Resumo: O presente artigo aborda a lei de alimentos gravídicos, instituída com o propósito de proteger integralmente o nascituro, desde a concepção até o parto. Imprescindível, portanto, um panorama geral sobre o tema, trazendo a baila desde os fundamentos e decisões que influenciaram a lei, até os problemas atuais de sua aplicação. Em especial, o enfoque sobre a possibilidade jurídica da recuperação do crédito alimentício em face da posterior descoberta de ausência de relação de paternidade entre o alimentante e o alimentado.
Palavras-chave: Alimentos gravídicos, danos, responsabilidade civil da genitora, repetição do indébito, paternidade, negativa.
Abstract: This article discusses the law of the gravidic subsidies, created with the purpose of protecting, fully, the right of the unborn since the conception until the labour. It´s important, although, a general view about the subject, bringing the basics and also decisions that influenced the law, until the present issues of its application. In special, the enphasis about the legal possibility of recovery from food credit in the face of the subsequent discovery of no relationship between paternity and alimentante fed.
Keywords: Gravidic subsidies, damage, civil responsibility of genitor, undue repetition, parenting, negative.
Sumário: Introdução; 1. O nascituro; 1.1. Direitos assegurados ao nascituro; 2. Dos Alimentos Gravídicos; 2.1. A fragilidade da lei de alimentos gravídicos; 3. Da responsabilidade subjetiva da genitora; 4. Da relativização da repetição do indébito; 5. Da ação “in rem verso”; 6. Da possibilidade de prestação de caução; Considerações finais; Referências.
Introdução
No dia 05 de novembro de 2008, entrou em vigor no ordenamento pátrio a lei dos alimentos gravídicos. O nome, apesar de estranho, traz em seu conteúdo a defesa de uma causa bastante nobre: a proteção do nascituro.
Em verdade, apesar de a nossa legislação prever uma grande proteção ao indíviduo, desde a sua concepção, este não alcançava por exemplo, o direito aos alimentos, uma vez que a Lei nº 5.478/68 (lei de alimentos) exigia comprovação do vínculo de parentesco entre o alimentando e o alimentante para o deferimento dessa prestação.
Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Consistem num auxílio pecuniário para o custeio da alimentação propriamente dita, assistência médica, exames complementares, medicamentos entre outras despesas necessárias para a sobrevivência digna da pessoa humana. A natureza jurídica do direito à prestação de alimentos seria um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal.
Com isso, as gestantes não tinham o direito de perceber esse subsídio em favor dos seus filhos intra-uterinos, pois, durante a gravidez, não havia como estabelecer o vínculo parental exigido na lei de alimentos comum.
Dessa forma, a Lei 11.804/08 prestigiou a gestante e principalmente o nascituro, quando trouxe a possibilidade da prestação de alimentos sem a comprovação inegável da paternidade, como preceitua o seu artigo 6º:
“Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.”
A imposição da prestação alimentícia baseada em “indícios da paternidade” possibilita ao magistrado a concessão do subsídio paterno mesmo sem a ocorrência do exame de DNA, que seria o meio mais seguro para provar a real identidade do pai do nascituro. Entretanto o artigo que previa essa hipótese teve o veto presidencial, conforme explicitado em linhas infra:
“Art. 8o Havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido do autor dependerá da realização de exame pericial pertinente.”
É pacificado na medicina que o exame de DNA feito durante a gestação acarretaria risco de morte ao bebê e grandes complicações a gravidez, tendo sendo por isso vetado do projeto legislativo.[1]
Nota-se que apesar de toda a coerência do veto, a retirada do exame pericial torna a lei frágil, pois garante a procedência do pedido de alimentos baseado em meros indícios, tornando a situação do possível pai, bastante insegura e instável. E se ao final da demanda o réu provar que não era o pai do nascituro? Teria ele meios legais para reaver essa quantia?
Diante das polêmicas e inseguranças trazidas pela lei de alimentos gravídicos, torna-se relevante sua análise, mostrando algumas de suas atecnias, e possíveis soluções para elas, tendo como enfoque principal o pagamento da prestação de alimentos gravídicos por quem não era o verdadeiro pai, e as formas de recuperação desse crédito pago de forma equivocada.
O presente artigo utiliza como fundamento principal a análise doutrinária e jurisprudencial, organizando de forma sistemática alguns ensinamentos já expostos por grandes juristas, porém não desenvolvidos de forma mais aprofundada.
1. O nascituro
Nascituro é palavra derivada do latim nasciturus, que significa aquele que deverá nascer. Se trata portanto de pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno, mas ainda não nasceu.
A natureza jurídica do nascituro é objeto de acirrados debates doutrinários. Parcela dos juristas entende que ele não é, e não pode ser, dotado de personalidade jurídica, pois está só começaria a partir do nascimento com vida. É a chamada teoria natalista, defenfendida por Sílvio Rodrigues.
Outra parte dos doutrinadores entende que o nascituro é uma pessoa condicional, estando sua personalidade submetida ao eventual nascimento com vida. Essa teoria da personalidade condicional é defendida por Maria Helena Diniz e Washington de Barros Monteiro.
