Responsabilidade por vício oculto do produto

Resumo: Examinam-se as questões relevantes em que o Código de Defesa do Consumidor representou importante evolução no tratamento das relações de consumo no que tange a questão da responsabilidade por vício do produto. Para melhor entendimento do tema, a primeira parte é dirigida a análise dos aspectos conceituais e históricos do instituto das relações de consumo, bem como, os direitos básicos do consumidor e os vícios de qualidade do produto. Na segunda parte, é analisado de quem é a responsabilidade pelo vício do produto, (4.1) responsabilidade do comerciante, (4.2) responsabilidade do fornecedor, (4.3) responsabilidade solidária e subsidiária, de acordo com a participação de cada um nas relações de consumo, em que o fornecedor e comerciante fazem parte dessa relação. A terceira parte dispõe das garantias oferecidas pela lei, por ser o consumidor a parte vulnerável, prazos legais e opções que o consumidor tem, estabelecidas pelo princípio da boa-fé como cláusula geral de toda relação de consumo.[1]


Palavras-Chave: Relações de Consumo; Responsabilidade por Vício do Produto; Garantias Legais; Prazos.


Sumário: Introdução. 1. Personagens da relação de consumo. 1.1. Consumidor. 1.2. Fornecedor 1.3. Produto 2. Os direitos básicos do consumidor 2.1. A Proteção da vida, saúde e segurança. 2.2. A Prevenção e reparação de danos. 2.3. A Inversão do ônus da prova. 3. Vícios do produto 3.1. Conceito 3.2. Vícios de qualidade do produto. 4. Responsabilidade pelo vício do produto. 4.1. Responsabilidade do Comerciante 4.2 Responsabilidade do Fornecedor 4.3. Responsabilidade Solidária e Subsidiária 5. Garantias do consumidor. 5.1. Garantia legal. 5.2. Garantia contratual. 6. Prazos legais. 6.1. Opções do consumidor. Considerações finais. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho trata-se de “Responsabilidade por Vício do Produto em relação à obrigação de indenizar o consumidor final.


No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionadas diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que trata dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício de qualquer atividade econômica e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina expressamente que o Congresso Nacional elabore o Código de Defesa do Consumidor.  


 O surgimento do Código de Defesa do Consumidor no nosso ordenamento jurídico resultou de uma série de eventos sociais e econômicos. O homem a partir do século XX passa a viver “em função de uma sociedade de consumo, caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça.


O Estado teve que interferir através de uma ação protetora para a parte mais frágil das relações de consumo, pois a concentração da força econômica e de capitais e dos monopólios na sociedade de consumo originou um desequilíbrio nas relações contratuais.


Essas relações eram caracterizadas pela desigualdade entre as partes contratantes, e que mantinham os fornecedores, produtores e comerciantes em posição de força superior frente aos consumidores por serem detentores dos meios de produção, a parte mais forte, e estes, a parte mais fraca.[2] 


Com o crescente poderio econômico das grandes empresas, a massificação dos contratos de adesão impostos pelos fornecedores, a sofisticação dos conhecimentos técnicos e científicos sobre os mais diversificados produtos e serviços, e os riscos à saúde e à segurança que estes eventualmente poderiam oferecer, a relação de consumo passou a representar, uma espécie de vínculo jurídico marcado pelo desequilíbrio entre as partes, o fornecedor e o consumidor em situação de inferioridade técnica e econômica.


Diante da vulnerabilidade do consumidor, o legislador passa a incluir na Carta Magna de 1988, pela primeira vez em nossa história constitucional, a defesa do consumidor entre os princípios gerais de Ordem Econômica, no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII, da CF / 88), isso quer dizer que, o Governo Federal tem a obrigação de defender o consumidor, de acordo com o que estiver estabelecido nas leis.


O Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC sancionado em 11 de setembro de 1990 entrou em vigor após o decurso da vacatio legis, em março de 1991, vem destinado a tutelar os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores, através de uma disciplina jurídica uniforme.


 Com e edição do Código de Defesa do Consumidor, os direitos do consumidor foram se consolidando, através da criação do microssistema das relações de consumo e da inserção de novas normas e princípios jurídicos. As relações de consumo foram se modificando, equilibrando dessa maneira as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores.[3]
As normas do Código de Defesa do Consumidor são, pois, aplicáveis “em toda e qualquer área do Direito onde ocorrer relação de consumo”.[4]


1. PERSONAGENS DA RELAÇÃO DE CONSUMO


Relação de consumo é a relação existente entre o consumidor e o fornecedor na compra e venda de um produto ou na prestação de um serviço.


O Código de Defesa do Consumidor tutela as relações de consumo e sua abrangência está adstrita às relações negociais, das quais participam, necessariamente, o consumidor e o fornecedor, transacionando produtos e serviços, excluindo destes últimos os gratuitos e os trabalhistas.


Disto conclui-se que, para que seja amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, a relação tem que possuir todos estes aspectos, isto é, uma relação de negócios que visa a transação de produtos e/ou serviços, feita entre um fornecedor e um consumidor.
Assim, não basta a existência de um consumidor numa determinada transação para que ela seja caracterizada como relação de consumo. É preciso, também, a existência de um fornecedor que exerça as atividades descritas no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.[5]


1.1. Consumidor


O consumidor é o destinatário final do produto ou serviço e sua definição se encontra disposta no artigo 2º da Lei nº 8.078/90, segundo o qual, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”( é o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo), até mesmo uma coletividade de pessoas, independente de sua manifestação de vontade.


Portanto, consumidor é aquele que comparece a um estabelecimento comercial e adquire um produto para uso próprio, sem a intenção de revendê-lo, negociá-lo ou utilizá-lo profissionalmente. Caso venha adquirir um produto e presenteie um amigo, essa pessoa será considerada consumidor, desde que utilize em proveito próprio.


Quando se tratar de pessoa jurídica, é necessário que o produto ou serviço adquirido ou utilizado não guarde vinculação direta com a atividade-fim explorada economicamente. Ou seja,quando o adquirente do produto, pessoa física ou jurídica, estiver atuando como intermediário do ciclo de produção, não se enquadrará como consumidor, por não ser destinatário final.  


Assim, para Leonardo de Medeiros Garcia[6], consumidor seria o não profissional, ou seja, aquele que adquire ou utiliza um produto para uso próprio ou de sua família.


1.2 Fornecedor


Derivado do francês fornir (fornecer,prover), fornecedor é, como define Plácido e Silva, “todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessários a seu consumo”.[7]


Segundo o artigo 3º da legislação consumerista é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou até mesmo um ente despersonalizado, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos e prestação de serviços. É aquele que, habitualmente,  disponibiliza produtos e serviços ao consumidor.


É, em síntese, todo aquele que oferta, a título singular e com caráter de profissionalidade – exercício habitual do comércio – produtos e serviços ao mercado de consumo, atendendo, assim, às suas necessidades.


