Resumo: O artigo conceitua a evolução histórica da reforma agrária, analisando sua natureza jurídica e princípios que a norteiam. Averigua como a prática da desapropriação de uma propriedade privada, para fins de reforma agraria, assegura, além de ser uma política social redistributiva e um direito fundamental advindo da Constituição de 1988, a reorganização da estrutura fundiária, tornando-a uma alternativa economicamente viável para amenizar as disparidades sociais. Emergindo como meio para solução das crises em que se debatem as massas camponesas, pois o capitalismo como um sistema excludente em sua origem, gera uma série de trabalhadores sem acesso as mínimas condições de vida digna, a margem dos centros urbanos, onde existe uma constante guerra das classes dominadas para poder adquirir direitos que possam garantir a sua sadia sobrevivência. Ações afirmativas, parcerias do governo com o terceiro setor, incentivos estruturais e financeiros, são essenciais para tornar o meio rural um ambiente favorável para o trabalho e de moradia digna, propiciando, consequentemente, o êxodo urbano.[1]
Palavras-chave: Reforma Agrária. Função Social. Propriedade.
Abstract: This article appraises the historical evolution of land reform, analyzing their legal nature and principles that guide it. Ascertaining how the practice of expropriation of private property for land reform purposes ensures the reorganization of the agrarian structure and becomes an economically viable alternative to reduce the social inequalities as well as being a redistributive social policy and a fundamental right present in the 1988's Constitution. Emerging as a solving crises device, where the peasant masses are in, whom are generated by capitalism as an exclusionary system at its source, rises a number of workers without access to minimum decent living conditions, the margin of urban centers, where there is a constant war of the dominated classes in order to acquire rights that can ensure their health and survival. Affirmative actions, government partnerships with the third sector, structural and financial incentives are essential to make the countryside a favorable environment to work and decent housing, enabling thus the urban exodus.
Keywords: Land Reform. Social Role. Property.
Sumário: 1. Introdução. 2. Caudilhismo rural e o termo propriedade. 3. A teoria da função social da propriedade. 4. Concepção e política da reforma agrária. 5. Desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. 6. Breves ponderações sobre usucapião agrária. 7. Considerações finais. Referências
1 INTRODUÇÃO
A divisão de terras no Brasil foi injusta e desigual. Muitas terras para poucos, formando assim, grandes latifúndios que beneficiaram ínfima parcela da população. Nesses latifúndios, predominavam a monocultura extrativista e predatória, assim, em 1950, como forma de solução para a confusa situação, foi elaborada a Lei de Terras, que promoveu a organização e regulamentação dessas posses.
Com o advento das Constituições Federais após a Proclamação da República, o direito de propriedade deixou de ser absoluto e intangível e recebeu cunho social. A propriedade estava restringida pela sua função social, em prol da supremacia do interesse social e do bem-estar coletivo. Como função social da propriedade rural considera-se o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural como elemento necessário à observância da função social que lhe deve ser inerente.
Dessa forma, a Reforma Agrária surge como forma de reestruturação fundiária, tendo como finalidade instituir que a propriedade rural cumpra efetivamente sua função social. A produtividade é o conceito que se aproxima da noção de aproveitamento racional e adequado. A não observância dos percentuais mínimos estipulados em lei pode sujeitar o proprietário a uma intervenção do Poder Público, o que se dará por meio do instituto da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, o qual será abordado no presente trabalho.
A atual Carta Magna conclamou o direito de propriedade em dois instantes diversos. A propriedade vista como garantia individual e como princípio de ordem econômica. Importante destacar, a função social da propriedade rural como elemento de produção. A questão da terra não é apenas um problema social, mas também econômico e político. Além disso, ultimamente, tornou-se tema de diversos julgamentos do Poder Judiciário brasileiro. Cabe ao governo todo o processo de reforma agrária através de um órgão federal chamado INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A reforma agrária é realizada no país dentro das leis vigentes, respeitando a propriedade privada e os direitos constituídos. Não visa apenas distribuir terras, mas sim garantir, aos pequenos agricultores, condições de desenvolvimento agrário e produtividade, gerando renda e melhores condições de vidas para as famílias assentadas.
2 CAUDILHISMO RURAL E O TERMO PROPRIEDADE
A constituição da propriedade rural no Brasil iniciou-se com a colonização portuguesa, já que anteriormente os portugueses verificaram a ausência de separação territorial, tendo considerado as terras públicas à Coroa Portuguesa.
