Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Direito de Família. Abandono Afetivo Paterno-filial.
Abstract: The objective of this study is to assess the incidence of Liability in Family Law, pointing out the evolution of this area of law and their own responsibility that became more widespread with the advent of the Federal Constitution of 1988. Directs the efforts for the analysis of Abandonment Affective Paterno-Branch and the possibility of compensation in the fulcrum changes in law and jurisprudence.
keywords: Civil Liability. Family Law. Abandonment Affective Paterno-branch.
Sumário: Introdução. 1. Abandono afetivo paterno filial. 2. Do quantum da indenização. Conclusão. Referências. Anexos.
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é um tema de extrema importância para todos que pretendem dedicar uma atenção especial para o direito civil, como para aqueles que não apresentam esse interesse, pois ela engloba todas as condutas do individuo, buscando envolve-las com a segurança e a certeza de que se algum direito for violado, este será no mínimo compensado. Trata-se de uma matéria central, visto que as demais são trabalhadas dentro dessa quanto a suas violações.
E dentro dessa perspectiva, esse trabalho visa comentar os avanços trazidos pelo Novo Código Civil, mormente a responsabilidade civil, restringindo a matéria ao âmbito familiar, mais precisamente à questão do abandono afetivo paterno-filial, o qual, apesar dos avanços, apresenta certa resistência da jurisprudência, não havendo dispositivo específico sobre o tema.
É preciso, entretanto, caminhar a passos lentos antes de se falar de responsabilidade civil no Direito de Família, pois a jurisprudência começa, ainda, a engatinhar no tema sendo o primeiro passo nesse sentido, foi o de ter assumido o direito de indenização decorrente de violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem em alguns casos antes da CF/88. Assim como a consagração dessa indenização no Direito de Família pela jurisprudência de países como a França, Portugal e Argentina.
Uma grande barreira ao desenvolvimento nessa área era a estabilidade das relações familiares, a ideia conservadora de família, e a própria natureza do sentimento. Porém, há hoje uma mudança desse modelo liberal-burguês de família, sendo a família contemporânea não mais fundada em valores como o matrimônio ou a consanguinidade, apenas, mas apresentando como fundamento principal a afetividade, pouco importando o modelo familiar que se adote, desde que neste esteja presente a comunhão de afeto como fim comum entre os entes.
Nessa nova concepção, a responsabilidade civil busca tratar da ideia de dano que atente contra o estado de família, que é visto como atributo da personalidade. Ou seja, visa o ilícito contra a família, o qual cause dor moral e necessite ser compensado mediante indenização. A responsabilidade evolui a ponto:
“Amplia-se o pleito indenizatório na medida em que se admite como passível de ressarcimento a ofensa à honra matrimonial, a negligência ou a imprudência pela transmissão ao parceiro de enfermidade contagiosa, a recusa injustificada ao reconhecimento da paternidade biológica, extra-matrimonial (a paternidade matrimonial independe de reconhecimento porque é presumida), a imputação caluniosa de adultério e o pedido arbitrário de interdição”.[1]
Consiste numa responsabilidade subjetiva, na qual se exige a censura do agente capaz de entender a ilicitude de sua conduta, se agiu com culpa ou dolo, além da demonstração do nexo de causalidade, podendo atingir o patrimônio material ou moral. Dentre desse quadro, trabalha-se a responsabilidade civil no Direito de Família sob a ótica da afeição entre pais e filhos, quando se configura o dever de indenizar e suas consequências nos casos de abandono afetivo.
Diante disso nos deparamos com os seguintes questionamentos:
“O assunto refere-se a exatamente a esta difícil e delicada questão: podem um pai ou uma mãe ser responsabilizados civilmente – e por isso, condenados a indenização – pelo abandono afetivo perpetrado contra o filho? A procura pelo fundamento da resposta a essa pergunta levaria à seguinte indagação: a denominada responsabilidade paterno-filial resume-se ao dever de sustento, ao provimento material do necessário ou do imprescindível para manter a prole, ou vai além dessa singela fronteira, por situar-se no campo do dever de convívio, a significar uma participação mais integral na vida e na criação dos filhos, de forma a contribuir em sua formação e subsistência emocionais”.[2]
1. ABANDONO AFETIVO PATERNO FILIAL
No Direito brasileiro, encontra-se expressamente no Código Civil (1.566 e 1.723 e a parte própria sobre o Poder Familiar) a exigência de que pais ou responsáveis por menores de idade pratiquem certas condutas que constituem verdadeiros direitos-deveres. Estas condutas, que são indelegáveis e devem ser fiscalizadas pelo Estado, tem por finalidade a garantia de proteção dos filhos assegurando assim, uma saudável formação psicológica, moral e social.