Por fim, a mais moderna corrente sustenta que o nascituro possui personalidade jurídica, adquirida desde a concepção, reconhecendo seu caráter concreto e não condicionado ao nascimento com vida. A teoria concepcionista teve como precursor Teixeira de Freitas, e é defendida, entre outros, por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.
Seguindo os dois últimos autores, tem-se em síntese (2007. p 202) :
“- teoria natalista: segundo a qual a personalidade civil somente se inicia com o nascimento com vida;
– teoria da personalidade condicional: afirmando que a personalidade tem início a partir da concepção, porém ficando submetida a uma condição suspensiva (o nascimento com vida), assegurados no entanto, desde a concepção, os direitos da personalidade, inclusive para assegurar o nascimento;
– teoria concepcionista: pela qual se adquire a personalidade com a concepção, dela decorrendo que o nascituro possui personalidade jurídica antes de nascer.”
A análise das teorias permite concluir que não há distinção prática entre a teoria concecpcionista e a da personalidade condicional, pois ambas reconhecem direitos ao nascituro, apenas divergindo quanto ao reconhecimento da personalidade jurídica. Essa divergência veio a ser sanada mais tarde, com a Lei 11.804/08.
Com a edição da Lei 11.804, em 2008, tornou-se mais coerente aceitar a teoria concepcionista, uma vez que esta reconheceu a personalidade jurídica do nascituro, desde sua concepção, sendo este titular de direitos necessários para que venha a nascer vivo. Portanto, é legítima a pretensão do nascituro em reclamar alimentos, vez que é detentor de personalidade jurídica, entretanto não possui capacidade postulatória. Dessa feita, o ingresso em juízo é feito pela gestante, na forma de substituição processual, pois estará ela pleiteando em nome próprio, direito alheio do nascituro.
1.1 Direitos assegurados ao nascituro.
A Carta Magna brasileira assegura no seu artigo 5º caput, em status de cláusula pétrea, a inviolabilidade do direito à vida, assim disposto:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (grifos nosso.)
Complementando o disposto no artigo 5º, o artigo 2º do Código Civil nacional dispõe:
“Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (grifo nosso)
Em outas linhas, o Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua em seu artigo 7º:
“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”
Também o Pacto de São José da Costa Rica, Convenção Americana sobre Direitos Humanos aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992, e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, definiu em seu artigo 4º que “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” (grifo nosso).
Por fim a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 227, prestigiou o princípio da paternidade responsável, segundo o qual os encargos da paternidade decorrentes do poder familiar surgem com a concepção do filho e não com seu nascimento ou propositura de uma eventual Ação de Alimentos ou Investigação de Paternidade.
Dessa forma, com a concepção do nascituro, decorre uma série de encargos, que devem ser suportados pelo pai, em decorrência do princípio da paternidade responsável e dos artigos supracitados. Esta base legal, serviu de inspiração para a edição da Lei 11.804/08.
Mesmo com todo esse arsenal legislativo, não havia uma norma expressa que assegurasse alimentos ao nascituro, tendo a doutrina e a jurisprudência dado uma grande contribuição para as gestantes na luta pelo exercício de direitos dos filhos intra-uterinos, mesmo antes da edição da lei. Como de costume, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul saiu na frente dos outros, concedendo o pagamento de alimentos aos nascituros:
“ALIMENTOS EM FAVOR DE NASCITURO. Havendo indícios da paternidade, não negando o agravante contatos sexuais à época da concepção, impositiva a manutenção dos alimentos à mãe no montante de meio salário mínimo para suprir suas necessidades e também as do infante que acaba de nascer. Não afasta tal direito o ingresso da ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos. Agravo desprovido.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70018406652, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NASCITURO. CABIMENTO. PRELIMINAR. A decisão que fixa os alimentos provisórios em prol do nascituro, sem por fim a demanda, desafia agravo de instrumento e não apelação. O agravante não nega o relacionamento amoroso mantido com a representante do nascituro, tampouco que tenha mantido relação sexual com ela à época da concepção. Alegação de dúvida sobre a paternidade não infirma o disposto no art. 2º do CC quanto à proteção aos direitos do nascituro. Precedentes. Preliminar rejeitada. Recurso desprovido.” (Agravo de Instrumento Nº 70021002514, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 15/10/2007)
A jurisprudência, em especial, teve um papel importantíssimo para a construção legislativa dos alimentos gravídicos. Nota-se que algumas expressões como “indícios de paternidade”, que hoje estão presentes na lei, foram retiradas das próprias decisões dos Tribunais de Justiça. Saliente-se o papel de Maria Berenice Dias, desembargadora do Tribunal de Justiça gaúcho, cujas eméritas decisões foram norteadoras para a edição da norma.
2. Dos alimentos gravídicos.
Os alimentos gravídicos estão conceituados no artigo 2º da Lei 11.804/08:
“Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.
Com isso poderá a gestante, em nome próprio, pleitear em favor do nascituro, valores suficientes para cobrir as despesas do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto. Nessas despesas estão incluídas as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes, a teor do que dispõe o artigo supra.