A Lei nº 8.078/90 classificou o fornecedor como todo e qualquer praticante de uma atividade econômica dirigida ao mercado de consumo. Abrangendo, desta forma, o produtor, o fabricante, o importador, o exportador, o comerciante, o prestador de serviços.


A pessoa física fornecedora é aquela, como o caso dos empresários individuais,o profissional liberal, como médicos, dentistas,advogados,contadores,psicólogos etc, que vende produtos ou presta serviço para pessoas que os adquirem ou os utilizam como destinatárias finais.


Como decorrência lógica da sistemática da responsabilidade civil adotada peã Lei 8.078/90, torna-se necessário distinguir-se o fornecedor imediato do fornecedor mediato, objetivando, assim, a fixação da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço.


De acordo com Roberto Lisboa, fornecedor mediato é todo aquele que “não celebrou o contrato, mas integrou a cadeia econômica como fornecedor do produto ou do serviço”. Imediato ou indireto, é o fornecedor que “comercializa o produto ou presta diretamente o serviço, ainda que em um ou noutro caso venha a se  valer de mandatário, preposto ou empregado”.[8]  As hipóteses previstas no artigo 13 e seus incisos do Código de Defesa do Consumidor, “a responsabilidade do fornecedor direto será sucessiva e subsidiária, quando desconhecida ou insuficiente à identificação do fornecedor indireto ou mediato”. Quando houver dano puramente patrimonial, “a responsabilidade de todos os fornecedores da cadeia econômica será solidária, salvo exceção em sentido contrário”.[9]


1.3 Produto


O produto tem o sentido de bem, seja este móvel ou imóvel, material ou imaterial. São bens econômicos suscetíveis de apropriação. Obrigação de dar. A definição de produto no Código de Defesa do Consumidor  se encontra no artigo 3º, parágrafo 1º.


Segundo Semenick e Bamossy[10], produto é um conjunto de atributos tangíveis e intangíveis que proporciona benefícios reais ou percebidos com a finalidade de satisfazer as necessidades ou os desejos do consumidor. Para Kotler e Armstrong, produto é qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado para atenção, aquisição, uso ou consumo, e que possa satisfazer a um desejo ou necessidade.


José Cretela Júnior, refere-se ao produto como sendo qualquer coisa que, por ter valor econômico, entra no campo jurídico e passa a ser objeto de cogitação do homem.


Os objetos de direito na relação de consumo, classificam-se, de acordo com o ordenamento consumerista, quanto à segurança, à nocividade, à adequação, à propriedade; à durabilidade; à natureza; e a essencialidade.


O produto é inseguro quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera (artigo 12, parágrafo 1º); é nocivo se a segurança que dele se espera não pode ser alcançada de imediato; é inadequado se não corresponde ordinariamente às expectativas do consumidor quanto à finalidade da aquisição ou à utilização do produto; é impróprio quando se mostra inadequado economicamente por vício de qualidade, quantidade, ou informação; é durável quando a utilização do produto não importa na sua imediata destruição física; é in natura quando resultante da atividade agrícola, pastoril ou extrativista, sem que seja realizada qualquer atividade industrial; é essencial ou substancial quando não pode ter qualquer um de seus componentes retirados ou substituídos, sob pena de comprometer a sua substância.


2. OS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR


O consumidor pelo simples fato de se sujeitar às práticas adotadas pelo mercado de consumo lhe é conferido através do Código de Defesa do Consumidor, a proteção necessária, na qualidade de destinatário final do produto ou do serviço.


Os nossos ilustres doutrinadores Olga Maria do Val e Fabio Ulhoa Coelho, comenta que a vulnerabilidade do consumidor “decorre do princípio constitucional da isonomia, partindo-se da idéia segundo a qual os desiguais devem ser tratados desigualmente, na proporção de suas desigualdades, a fim de que se obtenha a igualdade desejada”[11]


A seguir, trataremos de alguns direitos básicos do consumidor, senão vejamos:


2.1. A Proteção da Vida, Saúde e Segurança


No artigo 6º do CDC, indica, como um dos direitos básicos do consumidor, assim como de terceiros não envolvidos diretamente nas relações de consumo, “a proteção da vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas do fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (inciso I).


Por ser a parte mais fraca na relação de consumo, reconhece a norma consumerista o direito de ser o consumidor protegido contra os danos que, direta ou indiretamente, possam atingir sua integridade física ou psíquica, e que decorram do fornecimento de produtos e serviços.


2.2. A Prevenção e Reparação de Danos


Por força da norma protetiva, impõe-se aos fornecedores de produtos e serviços o dever de prevenir eventuais danos.


Os fornecedores, em decorrência da norma em vigor, vêm utilizando determinados procedimentos com o intuito de prevenção e/ou correção de produtos e serviços, como o recall, por exemplo, em que os consumidores são chamados a comparecerem, em dia, horário ou período pré-determinados, para a efetivação de trocas de peças defeituosas.[12]


2.3. A Inversão do Ônus da Prova


O objeto da prova é, portanto, o fato e não a afirmação. Limita-se aos procedimentos necessários à comprovação dos fatos afirmados e não admitidos.


Assim, quem propõe uma pretensão em julgamento deve provar os fatos que a sustentem; e quem opõe, por sua parte, uma exceção deve provar os fatos de que resulta, ou seja, quem pretende alguma coisa deve provar o fato ou fatos constitutivos.


Logo, se reconhecida pelo julgador a necessidade de proceder-se à inversão do ônus probatório, passa a ser também encargo da parte contrária o custo referente à realização da prova.


Para Pontes de Miranda, a diferença entre dever e ônus, está em que o “dever é em relação a alguém, ainda que seja sociedade; há relação jurídica entre dois sujeitos, um dos quais é o que deve: a satisfação é do interesse do sujeito ativo; ao passo que o ônus é em relação a si mesmo; não relação entre sujeitos; satisfazer é do interesse do próprio onerado”.


Vê-se, portanto, que ônus da prova não significa obrigação de provar no sentido jurídico. Constitui simplesmente necessidade ou risco da prova. É uma condição essencial para o êxito da causa.[13]


Por conseguinte, apenas estimula-se a parte gravada com o encargo que forneça ao processo a prova de que tem interesse, como decorrência lógica da inversão.


Foi um aspecto importante a inclusão no inciso VIII da possibilidade do ônus da prova a favor do consumidor quando for verossímil sua alegação ou quando ele for considerado hipossuficiente. O CDC adotou a regra da distribuição dinâmica do ônus da prova, uma vez que o magistrado tem o poder de redistribuição (inversão) do ônus probatório, caso verifique a verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor, a fim de reequilibrar a relação processual em razão do fornecedor, dispor de melhores condições técnicas e econômicas para a disputa judicial.