Em 1532 começou o processo de privatização das terras, implementado por D. João III, através de inúmeras cartas régias. Distribuiu-se o território em quinze capitanias hereditárias, que foram divididas para apenas doze donatários, vedada a acumulação, e registradas nas Cartas das Sesmarias. O poder administrativo foi concentrado para que a Coroa não perdesse sua força.
Essa ideia surgiu através do sistema das sesmarias, que era utilizado em Portugal na época. O objetivo era de conquistar o Brasil e impedir o ataque da pirataria francesa. As capitanias possuíam extensões enormes, formando assim uma sociedade de latifúndios.
Vale explicar que o objetivo das Sesmarias em Portugal era totalmente contrário ao brasileiro. Em Portugal, com as sesmarias, realizou-se a chamada reforma agrária, alterando o domínio das terras que eram negligenciadas pelos possuidores.
No Brasil inexistia o propósito de reforma agrária, mas as principais finalidades da sesmaria foram atingidas, quais sejam, a garantia da propriedade nas mãos dos portugueses e o lucro da exploração oriundo do pau-brasil e depois cana-de-açúcar.
Sobre a sesmaria brasileira esclarece a brilhante Ana Paula Gularte Liberato (2008, p. 37):
“Talvez o ponto mais importante a se considerar sobre o período sesmarial seja a implementação de um sistema marcado pela monocultura extrativista e predatória, com a valorização de detentor de grandes extensões de terra ainda que improdutivas, da formação de uma cultura latifundiária, onde se cultua o senhor, o proprietário, que nunca poderia trabalhar manualmente e se descrimina o trabalho, paga-se pouco por ele, às vezes nada, mantendo um abismo social presente até os dias atuais. Como consequência, houve a implementação de um verdadeiro sistema semifeudal, fora da Europa e em uma época onde este já se havia desintegrado. Os senhores eram verdadeiros semideuses, tendo o poder de vida e de morte sobre os habitantes do sesmo, possuíam engenho, as terras e os escravos”.
Desde a independência do Brasil, até o ano de 1850, ocorreu ocupação do solo pela tomada da posse sem nenhum título, as terras eram doadas para fins basicamente de colonização e produtividade. Na metade do século XIX, o Estado Imperial fez a primeira legislação agrária. Em continuidade ao sistema das sesmarias surgia o Regime de Posses que foi regularizado pela Lei 601 de 18 de setembro de 1850.
Conhecida como a Lei de Terras de 1850 que tinha por escopo promover o ordenamento jurídico da propriedade da terra, visto que, a situação confusa herdada do período colonial tornava indispensável a aquele momento.
A Lei de Terras, regulamentava as posses já existentes, e tornava públicos a declaração de transferência de terras, possuindo natureza declaratória, ou seja, ela não tinha por finalidade de transmitir a propriedade.
Seu objetivo era a promessa da concessão de terras a quem as fizesse produzir, e a oportunidade de aquisição das terras do Estado. Sendo que, os bens que não fossem considerados particulares, seriam devolutos, ou seja, pertenceriam ao Estado as terras sem ocupação.
“Terras sem ocupação. Todas aquelas que não se enquadrassem nas categorias anteriores eram consideradas sem ocupação, mesmo que alguém ali estivesse e dela tirasse seu sustento e vida. Entre estas terras se encontravam as ocupações por povos indígenas, por escravos fugidos, formando ou não quilombos, libertos e homens livres que passaram a sobreviver da natureza, como populações ribeirinhas, pescadores, caboclos, caçadores, caiçaras, posseiros, bugres e outros ocupantes. Estas terras foram consideradas devolutas pela Lei Imperial e disponíveis para serem transferidas ao patrimônio privado. As terras indígenas, já anteriormente reconhecidas, tem na Lei 601/1850 sua reaconfirmação com o nome de Reservas Indígenas. (MÁRES, 2003, p.69) (…)
Terras devolutas, portanto, estavam definidas, e estão até hoje, por sua negação, quer dizer, devolutas são as terras que não são aplicadas a algum uso público, nacional, provincial ou municipal, não se achem no domínio particular, nem tivessem sido havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura, não tivessem sido concedidas em sesmaria ou outros atos do Governo Geral que, apesar de incursas em comisso, foram revalidadas pela Lei 601, não se achem ocupadas por posses que, apesar de não se fundarem em título legal, foram legitimadas pela lei”. (MÁRES, 2003, p.73)
Assim, as terras devolutas para o Estado eram como terras vagas, pois eram terras que não possuíam título de propriedade emitido pelo Poder Público. No entanto, essas terras além de deslegitimas eram onerosas. O Estado retirava o trabalhador de sua terra e lhe propiciava o acesso por meio do pagamento de altos preços.