Enganam-se quem acredita que a função paterna extingue-se apenas com o cumprimento da obrigação de prestar alimentos. O legislador atribuiu aos pais além do dever de sustento, também a obrigação de promover guarda e educação. Fica claro, portanto que o pai que não ama o filho não só descumpre preceito de ordem moral, mas, sobretudo fere preceito de ordem legal por faltar com o compromisso de bem-cuidar.
É preciso encarar o amparo afetivo como um direito fundamental do filho. Nossa Carta Magna (art. 227) confere prioridade absoluta aos filhos menores, sejam eles crianças ou adolescentes. Essa prioridade constitucional implica no dever dos pais de agirem sempre com condutas que atendam os interesses dos seus filhos e não resta dúvida que um tratamento amoroso e respeitoso é o que melhor atende a esses interesses.
Como carinho, afeto e respeito são direitos fundamentais do filho, o não cumprimento deste dever paterno acarretaria numa obrigação de indenizar. O descumprimento da responsabilidade paterno-filial acarretaria em desrespeito ao principio da dignidade humana causando incontestável dano ao desenvolvimento moral e psíquico da criança e, portanto sugeria a obrigação de tornar indene aquele que amarga o prejuízo.
Foi esse o entendimento da extinta Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais:
“EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.”[3]
As legitimidades para o pedido de indenização pela omissão de afeto são dos filhos menores e incapazes, pois seria inconcebível que os filhos já adultos pedissem a indenização por danos na formação de suas personalidades que já estariam completamente formadas. Contudo, concordamos com parte da doutrina que entende ser cabível também o pedido de indenização por pais já idosos em relação a seus filhos, já que nessa fase dá vida o afeto também se configura como indispensável para uma vivência digna e feliz.
Independentemente das partes que figuram em cada pólo da relação, se pais ou se filhos, emerge uma grande dificuldade nas ações de reparação de danos causados por omissão de afeto que é o de caracterizar esta insuficiência afetiva ocasionada pelo parente. Entendemos que a figura paterna é aquela com quem nos vinculamos por laços de sentimentos, com a qual despejamos todo o nosso amor, respeito e confiança e que, por vezes, não coincidem com nossa filiação biológica.
É notório que os casos de ausência de afeto são muito mais numerosos nas famílias em que os pais são separados, sobretudo quando a separação ocorre de forma litigiosa. Nessas situações, muitas vezes, as decisões judiciais que determinam as visitas simplesmente não são cumpridas pelos pais. Mas para que a ausência possa ensejar indenização por omissão de afeto é necessário que esta ausência não seja temporária, deve ela ser analisada dentro de todo um contexto para que possa efetivamente vir a ser caracterizada. Importante também ressaltar que os casos que tornam possíveis o pedido de indenização não se limitam aos de pais separados, pois, mesmos em famílias que vivem sob o mesmo teto, a ausência dos pais muitas vezes é flagrante e devem ser reparadas.
Outro aspecto relevante a ser analisado para a caracterização da omissão de afeto é o da culpabilidade. Da doutrina geral da responsabilidade civil extraímos as excludentes de culpabilidade tais sejam: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. Provando-se que o réu não tem culpa em sentido lato, não há que se falar em qualquer obrigação de indenizar. Vale ressaltar outras situações que impossibilitam o dever de indenização como, por exemplo, a existência de doença, física ou mental, do pai; o desconhecimento da existência da paternidade ou até mesmo as dificuldades impostas pelo genitor que detém a guarda da criança. A culpa da responsabilidade civil, aplicada no Direito de Família, existe nas duas modalidades definidas na doutrina que é a culpa in vigilando e a culpa in eligendo.