O legislador criou um rol não exaustivo de despesas, das quais poderá o suposto pai ter que arcar, em conjunto com a gestante, sendo respeitado sempre o binômio possibilidade x necessidade, assim como ocorre na lei de alimentos comum.
A parte final do artigo supra, frisa que o rol de despesas não é taxativo quando coloca a expressão ” além de outras que o juiz considere pertinentes”, demonstrando que caberá ao magistrado analisar o caso concreto e decidir quais as reais necessidades da gestante, para a partir daí fixar um valor plausível para o alimentante.
A Lei 11.804/08 surgiu para suprir uma lacuna legal, uma vez que, apesar do ordenamento jurídico nacional assegurar a proteção integral ao nascituro, não havia uma norma efetiva que a regulamentasse. É portanto a ferramenta de materialização do direito do nascituro a nascer com vida, sendo a norma disciplinadora que dará a gestante a caneta e o compasso para pleitear os subsídios de que necessita e tem direito seu nascituro.
2.1. Da fragilidade da lei de alimentos gravídicos
Apesar do esforço dos parlamentares em regulamentar uma situação de desamparo das gestantes e coibir a irresponsabilidade masculina, a Lei 11.804/08 é bastante frágil em uma série de aspectos. Para se ter uma idéia da atecnia legislativa, o projeto original da lei (PL 7376/2006) previa 12 artigos em seu texto original, dos quais 6 foram vetados. Ou seja, a lei nasceu deficiente, trazendo a baila uma série de controvérsias, cabendo aos juristas tentarem resolvê-las da maneira mais coerente possível.
Um dos pontos mais discutidos da lei nasce do artigo 6º, quando determina que o juiz, convencido da existência de indícios de paternidade, fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança.
Indícios, de acordo com De Plácido e Silva (2000. p. 68) “são circunstâncias que se mostram e se acumulam para a comprovação do fato, assim tido como verdadeiro”. Os indícios são fatos conhecidos a partir dos quais se demonstra um fato desconhecido. Com efeito, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias (art. 239 do Código de Processo Penal).
Condicionar o deferimento de alimentos gravídicos a comprovação de meros indícios, traz uma situação periclitante: condenar o pagamento àquele que não é o verdadeiro pai. A partir daí surgiriam duas questões intrigantes, segundo Luiz Gonzaga Pereira de Melo Filho (2010. p. 6):
“1) a responsabilidade civil pelos danos materiais e morais na hipótese de improcedência da ação; 2) a repetição do indébito quando, não obstante a concessão da liminar de alimentos provisionais, a ação, ao final, acaba sendo julgada improcedente, ou, ainda, a despeito da procedência, o devedor posteriormente propõe uma ação de exoneração de alimentos e comprova, mediante exame de DNA ou outras provas, a ausência do vínculo de paternidade.”
Em regra, os alimentos são irrepetíveis, ou seja, não são passíveis de restituição pois visam a sobrevivência da pessoa. Pela Lei 11.804/08, o réu que pagou indevidamente, estaria desemparado, uma vez que o artigo que previa a responsabilidade da gestante fora vetado:
“Art. 10. Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos.”
As razões do veto afirmam que tratou-se de norma intimidadora, pois criaria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação.
O veto presidencial, sem dúvida alguma, foi de muita eficácia, uma vez que afastaria as gestantes de provocar o judiciário. Seria irrazoável responsabilizar a autora objetivamente, ou seja, independentemente de culpa, se sua ação fosse ao final julgada improcedente.
Entretanto, outras formas de reaver o crédito gravídico-alimentício são defendidas timidamente pela doutrina, hipóteses que serão abordadas em linhas infra.
3. Da responsabilidade subjetiva da genitora
Mesmo com o veto do artigo que trata da responsabilidade objetiva da autora, persiste a responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela em que necessita ser demonstrada a culpa do agente para a caracterização da responsabilidade. Sendo assim, nas palavras Regina Beatriz Tavares da Silva (2008 {s.p}):
“Permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação. Note-se que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, daquele princípio pelo qual se a pensão for paga indevidamente não cabe exigir a sua devolução.”
Concordando em parte com a autora supra, também são valiosas as palavras de Flavio Monteiro de Barros (2009 {s.p}), que sustenta o cabimento da responsabilidade subjetiva da autora unicamente se existir dolo, e não culpa:
“A meu ver, somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização”.
A primeira corrente parece ser mais prudente, uma vez que a conduta culposa, também deverá ser coibida pelos magistrados. Para isso, interessante trazer o conceito de imprudência, uma das modalidades culposas, do autor Antônio de Jesus Trovão (2005. {s.p})
“Age de forma imprudente aquele que sabedor do grau de risco envolvido, mesmo assim acredita que seja possível a realização do ato sem prejuízo para qualquer um; age, assim, além da justa medida de prudência que o momento requer, excede os limites do bom senso e da justeza dos seus próprios atos.”
Dessa forma, a autora deverá ser responsabilzada subjetivamente tanto em relação à conduta culposa quanto à conduta dolosa, pois se trata de abuso de direito, que nada mais é do que o exercício irregular de um direito, e por força do artigo 927 do Código Civil se equipara ao ato ilícito, e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.