As terras agora eram da “propriedade” do trabalhador, adquiridas através da compra e venda de justo título. Esses trabalhadores eram escravos da elite, pois, apesar de terem acesso ao trabalho, tinham que pagar pelas terras devolutas, ou seja, tinha-se mão-de-obra escrava sob o estereótipo de trabalho livre. E assim começaram a compor movimentos sociais agrários e passaram, através de conflitos, a requererem suas terras que foram expropriadas.
Sequencialmente, em 1889, houve a Promulgação da República e com ele em 1916 o Código Civil que instituiu o direito de propriedade como direito absoluto e intangível. Observem-se os artigos 524 e 525 respetivamente:
“A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente o possua. (BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2002).
É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário, limitada, quando tem ônus real ou é resolúvel”. (BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2002).
A terra continuava sendo fator de status e poder. E diante o descontentamento das massas houveram diversas manifestações que acarretaram na morte de milhares de mulheres, homens e crianças.
Partindo-se de 1824, data em que foi implantada a Constituição do Império, foi garantida a propriedade privada de forma absoluta. O proprietário tinha pleno direito de usar, fruir e dispor de sua propriedade da maneira que quisesse.
E assim, foram recepcionadas novas Constituições Brasileiras que vieram aperfeiçoando o termo propriedade, questões relativas a desapropriação, indenização, transformando o que antes era considerado um direito absoluto em um direito social, relativizando ainda mais os limites da propriedade.
A propriedade deveria atender ao interesse social, ao bem-estar social, ao bem comum. Houve durante esse período uma grande preocupação com os interesses da sociedade e o seu exercício de direito da população. A função social da propriedade passou a ser percebida como princípio de ordem econômica e social através da Constituição de 1967.
A Constituição Federal de 1988 considerou a propriedade como um direito fundamental e não individual, passando a ser vista como uma instituição de ordem econômica, assim, ela não poderia mais ser considerada absoluta e de pleno direito individual, tendo como objetivo assegurar a todos uma vida digna e diferentemente das Constituições anteriores, que inseriram o direito de propriedade dentro dos direitos em geral, a de 1988 o incluiu no rol dos direitos fundamentais.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
Dessa forma, conclui-se que, a Carta Magna de 1988 limita o direito de propriedade assegurado em seu artigo 5º, inciso XXII. Essa “restrição” é visualizada através dos requisitos dispostos em lei para que a propriedade alcance sua função social.
3 A TEORIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A primeira noção de função social da propriedade foi concebida no início do século XX, por León Duguit, influenciado pela filosofia positivista de Augusto Comte. Em oposição às doutrinas individualistas sustentadas até então, o autor defendeu que a propriedade “é uma instituição jurídica que, como qualquer outra, formou-se para responder a uma necessidade econômica e, neste ensejo, evoluiu de acordo com tais necessidades” (DUGUIT, 1975, p. 235).
Nesta esteira, o autor francês fez dura crítica à concepção individualista da propriedade, sobretudo sobre a premissa de que “somente concedendo ao possuidor um direito subjetivo absoluto sobre o bem é que poder-se-ia garantir a plenitude de sua autonomia individual” (DUGUIT, 1975, p. 237).
Ao contrário, Duguit rejeitava a propriedade como direito subjetivo, atribuindo-lhe natureza de função, isto é, a ser utilizada a serviço da coletividade. Por este viés, a propriedade-função não detinha o caráter absoluto e intangível, e o proprietário era apenas o detentor de um bem, por sua vez pertencente à coletividade.
A função social da propriedade modificou ao longo do tempo o seu regime, deixando de ser um direito absoluto e assumindo um cunho mais social.
Essa concepção da função social surge quando o homem tem a noção de contribuir para o bem-estar da sociedade em que vive em detrimento dos seus interesses.
Neste contexto, tem-se a teoria da função social, segundo a qual:
“Todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira”. (FIGUEIREDO, 2008, p. 83).
Menciona Teori Albino Zavascki (2002, p. 844) que, há de se entender por função social da propriedade o princípio que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titularidade jurídica. Pois, os bens, as propriedades é que estão submetidas a uma destinação social, e não o direito de propriedade em si mesmo. Dessa forma, a função social da propriedade realiza-se ou não, mediante atos concretos, de parte de quem efetivamente tem a disponibilidade física dos bens, ou seja, do possuidor, assim considerado no mais amplo sentido, seja ele titular do direito de propriedade ou não, seja ele detentor ou não de título jurídico a justificar sua posse.