Faz-se necessário ressaltar que a questão dos alimentos não se encaixa na ideia de indenização por responsabilidade civil, sendo um dever proveniente dos laços parentais estabelecidos entre marido e mulher, companheiro e companheira e entre estes e os seus descendentes e ascendentes, onde a pauta é o dever moral e social de prestar assistência.
Enquanto, a responsabilidade civil fundamenta-se na ideia de dano contra o estado de família, tomado como atributo da personalidade. O estado familiar é abalado pelo ilícito, devendo este gerar gravame moral, como se observa na violações da personalidade, sujeito a ser compensado por meio de indenização.
Para que fique caracterizado o dever de indenizar não se faz suficiente apenas a existência da culpabilidade, é necessária também a ocorrência de ato ilícito (definido pelo código civil em seu artigo 186) e dos outros elementos encontrados na doutrina para justificar a responsabilidade civil do ofensor. A existência do dano e o nexo causal entre a conduta do ofensor e o dano sofrido são indispensáveis para a procedência do pedido indenizatório.
É necessário ressaltar que:
“o afeto, em si, não pode ser incluído no patrimônio moral de um ou de outro, de tal modo que da sua deterioração resulte a obrigação de indenizar o prejudicado”. O que produzirá o liame necessário- nexo de causalidade essenciais – para a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser a conseqüência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, intima e moral do filho, pelo fato desse abandono perpetrado culposamente por seu pai, o que resultou em dano para a ordem psíquica daquele.”[4]
Para a demonstração da existência e dimensão do dano, bem como do grau de culpabilidade do genitor é indispensável a análise de um profissional especifico da área de psiquiatria. Tal precaução faz-se mister diante do desejo de fixação de uma indenização efetivamente reparatória para a vitima do abandono.
2. Do quantum da indenização
Após analisada a questão de como caracterizar a existência de omissão de afeto surge outra dificuldade para o estabelecimento desta indenização que é a procura da forma mais justa de adequar o quantum indenizatório a omissão. Afinal, seria a recompensa monetária suficiente para reparar o dano sofrido pelo menor que foi abandonado pelo pai? Qual o preço que se pode pagar para compensar o amor?
Há na doutrina quem entenda pela impossibilidade de reparação deste dano por meio de dinheiro, pois alega tratar-se de valores heterogêneos o que tornaria impossível o estado indene do autor além de imoral a procura de superação da dor do abandono através de dinheiro. Se a solução para o problema fosse o dinheiro, a própria pensão alimentícia atenderia o objeto da compensação, o que não ocorre.
Corrente diversa entende ser a recompensa monetária a melhor forma de compensar o dano sofrido pela vítima, pois a sensação de prazer promovida pelo dinheiro seria a única forma de atenuar o sofrimento causado pelo desamparo paterno já que não são poucos os casos em que estabelecer o status quo ante através de tratamento psiquiátrico é impossível ou mesmo não recomendável.
Parece indiscutível, contudo, que a sentença que imponha indenização ao genitor determine o pagamento de todo o tratamento psicológico ou psiquiátrico que se submeta a vítima a fim de superar ou mesmo atenuar os efeitos da postura omissa daquele que o criou.
No caso trazido como exemplo ilustrativo ao presente artigo, o juiz condenou o pai de Alexandre a pagar 200 salários mínimos a título de compensação aos danos psíquicos causados por seu abandono. Mesmo sabendo que este valor não lhe devolveria o que este não teve. Porém em decisão recente, em sede do Recurso Especial nº 757.411, o STJ decidiu na contramão da evolução doutrinária e jurisprudencial e aceitou o recurso especial interposto pelo pai de Alexandre. Visto o voto do Ministro Fernando Gonçalves:
“No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a Sociedade não se compadece com a conduta do abandono, com o que caí por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso.”[5]
Conclusão
Mesmo posicionando-se a favor da compensação por indenização nos casos de abando afetivo enxerga-se a complexidade do problema e entende que esta questão não é de fácil solução. As críticas que são feitas a essa compensação não são desarrazoadas e merecem, portanto, atenção. Pois o risco do abandono afetivo transformar-se em carro chefe de uma indústria do afeto permitindo a proposição de inúmeras ações de dano moral certamente existe, mas cabe ao Judiciário evitá-lo realizando uma análise apurada em cada caso concreto verificando a presença dos requisitos ensejadores da responsabilização. Se for utilizada com parcimônia e bom senso, sem ser utilizada como fonte de lucro fácil ou como meio de vingança entre os pais, poderá converter-se em um instrumento de extrema importância para a configuração de um Direito de Família mais adequado à realidade que se afigura.
