentido, o entendimento de José Afonso da Silva é de que “os Direitos Fundamentais são compreendidos como princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico”.
Em resumo, buscando um conceito pacífico entre os doutrinadores modernos, pode-se dizer que os Direitos Fundamentais foram criados para prever situações jurídicas em benefício da igualdade, dignidade e liberdade do homem.
Há que se registrar, de forma simples, a classificação de direitos fundamentais através de gerações. Ressalto que, nesse assunto, o termo “geração” nada tem a ver com a ideia de algo que já foi superado, pelo contrário, os Direitos Fundamentais só sofreram extensão e nunca restrição ou extinção.
Para iniciar, o entendimento de Paulo Bonavides sobre os Direitos Fundamentais de Primeira Geração:
“São os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.”
Não menos importantes que os de primeira geração, os direitos fundamentais de segunda geração surgem para que o Estado atue de forma positiva junto à sociedade, tendo o dever de fornecer, através de políticas públicas, “os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social” segundo Bonavides.
Ainda na evolução dos direitos fundamentais, há que se falar nos direitos da terceira geração, fazendo brotar uma nova esfera jurídica que irá somar às duas gerações anteriores.
Nesse sentido, o autor Paulo Bonavides afirma:
“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado.”
Por fim, há que se ressaltar a existência de direitos fundamentais de quarta geração, defendido por alguns doutrinadores, mas ainda não há um entendimento pacífico sobre qual seria o teor conteudístico desses direitos. Alguns defendem que se trata dos direitos de engenharia genética e outros acreditam na luta pela participação democrática (é a posição de Paulo Bonavides).
2.2. Eficácia X Efetividade das normas de Direitos Fundamentais
Antes de adentrar ao mérito, cumpre-se necessário conceituar o que se entende por eficácia e efetividade. Para isso, recorre-se ao dicionário jurídico escrito por Leib Soibelman:
“Eficácia, derivado do latim efficacia, de efficax (que tem virtude, que tem propriedade, que chega ao fim), compreende-se como a força ou poder que possa ter um ato ou um fato, para produzir os desejados efeitos.
Efetividade, derivado de efeitos, do latim effectivus, de efficere (executar, cumprir, satisfazer, acabar), indica a qualidade ou o caráter de tudo o que se mostra efetivo ou que está em atividade. Quer assim dizer o que está em vigência, está sendo cumprido ou está em atual exercício, ou seja, que está realizando os seus próprios efeitos. Opõe-se assim ao que está parado, ao que não tem efeito, ou não pode ser exercido ou executado.” (SOIBELMAN, 1983, p. 142).
Ou seja, a eficácia é a possibilidade de qualquer norma gerar efeitos. Trata-se do potencial da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios.
Nesse ponto, convém relembrar a clássica classificação de José Afonso da Silva acerca das diferentes cargas eficaciais das normas jurídicas:
“Temos que partir, aqui, daquela premissa já tantas vezes enunciada: não há norma constitucional alguma destituída de eficácia. Todas elas irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma inovação da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da constituição a que aderem e a nova ordenação instaurada (…). Se todas têm eficácia, sua distinção, sob esse aspecto, deve ressaltar essa característica básica e ater-se à circunstância de que se diferenciam tão-só quanto ao grau de seus efeitos jurídicos. É insuficiente, a nosso ver, separá-las em dois grupos, como insinuam certos autores: a) normas constitucionais de eficácia plena, que seriam aquelas de imediata aplicação; b) normas constitucionais de eficácia limitada, distinguindo-se estas, ainda, em: 1) normas de legislação e 2) normas programáticas (…). Em vez, pois, de dividir as normas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado considerá-las sob tríplice característica, discriminando-as em três categorias: I – normas constitucionais de eficácia plena; II – normas constitucionais de eficácia contida; III – normas de eficácia limitada ou reduzida”.[1]
Por outro lado, dizer que uma norma tem efetividade significa afirmar que ocorre a concretização dos efeitos jurídicos dessa norma no mundo dos fatos. Trata-se da realização, da materialização do Direito. Segundo Luiz Roberto Barroso, a efetividade “simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, 1996, p. 83).