Esta concepção difere-se totalmente da visão extremamente individual trazida do Direito Romano. Nela há a valorização da noção de trabalho em equipe, em prol do bem comum, respeitados os direitos individuais, e levando em conta o direito de terceiros, além disso, impor limites ao exercício da propriedade.
Guilherme José Purvin Figueiredo, esclarece o durame da questão, ao afirmar que “o modo mais eficaz de assegurar a felicidade privada, segundo Comte, é pela procura ativa do bem público, a qual exige, necessariamente, a repressão permanente dos impulsos pessoais que possam suscitar conflitos contínuos”. (2008, p. 83).
Ou seja, para garantir a paz e o bem-estar social deve-se restringir aspectos da liberdade humana, até mesmo se isso incluir os direitos fundamentais.
Vigorou, portanto, o entendimento de que a propriedade é direito subjetivo, que deve cumprir uma função social, ao passo que, “de todo modo, a propriedade passa a ser vista como instrumento de apoio à consecução dos fins sociais, cuja essência é o seu serviço à coletividade” (DERANI, 1997, p. 239).
O texto constitucional de 1988 positivou a união indissociável entre a propriedade e a sua função social, enquanto dever imposto a cada sujeito de direito, público ou particular.
Neste contexto, o ordenamento constitucional brasileiro, segundo Francisco Carrera, “retira literalmente a faculdade de ‘não uso’, que o proprietário exercia quando investido no domínio de seu imóvel” (2005, p. 100).
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade”. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
Segundo o artigo 170 da Constituição Federal, a ordem econômica encontra fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros princípios, o da propriedade privada e o da função social da propriedade.
Argumenta Celso Antônio Bandeira de Mello (1987, p.41) que, mesmo a propriedade que não cumpre sua função social também mereceu proteção, como é o caso da desapropriação por utilidade social, em razão da improdutividade do latifúndio. Assevera o autor, que se de fato a propriedade consistisse em função social, e não um direito subjetivo, não haveria sentido em se cobrar a correlativa indenização.
Os requisitos indispensáveis à caracterização da função social das propriedades urbana e rural estão dispostos nos arts. 182 e 186 da Constituição Federal. Eis o teor dos referidos dispositivos:
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º – As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
A função social constitui princípio basilar da propriedade, que passa a ter a composição: uso, gozo, disposição e função social, a fim de harmonizar-se com as disposições constitucionais, adquirindo de tal modo a tutela legal.
Portanto, o titular do direito de propriedade, na medida em que sua autonomia não mais representa o livre arbítrio do uso indiscriminado, incumbindo-lhe o dever de atender aos requisitos impostos pelos arts. 182 e 186.
O caput do art. 5º apresenta o Princípio da Isonomia, segundo o qual "todos são iguais perante a lei", porém, não significa que todas as pessoas terão tratamento igual pelas leis brasileiras, mas que terão tratamento diferenciado na medida das suas diferenças. A Constituição ordena que as diferenças impostas sejam justificáveis pelos objetivos que se pretende atingir pela lei.
Não por acaso, a Constituição Federal erigiu como direito fundamental a garantia do direito de propriedade (artigo 5º, XXII), que assegura toda e qualquer propriedade, desde a imobiliária até a intelectual e de marcas, seguida imediatamente pela determinação de que a propriedade deve cumprir sua função social (artigo 5º, XXIII), transformando, assim, o elemento função social em elemento inerente ao exercício propriedade.
Para se verificar se uma propriedade cumpre sua função social, ela deve atender alguns requisitos que estão dispostos no Estatuto da Terra, conforme abaixo descrito:
“Art. 2º É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.” (BRASIL, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, 1964).
A função social como colocada na Constituição Federal hoje, além de ser princípio predominante da ordem econômica, está inserida no contexto dos direitos e garantias fundamentais. Por isso é cláusula pétrea de efeito imediato, não podendo ser alterada ou revogada.
A Constituição Federal de 1988 inova ao expandir a função social à propriedade urbana, tendo por finalidade o desenvolvimento social e o bem-estar dos habitantes das cidades, dispõe ainda de artigos versando sobre a função social da propriedade urbana e rural, tais como153, § 4º, 156, § 1º, 170, III, 182, §2º, 184, 185, parágrafo único, 186.
