O Direito Administrativo faz parte do bloco monolítico do Direito que, como já se sabe, é dividido em dois ramos principais (público e privado) com objetivos didáticos, para facilitar a sua compreensão e estudo.
Assim como nenhum ser humano é uma ilha vivendo sempre em sociedade, os diferentes ramos do direito não existem isolados.
Os ramos do direito:
“Articulam-se todos, interpenetrando-se, exercendo e recebendo influências de outros ramos”.[1]
O fato de que o conjunto de normas em que se compõe o direito tem a sua validade última no texto fundamental da Constituição é capaz de caracteriza-lo como um todo indivisível. Entretanto, suas diversas disciplinas, ao longo dos tempos, têm sido aceitas como autônomas e independentes.[2]
CAETANO inicia por descrever a situação do direito administrativo como direito público. Os critérios para a separação entre público e privado seriam o do interesse e o do sujeito da relação jurídica. A norma de direito público é aquela que diretamente protege um interesse público e só indiretamente beneficia, quando beneficia, interesses particulares. Reconhecendo-se a primazia dos interesses públicos sobre os particulares, atribui-se, então, posição superior às pessoas públicas nas relações jurídicas para se alcançar o interesse público, o bem comum.[3]
Tanto o interesse público quanto a presença de um órgão da Administração nas relações jurídicas tratadas pelo direito administrativo asseguram o seu posicionamento no campo do direito público.
Direito Constitucional
Em razão de tratarem do Estado, o Direito Administrativo e o Direito Constitucional possuem muito em comum. No entanto, o Direito Constitucional trata da estrutura estatal e da instituição política do governo. O Direito Administrativo tem como objetivo regular a organização interna dos órgãos da Administração Pública, seu pessoal, serviços e funcionamento que satisfaça as finalidades constitucionalmente determinadas. O Direito Constitucional estabelece a estrutura estática do Estado e o Direito Administrativo a sua dinâmica. Enquanto O Direito Constitucional dá os lineamentos gerais do Estado, institui os seus principais órgãos e define os direitos e as garantias fundamentais dos indivíduos, o Direito Administrativo disciplina os serviços públicos e as relações entre a Administração e os cidadãos de acordo com os princípios constitucionais.[4]
O direito administrativo nasce da própria constituição que institui os poderes e seus órgãos, cada qual com sua função precisamente delineada. São de se frisar alguns pontos de extrema influência do direito constitucional no direito administrativo: direitos e deveres do servidor público; limites da atuação estatal em razão dos direitos e garantias fundamentais, dentre outros.
BASTOS destaca que o direito constitucional é a primeira fonte do direito administrativo. O direito administrativo seria o ramo da ciência jurídica que mantém a relação mais íntima com o direito constitucional, pois regula uma das funções do Estado e trata, fundamentalmente, de um dos poderes que o compõe.[5]
BRANDÃO CAVALCANTI afirma serem tão íntimas as relações entre os dois direitos que a maior dificuldade seria distingui-los um do outro. Enquanto o Constitucional trata da estrutura do Estado, o Administrativo estuda o mecanismo, o funcionamento e a atividade do poder executivo, na execução dos serviços públicos direta ou indiretamente a cargo do Estado, ou concedidos.[6]
BIELSA afirma que a ciência da Constituição trata da anatomia e fisiologia do direito público, ensina a essência do Estado na teoria e na prática. Ao mesmo tempo, a ciência administrativa ensina o que o organismo do Estado deve fazer.[7]
SANTI ROMANO diz ser difícil precisar onde um começa e o outro termina.[8]
VON STEIN estabelece a unidade da idéia política e considera o direito administrativo a constituição em movimento.
CAETANO indica que a relação entre os direitos constitucional e administrativo é tão grande que alguns autores chegariam a afirmar que o direito constitucional seria a matriz do direito administrativo.[9]
A partir do seu conceito de direito constitucional[10], o autor demonstra a grande afinidade existente entre as duas disciplinas…
Direito Tributário e Financeiro
O Direito Administrativo tem com o Direito Tributário e com o Direito Financeiro uma relação de fundamental importância. Basta admitirmos que a tributação é realizada a partir de relações jurídicas em virtude das quais o Estado irá arrecadar os seus recursos indispensáveis ao funcionamento da estrutura pública e o segundo disciplinará como os mesmos serão empregados, tudo conforme a Constituição e as Leis. É daí que afirmamos que o Direito Tributário nasce da necessidade de se fornecer recursos para o funcionamento da máquina administrativa e de se criar mecanismos que protejam os cidadãos da ânsia arrecadadora do Poder Público.
O direito tributário estabelece limites à atividade tributária estatal e protege o cidadão contra qualquer modelo desregrado e confiscatório que porventura venha a ser criado.
O Direito Financeiro, por sua vez, surge no mundo do direito para disciplinar os gastos do que é arrecadado pela Administração com os tributos. Ele cuida da disciplina das receitas e das despesas do Estado, que compõem a função administrativa.[11] Ambas as atividades de realização de receitas e efetivação de despesas são eminentemente administrativas, já ensinava MEIRELLES.[12]
Para CAETANO, o direito financeiro ou sistema das normas reguladoras da atividade financeira do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público, é um simples capítulo do direito administrativo, assim como o direito tributário que nele está compreendido. A autonomia dos direitos financeiro e tributário só se justificariam por motivos didáticos.[13]
BASTOS lembra que o direito administrativo cuida dos bens que o Estado possui, enquanto o direito financeiro trata da arrecadação daquilo que o Estado não tem.[14]
No tocante à discricionariedade, freqüente na Administração Pública em função da inexistência de todos os comandos legais necessários ao administrador, ela é inexistente no direito financeiro. Acontece que o interesse público a ser gerido pela Administração está perfeitamente delineado pela ordem jurídica. Um bom exemplo é a Lei Complementar 101 que estabelece normas de finanças públicas para a responsabilidade na gestão fiscal.[15]
Direito Penal
O Direito Administrativo é bastante distinto do Direito Penal. De qualquer forma, a lei penal ,como nos casos de crimes contra a Administração Pública, subordina a definição do delito à conceituação de atos e fatos administrativos. Também a Administração Pública possui prerrogativas de Direito Penal, como nos casos de caracterização de infrações que dependem das normas penais em branco.