Por fim, a conclusão de Carlos Roberto Barbosa Moreira, dentro desse novo contexto:”a finalidade da norma que prevê a inversão é a de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, e não de assegurar-lhe a vitória, ao preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao fornecedor se deve proporcionar”.[14]


Jurisprudência – Inversão do Ônus da Prova


“PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSIÇÃO DE DESVANTAGEM DO CONSUMIDOR. PODER DO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE. A inversão do ônus da prova dá-se, ope judicis, isto é, por obra do Juiz, e não ope legi, como ocorre na distribuição do ônus da prova, regulada pelo Código de Processo Civil (art. 333). Cabe ao magistrado verificar se estão presentes os requisitos legais para que se proceda à inversão. A finalidade da inversão do ônus da prova é exatamente equilibrar as forças, diante do princípio que reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. É certo que a inversão do ônus da prova não importa obrigar a parte a arcar com o pagamento dos honorários periciais, mas, tão-somente, em lhe transferir o ônus da prova de elidir a presunção que milita em favor do consumidor. Cabe à agravante decidir sobre a conveniência de produzir ou não a prova pericial que passou a ser do seu interesse, arcando com as conseqüências dessa decisão. Recurso em confronto com a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça.Seguimento negado” (2007.002.22595 – Agravo de Instrumento. Rel. Des. Lindolpho Morais Marinho – Julgamento: 21/08/2007 – Décima Sexta Câmara Cível – TJ/RJ).


3.   VÍCIOS DO PRODUTO


3.1 Conceito


Vício, genericamente considerado, é o defeito grave que torna uma ou coisa inadequada à certos fins ou funções a que se propõe.


O verbo redibir significa anular judicialmente uma venda ou outro contrato comutativo em que a coisa negociada foi entregue com vícios ou defeitos ocultos, que impossibilitam o uso ao qual se destina que lhe diminuem o valor (Dicionário Aurélio).


De acordo com o magistério de Clóvis Beviláqua, vícios redibitórios são os defeitos ocultos, que tornam a coisa imprópria para o uso a que é destinada, que o contrato não se teria realizado, se fossem conhecidos (In código civil comentado, vol. 4, p.214, 11ª ed.) Para que ocorra, pois, o vício aludido, cumpre que haja uma coisa, que esta seja recebida em virtude de um contrato comutativo, que o vício seja oculto e preexistente no contrato, que tal defeito a torne imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminua significativamente o valor. A coisa deve ser recebida através de um contrato, o comutativo. Comutativo é o contrato sinalagmático, a título oneroso e não aleatório, isto é, aquele “em que cada uma das partes, além de receber da outra prestação equivalente à sua, pode apreciar imediatamente essa equivalência”. (Washington, ob. art., p. 40).


Maria Helena Diniz articula uma leal definição doutrinaria de vício redibitório. Senão vejamos:


“Os vícios redibitórios, portanto, são falhas ou defeitos ocultos existente na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comuns às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o ato negocial não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos” (DINIZ, p.118, 2002).


Descobertos os vícios ocultos, ocorrerá a redibição da coisa, ou seja, torna-se sem efeito o contrato, acarretando-lhe a resolução, com a restituição da coisa defeituosa ao seu antigo dono ou sendo concedido um abatimento no preço, se preferir o adquirente.


Para que seja caracterizado o vício redibitório, há de estarem presentes os seguintes requisitos:


a) que a coisa tenha sido adquirida em virtude de contrato comutativo;


b) que esteja presente vício ou defeito prejudicial à sua utilização, ou lhe diminuam o valor;


c) que estes defeitos sejam ocultos;


d) que os defeitos sejam graves;


e) que o defeito já existia no momento da celebração do contrato e que perdure até o instante da reclamação.


3.2 Vícios de Qualidade do Produto


No tocante a vícios de qualidade, é o defeito do produto, que determina a impropriedade ou inadequabilidade para consumo ou lhe reduza o valor econômico.


Qualidade é a propriedade intrínseca da coisa que a torna distinta das demais, de maneira que vício da qualidade é apresentar uma coisa por outra, apresentando de forma falsa, essencialidade que o produto não possui.[15]


Os vícios de qualidade do produto estão elencados no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, a saber:


1) Aqueles capazes de torná-los impróprios ou inadequados ao consumo;


2) Aqueles que lhes diminuam o valor: e


3) Aqueles que contêm falhas na informação (verdadeiros vícios de informação) em razão da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária.[16]


Assim, para exemplificar, tipos de vício de qualidade do produto, temos:


1) Veículo com falha no freio (produto inadequado);


2) Enlatados cujo conteúdo esteja deteriorado (produto impróprio);


3) Veículo com lataria amassada (vício que diminui o valor do produto);


4) Produto em que as informações sobre uso estejam incorretas (vício de informação).


O parágrafo 1º do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que o fornecedor terá a oportunidade de sanar o vício no prazo de 30 dias. Caso uma televisão seja adquirida numa loja, e que apresente vícios, como imagem distorcida, por exemplo, o consumidor não poderá de imediato, exigir outra nova, o dinheiro de volta ou o abatimento do preço. Isso porque o fornecedor terá o direito de consertar o vício.


Assim, dever de qualidade que se impõe aos fornecedores de produtos e serviços se encontra como adverte Cláudia Lima Marques, ligado ao princípio da proteção da confiança, fundada na expectativa do consumidor de que o produto ou serviço ofertados se encontram adequados aos “fins que razoavelmente deles se esperam” (artigo 20, parágrafo 2º do CDC).


 Tem-se por defeituoso, todo produto que não possui a qualidade necessária para desempenhar a função que dele legitimamente se espera, ou seja, não atende à finalidade para a qual se propõe, ou seja, não tem a qualidade necessária para ser funcional.


Nesse sentido, temos como exemplo, a Jurisprudência Pátria:


 “0005997-33.2003.8.19.0202 – APELACAO – 1ª Ementa


DES. REINALDO P. ALBERTO FILHO – Julgamento: 08/04/2010 – QUARTA CAMARA CIVEL


E M E N T A: Rescisão de Contrato c.c. Indenização. Pedido julgado parcialmente procedente. Veículo zero quilômetro. Vício oculto.I – Rescisão do contrato de financiamento não foi objeto do pleito vestibular, tanto que a Financeira não integrou o pólo passivo da ação e, assim, nada há que se decidir a respeito.II – Prazo decadencial previsto no inciso II do artigo 26 da Lei Consumerista foi obstado, com a notificação da Primeira Ré. Exegese do § 2°, inciso I do mesmo texto legal.III – Bem adquirido perante a Primeira Suplicada, com a nota fiscal expedida pela Segunda Demandada. Ambas participaram da cadeia de consumo, havendo solidariedade entre elas. Inteligência do parágrafo único do artigo 7° do CDC.IV Preliminares de omissão da R. Sentença, de decadência e de ilegitimidade passiva não merecem prestígio.V – Veículo zero quilômetro apresentando defeito em duas oportunidades, a ponto de trocar basicamente todas as peças fundamentais do motor. Vícios não sanados no prazo de 30 (trinta). Consumidor que faz jus à restituição do valor pago. Exegese do § 1°, inciso II do artigo 18 da Lei Consumerista.VI – Valor pago como parte de pagamento do negócio não elidido pelas Demandadas. VII – Problemas mecânicos em um carro zero quilômetro ultrapassaram o instituto do mero aborrecimento, interferindo no comportamento psicológico do Demandante. Dano moral caracterizado. Aludida verba arbitrada em sonância com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.VIII – R. Sentença julgando parcialmente procedente o pedido, somente para rescindir o negócio em lide, com a devolução do valor pago a título entrada e fixando o dano moral que não merece reforma.IX – Apelações que se apresentam manifestamente improcedentes. Aplicação do caput do art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento aos Recursos.”


