O presente trabalho tem como objeto de estudo a responsabilidade do Estado por ato judicial, especificamente danos decorridos da concessão indevida da tutela antecipada. Observa-se, analisando a evolução histórica sobre esse tema, que no principio vigorava a teoria da irresponsabilidade, mas com o passar dos anos foi perdendo espaço cedendo seu lugar à teoria da responsabilidade objetiva adotada pela Constituição de 1988. Mostra-se o entendimento jurisprudencial, em se tratando de dano decorrente de ato judicial, contrário no que diz respeito ao reconhecimento da responsabilidade por parte do Estado, apesar da doutrina majoritária reconhecer sua existência. Apresenta-se a tutela antecipada como um ato judicial que requer certos cuidados para a sua concessão, devido à sua imediata efetividade; concedida erroneamente provoca danos, e esses prejuízos devem ser ressarcidos pelo Estado, tendo em vista que o dano foi ocasionado por um agente público, o magistrado, no exercício de sua função. Conclui-se, portanto, que o Estado é responsável por danos decorrentes de atos judiciais, principalmente quando o prejuízo advém de uma concessão errônea de antecipação de tutela.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO; 1.1 Breve evolução; 1.2 A responsabilidade do Estado na Constituição de 1988; 2 ATO JUDICIAL; 2.1 A função jurisdicional; 2.2 O ato judicial – tutela antecipada; 2.3 Erro judicial; 3 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ERRO JUDICIAL; 3.1 Teoria da responsabilidade objetiva do Estado por erro judicial; 3.2 Responsabilidade do magistrado; CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
As teorias acerca da responsabilidade civil sofreram notória evolução jurídica. Em se tratando de Responsabilidade Civil do Estado, há grandes controvérsias e incertezas na ciência jurídica, fazendo com que doutrina e jurisprudência não consigam consagrar um entendimento pacífico, principalmente quando o prejuízo decorre de erro judicial.
Nos primórdios, imperava a teoria da irresponsabilidade estatal devido ao pensamento absolutista da época, pois o rei era considerado uma divindade e nada poderia atingi-lo. Não se concebia direitos contra o Estado.
Com o tempo, esse pensamento foi perdendo espaço. Surge, então, a teoria da responsabilidade do Estado, hoje já consagrada universalmente, inclusive na Constituição brasileira vigente.
Entretanto, quando se trata de erro advindo da atividade jurisdicional, não existe um entendimento pacífico. A presente monografia busca respostas para alguns questionamentos, principalmente se o Estado deve ser responsabilizado por danos causados em razão de ato judicial, e, se possuindo responsabilidade, poderia cobrar regressivamente do agente causador do dano.
Apesar de bastante comentado pela doutrina, o assunto ainda não é bem aceito em nosso ordenamento jurídico. A responsabilidade do magistrado é indiscutível, porém não significa que o Estado ficará isento se o causador do dano for um juiz. A presente pesquisa busca esse entendimento de suma importância para a sociedade, pois visa priorizar a justiça social e o bem comum.
Outro aspecto bastante relevante é entender que, sendo o Estado responsável, este tem o dever de cobrar regressivamente do seu agente causador do dano os prejuízos arcados por seu ato. O Estado não pode dispor desse direito, obrigatoriamente terá que exercê-lo.
A doutrina é majoritária no sentido de reconhecer a responsabilidade estatal por erro judicial, entretanto, a jurisprudência não possui o mesmo pensamento, principalmente o Supremo Tribunal Federal que defende a tese da irresponsabilidade estatal para danos decorrentes de atos judiciais.
Os objetivos desse trabalho são examinar a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de atos judiciais e sua aceitação no direito brasileiro. Busca-se, também, verificar as possibilidades em que pode ocorrer reparação, e, principalmente a existência da ação regressiva.
O primeiro capítulo aborda a evolução histórica e o tratamento constitucional dado à responsabilidade civil do Estado. No segundo, discute-se a função jurisdicional procurando explicar sua existência e aplicabilidade. Comenta-se, ainda, sobre o ato judicial, especificamente a antecipação de tutela e, o erro judicial, observando sua ocorrência e conseqüências. Por fim, o terceiro capítulo trata da responsabilidade civil do Estado por ato judicial e a responsabilidade do magistrado, mencionando também a ação regressiva.
A metodologia utilizada foi um estudo descritivo analítico, desenvolvido por pesquisa bibliográfica, com consultas a livros, artigos, revistas especializadas, decisões de tribunais, entre outros, que trataram do tema.
Trata-se de uma pesquisa pura, com a finalidade de aumentar os conhecimentos sobre o tema, qualitativa, dando uma maior abrangência e aprofundamento ao assunto, analisando as ações e relações humanas. E, por fim, descritiva, tendo em vista que descreveu como o tema é tratado na sociedade, exploratória, buscando maiores informações e hipóteses de melhor tratar o assunto na sociedade atual.
Explicar a existência da responsabilidade civil do Estado por ato judicial, decorrente, principalmente, de uma concessão errônea de tutela antecipada é a grande finalidade dessa pesquisa, que, antes de qualquer coisa, parte do pressuposto da existência de justiça social com igualdade para todos.
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A Responsabilidade Civil do Estado é um assunto bastante discutido entre a doutrina e a jurisprudência, visto que traduz muitas controvérsias. Os doutrinadores são unânimes em reconhecer a existência da responsabilidade estatal. O entendimento jurisprudencial não reconhece com unanimidade a responsabilidade do Estado, principalmente quando advém de dano provocado por ato judicial.
A tendência das decisões judiciais é no sentido de reconhecer a responsabilidade estatal quando se fala em danos provocados por seus agentes, mesmo que seja no âmbito judicial. Esse capítulo tece alguns comentários gerais sobre a responsabilidade estatal.
1.1 Breve evolução histórica
Nos primórdios, não se cogitava a existência de responsabilidade do Estado, pois não se podia conceber tal fato, ante ao absolutismo que era dominante na época. Mantendo uma posição soberana e inatingível, o Poder Público era sempre “irresponsável” diante dos atos de seus agentes. Os direitos individuais dos cidadãos jamais prevaleceriam em detrimento do Estado-Administração.
A teoria da irresponsabilidade vigorava, visto que o Estado era administrado por monarcas absolutos, considerados infalíveis, seguindo a regra inglesa da infalibilidade real the king can do no wrong, como bem observa Maria Sylvia Zanella di Pietro[1]:
A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na idéia de soberania: O Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong; lê roi ne peut mal faire) e do que ‘aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei’ (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania.
A teoria, segundo Yussef Said Cahali[2], tinha como base três fundamentos: primeiro, era que o Estado, sendo soberano, não podia se igualar a seus administrados; segundo, o Direito organizado representa o Estado, sendo assim este não pode violar o mesmo Direito; e, por fim, como o Estado é superior aos seus administrados e representa o Direito organizado, os atos de seus, agentes que violem o Direito, devem ser respondidos pelos próprios funcionários estatais.
No Brasil, a doutrina afirma que jamais foi posto em dúvida a existência da responsabilidade do Estado, mesmo não havendo normas legais expressas. Amaro Cavalcanti, em 1905, já preconizava esse entendimento, conforme afirma o autor acima mencionado[3].