Vale ressaltar, mais uma vez, que o que se busca com a indenização não é reparar a falta de amor, ou desamor seja do pai para com o filho ou do próprio filho para com o pai, mas penalizar o descumprimento dos deveres previstos pela Constituição Federal e pelo ECA que acabam maculando a dignidade do indivíduo e causando a esta danos de difícil reparação. Até por que não se pode obrigar alguém a amar, e uma determinação legal que obrigue alguém a dedicar atenção e fazer companhia contra a sua vontade seria um retrocesso e poderia trazer mais prejuízos do que benefícios. Muitos pais, não por amor, mas por temer a justiça, passariam a exigir o direito de participar ativamente na vida do filho. Ainda que fosse um mau pai, faria questão de convivência, e o filho que, por vezes, já superou tal ausência e que vivia em perfeita harmonia com sua mãe seria obrigado a partilhar momentos ao lado de quem claramente não possui qualquer afeto por ela. A condição de amor compulsório poderá ser ainda pior que a ausência[6].
Logo, o amor, respondendo ao questionamento feito no início do trabalho, não tem preço. Não há como atribuir pecúnia a um sentimento tão sublime, que distingue os homens dos demais seres. Não há com quantificar essa ausência afetiva e compensá-la por meio de uma indenização de natureza monetária. E entendemos que o objetivo da doutrina e da jurisprudência não é este, mas sim a defesa da dignidade da pessoa humana de qualquer indivíduo contra lesões oriundas do descumprimento de deveres inerentes à paternidade e até mesmo aos filhos. Cabe ao judiciário a defesa aos direitos fundamentais, mas sua intromissão em questões relacionadas ao sentimento deve ser feita com cautela, pois o “amor resulta de algo alheio ao nosso entendimento e não da coação Estatal”.[7]
A indenização deve ser encarada como medida extremada, e não como regra, evitando-se a mercantilização da indenização por danos morais
Referências
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ANEXOS
ANEXO A
Número do processo: 2.0000.00.408550-5/000(1)
EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 408.550-5 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): ALEXANDRE BATISTA FORTES MENOR PÚBERE ASSIST. P/ SUA MÃE e Apelado (a) (os) (as): VICENTE DE PAULO FERRO DE OLIVEIRA,
ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais DAR PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Juiz JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES e dele participaram os Juízes UNIAS SILVA (Relator), D. VIÇOSO RODRIGUES (Revisor) e JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA (Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Assistiu ao julgamento pelo apelante, a Drª. Thais Câmara Maia e Produziu sustentação oral pelo apelado, o Dr. João Bosco Kumaira.
Belo Horizonte, 01 de abril de 2004.
JUIZ UNIAS SILVA
Relator
V O T O
O SR. JUIZ UNIAS SILVA:
Trata-se de recurso de apelação interposto por Alexandre Batista Fortes – menor púbere representado por sua mãe – contra a r. sentença que, nos autos da ação de indenização por danos morais ajuizada contra seu pai, Vicente de Paulo Ferro de Oliveira, julgou improcedente o pedido inicial, ao fundamento de que inexistente o nexo causal entre o afastamento paterno e o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pelo autor.
Sustenta o apelante, em síntese, que o conjunto probatório presente nos autos é uníssimo ao afirmar a existência do dano resultante da ofensa causada pelo apelado. Afirma que a dor sofrida pelo abandono é profundamente maior que a irresignação quanto ao pedido revisional de alimentos requerido pelo pai. Aduz que o tratamento psicológico ao qual se submete há mais de dez anos advém da desestruturação causada pelo abandono paterno. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso.
Contra-razões às fls. 105-407.
É o relatório necessário.
Conheço do recurso, pois que presentes os pressupostos de sua admissão.
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.
Esclareço, desde já, que a responsabilidade em comento deve cingir-se à civil e, sob este aspecto, deve decorrer dos laços familiares que matizam a relação paterno-filial, levando-se em consideração os conceitos da urgência da reparação do dano, da re-harmonização patrimonial da vítima, do interesse jurídico desta, sempre prevalente, mesmo à face de circunstâncias danosas oriundas de atos dos juridicamente inimputáveis.