Caso o produto apresente o mesmo vício, presume-se que o fornecedor não conseguiu colocar o produto em condição de pleno uso e de forma apropriada para o consumidor. Assim, o consumidor poderá se valer das hipóteses do parágrafo 1º do artigo 18 do CDC, ou seja, pedir outro produto; a restituição da quantia paga ou solicitar o abatimento proporcional, sem prejuízo de eventual indenização por perdas e danos. Leonardo Bessa entende, que mesmo que se trate de outro vício, o fornecedor não teria o prazo de 30 dias e o consumidor poderia de imediato, valer-se das alternativas do parágrafo 1º do artigo 18. Para ele “há, no mínimo, um indicativo de desvalorização do produto”.[17]


A jurisprudência tem permitido, por exemplo, que veículo novo que apresente uma série de vícios seja substituído por outro, uma vez que há frustração na confiança do consumidor.


“Compra de veículo novo com defeito de fábrica. Responsabilidade do fabricante. Comprado veículo novo com defeito de fábrica, é responsabilidade de o fabricante entregar outro do mesmo modelo, a teor do art. 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor” (STJ, REsp. 195659 / SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 12 / 06 / 2000).


De acordo com o exposto, as perdas e danos serão sempre possíveis. Esse é o posicionamento do STJ:


“O vício do produto ou serviço, ainda que solucionado pelo fornecedor no prazo legal, poderá ensejar a reparação por danos morais, desde que presentes os elementos caracterizadores do constrangimento à esfera moral do consumidor. Se o veículo zero-quilômetro apresenta, em seus primeiros meses de uso,, defeitos em quantidade excessiva e capazes de reduzir substancialmente a utilidade e a segurança do bem, terá o consumidor  direito à reparação por danos morais, ainda que o fornecedor tenha solucionado os vícios do produto no prazo legal” (STJ, REsp. 324629 / MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 28/04/2003).


O vicio aparente considera-se quando o prazo de validade do produto estiver vencido, pouco importando que o mesmo continue em condições de ainda ser consumido.


Consoante tal regra, o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação,tratando-se de produto não duráveis, caduca em 30 dias, tratando-se de fornecimento de produto duráveis, o prazo, se estende por 90 dias. Os prazos serão tratados mais a frente.


A seguir, algumas jurisprudências e informativos do STF e STJ no que tange a questão dos vícios de qualidade do produto.


– Dano material. Carro usado.


“O recorrido adquiriu um automóvel usado da recorrida, sociedade comercial, mediante contrato de compra e venda que previa 90 dias de garantia. Sucede que, logo em seguida, o veículo apresentou defeito no sistema de arrefecimento, o que obrigou o recorrido, por duas vezes, a utilizar-se de oficina de sua confiança, limitando-se a recorrente a apenas lhe franquear a peça a ser substituída (um cabeçote) sem, contudo, cobrir os gastos com mão de obra. Daí a busca da indenização dos danos materiais com amparo nos artigos 18 do CDC e 927 do CC/2002. A recorrente, por sua vez, alega não existir ato ilícito, na medida em que forneceu a peça defeituosa que foi oportunamente substituída. Desse contexto, nota-se que a extensão dos danos materiais sofridos não se limita à peça franqueada, mas, sim, inclui as despesas de mão de obra, valores esses despendidos durante o prazo de garantia do veículo, tal como comprovado nos autos, a determinar a necessidade de completa reparação dos prejuízos sofridos. Anote-se não haver prova nos autos de que o defeito foi causado por culpa do consumidor, o que possibilita a aplicação do art. 18 do CDC, relativo à responsabilidade objetiva dos fornecedores de bens de consumo duráveis por vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou mesmo que diminuam seu valor” (REsp. 760.262-DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 3/04/2008. Informativo 350).


– Veículo zero. Defeitos diversos. Possibilidade também dos danos morais.


“A excessiva quantidade de defeitos causou ao adquirente do veículo frustração, constrangimento e angústia, elementos configuradores do dano moral. Ressaltou-se que o regime previsto no art. 18 do CDC não afasta o direito do consumidor à reparação por danos morais nas hipóteses em que o vício do produto ocasionar ao adquirente dor, vexame, sofrimento ou humilhação, capazes de ultrapassar a esfera do mero dissabor ou aborrecimento” (STJ, REsp. 324.629-MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j.10/12/2002, Informativo 158).


O art. 18 do CDC não impõe que o produto, quando substituído pelo fornecedor, tenha  que ser novo.


“Constatando o vício do produto, concede-se ao fornecedor a oportunidade de saná-lo no prazo máximo de trinta dias. Não sendo reparado o vício, o consumidor poderá exigir, à sua escolha, as três alternativas constantes dos incisos do § 1º do art. 18 do CDC. No caso, inexiste ofensa ao mencionado dispositivo, pois imediatamente após a reclamação, o fornecedor prontificou-se a reparar o produto – um veículo automotor. Não aceita a oferta pelo consumidor, propôs a substituição do bem por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso ou a compra pelo preço de mercado e, ainda assim, o consumidor manteve-se renitente. “A primeira solução que o Código apresenta ao consumidor é a substituição das partes viciadas do produto. Não se está diante de uma opção propriamente dita, uma vez que, como regra, o consumidor não tem outra alternativa a não ser aceitar tal substituição” (Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin, in Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, coordenador Juarez de Oliveira – São Paulo – Saraiva, 1991). Não sanado o vício de qualidade, cabe ao consumidor  a escolha de uma das alternativas previstas no art. 18, § 1º, do CDC. O dispositivo em comento não confere ao consumidor o direito à troca do bem por outro novo, determina apenas que, ‘não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (…)”” (Precedentes citados: REsp. 185.836 – SP,DJ 22/03/1999, e REsp. 109.294 – RS,DJ12/05/1997. REsp. 991985 – PR, Rel. Min. Castro Meira, j. 18/12/2007. Informativo 343).[18]


A seguir, no próximo capítulo do presente estudo, será tratado a respeito da responsabilidade pelo vício do produto, sendo que a proteção aos interesses jurídicos do consumidor é de natureza preventiva.


4.   RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO


A definição da palavra “responsabilidade” tem origem no latim, do verbo respondere, que significa a obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade. De Plácido e Silva[19] define que, a responsabilidade exprime a obrigação de responder por alguma coisa. Quer significar, assim, a obrigação de satisfazer ou executar o ato jurídico, que se tenha convencionado, ou a obrigação de satisfazer a prestação ou de cumprir o fato atribuído ou imputado à pessoa por determinação legal.