A função social da propriedade é matéria de ordem constitucional. A importância desse caráter social dado à propriedade reflete-se no dever do proprietário de dar à sua propriedade uma função de cunho social, que se destine ao interesse coletivo e não apenas ao interesse individual.
Segundo Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2002, p.124), a Constituição atual ao elencar a propriedade em inciso próprio e exclusivo como direito fundamental, intencionou repelir a ideia de ver a propriedade transformada em função social, ou seja, descontruir a visão de propriedade como mera decorrência de uma função cumprida pelo proprietário.
No mesmo sentido, Jorge Alex Athias (1997, p. 132) afirmou que, ”mesmo com todas as limitações e encargos criados no novo texto, foi clara a opção pela manutenção do status quo da propriedade”.
Nelson Ribeiro (apud LIBERATO, 2003, p.58) traz a seguinte noção: "Assim, a função social torna-se princípio ético jurídico voltado à ordenação da propriedade privada, incidente no próprio conteúdo do direito de propriedade, dando-lhe um novo conceito”.
“A propriedade é, assim, reconhecida como uma função social, pela qual a sociedade prove e garante a subsistência dos seus membros. Atribuindo a propriedade a alguém, o Estado não pode fazê-lo em detrimento de outrem, sob pena de descaracterizar-se como instituição a serviço da sociedade”. (RIBEIRO apud LIBERATO, 2003, p.58)
Com efeito, conforme leciona Edson Luiz Peters, “o direito de propriedade é condição sem a qual não se garante o direito maior à vida” (2006, p. 125).
Neste diapasão, por se tratarem de bens afetos à manutenção da vida humana, depreende-se que esses bens devem ser de acesso o mais facilitado possível aos indivíduos, “o que justifica até a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição, de modo a propiciar a realização ampla de sua função social” (SILVA, 2002, p. 789).
O desenvolvimento das atividades econômicas, portanto, necessita da utilização de bens de produção privados, os quais, no entanto, não poderão ser utilizados para fins meramente particulares.
Devem, em verdade, atender ao interesse público, de forma a propiciar existência digna a todos, conforme ordenado pela Constituição Federal, para tanto, “buscando um equilíbrio entre o lucro privado e o proveito social” (DERANI, 1997, p. 238).
Enfim, o princípio da função social não pode suprimir o direito de propriedade, todavia, ela deve servir de vetor para que o proprietário dê ao imóvel a destinação útil, a fim de que ela atenda e beneficie a coletividade.
4 CONCEPÇÃO E POLÍTICA DA REFORMA AGRÁRIA
A reforma agrária surge para que a terra seja utilizada corretamente, corrigindo a distorção fundiária. Porque devido ao mau uso da propriedade, ou quando ela é explorada ineficazmente, formas de apossamento errôneas e concentração fundiária, a sociedade sofre consequências desastrosas sob seus aspectos econômico, social, tecnológico e político.
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, o problema fundiário do país, remonta a 1530, com a criação das capitanias hereditárias e do sistema de sesmarias – grandes glebas distribuídas pela Coroa portuguesa a quem se dispusesse a cultivá-las dando em troca um sexto da produção. Aí nascia o latifúndio.
Segundo Rosalina Moitta Pinto da Costa (2014, p.74):
“A palavra reforma é originária do latim re (prefixo que indica movimento de volta para trás, repetição), mais forma (forma, aspectos exteriores, que caracterizam um objeto) construindo reformare, que significa dar outra vez a primeira forma, dar nova forma, refazer, corrigir”.
O Estatuto da Terra foi editado no dia 30 de novembro de 1964, através da Lei Ordinária 4504 e dispõe em seu artigo 1º, parágrafo primeiro da seguinte forma:
“Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações em sua posse e uso, a fim de atender os princípios da justiça social e aumento da produtividade” (BRASIL, Lei nº. 4.504,de 30 de novembro de 1964, 1964).
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a reforma agrária é o conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção.
Na prática, em diapasão com o INCRA, a reforma agrária proporciona: Desconcentração e democratização da estrutura fundiária; produção de alimentos básicos; geração de ocupação e renda; combate a fome e a miséria; interiorização dos serviços públicos básicos; redução da migração campo-cidade; promoção da cidadania; diversificação do comércio e dos serviços no meio rural; democratização das estruturas de poder.
A finalidade da Reforma Agrária no Direito Brasileiro é o cumprimento da função social da propriedade rural. Dessa forma, de acordo com a nossa Constituição Federal vigente caberá desapropriação para fins de reforma agrária aquela propriedade que não cumprir sua função social, como veremos no capítulo seguinte.