Sobre a efetividade, destaco o entendimento do jurista Ingo Sarlet:
[…] podemos definir a eficácia jurídica como a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente (juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos, ao passo que a eficácia social (ou efetividade) pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma (juridicamente eficaz), quanto o resultado concreto decorrente – ou não – desta aplicação. (SARLET, 2003, p. 223).
Por fim, analisando as normas que estabelecem direitos e garantias fundamentais, o art. 5o., § 1o., da Constituição Federal Brasileira, já declara expressamente que elas têm aplicação imediata. Como se vê:
“Art.” 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
3. Estado de Bem Estar Social e Atuação do Judiciário: Relevância para concretização dos Direitos Fundamentais
3.1. O estado de Bem-Estar Social
O Estado de Bem-Estar social tem como principal característica a necessidade de atuação positiva do estado, ou seja, a intervenção estatal nas relações privadas, visando reduzir as desigualdades existentes e fornecendo o mínimo necessário para que os indivíduos possam viver de forma digna. Passou a ser função do Estado disponibilizar aos menos favorecidos o acesso à educação, saúde e cultura, entre outros bens materiais.
Nesse sentido, convém ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem como característica ser do tipo dirigente, estabelecendo diretrizes para atuação dos órgãos estatais. Estabelecendo um ideal social que deveria ser concretizado pelos órgãos do Estado.
As normas criadas visando planejar uma atuação do Estado são chamadas de normas programáticas. Nesse sentido, José Afonso da Silva considera como normas programáticas: “aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”.
Ocorre a transferência de um direito de exigir a abstenção do Estado para um Direito de exigir sua atuação positiva, visando garantir o fornecimento desses direitos aos indivíduos.
Convém salientar, por oportuno, que é preciso atentar para a disponibilidade econômica do Estado na prestação desses Direitos Fundamentais. As políticas públicas precisam ser criadas e implantas de acordo com o orçamento e tendo real viabilidade de implantação. O mais comum é a ampla divulgação de políticas públicas que na prática não vão se efetivar, pois não há recursos para tal.
Por serem autênticas normas jurídicas, considerando o modelo constitucional dirigente seguido pela Constituição Federal de 1988, e o Estado de Bem Estar social, criam-se direitos subjetivos no indivíduo de recorrer ao judiciário sempre que o cidadão se achar lesado.
Nesse sentido, convém ressaltar que a atuação do poder judiciário no campo da efetividade dos Direitos Fundamentais é um instrumento de grande importância, se for utilizado de forma moderada e consciente, principalmente no que tange aos direitos de segunda geração.
O cenário brasileiro demonstra claramente que os Direitos Sociais não estão simplesmente garantidos apenas por existirem políticas públicas dedicadas a eles. O direito a Saúde, por exemplo, deveria estar assegurado na existência de um Sistema único de Saúde fornecido pelo estado, que é o caso do SUS. Ocorre que, diariamente, são necessárias diversas participações dos juízes para que esses direitos estejam de fato garantidos.
O judiciário tem feito o papel de consolidar os Direitos Fundamentais Sociais.
O grande problema dessa atuação do judiciário, além da óbvio confusão entre a competência dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), é que os juízes não estão preparados tecnicamente para analisar os casos e julgar se devem ou não conceder determinado tratamento/medicamento, por exemplo, a um paciente. Há que se fazer uma análise de viabilidade econômica sempre que é concedido uma cirurgia ou o fornecimento vitalício de um medicamento, por exemplo.
Apesar de serem Direitos Fundamentais, não se pode conviver com um Judiciário que decide conforme seu juízo de valor e ignora o impacto econômico que suas decisões trazem aos cofres públicos. Há necessidade de um juízo de razoabilidade e proporcionalidade nessas decisões, princípios norteadores do Direito.
O Judiciário deve sim viabilizar o acesso aos Direitos que são negados a população, seja por atuação abusiva do estado ou por omissão, mas deve haver um entendimento mais amplo das repercussões que essas decisões têm, para que se evite um colapso financeiro ainda maior do que o vivido atualmente no país.
Com efeito, a concretização dos Direitos Fundamentais esbarra também nessa atuação discricionária do Judiciário que até pode “conceder” determinado direito a um cidadão, mas que na prática, não existe viabilidade econômica para que esse direito se concretize.