A prova dos danos materiais se fará com o demonstrativo de toda a quantia gasta indevidamente, se valendo para isso de descontos em folha, bloqueios judiciais, ou qualquer outro documento capaz de atestar o “quantum” despendido no pagamento dos alimentos gravídicos irregularmente impostos.
Cumulado com o pedido de indenização por danos materiais, plenamente cabível o pedido de danos morais, uma vez que a condenação daquele que não era pai, além gerar o encargo financeiro, indubitavelmente acarreta consigo um abalo ao psicológico do réu. Nesse sentido as palavras de Fábio Maioralli (2010. p. 5.):
“O dano moral é mais que caracterizado, pois somente a potencialidade de ter um filho já gera uma desestabilidade pelo fato de ao nascer, notoriamente as obrigações e o vínculo com a prole é personalíssima, intransmissível, mudando completamente o planejamento de vida do homem que supostamente seria o pai, mas não é.”
Para um melhor entendimento do instituto, mister se faz mencionar conceito de dano moral apresentado por Yussef Said Cahali, que trata:
“[…]como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.” (1998. p. 88)
Com isso, pode o suposto pai, condenado erroneamente a pagar alimentos em favor do nascituro que não era seu filho, pleitear também danos morais, uma vez que sua tranquilidade, paz de espírito, honra além de outros aspectos psicológicos, são totalmente abalados com uma acusação dessa jaez. Imagine por exemplo um pai de família, que é intimado para pagar alimentos gravídicos, sem na verdade nunca ter cometido qualquer ato nesse sentido. A célula familiar deste réu ficaria totalmente desestabilizada, e as consequências geradas poderiam ser irreparáveis.
A jurisprudência é absolutamente pacífica quanto a condenação em danos morais por ato ilícito, independentemente do pleito ter sido exclusivamente em relação aos danos psíquicos ou cumulados com qualquer outro:
“Ementa: Dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos entendimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização.” (STJ, Min. Barros Monteiro, T. 04, REsp 0008768, decisão 18/02/92, DJ 06/04/1998, p. 04499)
O pedido de indenização por dano moral e/ou material encontra guarita nos artigos 186 e 187 do Código Civil, que destacam:
“Artigo 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
O artigo 927 do mesmo diploma complementa o raciocínio elencado quando dispõe sobre o dever de indenizar daqueles que cometem ato ilícito, afirmando que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” A jurisprudência tem se manifestado favorável a concessão de indenização para aqueles que foram lesados moralmente pela falsa imputação de paternidade:
“A atitude da ré, sem dúvida alguma, constitui uma agressão à dignidade pessoal do autor, ofensa que constitui dano moral, que exige a compensação indenizatória pelo gravame sofrido. De fato, dano moral, como é sabido, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade, cujo conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa. Não se pode negar que a atitude da ré que difundiu, por motivos escusos, um estado de gravidez inexistente, provocou um agravo moral que requer reparação, com perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos do autor, alcançando, desta forma, os direitos da personalidade agasalhados nos inc. V e X do art. 5° da CF.” ( 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, apel. 272.221-112, 10.10.1996). (grifo nosso)
“Como foi bem reconhecido na sentença, grande foi o sofrimento do autor em se ver apontado como o pai do filho da ré. Não tivesse bastado o vexame decorrente do ajuizamento da ação de investigação de paternidade, o autor ainda foi recolhido ao cárcere por não ter pago as prestações alimentícias que a ré sabia, ou deveria presumir, que não eram por ele devidas (fls. 63 e verso). E é público e notório o caráter vergonhoso que isso tem, principalmente numa cidade pequena como aquela em que se deu o triste episódio. Assim, é evidente que o equivalente a dois salários mínimos não constitui suficiente para o justo ressarcimento do enorme dano causado ao autor.” (Tribunal de Justiça. Sétima Câmara de Direito Privado. Apelação 252.862-1/0. Relator: Desembargador Sousa Lima. Julgado 22/maio/1996).
Pautado nos artigos e jurisprudência supra, é incontestável o direito do réu da ação de alimentos gravídicos, condenado indevidamente, de pleitear uma indenização pelos danos psicológicos sofridos. Pensar de forma diferente seria coadunar-se com a conduta ilícita da gestante, que sairia impune mesmo depois de todo o transtorno moral causado ao suposto pai.
Não obstante os pedidos de danos morais e materiais há autores que entendem ser cabível também o pedido por litigância de má-fé, provando a conduta dolosa da autora. Nesse sentido as palavras de Douglas Phillips Freitas (2010. p 10)
“Porém, se confirmada, posteriormente, a negativa da paternidade, não se afasta esta possibilidade em determinados casos. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente.”
Isso porque o Código de Processo Civil, em seus artigos 16 a 18, preceitua que aquele que acionar o judiciário para conseguir um objetivo ilegal, será considerado litigante de má-fé. Com isso, a gestante que dolosamente aciona o judiciário, para imputar o pagamento ao réu que se sabe não é o verdadeiro pai, incorre em litigância de má-fé, e deve ser punida por isso.