Mesmo o Estado sendo irresponsável, entretanto, existia a responsabilidade pessoal do agente público, tendo em vista que servidor e Estado eram pessoas distintas, portanto, os atos do primeiro não obrigavam em nada o segundo, como preconizava as Constituições de 1824 e 1891, porém, em alguns casos, a jurisprudência brasileira já considerava solidária a responsabilidade do Estado com a dos funcionários.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 15, foi o primeiro texto legal brasileiro a reconhecer a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público, apesar de, na época, o Estado ser regido pela Constituição de 1891 que pregava a responsabilidade pessoal do funcionário público. Preconiza o referido artigo[4]:
Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.
Surge, então, a teoria civilista da responsabilidade civil do Estado, que classificava a ação estatal em atos de gestão e atos de império. No primeiro caso, se o Estado agisse como ente privado na gestão de seu patrimônio e dessa atitude resultassem danos a terceiros, havendo culpa ou dolo de seus agentes, sujeitar-se-ia à reparação do dano. Quando o Poder Público, todavia, procedesse no exercício de sua soberania, praticando atos em virtude do seu império, havendo danos a terceiros resultantes da prática desses atos, o Estado não teria o dever de indenizar. Cretella Júnior[5] expõe sobre o assunto:
Domina a teoria civilista que possibilita a reclamação perante a fazenda pública por danos causados sempre que se tratasse dos atos de gestão. Na prática os atos de gestão, como se sabe, o Estado age do mesmo modo que o particular na administração de seus bens, diferindo, sob esses aspectos, dos denominados atos de império, nos quais o Estado age como síntese dos poderes soberanos.
Não há motivo para indenizar o dano proveniente do denominado ato de gestão e deixar ao desabrigo da proteção judicial o dano proveniente do ato de império, porque a quem experimenta o dano pouco importa a natureza do ato. O que interessa é o prejuízo real sofrido e se o dano é proveniente do Estado, cabe a este a indenização.
Essa teoria não vigorou, pois trazia dificuldades para a sua aplicação, começando por definir o que seria atos de gestão e atos de império. Os doutrinadores, na busca de definir a responsabilidade do Estado, sistematizaram três teses, a teoria da culpa administrativa, teoria do acidente administrativo e a teoria do risco integral[6]:
Pela teoria da culpa administrativa ou culpa do serviço público que ab initio repele qualquer distinção entre os atos de gestão e os de império para que haja a responsabilidade do Estado é preciso que haja culpa do funcionário, culpa que pode ser ou in eligendo ou in vigilando. Provado, porém, não haver culpa, ficava o Estado isento da obrigação de indenizar.
Pela teoria do acidente administrativo, cuja estruturação se deve à função pretoriana do conselho de Estado francês, a administração é responsável sempre que o mau funcionamento do serviço público ocasione danos aos administrados.
Pela teoria do risco integral, é indiferente que tenha havido culpa ou acidente, interessado apenas saber se há vinculo causal entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. Se há prejuízo, o dano será reparado, não interessando se se trata de ato de império ou de gestão, se houve culpa, acidente ou qualquer outra explicação tendente a irresponsabilizar o Estado.
O primeiro texto constitucional a prever a responsabilidade do Estado foi a Constituição de 1934, em seu artigo 171, mesmo que solidária, em casos de negligência, omissão ou abuso no exercício do cargo, dizia o texto. Seguindo a mesma égide, a Constituição de 1937, em seu artigo 158, previa o litisconsórcio necessário e a possibilidade de ação regressiva contra o agente público. Os textos constitucionais acima mencionados diziam[7]:
Constituição Federal de 1934, art. 171. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.
§ 1º – Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.
§ 2º – Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário público.
Constituição Federal de 1937, art. 158. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.
A Carta Política de 1946 consagrou a teoria do risco integral, também chamada responsabilidade objetiva. A Constituição de 1967 confirmou o mesmo pensamento de sua antecessora, porém abrangeu um pouco mais a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público. Eram assim escritos[8]:
Constituição Federal de 1946, art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.
Constituição Federal de 1967, art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único – Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos caso de culpa ou dolo.
Por fim, a nossa atual Carta Magna, promulgada em 1988, acentuou ainda mais essa abrangência, estendendo a responsabilidade às pessoas jurídicas de direito privado e prestadoras de serviços públicos, citando em seu artigo 37, § 6o, a seguinte redação[9]: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
1.2 A Responsabilidade do Estado na Constituição de 1988
As Constituições de 1824, 1891, 1934 e 1937 fixavam a responsabilidade nos agentes públicos, ou seja, subjetivamente. O Estado não era responsabilizado, mas, sim, o funcionário público que praticou o dano.
Com a Carta Política de 1946, a responsabilidade começou a ser fixada em “pessoas de direito público”. Acompanhando essa corrente vieram as Constituições de 1967 e 1969, usando o mesmo pensamento, mas dando uma maior abrangência às pessoas que seriam responsabilizadas. Eis que surge a teoria objetiva, na qual somente precisaria se provar o nexo causal para cobrar a responsabilização, não necessitando provar a culpa.
A Constituição de 1988 seguiu a mesma linha de pensamento de sua anterior, porém estendeu a responsabilidade às pessoas jurídicas de direito privado. Apesar de haver conflitos entre os doutrinadores sobre a que tipo de tese, dentro da responsabilidade objetiva, aplica-se o artigo 37, § 6º, da mencionada Carta Magna, sensata é a corrente que o insere na teoria do risco integral.
Hely Lopes Meirelles não concorda com tal pensamento, definindo a teoria do risco integral como extremada e radical, não podendo ser aceita em nosso ordenamento. Continuando, cita, ainda, que[10] “por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima”. O mencionado autor defende a tese do risco administrativo.
O artigo 37, § 6º, da nossa Constituição estabelece o direito de regresso, portanto, a tese do risco integral não é radical quando prevê a possibilidade do Estado ser ressarcido pelo agente causador do dano, por meio de uma ação regressiva. Seguindo este entendimento, Pedro Lessa, citado por Cretella Júnior, escreveu o seguinte[11]:
Nem se objete que, adotado esse sistema, desaparece em grande parte o estímulo dos funcionários públicos no desempenho de suas obrigações: tudo se concilia, pagando o Estado a indenização do dano, punindo os agentes que tiveram procedido culposamente e condenando-os por seu turno à reparação devida ao Estado. Não procede, tampouco, o argumento dos que lembram a probabilidade de crescer demasiadamente esta nova fonte de despesas para o Estado.
O que importa ter em mente é que para haver condenação é necessário que o autor prove que de fato se deu a lesão de um direito, que essa lesão acarretou dano certo, e não apenas eventual, presente, e não futuro; finalmente, que, entre a prestação ou desempenho do serviço público, o ato ou omissão do serviço público que ocasionou o dano, e este, se verificou relação direta de causalidade, laço direto de causa e efeito.