CAETANO faz longa exposição a respeito das relações entre as duas disciplinas para ressaltar que:
“A repressão penal vem depois da violação e não pode repor o interesse violado no estado anterior; a Administração actua antes da violação no sentido de evitá-la.
Toda a actividade administrativa é, em relação a ofensas possíveis dos interesses sociais, preventiva e não repressiva.
Por isso cabe dentro da Administração a Polícia – que se destina a evitar danos sociais mediante a limitação da actividade dos indivíduos”.[16]
A relação do Direito Administrativo com o Direito Processual é bastante próxima. Nos aspectos dos processos civil e penal a relação se dá na própria regulamentação das respectivas jurisdições. Nos processos administrativos são utilizados princípios característicos de processo comum.
Nos países do contencioso administrativo, é falado a respeito do direito administrativo processual.[17]
Para CAETANO, o direito processual é disciplina afim do direito administrativo.[18] Explica o autor que o sistema das normas que regulam o funcionamento dos tribunais perante o direito administrativo tem autonomia bastante explícita pelos caracteres da função judicial. As semelhanças seriam respeito nas normas organizadoras dos serviços (secretarias) judiciais e estatuto de seu pessoal.
Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho muito se aproxima do Direito Administrativo em razão do fato das relações dos empregadores com os empregados passaram do setor privado para o domínio público em virtude de sua regulamentação e fiscalização pelo Estado. Hoje em dia, especialmente, há lei que permite a contratação pelo Poder Público de empregados públicos sem deixar de existirem os servidores ocupantes de cargos públicos.
Direito Eleitoral
As relações do Direito Administrativo com o Direito Eleitoral se dão em virtude da proximidade do primeiro com diferentes pontos da organização da votação e apuração dos pleitos, no próprio funcionamento dos partidos políticos, na disciplina da propaganda partidária, dentre outros. MEIRELLES admite que toda a parte formal dos atos eleitorais é regida pelo Direito Administrativo.[19]
Direito Municipal
Com o Direito Municipal o Direito Administrativo se relacionam por operarem em um mesmo setor da organização governamental. A afirmação crescente do primeiro se deu em razão do desenvolvimento das funções locais de cada município. O que há na verdade entre os dois ramos do direito é uma verdadeira simbiose.[20]
Direito Civil
As relações entre o Direito Civil e o Direito Administrativo são muito próximas, principalmente no que se refere aos contratos e obrigações do Poder Público com os particulares. Isto sem se falar também nos bens públicos, nas pessoas públicas e na responsabilidade civil do Estado, todos tratados pelo Código Civil.[21]
Direito Econômico
A relação do Estado com a economia particular teria dado surgimento ao direito econômico, segundo BASTOS.[22] Tanto o direito financeiro, quanto o tributário e o econômico seriam especificações ou especializações do próprio direito administrativo. Isto porque seriam direitos que se destacaram do próprio direito administrativo.[23]
Direito Internacional
BASTOS faz referências às relações mantidas pelo direito administrativo com o direito internacional. Lembra o mesmo que é muito freqüente encontrar uma regulamentação proveniente de acordos internacionais a respeito de serviços públicos. Nestes casos caberia ao direito administrativo zelar pelas mesmas e colocarem-nas em funcionamento.[24]
BRANDÃO CAVALCANTI lembra que nos tratados e convenções sobre polícia preventiva, repressiva e sanitária, nas atribuições administrativas dos cônsules e agentes diplomático, na naturalização, expulsão de estrangeiros e demais relações administrativas com nações estrangeiras, os princípios de direito internacional devem ser respeitados.[25]
O direito dos estrangeiros perante a administração, como o seu direito ao exercício de funções públicas; o direito de entrada e saída, imigração, extradição, naturalização, expulsão, polícia sanitária, anexação de territórios, regimes administrativos, empréstimos externos e etc compõem um considerável grupo de relacionamento entre o direito administrativo e o direito internacional.[26]
Todas as questões acima são resolvidas pelo direito interno ou pelos tratados e convenções.[27]
Como as normas do direito administrativo não são apenas internas, ou seja, em virtude das relações internacionais demandarem tratados e convenções muitas vezes unificadores das normas internas de diferentes países, temos a relevante importância no direito administrativo dos mesmos tratados e convenções. Temas como leis de polícia de saúde pública, aduaneiras, radiotelegrafia, polícia social (repressão de tóxicos e outros), tráfico de mulheres e crianças, propriedade industrial e literária, extradição e entrada de estrangeiros podem ser elencados.[28]
Ciências Sociais
O Direito Administrativo se relaciona também com as Ciências Sociais. Sociologia, Economia Política, Ciência das Finanças e Estatística são elas. Por tratarem todas elas da sociedade, seu campo é um só.
Conclusões
Nunca seria cansativo alegar, como se faz rotineiramente, a unicidade do direito, a sua divisão em diferentes ramos com propósitos didáticos, a sua divisão histórica a partir de Roma, entre outras afirmações. O que se pode destacar, entretanto, é que o direito administrativo se relaciona com todos os demais ramos do direito, com intensidade maior à medida que se aproxima do objeto de tratamento dos assuntos que envolvem o interesse público e o bem comum, fundamentalmente.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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