Pela concepção de Rosalina Pinto da Costa Rodrigues Pereira (1993, p.29)
“A reforma agrária surge a partir da constatação de que o uso inadequado da terra entreva o desenvolvimento social e econômico do país, impedido o bem-estar da comunidade. Logo, toda reforma agrária parte da reestruturação da propriedade rural a fim de que a terra, mediante a exploração racional, obtenha uma maior produtividade, e assim possa proporcionar melhoria de condição de vida e bem-estar à sociedade como um todo”.
De acordo com o sítio da internet Sua Pesquisa:
“A reforma agrária é definida como um sistema em que ocorre a divisão de terras, ou seja, propriedades particulares (latifúndios improdutivos) são compradas pelo governo a fim de lotear e distribuir para famílias que não possuem terras para plantar.
Dentro deste sistema, as famílias que recebem os lotes, ganham também condições para desenvolver o cultivo: sementes, implantação de irrigação e eletrificação, financiamentos, infraestrutura, assistência social e consultoria. Tudo isso oferecido pelo governo.”
A Constituição de 1988 dispõem em seu texto um capítulo exclusivo para a questão agrária, o que não houve nas constituições anteriores. O título VII, Capítulo III, trata da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. Artigo 184 ao artigo 191 da atual Carta Magna.
A aplicação do instituto da Reforma Agrária visa a modificação de uma estrutura vigente, onde os não proprietários exigem do Estado acesso à terra. Nesse sentindo é o entendimento de Pinto Ferreira (2002, p. 240):
“Reforma Agrária é, pois, na acepção etimológica a mudança do estado agrário vigente. Mas uma mudança tem de operar-se em determinado sentido. Procura-se mudar o estado atual da situação agrária. Esse estado que se procura modificar é o feudalismo agrário e da grande concentração agrária em benefício das massas trabalhadoras do campo. Por consequência, as leis de reforma agrária se opõem a um estado anterior de estrutura agrária que se procura modificar.”
Um dos entraves para a realização da reforma agrária no Brasil encontra-se na não aplicação do princípio da função social da propriedade. Até hoje o princípio continua sem ter a devida eficácia.
A defesa absoluta da propriedade continua prevalecendo nas decisões judiciais, em detrimento de critérios como o aproveitamento racional e adequado dos recursos naturais, a preservação do meio ambiente e a observância das disposições que regulam as relações de trabalho.
“Art. 16. A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
Parágrafo único. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária será o órgão competente para promover e coordenar a execução dessa reforma, observadas as normas gerais da presente Lei e do seu regulamento”. (BRASIL, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, 1964).
O governo federal e a resistência da bancada ruralista no Congresso nacional contribuem para a defasagem nos índices de produtividade, que estão desatualizados. Uma terra não permanece sempre produtiva. E de acordo com a Lei de Terras de 1993, esse índice deve ser ajustado periodicamente:
“Art. 11. Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.” (BRASIL, Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 1993).
Porém, a inoperância do governo federal e a resistência da bancada ruralista no Congresso Nacional mantêm a defasagem do índice.
Rodolfo Cabral (Controvérsia, 2010), afirma que, a função social da propriedade está incluída nos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição, prevalecendo sobre a produtividade pura e simples. Para uma terra ser realmente produtiva, não basta cumprir os índices de produtividade, tem também que atender os requisitos do artigo 168 da Constituição.
Da mesma forma, diversas propriedades utilizam-se de regimes análogos ao de escravidão, mas, atendendo unicamente ao índice de produtividade, não são desapropriadas para a reforma agrária.
O cumprimento do princípio constitucional da função social da propriedade é primordial para a realização da reforma agrária no Brasil – que realmente se desaproprie massivamente terras que não atendem seus requisitos para a implantação de assentamentos.
5 DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRARIA
Desapropriação por interesse social é o ato pelo qual o Poder Público mediante prévio procedimento e justa indenização, em razão de interesse social, retira o direito de domínio do seu proprietário.
Edilson Pereira Nobre Junior (2012, p.76) explana que, a desapropriação possui sete princípios norteadores, afastada qualquer pretensão exauriente. São eles: supremacia do interesse público sobre o privado, legalidade, finalidade, proporcionalidade, judicialidade e publicidade.
Como reporta-se Cretella Junior (1980, p. 15), o vocábulo desapropriação, a exemplo da similar expropriação, por seus prefixos, de origem latina, des e ex transmitirem às palavras a que se incorporam conteúdo negativo, evocam, na linguagem vernacular, a ideia de perda, desagregação, privação e quejandos.
“Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.” (BRASIL, Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 1993).
Esse artigo 9º supracitado no artigo 2º da mesma lei elenca os critérios e requisitos estabelecidos em lei, que devem ser cumpridos simultaneamente para que a propriedade atenda sua função social.
“Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.” (BRASIL, Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 1993).
Quando essa razão de interesse social é para fins de reforma agrária é porque o imóvel rural será desapropriado por não estar cumprindo sua função social.
Na órbita jurídica, Hely Lopes Meirelles (2011, p. 650) expõe:
“[…] a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para o superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (Const. Rep., art. 5º, XXXIV), salvo as exceções constitucionais de pagamento de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (Const. Rep., art. 182, § 4º, III), e de pagamento em títulos de dívida agrária, no caso de reforma agrária, por interesse social” (Const. Rep., art. 184).
Ressalta-se que a Lei 8.629/93 em seu artigo 4º fornece a conceituação de imóvel rural, pequena e média propriedade:
“Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:
Imóvel Rural – o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;
II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:
a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
III – Média Propriedade – o imóvel rural:
a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais”. (BRASIL, Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 1993).
O artigo 4º também expõem em seu parágrafo único que “são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural. ”
Neste contexto, o artigo 185 da Constituição Federal de 1988 complementa a respeito:
“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.
Parágrafo único: A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social”. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
A produtividade, segundo o dicionário informal online, é definida da seguinte forma: “Capacidade de produzir, característica do que produz com abundância ou lucratividade. Em outras palavras, produtividade é obter a melhor relação entre volume produzido e recursos consumidos”.
“Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente”. (BRASIL, Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 1993).
Nesse contexto, sob essa disposição, não é que o art. 185 da Constituição Federal de 1988 autorize a proteção de uma propriedade rural que, embora sendo produtiva do ponto de vista economicista, desconsidere a legislação ambiental, a legislação trabalhista e esteja em desacordo com o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Afirma José Domingos Rodrigues Lopes (2013), que, o direito de propriedade está atrelado ao cumprimento da função social da propriedade rural, punindo seu infrator com a sanção expropriatória, segundo competência a ser desempenhada pelo Poder Público. A desapropriação por desatendimento da função social da propriedade rural diferencia-se da expropriação por não ser uma penalidade.
Conclui-se que a propriedade que não cumprir sua função social fica sem proteção constitucional. Não basta ao possuidor agrário exercer a atividade agrária, deverá ainda conduzi-la ao atendimento da função social para que possa fazer jus à tutela jurídica da posse, até porque a produtividade integra o conceito de função social.
Por tais razões, mesmo que a produtividade seja conseguida por meio da utilização de trabalho escravo ou em afronta ao meio ambiente, a propriedade rural, desde que produtiva, não pode ser desapropriada, e sim, expropriada, sem qualquer indenização e destinada a reforma agrária
No que tange à desapropriação comum, aquela não punitiva, para fins de reforma agrária, há de ser determinado o prévio pagamento em dinheiro.
“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
Dessa forma, na linha dos ensinamentos de Pinto Júnior e Farias (2005, p. 17), “a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária de imóveis rurais que não estejam cumprindo a função social da propriedade é imperativa constitucional, decorrente do art. 184 da CF/88”.
Em outras palavras, de acordo com o art. 186 da própria Constituição Federal, o imóvel que deverá ser desapropriado e destinado para a reforma agrária será aquele que, em conjunto ou separadamente, não tenha aproveitamento racional e adequado, não apresente utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e nem preserve o meio ambiente, não observe as regulamentações trabalhistas, e cuja exploração não favoreça o bem estar dos proprietários, ainda que seja produtivo do ponto de vista econômico.
Sendo descumprido algum dos requisitos do art.186 sobre a função social da propriedade, o imóvel rural fica sujeito à desapropriação por interesse social mediante justa e prévia indenização.
O Poder Público pode efetivar a desapropriação quando necessária, e não sendo esta uma sanção (expropriação), a indenização deve ser prévia e em dinheiro.
“Art. 5º, XXIV A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvada os casos previstos nesta Constituição.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
Em outras palavras, é um instrumento de que se vale o Estado para retirar a propriedade de um particular e incorporar ao patrimônio público, indenizando o ex-proprietário.