O impasse entre a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral é fato. Ainda não existe unanimidade por parte da doutrina. Segundo Cretella Júnior[12], “o direito brasileiro caminha no sentido da aceitação da teoria do risco integral”, complementando, expõe:
Não temos dúvida em sustentar que, não obstante algumas vozes em contrário, o direito administrativo brasileiro caminha no sentido da aceitação da teoria do risco integral, há muito defendida por Pedro Lessa e exposta com grande clareza por Mário Masagão, aquele, Ministro do Supremo Tribunal Federal, este, constituinte de 1946.
Excetuando-se os casos típicos de exclusão do Estado, diante de certas e determinadas causas – causas que desvinculam o poder público de quaisquer obrigações indenizatórias, como por exemplo, a força maior, o caso fortuito, a culpa da vítima, a culpa de terceiros, o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal -, a responsabilidade civil do Estado, em face de nosso direito positivo e da inclinação de eminentes julgadores de nossos tribunais (RF, 220: 18, citando a RT, 147; 330; 334; 335) é fundamentada na teoria do risco administrativo integral.
Embora, no próprio Supremo Tribunal Federal, se tenha proclamado que a tese do risco administrativo é avançada (voto do Min. Vilas Boas, RF, 220:106), por pressupor responsabilidade sem restrições, ampla, no caso da morosidade judiciária, a verdade é que ilustres julgadores aceitam a teoria do risco integral até em hipóteses de responsabilidade do Estado por atos judiciais.
Odete Medauar, em síntese sobre a responsabilidade objetiva do Estado, busca esclarecer os princípios que respaldam essa tese. Acredita a autora que o fundamento encontra-se no “próprio sentido de justiça e igualdade de todos ante os ônus e encargos da Administração”[13]:
Alguns princípios respaldam a concepção da responsabilidade objetiva do Estado. Em primeiro lugar, o próprio sentido de justiça (equidade), o neminen laedere, o alterum non laedere, que permeia o Direito e a própria vida, em virtude do qual o causador de prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. No caso da Administração, a multiplicidade e amplitude de suas atividades e as sua prerrogativas de poder, ensejam risco maior de danos a terceiros. Por outro lado, nem sempre é possível identificar o agente causador, nem sempre é possível demonstrar seu dolo ou culpa. Melhor se assegura os direitos da vítima ante o tratamento objetivo da responsabilidade da Administração.
Em segundo lugar, o preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos da Administração, também denominado ‘solidariedade social’. Se, em tese, todos se beneficiam das atividades da Administração, todos (representados pelo Estado) devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam a alguns. (Grifos e aspas do original).
Portanto, o artigo 37, §6º, da Constituição de 1988 reza que a Responsabilidade Civil do Estado é objetiva, seguindo a tese da teoria do risco integral, ainda não totalmente consolidada pela doutrina, mas por parte dela é considerada a que melhor estabelece a justiça social.
2 ATO JUDICIAL
O ato judicial é aquele emanado pelo Poder Judiciário, executado pelo agente da jurisdição. Pode ser classificado como despacho de mero expediente, decisão interlocutória e sentença. As decisões interlocutórias geralmente são medidas liminares expedidas por meio de procedimentos cautelares ou mesmo de tutela antecipada.
O procedimento judicial abordado com abrangência nesse capítulo será a tutela antecipada. E, principalmente, de quem será a responsabilidade no caso de uma concessão errônea dessa medida. Por ter um caráter de urgência, requer alguns cuidados para que possa ser concedida, pois seus efeitos são imediatos e muitas vezes irreversíveis.
Abordando o ato judicial, surge a necessidade de conhecer a função jurisdicional. Alguns comentários serão tecidos sobre o assunto, principalmente a relação existente entre o Estado e a função jurisdicional.
2.1 A função jurisdicional
O principio da separação de poderes é de longe conhecido, tendo sido iniciado por Aristóteles, Jonh Loke e depois por Montesquieu. Este distinguia três formas de poderes em cada Estado: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. A cada um correspondiam funções, como bem observa Paulo Bonavides[14]:
Distingue Montesquieu em cada Estado três sortes de poderes: o poder legislativo, o poder executivo (poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, segundo sua terminologia e o poder judiciário (poder executivo das coisas que dependem do direito civil).
A cada um desses poderes correspondem, segundo o pensador francês, determinadas funções.
Essa teoria rígida de separação dos poderes, entretanto, foi perdendo forças ante ao Estado moderno, servindo apenas para explicar as diferentes funções de cada órgão que compõem o poder estatal, não significando que tais misteres fossem executados como preconizava Montesquieu. Afirma o autor supra mencionado[15]:
Numa idade em que o povo organizado se fez o único e verdadeiro poder e o Estado contraiu na ordem social responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu, não há lugar para um princípio rigoroso de separação.
O principio vale unicamente por técnica distributiva de funções distintas entre órgãos relativamente separados, nunca porém valerá em termos de incomunicabilidade, antes sim de íntima cooperação, harmonia e equilíbrio, sem nenhuma linha que marque separação absoluta ou intransponível.
Seguindo esse parâmetro, o Estado brasileiro buscou desenvolver e equilibrar a vida em sociedade, estabelecendo dentro de uma estrutura constitucional moderna um único poder composto de três funções: executiva, legislativa e jurisdicional. Essas funções seriam exercidas por três órgãos: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Harmônicos e independentes entre si, são considerados poderes estatais, mas ressaltando que o Poder do Estado é soberano, uno, eles apenas vão executar o que rege a Carta Política, a qual exprime a vontade coletiva. A Constituição de 1988 não prega uma separação total dos poderes, explica o campo de atuação de cada um, mas não evita que excepcionalmente um pratique atos do outro, ou o contrário. O que está explicado no texto constitucional é que todos possuem atribuições distintas entre si.
A função jurisdicional exercida pelo Judiciário é executada quando existe conflito acerca da realização do direito, ou seja, quando a ordem jurídica normal do Estado é obstacularizada. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco dizem[16]:
dizer que a jurisdição é ao mesmo tempo poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que lhe compete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal).
A função jurisdicional possui o intuito de regularizar o funcionamento do ordenamento jurídico, fazendo com que a Lei possa ser obedecida e cumprida, normalizando a vida em sociedade. Busca-se uma justa composição do conflito. Impede-se a autotutela dos interesses individuais, ou seja, impossibilita-se fazer justiça com “as próprias mãos”.
Avaliando algumas características da jurisdição, pode-se observar, dentre as mais importantes, que é inerte, pois só age mediante provocação do interessado, busca a realização do Direito, é indeclinável, tendo que ser exercida por um juiz natural investido e competente para solucionar a lide e produz coisa julgada.
Apreciando o artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna tem-se que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. De acordo com esse artigo, a função jurisdicional deve ser exercida exclusivamente pelo Poder Judiciário. Maria Sylvia Zanella di Pietro[17] esclarece sobre o assunto:
O direito brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, pelo qual o Poder Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional, ou seja, do poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou ameaça de lesão a direitos individuais e coletivos. Afastou, portanto, o sistema da dualidade de jurisdição em que, paralelamente ao Poder Judiciário, existem os órgãos do Contencioso Administrativo que exercem, como aquele, função jurisdicional sobre lides que a Administração Pública seja interessada.