A responsabilidade civil consiste no dever de reparação de um dano sofrido por determinada pessoa. Há alguns anos atrás, prevalecia à justiça privada, exercida a partir da lei do mais forte. Os danos e prejuízos eram compensados através de atos violentos contra o agente causador dos mesmos. Diante da necessidade de evitar a instabilidade social e resguardar a segurança, o Poder assume a responsabilidade pela administração da justiça não mais permitindo que prevalecesse a justiça privada. As legislações mais antigas, como o Código de Hamurabi (2050 a. C.) e o Código de Manu (século XIII a. C.) prevêem sanções baseadas na Lei de Talião, estabelecendo, assim, que o lesado pelo dano pudesse causar o mesmo mal ao agente responsável.


Naqueles estatutos legais, não havia diferenciação entre a responsabilidade civil da penal. Também não havia previsão para quem causasse dano a outrem, prevalecia à tipicidade das condutas, com previsão de comportamento com resultado danoso e a sanção, que era a aplicabilidade da Lei de Talião, existindo, contudo, alguns casos com pagamento de valores fixos para compensar o dano. Não existia o elemento culpa para caracterizar a responsabilidade.


O Código Civil Francês (Código de Napoleão) exerceu grande influência nas codificações que se sucederam como o Código Civil Alemão e o Código Civil Suíço, bem como o Código Civil Brasileiro de 1916.


A responsabilidade civil no Brasil foi precariamente regulamentada, a princípio, pelas Ordenações do Reino, as quais não distinguiam o ilícito penal do ilícito civil e recorriam subsidiariamente ao Direito Romano através da  Lei da Boa Razão (Lei  de 18 de agosto de 1769).


O Código Civil de 1916 adotou a culpa como fundamento da responsabilidade civil (responsabilidade civil subjetiva).


Por fim, o Código Civil de 2002 (Novo Código Civil), que prevê, ao lado da responsabilidade civil subjetiva, a responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco criado.


A responsabilidade, portanto, do fabricante, produtor, construtor e do importador, ocorrerá independentemente da investigação de culpa (responsabilidade objetiva), ou seja, será desnecessária a averiguação de negligência, imperícia ou imprudência, sendo suficiente que o consumidor demonstre o dano ocorrido (acidente de consumo) e a relação de causalidade entre o dano e o produto adquirido (nexo causal). 


Poderá o fornecedor, de acordo com o § 3º, alegar que não colocou o produto no mercado ou que, embora o produto tenha entrado no mercado de consumo, o defeito inexiste ou que o dano foi causado por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.[20] São as excludentes de responsabilidade, afastando a teoria do risco.


Outra forma de excludente demonstrada pelo fornecedor é quando o produto foi inserido no mercado e não apresenta defeito. Não havendo defeito, não teria como causar o acidente de consumo. Conforme o CDC,é atribuição do fornecedor o ônus da prova (que o produto não apresenta defeito) e não ao consumidor.Pela regra geral do art. 333,I, do CPC, é o autor que deve provar o defeito do produto (uma vez que o defeito do produto é um dos pressupostos da responsabilidade por danos nas relações de consumo), o dano sofrido e o nexo causal entre ambos (fato constitutivo de seu direito).[21]


Se o comportamento do consumidor ou de terceiro é o único causador do acidente de consumo, não haverá responsabilidade do fornecedor, uma vez que inexistirá nexo causal entre o dano e a atividade do fornecedor.


A responsabilidade por vício oculto do produto será tratada no próximo capítulo diferenciando a culpa de cada agente, em relação à questão de sanar o problema (vício).


4.1 Responsabilidade do Comerciante        


Comerciante é aquele que promove, de forma habitual e profissional, a atividade de compra de mercadorias para revenda.


De acordo com José Carlos Maldonado de Carvalho, “todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços”.[22]


Em relação à responsabilidade do comerciante, o CDC trata no seu artigo 13 em que diz:


“Art. 13 – O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior (12), quando:


I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;


II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;


III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.


Parágrafo único – Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.”


A responsabilidade do comerciante, nos acidentes de consumo, é meramente subsidiária, pois os obrigados principais são aqueles elencados no art. 12 do CDC.[23]


Nos termos do inciso I, o comerciante será responsabilizado se o fabricante, construtor, produtor ou importador não puderem ser identificados, como se dá na compra de cereais de diversos produtores e na subseqüente embalagem e revenda do produto. Neste caso, o comerciante adquire a mercadoria, geralmente em atacadistas, e a vende separadamente. Em virtude disso, a identificação do fabricante ou do produtor da mercadoria não será acessível ao consumidor, pois muitas vezes há até uma mistura de mercadorias de produtores diferentes, como no caso de venda de tomates em feiras livres. O inciso II responsabiliza, da mesma sorte, o comerciante, se o produto final embalado, não permitir clara identificação dos respectivos fabricantes. É o caso de o comerciante comprar um saco de tomates com dez quilos e dividi-los em dez embalagens de um quilo.[24] O comerciante poderia etiquetar as novas embalagens, mas não o faz, não permitindo a identificação do produtor.


A hipótese de coobrigação, que, irá ocorrer com mais freqüência, é a prevista no inciso III, ou seja, quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Neste inciso, fica clara a culpa do comerciante em que não houve a devida conservação do produto perecível perdendo a sua qualidade e podendo até gerar algum risco ao consumidor.


Se um supermercado adquirir iogurte, queijo e leite de um determinado fabricante de laticínios, para os quais a recomendação é de conservar em local refrigerado, mas desligar todo o sistema de refrigeração do estabelecimento durante a noite, certamente os produtos poderão parecer ou até desenvolver bactérias que causem lesão ao consumidor. Neste caso, será o supermercado o responsável pelos danos ocasionados.


Caberá ao fornecedor elencado no art.12 que venha ser acionado pelo consumidor que sofreu o prejuízo a prova da culpa do comerciante pela má conservação do produto, pela regra prevista no caput do artigo 12, que dispõe a respeito da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, pois aqui ocorrerá uma hipótese de culpa exclusiva de terceiro.


Além da responsabilidade subsidiária regulada pelo art. 12 do CDC, o comerciante pode ser responsabilizado como “terceiro” quando ficar demonstrada a exclusividade da sua culpa no evento danoso, nos termos do inciso III. Como é intuitivo, o ônus da prova de culpa exclusiva do comerciante é dos fornecedores elencados no dispositivo anteriormente citado.[25]


O parágrafo único do art. 13 disciplina o exercício do direito de regresso do comerciante que efetivou o pagamento contra os demais partícipes na causação do evento danoso.


A interpretação do referido artigo induz a aplicação dele, a todos coobrigados do artigo 12, caput, ou seja, trata o direito de regresso daquele que pagou a indenização contra os demais co-responsáveis na causação do evento danoso.