Provando ainda que o verdadeiro pai estava em conluio com a gestante, ambos serão condenados na respectiva proporção de seus interesses na causa, inteligência do artigo 18, § 1° do mesmo diploma.
4. Da relativização da repetição do indébito.
Repetição do indébito constitui-se na cobrança de valores pagos quando estes não eram devidos, portanto a ação de repetição de indébito é a medida processual na qual se pleiteia a devolução de quantia paga indevidamente.
Esse instituto está evidenciado no artigo 876, primeira parte, do Código Civil, que elucida que “todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir”. (art. 876, Código Civil Novo, 1ª parte).
Em regra, os alimentos são irrepetíveis, ou seja, não são passíveis de restituição por se tratarem de prestação pecuniária que visa a sobrevivência da pessoa. Dessa forma, o bem jurídico vida estaria acima de qualquer outro posto em confronto. Leciona Carlos Roberto Gonçalves (2009. p 477) que a irrepetibilidade é característica dos alimentos, pois a obrigação de prestá-lós constitui matéria de ordem pública, e só nos casos legais pode ser afastada. Assim também leciona Pontes de Miranda afirmando que “os alimentos recebidos não se restituem, ainda que o alimentário venha a decair da ação na mesma instância, ou em grau de recurso […]”.
Os tribunais superiores se manifestam de em favor da irrepetibilidade dos alimentos:
“Previdenciário. Conversão do benefício em urv. Ação rescisória. Restituição de valores pagos. Impossibilidade. Natureza alimentar do benefício. Aplicação do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. precedentes. questão nova. Relator(a): Ministro FELIX FISCHER. Julgamento: 04/05/2005. Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA. Publicação: DJ 27.06.2005 p. 444.” (grifo nosso)
“Processual civil e previdenciário. prequestionamento. ausência. aplicação das Súmulas 282 e 356/stf. deficiência na fundamentação. impossibilidade da exata compreensão da controvérsia. aplicação da Súmula 284/stf. violação ao art. 535 do cpc. ausência. conclusão lógico sistemática do decisum. conversão de benefício em urv. ação rescisória. restituição dos valores pagos. inadmissibilidade. benefícios previdenciários. natureza alimentar. irrepetibilidade. precedentes. agravo desprovido. Relator(a): Ministro GILSON DIPP. Julgamento: 06/04/2005. Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA. Publicação: DJ 02.05.2005 p. 414” (grifo nosso)
No entanto devemos ter em mente que a regra da irrepetibilidade dos alimentos é utilizada tendo como base a Lei 5.478/68, a lei de alimentos comum, e não a lei de alimentos gravídicos. A diferença primordial entre as duas consiste no fato de que nos alimentos comuns, faz-se necessária a comprovação do parentesco entre o alimentando e o alimentante, o que dá uma maior segurança a esta relação, pois se sabe que aquele que está pagando possui um vínculo comprovado com aquele que se beneficia da prestação.
Em contrapartida, nos alimentos gravídicos a condenação advém de meros “indícios de paternidade”, não possuindo portanto uma segurança jurídica tão grande quanto a da Lei 5.478/68. Dessa forma, a repetibilidade dos alimentos deve sofrer uma flexibilização, em se tratando dos gravídicos, de modo que o pai condenado indevidamente possa ter resguardado seu direito para reaver a quantia paga.
Essa flexibilização é defendida por Carlos Roberto Gonçalves, que mesmo concordando com a irrepetibilidade dos alimentos, afirma que a regra não poderá ser absoluta:
“O princípio da irrepetibilidade não é, todavia, absoluto e encontra limites no dolo em sua obtenção, bem como na hipótese de erro no pagamento dos alimentos […] porque, em ambas as hipóteses, envolve um enriquecimento sem causa por parte do alimentado, que não se justifica”. (2009. p. 477)
Poucos sabem, mas a irrepetibilidade dos alimentos não é regra escrita do ordenamento jurídico, e sim uma construção doutrinária e jurisprudencial advinda do Direito Português, e que muitos tratam como princípio implícito.
Em interessante passagem, Marco Antônio Botto Muscari esclarece acerca do tema (2001. p. 23).
“Intrigado com afirmação corriqueira de que alimentos pagos são irrepetíveis, José Ignácio Botelho de Mesquita fez profunda pesquisa e concluiu que a origem do ensinamento é o Direito português antigo. Registra o eminente processualista:
´A ação de alimentos, a ação sumaríssima de alimentos era concedida às pessoas que provassem sua quase miserabilidade, porque a regra de que cada um deve prover o seu sustento era aplicada a ferro e fogo no antigo Direito português. Conseqüentemente, era inútil a pretensão à restituição. Daí decorre que só se poderia realmente pretender a restituição quando a pessoa viesse a dispor de recursos para essa restituição.