O fundamento Constitucional do sistema da unidade de jurisdição é o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Qualquer que seja o autor da lesão, mesmo o poder público, poderá o prejudicado ir às vias judiciais.
A função jurisdicional é de suma importância para a sociedade, tendo em vista a segurança jurídica que proporciona e, também, trazendo a possibilidade do cidadão demandar até contra o próprio Estado.
Vale salientar que a função jurisdicional não se confunde com a atividade judicial, tendo em vista que a última é gênero em relação à primeira que é espécie. O juiz é o órgão do Poder Judiciário responsável pela efetivação dessa função, a ele são dados poderes que o possibilitam de pôr em prática o que se busca com a função jurisdicional.
Importante papel desempenha o magistrado no procedimento de realização da função jurisdicional, haja vista que ele ocupa um lugar de grande significância na relação conflitante. Ficando acima das partes, deve-se manter imparcial, buscando sempre um julgamento justo, dentro dos preceitos legais.
Segundo a doutrina, a jurisdição divide-se em duas espécies: voluntária e contenciosa. Uma distinção clássica, porém superficial, entre as duas explica que na jurisdição voluntária não há conflito, enquanto que na contenciosa existe uma lide.
Importante pressuposto para diferenciar as espécies de jurisdição é definir a tutela jurisdicional a que se pretende alcançar. Com relação à contenciosa, ela vem garantir a existência de um direito subjetivo de uma das partes do litígio. Daí pode ser observado que há a presença de partes, em pólos diferentes da lide, possibilita o contraditório, pois existem interesses contrários e, por fim, obriga-se a tomar uma decisão definitivamente sobre o que está sendo discutido. Portanto, produz-se coisa julgada.
Quando o interesse a ser tutelado é único, ou seja, o que se busca é uma melhor solução para ele, está se falando em jurisdição voluntária. Caracteriza-se pela existência de interessados (e não de partes como na contenciosa), pois nesse caso não se fala em conflito de interesses. Não há a necessidade de contraditório e não se produz coisa julgada material.
Outra característica peculiar é a de que o magistrado não se obriga ao critério da legalidade estrita, como por exemplo, a guarda de um menor, que, apesar de a lei estabelecer critérios, muitas vezes a realidade é bem diferente, e o juiz terá que pesar e decidir o que for melhor para o envolvido.
A doutrina tem discutido bastante sobre a natureza da jurisdição voluntária. Existem duas teorias: a) a clássica ou administrativa, pregando que não é voluntária porque existe a intervenção do juiz, acredita ser necessária e, que não é jurisdição e, sim, administração pública de interesses privados, porque os direitos tutelados são essencialmente privados.
Baseia-se no art. 1.109, do Código de Processo Civil, que diz “O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”. Acredita essa teoria que não existe processo, mas um procedimento; não há partes, mas interessados, não produzindo coisa julgada material.
b) A teoria revisionista ou jurisdicionalista vê o procedimento de jurisdição voluntária como uma maneira diferente para a realização do direito. O fato de o juiz não se ater à legalidade estrita não significa dizer que ele pode fazer o que bem entende. Ele terá, dentro dessa “liberdade”, que tomar sua decisão para melhor solucionar a situação, mas sem fugir totalmente do respaldo legal.
Portanto, se a tutela jurisdicional é exclusiva e obrigatória do Estado, pois o mesmo veda o exercício da justiça aos particulares, e é necessária e indispensável para a coletividade, pois é por meio dela que se pode exigir o cumprimento de direitos, não há dúvidas, que o exercício de tal mister constitucional gera responsabilidade para o Estado.
A professora Carmem Lúcia Antunes Rocha[18] acrescenta que “o direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, outra, dever do Estado”.
José Silva Pacheco esclarece ainda que[19]: “tendo sido usada a expressão serviço público, há que concebê-la como gênero, de que o serviço administrativo seria mera espécie, compreendendo a atividade ou função jurisdicional e também a legislativa, e não somente a administrativa do Poder Executivo”.
Sendo a função jurisdicional uma função estatal, cabe ao Estado velar pelo bom funcionamento desse serviço, respondendo pelos prejuízos que esse cause a terceiros. Cretella Júnior[20] expõe:
Não há razão que justifique excluir, como exceção, a espécie serviço público judiciário do gênero serviço público geral. A responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público, porque o ato judicial é antes de tudo, ato jurídico público, ato de pessoa que exerce serviço público judiciário.
Fica demonstrado dessa forma que a função jurisdicional que advém do Estado, por intermédio de seus órgãos, também é responsável pelos danos que ela cause a terceiros, caracterizando assim a responsabilidade do Estado resultante do ato jurisdicional. Ressalte-se que a matéria ainda não é pacífica na jurisprudência.
2.2 O ato judicial – tutela antecipada
Há função jurisdicional, pelos atos executados por um agente, o juiz. Tais atos são denominados atos jurisdicionais. Atendo-se aos procedimentos adotados no curso de um processo, quando na tentativa de resolver o conflito ali aparente, o magistrado pode dispor dos seguintes atos: despachos, decisões interlocutórias e sentenças.
Os despachos de mero expediente, como são conhecidos na esfera jurídica, são responsáveis pelo andamento formal do processo. Seguindo a ritualística imposta pelo Código de Processo Civil, eles não resolvem nenhuma questão dentro do processo, servem apenas para que a lide possa seguir o devido processo legal.
A sentença é o ato responsável pelo fim do processo. Pode ser de mérito, ou não. Por meio dela, o Estado entrega a prestação jurisdicional que estava sendo buscada pelos litigantes, sendo declarado a quem cabia o direito pretendido, ou mesmo se a pretensão era cabível.
E, por fim, a decisão interlocutória usada pelo juiz com a finalidade de solucionar alguma questão incidental dentro do processo, ou mesmo, emergencial, no caso de medidas liminares que buscam uma efetividade imediata para uma das partes em litígio, pode-se citar como exemplo a tutela antecipada, prevista no Código de Processo Civil, em seu artigo 273, por força da Lei 8.952/94, responsável por sua introdução no ordenamento jurídico pátrio, que será o ato judicial enfocado no presente trabalho.
A tutela antecipada é responsável por uma grande revolução na ritualística processual, como também por grandes problemas quando concedida indevidamente. Não deve ser confundida com a medida cautelar, como bem pode ser explicado pela professora Ednéa Teixeira Magalhães[21], quando diz:
A tutela antecipada, art. 273, CPC, será concedida sempre a requerimento da parte, o que não ocorre com a medida cautelar, onde o juiz poderá deferir de ofício, desde que necessário para garantir a efetividade do direito das partes.
Na cautelar é necessário apenas a existência da fumaça do bom direito e o perigo da demora.
Na tutela antecipada há necessidade de prova inequívoca do alegado, bem como o perigo da demora ou prova de má-fé do réu e que o juiz se convença d verossimilhança. Entendo-se por prova inequívoca aquela mais evidente do que a fumaça do bom direito na cautelar, e menos do que o direito líquido certo no mandado de segurança. Necessário também que seja documental ou pré-constituída. Que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. A tutela antecipada também será concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parte deles, forem incontroversos. Não se concederá a tutela se houver perigo de irreversibilidade. Realmente o pedido sempre pode ser reversível vez que é provisório e revogável, o que pode ser irreversível são os efeitos advindos da execução da tutela antecipada, o que não deve configurar empecilho para a concessão da medida pois a parte contrária será sempre indenizada por eventuais prejuízos causados.