Vale ressaltar, que nos termos do art. 88 do CDC, o direito de regresso assegurado neste parágrafo poderá ser exercido nos mesmos autos da ação de responsabilidade ou em processo autônomo, ficando vedada a denunciação da lide. A vedação está em perfeita consonância com o disposto no artigo 6º, VIII, do CDC, que determina a facilitação da defesa do consumidor em juízo, posto que um incidente processual de denunciação da lide acarretaria complicações à defesa do consumidor.


“Art. 88 – Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.


Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:


VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”


A regra da denunciação da lide é a do art. 70 do Código de Processo Civil, que dispõe:


Art. 70 – A denunciação da lide é obrigatória:


I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;


II – ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;


III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.”


Para o caso do art. 13 do CDC, a incidência seria, então, a do inciso III do art. 70.


São duas as razões para que a lei consumerista impeça a denunciação:


a) Para evitar o retardamento do feito;


b) Porque a responsabilidade do comerciante para com o consumidor é objetiva, enquanto a do comerciante para com os demais co-responsáveis é subjetiva. Isso traria um acréscimo e maior atraso no processamento, pois na lide secundária que se instalaria entre o comerciante-denunciante e o outro fornecedor-denunciado estar-se-ia discutindo culpa ou dolo.


Por questão de economia processual, o comerciante poderá, após ressarcir o consumidor, prosseguir nos mesmos autos em face do(s) outro(s) responsável(is).[26]


4.2 Responsabilidade do Fornecedor


A pessoa que pretende fornecer bens de produção ou serviços ao mercado, com habitualidade, deve ter consciência de que, por ser “o titular do conhecimento técnico acerca do que lança no mercado de consumo, assume posição de superioridade técnica em relação aos consumidores que desfrutam de seu produto.


Os vícios não se confundem com os defeitos. Para o Código, são considerados defeitos os fatos que geram um prejuízo ao patrimônio físico, moral ou financeiro do consumidor. Os vícios são características do produto, em relação à sua qualidade ou disparidades entre as informações contidas nos produtos, serviços ou em mensagens publicitárias. Um vício sempre estará contido no produto, sendo a ele inerente. A ocorrência de um defeito, muitas vezes, é antecedida por um vício, como, por exemplo, um vício nos freios de um veículo. Antes da ocorrência do acidente, pode-se dizer que se trata de um vício, gerando a responsabilidade do fornecedor pelo artigo 18 do CDC. Porém, ocorrendo um acidente ocasionado pelo problema nos freios, passará a ser um defeito, sendo o fornecedor responsabilizado nos termos do artigo 12 do CDC.[27]


A responsabilidade por vício de qualidade do produto, que é o objeto de estudo, se encontram como sujeitos passivos todos os fornecedores que respondem pelo ressarcimento dos vícios, coobrigados e solidariamente.


Da mesma forma que na responsabilidade pelo fato, a responsabilidade por vícios será aferida de forma objetiva, ou seja, não se indaga se o vício decorre de conduta culposa ou dolosa do fornecedor. Não importa se o fornecedor tenha ou não conhecimento do vício para que seja aferida sua responsabilidade. Nos moldes do artigo 23, “a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.”


Em se tratando de prevenção de danos, busca-se evitar que produtos e serviços que se revelem inadequados ao consumo venham justamente em razão dessa inadequação, a causar prejuízos aos consumidores. O que se faz necessário, a importância de testes, experimentos e estudos sejam realizados por fornecedores antes de introduzir ou modificar qualquer produto, a fim de reste certificada sua segurança. Esta prevenção também pode ser feita posterior a introdução do produto no mercado, tendo sido identificado que traria algum risco à vida, à saúde ou a segurança dos consumidores, como foi o caso do veículo da wolksvagen, o Fox. Onde o consumidor que tivesse adquirido tal bem teria que retornar a uma das concessionárias para que fizessem os devidos ajustes na trava do banco traseiro, a chamada recall, que poderia através de uma alavanca, puxar e se transformar em uma “caminhonete”, ou seja, teria um espaço de mala maior, pois essa alavanca estava trazendo risco à segurança do consumidor.


A chamada prática do recall foi adotada por montadoras de automóveis, quando detectam alguma irregularidade comprometedora da segurança ou do desempenho de veículos comercializados, importando no reconhecimento da responsabilidade pós-contratual desses fornecedores.


Ressalta-se que o fornecedor não pode estabelecer prazo para a realização do recall. A qualquer tempo o consumidor terá o direito de se encaminhar ao estabelecimento do fornecedor para pleitear gratuitamente os reparos necessários. Mesmo após a divulgação do recall , o fornecedor não está isento de arcar com o pagamento de indenizações decorrentes de eventuais acidentes provocados pelos vícios no processo de fabricação e montagem das peças do produto. Nem mesmo se houver a desídia do consumidor em atender o recall, não exime o fornecedor de arcar com as responsabilidades de um acidente que vier a ser provocado pelo vício.


Quando o consumidor adquire veículo com vícios na concessionária, são legitimados a responder pelos vícios tanto o comerciante (concessionária), quanto à fábrica (montadora). A responsabilidade é solidária. É comum o consumidor comprar o produto em determinada loja e quando se dirige à mesma para realizar o conserto, é informado que deverá procurar a assistência técnica do produto situada em outro endereço. Essa prática é considerada abusiva e não pode ser tolerada, podendo inclusive, a loja (comerciante) responder por perdas e danos, uma vez que, a responsabilidade por vícios é solidária.[28]


Diversos fornecedores tiveram a iniciativa de disponibilizarem aos consumidores um número de telefone e/ou um e-mail, para críticas, sugestões e reclamações, dentre as quais podem figurar advertências, em que resultarão em substancial incremento na qualidade e na segurança do produto.


Digamos que o produto não tenha apresentado qualquer defeito, tendo sido o acidente ocasionado pela inadequada utilização pelo consumidor, não há no que se falar em reparação de danos por parte do fornecedor, o que está devidamente expresso no artigo 12, § 3º, II e III do CDC. Não havendo a culpa do consumidor, configurada estará a responsabilidade do fornecedor em ressarci-lo de todos prejuízos por este sofridos, sejam de ordem patrimonial (inclusive lucros cessantes), de ordem moral, nada que se promova a reparação de ambos cumulativamente, como prevê a Súmula 37 do STJ.[29]


“STJ Súmula nº 37


Indenizações – Danos – Material e Moral – Mesmo Fato – Cumulação


São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”


O Código de Defesa do Consumidor rechaça a possibilidade de haver indenizações fixas, preestabelecidas ou tarifadas, impostas por outras leis ou regulamentos. A indenização pelos prejuízos sofridos pelo consumidor deve ser completa, de forma suficiente para restabelecer a integridade do patrimônio desfalcado pelo defeito manifestado pelo produto, ou seja, deve ostentar a mesma expressão que tinha antes do acidente de consumo.


4.3 Responsabilidade Solidária e Subsidiária


Neste item será tratado da responsabilidade que cada um tem no sentido de reparar o dano por vício do produto. Tanto o fornecedor, como o montador e o comerciante respondem de algum modo em caso de vício.