´Com isso pude alargar um pouco mais o conhecimento e verificar que havia normas nas Ordenações, a respeito da restituição dos alimentos que a mãe prestava aos filhos quando estes, por morte do pai, adquiriam uma condição melhor do que a dela. A partir daí voltei mais reconfortado para o exame do Direito atual e vejo com agrado, no trabalho de Moura Bittencourt sobre os alimentos, a afirmação de que deve ser interpretada relativamente esta regra de que os alimentos provisionais não se devolvem, mesmo que o autor decaia da ação. E cita um caso, julgado pelo TJSP, que está na RT, em que a mulher pleiteou alimentos provisionais para poder se sustentar durante a ação de desquite. Na partilha, os alimentos pagos foram descontados da sua meação o que é evidentemente uma forma de restituição.
´Quando for encontrada a afirmação de que os alimentos provisionais não se restituem quando o requerente decaiu da ação principal, ela tem que ser interpretada de caso para caso. É evidente que não se pode levar a reparação, no caso dos alimentos provisionais, a ponto de as pessoas pobres e sem recursos terem medo de enfrentar a ação, ou melhor, de requerer alimentos provisionais, com receio da volta para trás que esta situação poderia sofrer´ (Medidas cautelares no direito de família. Revista do Advogado, n. 6, p. 63-4).
“Creio que, se o requerente de alimentos provisionais obtiver liminar e amargar, mais tarde, decreto de improcedência da ação principal, será plenamente possível a repetição do que lhe foi pago.”
Portanto os alimentos não podem ser “irrepetíveis e ponto”, deve haver uma flexibilização sobre esse entendimento, analisando caso a caso, evitando que injustiças terríveis sejam deflagradas, pois não sendo dessa forma, a função da justiça de promover a paz social não seria alcançada.
Além de Carlos Roberto Gonçalves, Yussef Said Cahali também defende a relativização da irrepetibilidade dos alimentos, como se constata na passagem infra:
“Para Arnoldo Wald, admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentando utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los”. (2006, p. 107).
De acordo com esse entendimento, a ação para reaver a quantia paga através da repetição do indébito deve ser dirigida contra quem de direito deveria pagar, em outra palavras, ao verdadeiro pai. Todavia a própria gestante, tendo condições necessárias, poderá ser acionada para restituir os valores. Com isso as ações de alimentos gravídicos seriam ajuizadas de uma forma mais responsável e cautelosa.
A jurisprudência já se manifestou pela procedência da repetição do indébito em se tratando de alimentos comuns:
“ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los.” (SÃO PAULO, TJ, Apelação 248/25 Luiz Antonio de Godoy. 1ª Câmara de Direito Privado. 24/01/207).
Por ser uma lei bastante recente, não há precedentes na jurisprudência a respeito do pedido de restituição dos gravídicos através da repetição do indébito. As decisões existentes versam sobre a verba alimentar da Lei nº 5.478/68, e devem servir de parâmetro para futuras decisões acerca da restituição nos alimentos gravídicos.
A relativização da repetibilidade dos alimentos na Lei 11.804/08 é imprescindível, uma vez que as relações jurídicas devem ser norteadas pelo princípio constitucional da razoabilidade, e tornar essa regra inflexível, seria desafiar esse princípio. Em outros termos, a irrepetibilidade absoluta dos alimentos gravídicos seria uma verdadeira afronta à justiça e a pacificação das relações sociais.
5. Da ação “in rem verso”
Outra alternativa para o réu que pagou indevidamente alimentos gravídicos é a “ação in rem verso” dirigida contra o verdadeiro pai. Assim, nas palavras de Flávio Monteiro de Barros (2009 {s.p}):
“É, no entanto, cabível ação “in rem verso” contra o verdadeiro pai, desde que este tenha agido com dolo, silenciando intencionalmente sobre a paternidade, locupletando-se indiretamente com o pagamento dos alimentos feito por quem não era o genitor da criança.”
Segundo o doutrinador, a ação “in rem verso” apenas é cabível se o verdadeiro pai tenha agido com dolo, ou seja, sabendo da existência do nascituro, se omitiu ardilosamente para não pagar as prestações alimentícias. E mais, deixou que um terceiro inocente pagasse no seu lugar.
Data venia, a posição do doutrinador não parece ser a mais coerente, pois mesmo não tendo agido com dolo, deve o verdadeiro pai arcar com as prestações custeadas por quem não deveria ter sido, se valendo para isso do instituto do enriquecimento sem causa.
Para uma melhor noção sobre a ação “in rem verso”, mister as colocações do civilista Silvio de Salvo Venosa (2008. {s.p}):
“É freqüente que uma parte se enriqueça, isto é, tenha um aumento patrimonial, em detrimento de outra. Aliás, no campo dos contratos unilaterais é isso que precisamente ocorre. Contudo, como vemos, na maioria das vezes, esse aumento patrimonial, esse enriquecimento, provém de uma justa causa, de um ato jurídico válido, tal como uma doação, um legado. Todavia, pode ocorrer que esse enriquecimento, ora decantado, operese sem fundamento, sem causa jurídica, desprovido de conteúdo jurígeno, ou, para se aplicar a terminologia do direito tributário, sem fato gerador. Alguém efetua um pagamento de dívida inexistente, ou paga dívida a quem não é seu credor, ou constrói sobre o terreno de outrem. Tais situações, como vemos englobando o pagamento indevido, configuram um enriquecimento sem causa, injusto, imoral e, invariavelmente, contrário ao direito, ainda que somente sob aspecto da eqüidade ou dos princípios gerais de direito.Nas situações sob enfoque, é curial que ocorra um desequilíbrio patrimonial. Um patrimônio aumentou em detrimento de outro, sem base jurídica. A função primordial do direito é justamente manter o equilíbrio social, como fenômeno de adequação social.”