Este instituto sendo aplicado com a devida responsabilidade, observando seus requisitos e o caso que requer tal medida, traz a celeridade e a efetividade processual tão buscada por todos que vão ao Judiciário reclamar seus direitos. Com efeito, o Poder Judiciário obtém respeito e credibilidade. Pode-se conceituar[22]:
É a antecipação, feita pelo juiz, a requerimento da parte, dos efeitos da tutela, total ou parcialmente, pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação. Também é necessário que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. Quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, não se concederá a antecipação da tutela. Esta poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. Veja art. 273 e parágrafos do Código de Processo Civil.
Os requisitos essenciais para a concessão da tutela antecipada são: a) requerimento da parte, visto que não pode ser concedida de ofício; b) prova inequívoca, em geral documental, ajuda o magistrado a convencer-se de que o pedido é verossímil; c) verossimilhança da alegação, o juiz tem que possuir uma relativa certeza de que os fatos alegados são verdadeiros.
José Eduardo Carreira Alvim[23] ensina o sentido da expressão verossimilhança, que será possível formar e encontrar “um juízo equivalente ao de aparência de verdade, e não deixará de estar certo, porque, do vernáculo, verossimilhança é o mesmo que verossímil (do latim verossimile), que significa à verdade; que tem a aparência de verdade”.
Deve ser observado o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação descrito no inciso I, do artigo 273 do Código de Processo Civil. A prestação jurisdicional buscada com a tutela antecipada não pode trazer vantagens para uma das partes, em detrimento da outra, de maneira irremediável. Deve visar o prejuízo que causará caso não seja concedida. Cândido Rangel Dinamarco assevera que[24]:
A técnica engendrada pelo novo art. 273 consiste em oferecer rapidamente a quem veio ao processo pedir determinada solução para situação que descreve, precisamente aquela situação que ele veio ao processo pedir. Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro. A medida antecipatória conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor.
No inciso II do mencionado artigo, vê-se que outro aspecto bastante importante a ser observado em caso de concessão da medida é o de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Caso o magistrado perceba que a medida servirá apenas para que a parte exorbite seu direito de contestar a ação, ou retarde o andamento processual, ela não deverá ser concedida.
Pode ser concedida inaudita altera pars, sem ouvir a parte contrária, mas não há uma unanimidade na doutrina sobre essa possibilidade. Por seu turno, a jurisprudência é pacífica sobre o assunto. Nelson Nery[25] acredita que pode ser concedida sem a oitiva prévia da parte contrária:
A liminar pode ser concedida com ou sem a ouvida da parte contrária. Quando a citação do réu puder tornar ineficaz a medida, ou também quando a urgência indicar a necessidade de concessão imediata da tutela, o juiz poderá faze-lo inaudita altera pars, que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente ao contraditório, que fica diferido para momento posterior do procedimento.
J. J. Calmon de Passos acredita que a tutela possa ser antecipada a qualquer momento, “desde que satisfeitos os pressupostos para ela previstos”. Segundo ele, não ficou claro em qual momento o pedido tutelar antecipatório deva ser formulado[26]:
Não ficou claro, entretanto, qual o momento em que deve o autor formular seu pedido de antecipação da tutela e se, ultrapassado ele, haverá preclusão. Acreditamos tenha sido o silêncio do legislador não um descuido, e sim uma deliberação consciente no sentido de que a tutela pode ser antecipada, desde que satisfeitos os pressupostos para ela previstos, a qualquer momento do procedimento, se não houver incompatibilidade entre a fase em que se encontra o procedimento e essa antecipação de tutela. Cremos portanto, seja possível a postulação logo após a contestação do réu, ou até que o feito seja saneado e, mesmo assim, no curso da instrução […] ou em grau de recurso.
A tutela pode ser revogada a qualquer momento e em qualquer instância, conforme se verifica o § 4º, artigo 273, do Código de Processo Civil. Basta que os pressupostos necessários à sua concessão deixem de existir, fazendo com que a sua permanência perca o sentido e torne-se desnecessária.
Não resta dúvidas que a tutela antecipada trouxe a possibilidade de celeridade e efetividade ao processo, porém a sua concessão deve ser bem analisada antes de materializada, observando todos os requisitos propostos pela norma processual em vigor, evitando, dessa maneira, prejuízos, principalmente para a parte não detentora da medida.
2.3 Erro judicial
Os atos emanados pelo Poder Judiciário são os mecanismos que põem em prática a função jurisdicional. Executados pelos juizes, os atos judiciais são passíveis de erros, tendo em vista que seus executores são seres humanos. Pode haver a tentativa de evitar o erro, mas afirmar que ele nunca irá ocorrer, não é possível. Giovanni Ettore Nanni[27] esclarece:
O erro judiciário é aquele oriundo do Poder Judiciário e deve ser cometido no curso de um processo, visto que na consecução da atividade jurisdicional, ao sentenciarem, ao despacharem, enfim ao externarem qualquer pronunciamento ou praticarem qualquer outro ato, os juízes estão sujeitos a erros de fato ou de direito, pois a pessoa humana é falível, sendo inerente a possibilidade de cometer equívocos.
Augusto do Amaral Dergint[28] diz que “o ato jurisdicional, como ato jurídico, pode conter vícios na manifestação da vontade do Estado-juiz, que podem ser intencionais, provocados ou acidentais. Podem decorrer de culpa, de erro (de fato ou de direito) ou mesmo de ignorância do magistrado”.
O erro judicial pode acarretar graves prejuízos para a parte prejudicada, podendo até ocorrer danos irreversíveis. O juiz, mesmo não estando imune ao cometimento de equívocos, deve possuir a consciência da importância de uma decisão tomada e a responsabilidade que ela proporciona. Diante disso, deve precaver-se de todas as maneiras que lhe são cabíveis para evitar decidir erroneamente, pois estará suscetível a uma futura reparação.
José Guilherme de Souza afirma[29] que “o erro judiciário (em ato jurisdicional) consiste na falha de sentença que ofende direito. Por ser de grande poder ofensivo, configura-se como uma das mais espetaculares formas de dano que podem ser causados pelo Estado”.
O erro judiciário acontece tanto na esfera civil, como na penal, mas o tratamento legal em se tratando de responsabilidade do Estado advinda desse erro é diferenciado. Pode ser caracterizado como: in judicando, quando o magistrado erra sobre o mérito da questão em discussão; e in procedendo, quando a execução de algum procedimento dentro do processo é errônea, não abrangendo o mérito.
O erro judicial na esfera penal encontra responsabilização no artigo 5º, LXXV, da Constituição Federal que diz “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”; e, também, no artigo 630 do Código de Processo Penal, abaixo transcrito[30]:
Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2º. A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
Na esfera civil, ainda se encontram resistências ao reconhecimento da responsabilidade do Estado. Conforme posicionamento jurisprudencial, o Estado é irresponsável, cabendo somente a responsabilidade ao magistrado nos termos do artigo 133, do Código de Processo Civil[31]:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de oficio, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.