No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado.
Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção.
Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não somente do sangue.
No estágio em que se encontram as relações familiares e o desenvolvimento científico, tende-se a encontrar a harmonização entre o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, até como necessidade de concretização do direito à saúde e prevenção de doenças, e o direito à relação de parentesco, fundado no princípio jurídico da afetividade.
O princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional.
No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar.
No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe "com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária", além de colocá-la "à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família.
Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão-somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.
No caso em comento, vê-se claramente, da cuidadosa análise dos autos, que o apelante foi, de fato, privado do convívio familiar com seu pai, ora apelado.
Até os seis anos de idade, Alexandre Batista Fortes, ora apelante, manteve contato com seu pai de maneira razoavelmente regular. Após o nascimento de sua irmã, a qual ainda não conhece, fruto de novo relacionamento conjugal de seu pai, este afastou-se definitivamente. Em torno de quinze anos de afastamento, todas as tentativas de aproximação efetivadas pelo apelante restaram-se infrutíferas, não podendo desfrutar da companhia e dedicação de seu pai, já que este não compareceu até mesmo em datas importantes, como aniversários e formatura.
De acordo com o estudo psicológico realizado nos autos, constata-se que o afastamento entre pai e filho transformou-se em uma questão psíquica de difícil elaboração para Alexandre, interferindo nos fatores psicológicos que compõem sua própria identidade.
"É como se ele tentasse transformar o genitor em pai e, nesta árida batalha, procurasse persistentemente compreender porque o Sr. Vicente não se posiciona como um pai, mantendo a expectativa de que ele venha a fazê-lo." (fls. 72).
"Neste contexto, ainda que pese o sentimento de desamparo do autor em relação ao lado paterno, e o sofrimento decorrente, resta a Alexandre, para além da indenização material pleiteada, a esperança de que o genitor se sensibilize e venha a atender suas carências e necessidades afetivas." (fls.74).
Assim, ao meu entendimento, encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação, a fim de, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.
Desta forma, fixo a indenização por danos morais no valor equivalente a duzentos salários mínimos, ou seja, R$ 44.000,00, devendo ser atualizado monetariamente de acordo com a Tabela da Corregedoria Geral de Justiça e com juros de mora em 1% ao mês, a contar da publicação do presente acórdão. Pelo que, condeno o apelado a pagar ao procurador do apelante, a título de honorários sucumbenciais, o valor relativo a 10% do valor da condenação em danos morais.
Com base em tais considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para julgar procedente o pedido inicial, modificando a r. decisão ora objurgada.
Custas pelo apelado.
ANEXO B
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3)
RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.
2. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votou vencido o Ministro Barros Monteiro, que dele não conhecia. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro Relator.
Brasília, 29 de novembro de 2005 (data de julgamento).
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Por ALEXANDRE BATISTA FORTES foi proposta ação ordinária contra VICENTE DE PAULO FERRO DE OLIVEIRA, seu pai, pleiteando indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo por ele perpetrado.
Sustenta o autor, nascido em março de 1981, que desde o divórcio de seus pais em 1987, época do nascimento da filha do recorrente com sua segunda esposa, por ele foi descurado o dever de lhe prestar assistência psíquica e moral, evitando-lhe o contato, apesar de cumprir a obrigação alimentar. Aduz não ter tido oportunidade de conhecer e conviver com a meia-irmã, além de ignoradas todas as tentativas de aproximação do pai, quer por seu não comparecimento em ocasiões importantes, quer por sua atitude displicente, situação causadora de extremo sofrimento e humilhação, restando caracterizada a conduta omissa culposa a ensejar reparação.
O genitor, a seu turno, esclarece ser a demanda resultado do inconformismo da mãe do recorrente com a propositura de ação revisional de alimentos, na qual pretende a redução da verba alimentar. Aduz ter até maio de 1989 visitado regularmente o filho, trazendo-o em sua companhia nos finais de semana, momento em que as atitudes de sua mãe, com telefonemas insultuosos e instruções ao filho para agredir a meio-irmã, tornaram a situação doméstica durante o convívio quinzenal insuportável. Relata, além disso, ter empreendido diversas viagens, tanto pelo Brasil, quanto para o exterior, permanecendo atualmente na África do Sul, comprometendo ainda mais a regularidade dos encontros. Salienta que, conquanto não tenha participado da formatura do filho ou de sua aprovação no vestibular, sempre demonstrou incentivo e júbilo por telefone. Afirma, nesse passo, não ter ocorrido qualquer ato ilícito.