Também denominada de “actio de in rem verso” ou ação de enriquecimento sem causa, sua base jurídica está disposta no artigo 884 do Código Civil Brasileiro, dispondo que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à causa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
De acordo com Venosa “existe enriquecimento injusto sempre que houver uma vantagem de cunho econômico em detrimento de outrem, sem justa causa.” Dessa forma, se um terceiro inocente paga a prestação gravídico alimentícia no lugar daquele que de direito deveria fazer, este obteve vantagem de cunho econômico em detrimento daquele que pagou indevidamente, incorrendo portanto em enriquecimento injusto ou sem causa.
Deve ser entendido como “sem causa” o ato jurídico desprovido de razão albergada pela ordem jurídica. A causa poderá existir, mas, sendo injusta, estará configurado o locupletamento indevido.O enriquecimento pode emanar tanto de ato jurídico, como de negócio jurídico, e também como de ato de terceiro.
Ainda nas palavras de Sílvio Venosa, uma melhor explanação sobre a ação em debate:
“A ação “de in rem verso”, como é também denominada por tradição romanística essa ação, objetiva tão-só reequilibrar dois patrimônios, desequilibrados sem fundamento jurídico. Não diz respeito à noção de perdas e danos, de indenização de ato ilícito e, nem sempre, de contratos. Não há nem mesmo necessidade de um negócio jurídico prévio entre as partes.” (2008. {s.p})
Entende-se com isso que a “ação in rem verso” visa reequilibrar dois patrimônios desequilibrados sem fundamento jurídico, ou seja, o patrimônio do réu que pagou indevidamente, sem fundamento jurídico, deverá ser novamente equilibrado por aquele que deveria ter pago as prestações alimentícias, o verdadeiro pai.
O réu da ação de alimentos gravídicos que paga prestações alimentares sem um fundamento jurídico (nesse caso o parentesco), poderá acionar o verdadeiro devedor dos alimentos, uma vez que este, se beneficiou indevidamente dos custos arcados pelo réu, devendo restituir, atualizadamente, a quantia despendida no curso da ação de alimentos gravídicos.
Nesse caso específico, a ação não poderá ser dirigida contra a gestante, mas tão-somente contra o verdadeiro pai, uma vez que este era o real devedor da prestação alimentícia. A gestante sempre fora a credora dos gravídicos, pois carrega em si o nascituro, não se beneficiando indevidamente das quantias pagas, pois possuía um fundamento jurídico para recebê-las. Portanto, a pessoa que se beneficiou indevidamente dos valores pagos foi o verdadeiro pai, devendo este ser o único réu da ação “in rem verso”.
Há todavia uma ressalva em relação a ação em comento: seu caráter subsidiário. O Código Civil em seu artigo 884 dispõe que, em havendo outros meios para reaver o prejuízo sofrido, a ação de enriquecimento sem causa não poderá ser utilizada. Conforme a letra da lei “não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”
Desta feita, podendo o réu ser restituído através de ações indenizatórias ou ainda de repetição do indébito, como alhures citado, a ação “in rem verso” não poderá ser utilizada. A respeito dessa ressalva, se pronuncia Silvio Venosa (2008. {s.p}):
“É importante salientar que a ação de enriquecimento sem causa será sempre subsidiária, tanto nessa ação derivada de títulos de créditos, como nos casos de enriquecimento em geral, tal como está no artigo 886 do Código Civil, que estabelece que “não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo”. Desse modo, não caberá ação de locupletamento se for possível mover de cobrança baseada em contrato ou indenizatória por responsabilidade civil em geral. Torna-se possível com a prescrição dessas respectivas ações. A “actio in rem verso” não é uma ação de cobrança ou de indenização. A aplicação da teoria do enriquecimento injustificado pertence à teoria geral do direito.”
A ação de enriquecimento sem causa será utilizada, por exemplo, com a prescrição das ações indenizatórias ou de repetição do indébito, uma vez que seu prazo prescricional é de 3 (três) anos a partir do momento em que as outras ações não possam mais ser propostas.
O alcance dessa ação será exatamente a quantia paga nas prestações gravídicos alimentícia, de maneira atualizada, ou seja:
“a restituição que se almeja nessa ação deve ficar entre dois parâmetros: de um lado não pode ultrapassar o enriquecimento efetivo recebido pelo agente em detrimento do devedor; de outro, não pode ultrapassar o empobrecimento do outro agente, isto é, o montante em que o patrimônio sofreu diminuição.” (VENOSA, 2008 {s.p})
Do exposto, tem-se a a ação “in rem verso” como uma última ferramenta do réu da ação de alimentos gravídicos na tentativa de reaver o gasto que lhe fora imputado de maneira indevida. Após esgotadas as vias indenizatórias e de repetição do indébito, se torna a ação de enriquecimento sem causa a opção mais eficiente na restituição do seu crédito.