Augusto Amaral Dergint[32], em síntese, esclarece a realidade jurídica brasileira com relação à responsabilidade estatal em virtude de danos advindos de atos judiciais, entendendo ser ultrapassada a tese da irresponsabilidade do Estado:
No Direito brasileiro, percebe-se um dualismo de soluções em matéria de responsabilidade por erro judiciário. Enquanto a vítima de um erro judiciário penal encontra na lei previsão de reparação, pelo Estado, do dano por ele causado, a vítima de um erro judiciário civil se depara com a irresponsabilidade estatal, que decorre de ultrapassada elaboração doutrinária e, principalmente, jurisprudencial.
O julgado, abaixo transcrito, esboça o entendimento ultrapassado da jurisprudência, com relação à realidade jurídica atual. Defende a tese da irresponsabilidade do Estado por ato judicial, já defasada na doutrina[33]:
Responsabilidade civil do Estado. Ato judicial.
A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário em sua função jurisdicional, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedente: RE 32.519-RS (RTJ 39/190); RE 69.568-SP (RTJ 56/273) (STF – 1ª T. – RE 219.117-PR – Rel. Ilmar Galvão – j. 03.08.1999).
O erro judicial penal foi, de logo, reconhecido como indenizável, por ser o que provoca lesões gravíssimas aos direitos fundamentais do indivíduo. Uma execução criminal injusta acarreta uma série de problemas para o indivíduo, visto que este será afastado do convívio social, da família, ficará marginalizado perante a sociedade. Poderá ocorrer, também, uma série de problemas psicológicos, muitas vezes, irreversíveis. Daí, a preocupação do legislador em dar maior amparo a esse tipo de erro.
Como o erro judicial penal está bem amparado legalmente, no âmbito da responsabilização do Estado, vale tratar do erro na esfera civil, que apesar de reconhecido na doutrina, ainda encontra resistência na jurisprudência. Em especial, aborda-se o erro em virtude da antecipação da tutela.
Causador de grandes prejuízos materiais, o erro judiciário na esfera civil não advém somente das sentenças, também pode ocorrer nas decisões interlocutórias, como por exemplo na concessão de uma medida liminar. Certo que não põe fim ao processo, mas essa medida, principalmente em se tratando de tutela antecipada, concedida erroneamente, pode causar sérios prejuízos para a parte prejudicada, acarretando também responsabilidade do Estado, como bem afirma Maria Emília Mendes Alcântara[34] quando diz que “a própria concessão de liminar ou de medida cautelar em casos que não seriam cabíveis pode causar danos indenizáveis pelo Estado”.
Mesmo não estando exposto na legislação, a responsabilidade civil do Estado advinda do erro judicial é completamente aceitável, tendo em vista que o ato foi executado por um de seus agentes, não devendo culpar somente o juiz. O Estado deve buscar sempre o bem-estar de sua população, zelando para que a função jurisdicional funcione corretamente. Em caso de equívocos, não pode deixar os cidadãos sem amparo, sem ressarcimento.
3. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ERRO JUDICIAL
A responsabilidade do Estado por erro judicial é um tema bastante controverso no direito brasileiro. Excetuando os casos específicos em lei, a jurisprudência majoritária, principalmente o Supremo Tribunal Federal, entende que não existe responsabilidade estatal decorrente de dano advindo de erro judiciário. Este capítulo busca explicar a existência dessa responsabilidade.
Existe uma proposta de emenda constitucional tramitando nas casas legislativas, na qual aborda a responsabilidade do Estado decorrente de erros dos magistrados. E, principalmente, o controle externo do Judiciário.
3.1 Teoria da responsabilidade objetiva do Estado por erro judicial
Conforme dito nos capítulos anteriores, no princípio, não havia a possibilidade de responsabilizar o Estado por algum dano, tendo em vista o pensamento absolutista da época, que considerava o rei uma figura divina.
Vigorava a teoria da irresponsabilidade do Estado, que, graças à evolução da ciência jurídica, foi erradicada do ordenamento jurídico pátrio. Surgem, então, várias teorias acerca do assunto, mas sempre com o mesmo sentido de reconhecer que o Estado pode ser responsabilizado por danos causados por seus agentes a terceiros. Enfim, reconhecia-se a possibilidade de responsabilização estatal. Celso Antônio Bandeira de Mello[35] escreveu:
Esta noção e, hoje, curial no Direito Público. Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos. Estados Unidos e Inglaterra, ultimamente refratários à tese, acabaram por assumi-la em 1946 e 1947, respectivamente, embora sem a extensão que seria de desejar, posto que ainda apresenta caracteres algo restritivos.
A responsabilidade estatal fundamenta-se em princípios próprios, fundadores do Estado Democrático de Direito, sendo mais abrangente que a atribuída às pessoas privadas, como bem afirma o autor acima mencionado, dizendo que[36] “sem embargo, a responsabilidade do Estado governa-se por princípios próprios, compatíveis com a peculiaridade de sua posição jurídica e, por isso mesmo, é mais extensa que a responsabilidade que pode calhar às pessoas privadas”.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, inseriu de vez e com grande abrangência a responsabilidade do Estado diante aos danos ocasionados por seus agentes, esclarecendo que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
A responsabilidade descrita no artigo acima mencionado é objetiva, haja vista que não precisa provar a ocorrência do dano, somente a relação de causalidade entre este e seu causador. Celso Antônio Bandeira de Mello[37] possui o mesmo entendimento quando esclarece em seus escritos que:
No que atina às condições para engajar responsabilidade do Estado, seu posto mais evoluído é a responsabilidade objetiva, a dizer, independentemente de culpa ou procedimento contrário ao Direito. Essa fronteira também já é território incorporado, em largo trecho, ao Direito contemporâneo. Aliás, no Brasil, doutrina e jurisprudência, preponderantemente, afirmam a responsabilidade objetiva como regra de nosso sistema, desde a Constituição de 1946 (art. 194), passando pela Carta de 1967 (art. 105), pela Carta de 1969, dita Emenda 1 à Constituição de 1967 (art. 105), cujos dispositivos, no que a isto concerne, equivalem ao atual art. 37, § 6º.
Um importante passo foi dado por nossa Carta Magna na busca de uma sociedade mais justa e democrática, reconhecendo que acima do Estado está o bem-estar do povo e a justiça social.
Freqüente desrespeito do Estado para com seus cidadãos ocorre no exercício da atividade jurisdicional, diante dos equívocos judiciais. As controvérsias sobre a existência da responsabilidade estatal frente ao erro judicial ainda possuem grande peso para que os lesados possam ter ressarcido seus prejuízos.