Alguns doutrinadores questionam se a responsabilidade por vícios não seria subjetiva. Isto porque, ao contrário dos arts. 12 e 14, o art. 18 ao 20 não previu de forma expressa a expressão “independentemente da existência de culpa”. Devemos lembrar sempre que a regra geral do CDC é a responsabilidade objetiva e que , quando quis prever uma exceção, o fez expressamente no art. 14,§ 4º (responsabilidade pelo fato de serviço dos profissionais liberais). Ademais, seria um grande ônus impor ao consumidor a prova de negligência, imperícia e imprudência do fornecedor sobre os vícios dos produtos e serviços, não se coadunando com o sistema protetivo do CDC.[30]


Como já foi tratado anteriormente, o caput do art. 12 onde elenca cada um dos responsáveis pelo fato do produto, a existência de vício em um bem adquirido ou utilizado pelo consumidor pode ser reclamada perante qualquer fornecedor, seja o comerciante, seja o fabricante ou algum outro integrante da cadeia produtiva. Assim, um acidente de veículo causado por defeito de fabricação em uma peça acarretará a responsabilidade solidária de seu fabricante e da montadora, mas não da concessionária onde o automóvel foi comprado. Constatando o vício naquela peça, sem que nenhum acidente tenha ocorrido, ensejará na responsabilidade solidária de seu fabricante, da montadora e da concessionária,cabendo ao consumidor optar por formular sua reclamação judicial ou extrajudicial em face de qualquer um desses fornecedores, ou mesmo de todos conjuntamente.


A jurisprudência tem permitido, por exemplo, que veículo novo que apresenta uma série de vícios seja submetido por outro, uma vez que há frustração na confiança do consumidor.


“Compra de veículo novo com defeito de fábrica. Responsabilidade do fabricante. Comprado veículo novo com defeito de fábrica, é responsabilidade do fabricante entregar outro do mesmo modelo, a teor do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor” (STJ, REsp. 195659 / SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 12/06/2000).


Conforme exposto, as perdas e danos sempre serão possíveis. A posição do STJ em relação à reparação é essa:


“O vício do produto ou serviço, ainda que solucionado pelo fornecedor no prazo legal, poderá ensejar a reparação por danos morais, desde que presentes os elementos caracterizadores do constrangimento à esfera moral do consumidor. Se o veículo zero-quilômetro apresenta, em seus primeiros meses de uso, defeitos em quantidade excessiva e capazes de reduzir substancialmente a utilidade e a segurança do bem, terá o consumidor direito à reparação por danos morais, ainda que o fornecedor tenha solucionado os vícios do produto no prazo legal” (STJ, REsp. 324629 / MG, Relª. Min. Nancy Andrighi, DJ 28/04/2003).[31]


Mesmo que o vício seja sanado pelo fornecedor dentro do prazo estabelecido, poderá vir a indenizar o consumidor pelos prejuízos sofridos em razão da privação do uso do bem durante o prazo de conserto.


Se houver mais de um fabricante para o mesmo produto, ou mais de um causador do dano, todos irão responder solidariamente pela reparação (arts. 7º,§ único, 18 e 25,§§ 1º e 2º).


Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminua o valor” (art. 18).


Herman Benjamin pondera, caso determinado produto tenha mais de um fabricante, como por exemplo: um de matéria-prima, outro de componente, e outro de produto final, todos serão solidários pelo defeito e suas conseqüências, em razão da solidariedade.[32]


Em suma, são responsáveis solidários todos que participaram, de maneira efetiva, da produção, circulação e distribuição dos produtos ou de prestação de serviços, cabendo ao consumidor a escolha daquele contra quem dirigirá à sua pretensão, assegurado ao demandado, contudo, o direito de regresso.


Conforme o disposto no art.13 do CDC, o comerciante é igualmente responsável, subsidiariamente, pelos danos causados ao consumidor por defeitos no produto ou por informações insuficientes ou inadequadas, nos termos do art. 12 do CDC.


O comerciante tem assegurado o direito de regresso contra os demais responsáveis de acordo com sua participação na causação do evento danoso, quando efetivar o pagamento ao consumidor prejudicado.


De acordo com o artigo 88 do CDC, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo.


O fato de incluir o comerciante como responsável subsidiário, não quer dizer que excluiu o fornecedor, apenas aumenta a cadeia de coobrigados.


A jurisprudência pátria, nesse sentido, entende que a lei possibilita a responsabilização do comerciante para sanar o vício do produto e do serviço:


Jurisprudência:


“CIVIL – CDC – COMPUTADOR – DEFEITO NA PLACA MÃE – VÍCIO DO PRODUTO – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE O FABRICANTE E O FORNECEDOR DO PRODUTO. 1. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Preliminar de ilegitimidade passiva que se rejeita em razão da solidariedade entre o fabricante do produto e a empresa que o revende. 2. Demonstrado nos autos o vício de qualidade do produto, cabe ao consumidor a escolha entre a troca ou a restituição do valor pago. 3. Não sanado o vício no prazo de trinta dias, a empresa que vende computador que apresenta defeito na placa mãe, deve restituir o valor recebido. 4. Multas aplicadas pelo Procon/DF não afastam o dever de restituição que recai sobre o fornecedor, uma vez que possuem fundamento fático e legal distintos. Recurso improvido.” (20050110940580ACJ, Relator ESDRAS NEVES, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 06/06/2006, DJ 03/07/2006 p. 129)


A Turma Julgadora do Estado de Goiás também firma este posicionamento:


CONSUMIDOR. VICIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. I – art. 13 do cdc se refere exclusivamente a responsabilidade do fato do produto ou servico, nao se aplicando ao caso em comento, mas sim o art. 18 c/c art. 2 do cdc, relativo ao vicio do produto ou serviço, impondo-se a responsabilidade solidária dos fornecedores de produtos pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo, sendo certo que fornecedor e tanto o fabricante quando o distribuidor ou comerciante do produto, por isso este e parte legitima para figurar no polo passivo da ação que visa a restituição da quantia paga. 2 – havendo a maquina lavadora retornado da assistência técnica por quatro vezes sem solução, manchando as roupas com bolinhas pretas, pode o consumidor pleitear a rescisão do contrato e exigir a restituição imediata da quantia paga, independentemente do prazo de garantia, dada a inadequação do produto ao consumo- inteligência do art. 18 parag. 1, II do CDC. recurso conhecido e improvido.” escrivania do 1. juizado especial cível, 200302267985, recorrente: Novo Mundo Móveis e Utilidade recorrido: Luciano dos Santos Brito” (grifo nosso)[33]


5.  GARANTIAS DO CONSUMIDOR


5.1 Garantia Legal – não tem prazo, “o que o consumidor tem é tempo para apresentar reclamação contra essa garantia a partir do recebimento do produto ou do término do serviço.”[34]


É o prazo que o consumidor dispõe para reclamar dos vícios (defeitos) verificados na compra de produtos ou contratação de serviços. O direito de reclamar independe do certificado de garantia.