3.2. “Mínimo existencial” e “Reserva do possível”
A atuação do Judiciário é cabível quando o “mínimo existencial” não é garantido pelo Estado. Considera-se como mínimo existencial o conjunto mínimo de condições que devem ser fornecidas à população para que tenham uma vida com dignidade.
Percebe-se, portanto, que é o princípio da dignidade o nódulo central para criação dos Direitos Fundamentais; é a partir deste princípio que se analisa quais as necessidades básicas que devem ser fornecidas ao ser humano para que tenha uma vida considerada digna.
Nesse sentido, vale destacar o entendimento da Prof. Ana Paula de Barcellos sobre o assunto:
“.. o mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física – a sobrevivência e a manutenção do corpo – mas também espiritual e intelectual, aspectos fundamentais em um Estado que se pretende, de um lado, democrático, demandando a participação dos indivíduos nas deliberações públicas, e, de outro, liberal, deixando a cargo de cada um seu próprio desenvolvimento.” (BARCELLOS, 2002, p. 197-198).
Conforme se pode perceber, a destinação dos recursos públicos não deve ser fruto de uma discricionariedade política, pelo contrário, deve partir de um estudo detalhado das verdadeiras necessidades da população e de como essas necessidades serão supridas. Desse modo, observados os Direitos Fundamentais e a viabilidade econômica do Estado em fornecê-los, garantiríamos um Mínimo Existencial à população.
Ressalto, por oportuno, que o mínimo existencial não cria obstáculo para que haja prestação de Direitos que vão além desse mínimo, ele apenas estabelece o não pode deixar de ser conferido aos cidadãos.
A disponibilidade de recursos estatais para conferir à população a concretização dos Direitos Fundamentais é o que chamamos de Reserva do Possível.
J. J. Canotilho Gomes criou o nome “Reserva do possível” na Alemanha com o objetivo de representar a condição precípua para a efetivação dos Direitos Fundamentais: A disponibilidade de recursos econômicos.
A Reserva do Possível é, sem dúvida, um fator real e que deve ser analisado com muita cautela antes da implantação de políticas públicas. O que não pode ocorrer é a Administração Pública utilizar desse argumento para mascarar uma gestão corrupta, permeada por desvios de verba e pagamento de propina. Esse, infelizmente, é o cenário político e econômico vivido pelo Brasil.
Por fim, concluo afirmando que a Reserva do Possível não deveria servir de obstáculo ilegítimo para a não efetivação dos Direitos Fundamentais mas deveria significar uma gestão atenta ao orçamento público e voltada a concentrar os recursos onde fato há necessidade (Saúde, Educação, Assistência moradia, etc.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi dito na parte inicial deste trabalho, o objetivo era realizar algumas reflexões sobre as dificuldades relacionadas à concretização dos Direitos Fundamentais consagrados na Constituição Brasileira de 1988, a partir de uma leitura da obra “A Tolice da Inteligência Brasileira” de Jessé Souza.
Verificou-se que as normas constitucionais que tratam dos direitos fundamentais tem eficácia/aplicabilidade imediata, através do que prevê expressamente o art. 5o., § 1o., da Constituição Federal Brasileira.
Abordou-se a problemática da exigência de efetividade dos direitos fundamentais via Poder Judiciário, no que se constatou a total possibilidade, tendo em vista as dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.
Constatou-se que, apesar de existir a possibilidade de exigência da concretização desses direitos via Poder Judiciário, eles sofrem limitações na sua efetividade devido à escassez de recursos financeiros. Todavia, sabe-se que isso não é fundamento/justificativa para que a Administração Pública deixe de concretizá-los, tendo em vista que foram criados para garantir uma vida mais digna aos cidadãos. O que deve ocorrer é a a razoabilidade entre a escassez de recursos (reserva do possível) e a dignidade da pessoa humana (mínimo existencial).
Por fim, conclui-se que apesar de haver uma série de fatores dificultando a concretização dos Direitos Fundamentais na sociedade contemporânea brasileira, num processo de esforço progressivo dos doutrinadores, em dar a devida importância e destaque ao tema, da jurisprudência, em garantir que esses direitos serão garantidos ao povo sempre que possível, e do povo, buscando a participação popular e a racionalização sobre os temas, essa realidade pode, em longo prazo, mudar o cenário de ineficácia vivido pelos brasileiros.
Acadêmica de Direito na Universidade Salvador – UNIFACS
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