Em primeira instância (fls. 81⁄83), o Juiz de Direito da 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte – MG julga improcedente o pedido inicial, salientando:
"… não haver estabelecido o laudo psicológico exata correlação entre o afastamento paterno e o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pelo autor, não tendo detectado o expert sinais de comprometimento psicológico ou qualquer sintomatologia associada a eventual malogro do laço paterno filial (fls. 71).
A par de tais conclusões periciais resta inequívoco que, não obstante a relutância paterna em empreender visitações ao filho afete-lhe negativamente o estado anímico, tal circunstância não se afigura suficientemente penosa, a ponto de comprometer-lhe o desempenho de atividades curriculares e profissionais, estando o autor plenamente adaptado à companhia da mãe e de sua bisavó.
De sua vez, indica o estudo social o sentimento de indignação do autor ante o tentame paterno de redução do pensionamento alimentício, estando a refletir, tal quadro circunstancial, propósito pecuniário incompatível às motivações psíquicas noticiadas na Inicial (fls. 74).
Por outro lado, não se colhe do conjunto probatório descaso intencional do réu para com a criação, educação e a formação da personalidade do filho, de molde a caracterizar o estado de abandono a que se refere o art. 395, II, do Cód. Civil, a determinar, inclusive, a perda do pátrio-poder.
(…)
Tais elementos fático-jurídicos conduzem à ilação pela qual o tormento experimentado pelo autor tem por nascedouro e vertedouro o traumático processo de separação judicial vivenciado por seus pais, inscrevendo-se o sentimento de angústia dentre os consectários de tal embate emocional, donde inviável inculpar-se exclusivamente o réu por todas as idiossincrasias pessoais supervenientes ao crepúsculo da paixão."
Interposta apelação, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais dá provimento ao recurso para condenar o recorrente ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), entendendo configurado nos autos o dano sofrido pelo autor em sua dignidade, bem como a conduta ilícita do genitor, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio com o filho e com ele formar laços de paternidade.
A ementa está assim redigida:
"INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana." (fls. 125)
Perante esta Corte VICENTE DE PAULO FERRO DE OLIVEIRA interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, sustentando violação ao art. 159 do Código Civil de 1916 e dissídio jurisprudencial. Aduz não estarem presentes na hipótese os elementos constitutivos do ato ilícito de modo a embasar uma condenação. Afirma que as dificuldades oriundas de uma separação e da atividade profissional do pai são fatos normais da vida, não havendo que se falar em dolo ou culpa.
Foram apresentadas contra-razões (fls. 149⁄163). Salienta o recorrido não prescindir o exame do especial do reexame do material fático-probatório, além de não restar caracterizado o dissídio jurisprudencial, dada a ausência de casos semelhantes na jurisprudência nacional a ensejar o confronto analítico. Afirma ser irretocável a decisão objeto do recurso.
Ascenderam os autos a este Superior Tribunal de Justiça, por força de provimento a agravo regimental.
Parecer da Subprocuradoria-Geral da República pelo não conhecimento do recurso e, acaso conhecido, pelo não provimento (fls. 176⁄179). São os termos da ementa:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. DESCUMPRIMENTO DE DEVERES PATERNOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 07 DO STJ. COMPROVAÇÃO DO DANO EMOCIONAL E PSÍQUICO SOFRIDO PELO FILHO.
Pelo não conhecimento, e se conhecido, pelo não provimento."
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):
A questão da indenização por abandono moral é nova no Direito Brasileiro. Há notícia de três ações envolvendo o tema, uma do Rio Grande do Sul, outra de São Paulo e a presente, oriunda de Minas Gerais, a primeira a chegar ao conhecimento desta Corte.