6. Da possibilidade de prestação de caução
Além das formas de recuperação do crédito gravídico alimentício apontadas em linhas supra, existe outra que, aliada ao processo principal, pode ajudar o magistrado no deslinde da questão. Não trata-se aqui de resgate total do quantum despendido, mas de ferramenta que, se possível de ser aplicada, será crucial para uma resolução menos gravosa do conflito de interesses.
Dessa forma, tratemos a respeito da estipulação de caução no “límine” da demanda, como forma de resguardar direitos do réu que possa estar sendo submetido injustamente ao pagamento dos alimentos.
Poderá o magistrado condicionar o pagamento de alimentos gravídicos ao oferecimento de caução idônea pela gestante. Deverá a autora garantir o juízo para poder receber qualquer tipo de subsídio do alimentante. Note-se que esta solução nem sempre será compatível com a situação econômica da acionante, porém, em sendo possível, poderá o juiz exigi-la. Esse é o entendimento do advogado Fábio Cenci (2009. p. 4):
“Alternativa existe na legislação processual para que o suposto pai, restando ao final do processo afastada a paternidade, possa, ao menos, ter chances reais de receber de volta os valores pagos indevidamente a mulher: basta o juiz condicionar o pagamento dos alimentos gravídicos ao oferecimento de caução por parte da autora do pedido judicial.”
Necessário para o oferecimento da caução que seja analisada a condição financeira da gestante, pois não é justo que esta deixe de receber as prestações por não ter condições de prestar uma garantia. Em contrapartida, não seria razoável para o réu que, possuindo a autora meios de prestar uma garantia, esta não a fizesse. Os dois interesses devem ser sopesados, de forma que o nascituro fosse resguardado, mas também o suposto pai que pode estar sendo vítima de uma falsa imputação de responsabilidade.
Em que pese os argumentos, a realidade brasileira mostra que a grande maioria das gestantes são pessoas de poucos recursos financeiros, o que inviabiliza a utilização dessa ferramenta pelo magistrado. No entanto, como explicitado, cada caso deve ser analisado de forma única, e possuindo a gestante os requisitos econômicos, nada obsta a prestação de caução.
Considerações finais
Fundamentada em preceitos constitucionais, civilistas e até em tratados internacionais, nasceu a Lei 11.408/08, a lei de alimentos gravídicos. Sua principal intenção é proteger integralmente o nascituro.
Para isso, criou mecanismos que possibilitam a gestante receber do suposto pai, subsídios financeiros para o custeio do período da gravidez até o parto. Todavia, atecnias legislativas comprometem a aplicação da lei, e causam celeumas jurídicas entre os operadores do Direito.
Uma delas é condenar o réu ao pagamento de parcelas alimentícias com base em “indícios de paternidade”, criando uma situação bastante embaraçosa, pois pode estar impondo o pagamento a um terceiro inocente, já que a paternidade é presumida, e não atestada cientificamente. Para piorar, o artigo que previa a responsabilidade objetiva da gestante pelos danos causados foi vetado, deixando o réu a mercê da própria sorte.
Diante das falhas, os juristas têm se esforçado para criar soluções que viabilizem a aplicação da norma, fazendo com que a lei de alimentos gravídicos não perca sua finalidade.
Poderá o réu injusamente condenado, utilizar-se do pleito indenizatório por dano material, provando a responsabilidade subjetiva da genitora. Para isso deverá demonstrar a culpa ou dolo com que agiu a gestante, juntamente com os gastos que lhes foram imputados indevidamente, instruindo sua petição inicial com estes documentos, e requerendo sua restituição.Nada obsta de ser cumulado com a ação, o pedido de danos morais, cabendo ao autor provar os abalos psicoólogicos que tenha suportado.
D’outra banca, o réu poderá se utilizar do pedido de repetição do indébito, provando o pagamento indevido. Algumas dificuldades podem ser encontradas em função da irrepetibilidade dos alimentos, porém nada obsta sua utilização como ferramenta processual.
Por fim, estando prescritas as possibilidades anteriores, deverá o réu acionar o verdadeiro pai através da “ação in rem verso”, com base nos ensinamentos civilistas do enriquecimento sem causa. Essa ação será portanto, subsidiária em relação as demais.
Ademais, nada obsta ao magistrado que exija a prestação de caução idênea pela gestante, desde que essa tenha condições, garantindo assim que ao final da demanda, o réu indevidamente compelido a pagar, tenha seu crédito garantido.
Com esse intuito, buscou o presente trabalho sanar a lacuna legislativa que trata da responsabilidade da gestante caso esta acione um terceiro inocente, e as ferramentas que este possui para reaver o crédito pago indevidamente.
Advogado, Pós-graduando em Direito Eleitoral pela Fundacem/Unibahia. Pós-graduando em Gestão Pública Municipal pela UNEB.
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