Sem previsão legal, há grandes dificuldades em cobrar do Estado uma possível reparação. Celso Antônio[38] esclarece que “por tudo isto não cremos que se possa, no moderno Estado de Direito, colocar qualquer dúvida sobre a existência do princípio da responsabilidade do Estado nos casos em que falte texto expresso dispondo sobre a matéria”. Lafayette Pondé menciona, ainda, que[39]:
[…] relativamente aos atos judiciários, ninguém pode hoje acobertá-los de imunidade sobre pretexto de serem expressão de soberania. Este argumento provaria demais, porque daria com a irresponsabilidade mesma da Administração e do Legislativo, já que o Judiciário não é um superpoder colocado sobre estes dois. Aquela argüição é destituída de todo e qualquer fundamento jurídico. O serviço judiciário é um setor de funcionamento do Estado, como o são todos os demais serviços públicos; distingue-se destes tão só pela função jurisdicional, que preferentemente ele exerce. Isto, porém, não o eleva acima da ordem jurídica, a cuja fiel e exata aplicação ele se destina. E, até mesmo por sua destinação específica, os danos que ele cause ser o mais prontamente reparados, para que não permaneça sem remédio a violação sofrida pela vítima que o buscara sedenta de justiça.
Apesar da doutrina manter um pensamento majoritário no sentido de admitir a existência da responsabilidade, a jurisprudência ainda não reconhece, adotando um posicionamento retrógrado e ultrapassado, ante às constantes mudanças ocorridas na sociedade. Como bem afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro[40]:
A jurisprudência brasileira não aceita, no entanto, a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o que é lamentável porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado. Mas, mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo, poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão.
O Supremo Tribunal Federal não reconhece a responsabilidade do Estado pelos atos do Poder Judiciário, com exceção dos casos previsto em lei. Cotrim Neto[41] critica o posicionamento da Suprema Corte, esclarecendo “porque não podemos compreender a razão de ser de qualificar o juiz como órgão da soberania e o Judiciário como Poder Soberano e não situar, no mesmo plano, o legislador e o funcionário público pois, afinal, todos são agentes do Poder Público”.
João Sento Sé[42], citado por Silvio Roberto Matos Euzébio, vai um pouco além, acreditando que deve existir uma mudança no próprio texto constitucional, no sentido de trazer expressamente a responsabilidade civil do Estado por erro judicial:
A responsabilidade civil do Estado por atos dos juizes é um princípio injusto, enraizado na jurisprudência, e deve ser banido do Direito brasileiro. Pois isso mesmo, aproveitando a rara oportunidade de elaboração de um texto constitucional, propomos a inclusão na nova Constituição do Brasil, de um artigo prevendo expressamente a responsabilidade civil do estado por erro judiciário e por funcionamento defeituoso do serviço judiciário. A doutrina e a jurisprudência, posteriormente, explicitando e constituindo o texto constitucional, certamente encontrarão uma solução sábia, prudente e equilibrada para a matéria.
Essa concepção está mudando. A tendência da evolução jurídica é o reconhecimento da existência da responsabilidade do Estado por erro advindo da atividade jurisdicional, como bem afirma o jurista Yussef Said Cahali[43]:
O que se tem como certo, contudo, é que vem-se acentuando, mais recentemente, uma expressiva manifestação doutrinária, com reflexos antecipatórios na jurisprudência, no sentido do reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos danos conseqüentes de suas falhas e omissões na prestação jurisdicional.
O jurista Kiyoshi Harada[44] afirma, também, que não existem dúvidas quanto à existência da responsabilidade do Estado decorrente de atos judiciais, criticando o seguimento doutrinário que defende a tese da irresponsabilidade:
Quanto a responsabilidade do Estado em decorrência de atos do Poder Judiciário nenhuma dúvida pode pairar a respeito. É de se repelir a doutrina que defende a tese da irresponsabilidade do Poder Público, baseada no fato de que os juizes não são prepostos do Estado, mas atuam como órgão da soberania nacional.
O artigo 37, § 6º, da Constituição enquadra-se perfeitamente na responsabilidade do Estado por erro judicial, haja vista ser este advindo do exercício de uma atividade pública, oferecida pelo aparato estatal. A função jurisdicional é exercida pelos magistrados que são agentes públicos, visto que estão a serviço do Estado.
Excetuando as causas excludentes de responsabilidade, tais como força maior, caso fortuito, culpa da vítima, havendo dano decorrente de erro judicial, o Estado deve ser responsabilizado, com base no fundamento constitucional supra citado. Yussef Said Cahali acrescenta, ainda, que[45]:
A pretensão indenizatória se legitima naqueles casos de culpa anônima do serviço judiciário, de falhas do aparelhamento encarregado da distribuição da Justiça, envolvendo, inclusive, as deficiências pessoais dos magistrados recrutados; assim, nos casos de morosidade excessiva da prestação jurisdicional com equivalência à própria denegação da Justiça, de erros grosseiros dos juízes, relevados sob o pálio candente da falibilidade humana.
Recentemente aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a proposta de emenda à Constituição nº 96-A/92, apresentada pela Deputada Zulaiê Cobra, propõe principalmente o controle externo do Judiciário. Uma das cláusulas trata especificamente da responsabilidade objetiva do Estado advinda de danos ocasionados pelos juízes. Estabelece o texto[46]:
Art. 8º. O art. 95 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 95…………..
§ 3º. A União e os Estados respondem pelos danos que os respectivos juízes causarem no exercício de suas funções jurisdicionais, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo.
Remetida ao Senado (PEC 29/2000), a sugestão de mudança do artigo mencionado não foi recepcionada, mas já mostra grande avanço no sentido de reconhecimento da responsabilidade estatal decorrente de dano judicial, e a necessidade de existência de norma legal preceituando-a.
O lesionado deve propor uma ação de reparação de danos materiais para que possa obter um ressarcimento de seus prejuízos e, dependendo do caso, também pode cobrar danos morais. Como bem explica o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello[47], aplicando também às pessoas e Direito Público a regra do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal:
Convém salientar, finalmente, que o art. 5º, X, já referido, assinala mais um avanço normativo ao prever expressamente a responsabilidade por dano moral. Seus termos são os seguintes: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Como dantes se disse, o texto não distingue se o violador é pessoa de Direito Privado ou de Direito Público; logo, compreende a ambas.
Sobre o cabimento de ação de indenização por dano moral, decorrente de erro judicial, entende o Superior Tribunal de Justiça ser procedente, acreditando que, dependendo do dano, a vítima deve receber uma recompensa pelo sofrimento vivenciado, conforme se pode verificar em decisão abaixo citada[48]:
Direito Constitucional e Administrativo. Responsabilidade Objetiva. Prisão Ilegal. Danos Morais.
1. O estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo prisão ilegal.
2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados ao cidadão, especialmente de ir e vir.
3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos, provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais.
4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado.
5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada no art. 5º, LXXV, da CF.
Vale ressaltar que a reparação dos danos pode ser feita também no âmbito administrativo, desde que as partes estejam previamente acordadas sobre o valor a ser pago e o que deverá ser ressarcido. Se não houver esse consenso, deverá ser pleiteada a ação de indenização, como bem observa Maria Sylvia Zanella di Pietro[49]:
A reparação de danos causados a terceiros pode ser feita no âmbito administrativo desde que a Administração reconheça desde logo a sua responsabilidade e haja entendimento entre as partes quanto ao valor da indenização.