6 BREVES PONDERAÇÕES SOBRE USUCAPIÃO AGRÁRIA
A usucapião agrária, ou especial rural, foi prevista primeiramente na Carta Magna de 1934, em consequência do desenvolvimento do princípio da função social da propriedade, que deu a Constituição Federal de 1934 caráter iminentemente social. A atual Constituição Federal descreve a usucapião agrária em seu artigo 191, como exposto abaixo:
“Quem, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela moradia, adquirir-lhe-à a propriedade.
Parágrafo único: Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988)
Consoante o parágrafo único do artigo supracitado, observa-se que a Constituição Federal de 1988 limitou a usucapião no tocante aos imóveis públicos, estando em consoante com entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, que, “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião. ” (SÚMULA 340, STF).
Esclarece também a questão Rosalina Moitta Pinto da Costa (2014, p.311):
“A usucapião agrária forma a pequena propriedade. Logo, esta vedação constitucional, proibido a usucapião de terras devolutas, desfalca o caráter social deste instituto impedindo a formação da propriedade familiar.[…] Com efeito, o referido parágrafo único, introduzido à última hora pelo Congresso Constituinte, eliminando a usucapião sobre as terras devolutas, foi uma das alterações criticadas pelos agraristas, que representou um retrocesso aos avanços trazidos pela Lei nº 6.969/81.”
Assim como a Constituição Federal de 1988, o novo Código Civil (Lei 10.406/2002) dispõe em seu artigo 1.239, sobre os requisitos para se adquirir a propriedade através da usucapião agrária:
“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.” (BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2002).
As modalidades de usucapião, tanto a extraordinária, quanto a extraordinária, estão previstas, respectivamente, nos artigos, 1.238 e 1243 do Código Civil de 2002.
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. (BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2002).
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”. (BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2002).
A usucapião agrária, segundo Rosalina Moitta Pinto da Costa (2014, p.314) é restrita a terras particulares e tem por base a posse agrária de imóveis rurais. A posse há de ser direta, pessoal e ininterrupta, pois está fundamentada na posse-trabalho: aquela caracterizada pela utilização econômica do bem possuído, através do trabalho.
Em conclusão, é importante exaltar a diferença entre a reforma e a usucapião agrária. Apesar de ambos promoverem a propriedade familiar, a usucapião agrária não visa modificar a estrutura fundiária.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta pela Reforma Agrária, através de ocupações realizadas por meio de movimentos sociais, é imprescindível para que ocorra de forma efetiva, a aplicação das leis existentes, que asseguram a desconcentração fundiária. Esses movimentos se justificam diante da inoperância do Governo no cumprimento das suas próprias leis, ou seja, ainda se observa uma grande insistência na primazia da propriedade privada absoluta em detrimento dos interesses da coletividade.
A perpetuação dos latifúndios no Brasil é resultado da colonização brasileira, e a Reforma Agrária foi instaurada com o importante papel de alterar essa estrutura latifundiária, porém, opera-se a manutenção dos latifúndios, apesar de sucessivas ações de reforma agrária em todo país. A divisão de terras no Brasil, é um dos retratos nítidos da desigualdade no país. Como poucos donatários receberam enormes faixas de terra, grande parte da população brasileira teve seu acesso dificultado. O latifúndio tornou-se padrão, gerando um sistema injusto de distribuição de terras.
Hodiernamente, quase metade das terras brasileiras está nas mãos de 1% da população, e, apenas um terço da propriedade ocupada no Brasil cumpre sua função social. No entanto, o Poder Público continua mantendo a propriedade de terras que não atendem aos requisitos legais. A fiscalização da produtividade dessas terras, também, não é efetiva e habitual, pois mesmo que uma terra seja considerada produtiva atualmente, daqui vinte anos ela pode não ser mais.
Embora o sistema de Reforma Agrária, desenvolvido nas últimas décadas, gere consequências que caminham lentamente e a longo prazo, já tem demonstrado bons resultados. E é com muita mobilização social e provocação dos poderes públicos que a lei será cumprida e as desapropriações acontecerão.
Pois, o problema da disparidade na estruturação de terras do Brasil, é cultural, sendo necessário políticas afirmativas para garantir a igualdade material de fato, acelerando o processo de Reforma Agrária e garantindo o acesso à terra, para milhares de trabalhadores rurais. A reforma Agrária é, indubitavelmente, uma forma de se garantir a efetivação da função social da propriedade.
Bacharel em direito – Faculdade de Talentos Humanos Facthus, pós-graduanda em direito tributário – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUCMG, técnica da educação na Secretária de Estado de Educação de Minas Gerais
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