A demanda processada na Comarca de Capão da Canoa-RS foi julgada procedente, tendo sido o pai condenado, por abandono moral e afetivo da filha de nove anos, ao pagamento de indenização no valor correspondente a duzentos salários mínimos. A sentença, proferida em agosto de 2003, teve trânsito em julgado, vez que não houve recurso do réu, revel na ação. Cumpre ressaltar que a representante do Ministério Público que teve atuação no caso entendeu que "não cabe ao Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor", salientando não poder ser a questão resolvida com base na reparação financeira.
O Juízo da 31ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo-SP, a seu turno, condenou um pai a indenizar sua filha, reconhecendo que, conquanto fuja à razoabilidade que um filho ingresse com ação contra seu pai, por não ter dele recebido afeto, "a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia".
A matéria é polêmica e alcançar-se uma solução não prescinde do enfrentamento de um dos problemas mais instigantes da responsabilidade civil, qual seja, determinar quais danos extrapatrimoniais, dentre aqueles que ocorrem ordinariamente, são passíveis de reparação pecuniária. Isso porque a noção do que seja dano se altera com a dinâmica social, sendo ampliado a cada dia o conjunto dos eventos cuja repercussão é tirada daquilo que se considera inerente à existência humana e transferida ao autor do fato. Assim situações anteriormente tidas como "fatos da vida", hoje são tratadas como danos que merecem a atenção do Poder Judiciário, a exemplo do dano à imagem e à intimidade da pessoa.
Os que defendem a inclusão do abandono moral como dano indenizável reconhecem ser impossível compelir alguém a amar, mas afirmam que "a indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende duas relevantes funções, além da compensatória: a punitiva e a dissuasória. (Indenização por Abandono Afetivo, Luiz Felipe Brasil Santos, in ADV – Seleções Jurídicas, fevereiro de 2005).
Nesse sentido, também as palavras da advogada Cláudia Maria da Silva: "Não se trata, pois, de "dar preço ao amor" – como defendem os que resistem ao tema em foco – , tampouco de "compensar a dor" propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave.” ( Descumprimento do Dever de Convivência Familiar e Indenização por Danos á Personalidade do Filho, in Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI, n° 25 – Ago-Set 2004)
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral.
Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso.
No caso em análise, o magistrado de primeira instância alerta, verbis:
"De sua vez, indica o estudo social o sentimento de indignação do autor ante o tentame paterno de redução do pensionamento alimentício, estando a refletir, tal quadro circunstancial, propósito pecuniário incompatível às motivações psíquicas noticiadas na Inicial (fls. 74)
(…)
Tais elementos fático-probatórios conduzem à ilação pela qual o tormento experimentado pelo autor tem por nascedouro e vertedouro o traumático processo de separação judicial vivenciado por seus pais, inscrevendo-se o sentimento de angústia dentre os consectários de tal embate emocional, donde inviável inculpar-se exclusivamente o réu por todas as idiossincrasias pessoais supervenientes ao crepúsculo da paixão." (fls. 83)
Ainda outro questionamento deve ser enfrentado. O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?
Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo do amor dos filhos, valendo transcrever trecho do conto "Para o aniversário de um pai muito ausente", a título de reflexão (Colocando o "I" no pingo… E Outras Idéias Jurídicas e Sociais, Jayme Vita Roso, RG Editores, 2005):
"O Corriere della Sera, famoso matutino italiano, na coluna de Paolo Mieli, que estampa cartas selecionadas dos leitores, de tempos em tempos alguma respondida por ele, no dia 15 de junho de 2002, publicou uma, escrita por uma senhora da cidade de Bari, com o título "Votos da filha, pelo aniversário do pai".
Narra Glória Smaldini, como se apresentou a remetente, e escreve: "Caro Mieli, hoje meu pai faz 67 anos. Separou-nos a vida e, no meu coração, vivo uma relação conflitual, porque me considero sua filha ´não aproveitada´. Aos três anos fui levada a um colégio interno, onde permaneci até a maioridade. Meu pai deixara minha mãe para tornar a se casar com uma senhora. Não conheço seus dois outros filhos, porque, no dizer dele, a segunda mulher ´não quer misturar as famílias´.
Faz 30 anos que nos relacionamos à distância, vemo-nos esporadicamente e presumo que isso ocorra sem que saiba a segunda mulher. Esperava que a velhice lhe trouxesse sabedoria e bom senso, dissipando antigos rancores. Hoje, aos 39 anos, encontro-me ainda a esperar. Como meu pai é leitor do Corriere, peço-lhe abrigar em suas páginas meus cumprimentos para meu pai que não aproveitei."
Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil, conforme acima esclarecido.
Desta feita, como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada.
Nesse contexto, inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização.
Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo com o voto de V. Exa. Entendo que essa questão – embora dolorosa nas relações entre pais e filhos, marido e mulher, nas relações de família em geral – resolve-se no campo do Direito de Família, exclusivamente. No caso, existe previsão no art. 384, inciso I, quanto à obrigação dos pais de dirigir a criação e a educação dos filhos e tê-los em sua guarda e companhia. Mas os arts. 394 e 395 prevêem exatamente a situação em que, não cumprindo os pais essa obrigação, poderá ocorrer a perda do pátrio poder a pedido do Ministério Público ou de algum parente.
Diz o art. 395:
" Perderá, por ato judicial, o pátrio poder o pai ou mãe que deixar o filho ao abandono."
Não me parece que isso tenha sido requerido nem pelo Ministério Público nem por algum parente, notadamente a mãe, em nome de quem ele estava sob a guarda direta, porque, aparentemente, o pai se ausentou.
Na hipótese de perda do pátrio poder, a tutela é dada em substituição, nos termos do art. 406, I, também do Código Civil anterior. Parece-me, pois, que não é hipótese de ato ilícito. Não é dessa forma que se enfrentaria tal situação. A legislação de família prevê institutos específicos, inclusive em relação às necessidades do filho na lei de alimentos. Aqui, ressalto, foram prestados os alimentos.
Com essas considerações apenas adicionais, acompanho o voto de V. Exa. no sentido de conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para julgar improcedente a ação.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3)
VOTO-VENCIDO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:
Sr. Presidente, rogo vênia para dissentir do entendimento manifestado por V. Exa. e pelos eminentes Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini.
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou o réu a pagar 44 mil reais por entender configurado nos autos o dano sofrido pelo autor em sua dignidade, bem como por reconhecer a conduta ilícita do genitor ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e afeto com o filho, deixando assim de preservar os laços da paternidade. Esses fatos são incontroversos. Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanhá-lo e de dar-lhe o necessário afeto.
Como se sabe, na norma do art. 159 do Código Civil de 1916, está subentendido o prejuízo de cunho moral, que agora está explícito no Código novo. Leio o art. 186:
"Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Creio que é essa a hipótese dos autos. Haveria, sim, uma excludente de responsabilidade se o réu, no caso o progenitor, demonstrasse a ocorrência de força maior, o que me parece não ter sequer sido cogitado no acórdão recorrido. De maneira que, no caso, ocorreram a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo.
Considero, pois, ser devida a indenização por dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso.
Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual.
Por essas razões, rogando vênia mais uma vez, não conheço do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3)
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, é certo que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais pontificou que o recorrido teria sofrido em virtude do abandono paterno; são fatos que não podem ser desconstituídos. E é justamente com base nesses fatos que aprecio o que está ora posto. Penso que o Direito de Família tem princípios próprios que não podem receber influências de outros princípios que são atinentes exclusivamente ou – no mínimo – mais fortemente – a outras ramificações do Direito. Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações. Destarte, tudo quanto disser respeito às relações patrimoniais e aos efeitos patrimoniais das relações existentes entre parentes e entre os cônjuges só podem ser analisadas e apreciadas à luz do que está posto no próprio Direito de Família. Essa compreensão decorre da importância que tem a família, que é alçada à elevada proteção constitucional como nenhuma outra entidade vem a receber, dada a importância que tem a família na formação do próprio Estado. Os seus valores são e devem receber proteção muito além da que o Direito oferece a qualquer bem material. Por isso é que, por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai – o que, diga-se de passagem, o caso não configura – a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio poder, no máximo isso. Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria "x"; se abandono por um mês, o valor da indenização seria "y", e assim por diante. Com esses fundamentos, e acostando-me ao que foi posto pelo eminente Ministro Fernando Gonçalves, Relator deste feito, e pelos Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzinni, peço vênia ao eminente Sr. Ministro Barros Monteiro para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.
Notas:
Advogada. Servidora Pública do Ministério da Fazenda. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas
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