Caso contrário, o prejudicado deverá propor ação de indenização contra a pessoa jurídica que causou o dano.
Portanto, reconhecido o prejuízo, o causador deve indenizar o prejudicado, mesmo que o provocador do dano seja o Estado. E, dependendo do caso, a vítima pode cobrar tanto danos materiais como morais, havendo a possibilidade de cumulação dos dois.
3.2 Responsabilidade do magistrado
A responsabilidade pessoal do juiz não se confunde com a responsabilidade do Estado. A legislação estabelece quando o executor da atividade jurisdicional deverá ser responsabilizado, conforme pode ser verificado no artigo 133 do Código de Processo Civil:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de oficio, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.
O capítulo II, do Título III, da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) prevê, também, penalidades para o juiz quando este agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções, e, ainda, o capítulo III, do mesmo titulo, trata da responsabilidade civil do magistrado.
Pode ser verificada diferença no que tange ao tipo de responsabilidade atribuída ao Estado e ao juiz. Ao primeiro, aplica-se a regra do artigo 37, § 6º, que caracteriza a responsabilidade objetiva, onde, comprovando o nexo de causalidade entre o dano e o causador, existe o dever de reparar. Quanto ao segundo, a responsabilidade é subjetiva, pois prescinde para se obter uma reparação a comprovação de culpa ou dolo do agente causador do dano.
A proposta de Emenda Constitucional (nº 96-A/92), aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, propõe a reforma do Judiciário, pregando principalmente o controle externo desse órgão. Em uma das suas cláusulas, contudo, expressa sobretudo as sanções aplicadas aos juizes caso não cumpram devidamente com as suas funções:
Art. 8º. O art. 95 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 95…………..
§ 2º. O juiz perderá também o cargo por decisão do Conselho Nacional de Justiça, tomada pelo voto de três quintos de seus membros em caso de:
I – infração ao disposto no parágrafo anterior;
II – negligência e desídia reiteradas no cumprimento dos deveres do cargo, arbitrariedade e abuso de poder. (grife-se)
Remetida ao Senado (PEC 29/2000), a mudança do artigo acima mencionado não foi aprovada, para tanto, serve para demonstrar a preocupação do legislador em preceituar constitucionalmente sanções às condutas indevidas de alguns juizes, pois, diante do cargo que ocupam, enchem-se de superioridade acreditando que nada poderá atingi-los. Esquecem que em suas mãos, muitas vezes, estão decisões de vidas humanas. E, se por seus atos, intencionalmente errôneos, não houver uma cobrança de reparação, a impunidade os tornará Deuses. Evitando essa situação, quis o apresentador do projeto, antes de qualquer coisa, zelar pelo bom funcionamento da Justiça, fazendo com que os magistrados cumpram idoneamente seus deveres.
O direito de regresso está previsto na parte final do artigo 37, § 6º, do texto constitucional “… assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”[50]. É a possibilidade que o Estado tem de reaver o que gastou no ressarcimento de dano causado por seu agente, observada a culpa e o dolo do causador. Aplica-se nesse caso, também, a teoria subjetiva da responsabilidade.
O agente não pode ser cobrado se estava exercendo com presteza sua função e por uma eventualidade ocorreu um dano. Há de ser comprovada a intenção de causar o prejuízo ou se não foram tomadas as devidas precauções para que o dano não viesse a ocorrer.
Importante salientar que o direito de regresso é indisponível e intransferível. O Estado não pode deixar de cobrar do agente culpado a devida reparação. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins preceituam[51]:
Em verdade, o principio do regresso contra o autor do dano, quando este se origine de culpa ou dolo, atenta para o direito da sociedade ao Estado Moral, à ética no exercício das funções públicas. Assim, se de um lado não se pode deixar ao desabrigo os direitos maculados dos particulares por um comportamento imputável ao Estado, também é exato que a sociedade não deve arcar com os ônus decorrentes de condutas equivocadas dos agentes públicos. Por outro lado, pretende-se que a moralidade administrativa, antes diria, a moralidade estatal (porque não se requer a sua observância apenas na gestão da coisa pública, mas em todo o comportamento do Estado, entendendo-se por este o que ocorre no exercício das funções legislativas e judiciais também) impeça que agentes públicos exorbitem das suas atividades legais ou as exerçam de forma incompatível com os ditames da legalidade e da moralidade, adotando condutas que, por culpa ou dolo, agridem ou ameacem direitos dos particulares.
Assim, ao Estado incumbe o dever de reparar o dano ocorrido pelo comportamento que lhe seja imputável; mas a ele compete, igualmente, o dever de não arcar com o ônus decorrente desta reparação quando seja ela originária de um comportamento doloso ou culposo do seu agente.
Portanto, existindo culpa ou dolo do agente estatal causador do dano, o Estado tem o dever de cobrá-lo regressivamente, como uma sanção para o agente por não ter prestado de forma cuidadosa e honesta seu dever.
CONCLUSÃO
A responsabilidade civil do Estado decorrente de erro judicial é matéria bastante controvertida na ciência jurídica. O entendimento doutrinário defende sua existência, entretanto, as posições dos tribunais posicionam-se em sentido contrário.
Excetuando os casos previstos em lei, os tribunais brasileiros não reconhecem a responsabilidade civil do Estado por erro judicial, sendo pacífico o entendimento acerca da responsabilidade do magistrado, inclusive já previsto na legislação.
Ocorre que, diante da atual realidade, esse pensamento é ultrapassado, pois a sociedade contemporânea democrática não o concebe, tendo em vista que agride os direitos individuais do indivíduo.
Diante do desenvolvimento do presente trabalho, conclui-se que a responsabilidade estatal decorrente de dano judicial, principalmente, da concessão errônea de uma tutela antecipada, é evidente, pois o Poder Judiciário é um órgão que executa funções estatais e seus executores são, portanto, agentes do Estado.
Mesmo que a responsabilidade do magistrado seja evidente em nossa legislação, não impede que o Estado se responsabilize pelos atos danosos que estes venham a praticar. A responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, não exige dolo ou culpa do causador, e a referida norma é bastante clara quando diz “pessoas jurídicas de direito público”, portanto, o Estado é responsável. Excetuam-se, é claro, as causas excludentes da responsabilidade.
O direito de regresso, previsto no final do art. 37, § 6º, da Carta Magna brasileira, é indisponível. O Estado não pode se recusar a cobrar do agente que causou o prejuízo. Visa essa norma, antes de tudo, zelar pela indisponibilidade do patrimônio público.
Conclui-se, finalmente, que o Estado, diante de prejuízo causado por ato judicial, deve ser responsabilizado civilmente, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição de 1988, principalmente, quando o dano advém de uma concessão errônea de tutela antecipada, pois, diante do caráter emergencial desse ato, suas conseqüências podem ser irreversíveis, tendo ainda, o Estado, o direito de regresso, como forma de ressarcir o que gastou com o pagamento da quantia indenizatória decorrente de prejuízo causado por seus agentes, mesmo que esse seja um magistrado.
Advogada, integrante de Welton Cysne Advogados Associados S/C, especialista em Direito e Processo Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR
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