A norma do art. 24 do Código estabelece expressamente a garantia legal de adequação dos produtos e serviços. O que significa qualidade para o atingimento do fim a que se destina o produto ou o serviço, segurança, para não causar danos ao consumidor, durabilidade e desempenho.[35]


Ao fornecedor está proibido de buscar desonerar-se de sua responsabilidade por essa garantia legal, sob pena de nulidade das cláusulas eventualmente pactuadas.


Trata-se, de norma cogente, de ordem pública, não podendo o consumidor renunciá-la. Entretanto, caso o fornecedor se comprometa a uma garantia maior do que a estipulada no artigo 26, por meio de contrato, estará vinculado ao novo prazo nos termos do artigo 50 do Código, não podendo alegar em seu favor a garantia legal.


Por se tratar de norma de ordem pública diz a respeito da isenção de responsabilidade do fornecedor, e não da alteração do prazo estabelecido para um prazo maior.[36]


“Art. 24 – A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.”


O fornecedor deve colocar no mercado de consumo produtos de boa qualidade, sem vícios ou defeitos que os tornem impróprios ao uso e consumo ou lhes diminuam o valor.


Se houver a existência de algum tipo de vício, o direito de reclamar contra esses vícios tem prazo estipulado nas hipóteses dos arts. 18 a 20. A lei consumerista garante a adequação do produto tendo o consumidor certo período de tempo para apresentar reclamação contra os vícios e o fornecedor pode ampliá-lo se quiser, conforme estabelecido no art. 50, do Código.


Quando o fornecedor coloca um produto no mercado, deve garantir que os mesmos correspondam às expectativas do consumidor, tanto em sua qualidade, como em quantidade, eficiência e informação.


Essa garantia independe de termo expresso já que não decorre da vontade das partes, mas da lei. A garantia legal existe naturalmente, sendo interna ao produto ou ao serviço fornecido. Mesmo que o fornecedor não garanta a adequação do produto, a lei o faz, sendo, por isso, nula qualquer cláusula exonerativa. Nesse sentido, dispõe o art. 51 do CDC: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.”[37]


5.2 Garantia Contratual


O Código deixa clara a impossibilidade de haver substituição da garantia legal pela contratual. Aquela é obrigatória e inderrogável; esta é complementar àquela, constituindo um plus em favor do consumidor.[38]


A garantia legal não pode ser excluída, em nenhuma hipótese, a pretexto de que o fornecedor estaria dando, contratualmente, outro tipo de garantia pois ela sempre é obrigatória, enquanto que a contratual é meramente facultativa, podendo ser concedida por liberalidade do fornecedor. “Portanto, os termos e o prazo dessa garantia contratual ficam ao alvedrio exclusivo do fornecedor, que os estipulará de acordo com sua conveniência, a fim de que seus produtos ou serviços possam ter competitividade no mercado.”[39]


Não é permitido que a garantia contratual seja dada verbalmente. O termo deve ser escrito e padronizado, a fim de que fique expresso o conteúdo da garantia, para que se avalie sua medida e extensão, de modo que atinja os consumidores daquele produto de maneira uniformizada.


Os requisitos mínimos de conteúdo dessa garantia são indicados pelo Código: em que consiste a garantia; forma, prazo e lugar em que pode ser exercida; os ônus a cargo do consumidor. De acordo com o art. 46, como a garantia é parte integrante do contrato de consumo, ao fornecedor incumbe esclarecer adequadamente o consumidor sobre as bases da garantia contratual.


O termo de garantia deverá ser preenchido e entregue ao consumidor pelo fornecedor na ocasião da conclusão do contrato de consumo. Caso seja descumprida esta obrigação, “a conduta em tese configura crime do art. 74 do Código, além de ensejar indenização por perdas e danos.”[40]


6.   PRAZOS LEGAIS


O consumidor que adquire bens de consumo duráveis ou não duráveis tem garantias estabelecidas por lei que independem da garantia oferecida pelo fornecedor.


Os bens de consumo duráveis são aqueles que podem ser utilizados várias vezes durante longos períodos, como por exemplo, os automóveis, eletrodomésticos, equipamentos, máquinas de lavar roupas, televisores etc. Enquanto que, os bens não duráveis são aqueles feitos para serem consumidos imediatamente, como, sorvetes, chocolates etc.


A garantia para bens duráveis é de 90 dias e dos bens não duráveis de 30 dias, ambos contados da data do recebimento da mercadoria.


A norma diz: “não sendo o vício sanado no prazo de 30 dias….”, ou seja, isso quer dizer que, o vício deverá ser sanado em 30 dias a partir do recebimento do produto com vício, sem qualquer ônus .


No artigo 26, § 3º do Código de Defesa do Consumidor diz que, ”tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”.[41]


Na realidade, sempre que o consumidor sofrer dano por defeito quer diretamente, quer indiretamente, como não cumprimento da obrigação de resolver o vício, aplica-se o período prescrito fixado no artigo 27 do CDC. “O fato de que a Lei nº 8.078/90, ao fixar o prazo prescricional de 5 anos para o consumidor pleitear indenização pelos danos sofridos em função de acidente de consumo, reduziu em muito o prazo existente na lei civil da época, que era de 20 anos[42].


No caso do fornecedor não conseguir sanar o vício oculto do produto dentro do prazo legal, o consumidor poderá se valer das hipóteses do § 1º do art. 18 do Código, que será tratado no próximo item.


6.1 Opções do Consumidor


As opções do consumidor se encontram elencadas no artigo 18 do CDC para a questão de quando o fornecedor deixar de cumprir com a obrigação de sanar o vício oculto do produto no prazo estabelecido por lei.


Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.


§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:


I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;


II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;


III – o abatimento proporcional do preço.(…)”


O texto da lei é bastante claro quando dispõe a respeito do consumidor, e somente a ele, a escolha alternativamente das possibilidades descritas nos incisos do art. 18, § 1° não cabendo ao fornecedor se opor. Tendo sido superado o prazo sem que o vício tenha sido sanado, o consumidor adquire, no dia seguinte, integralmente, as prerrogativas do parágrafo em comento.


 Caberá a ele optar por qualquer delas, sem ter de apresentar qualquer justificativa ou fundamento. Basta à manifestação de vontade, apenas sua exteriorização objetiva.


A jurisprudência tem permitido, por exemplo, que veículo novo que apresenta uma série de vícios seja substituído por outro, uma vez que há frustração na confiança do consumidor.


A posição do STJ em relação as perdas e danos é:


“O vício do produto ou serviço, ainda que solucionado pelo fornecedor no prazo legal, poderá ensejar a reparação de danos morais, desde que presentes os elementos caracterizadores do constrangimento à esfera moral do consumidor. Se o veículo zero-quilômetro apresenta, em seus primeiros meses de uso, defeitos em quantidade excessiva e capazes de reduzir substancialmente a utilidade e a segurança do bem, terá o consumidor direito à reparação por danos morais, ainda que o fornecedor tenha solucionado os vícios do produto no prazo legal.” (STJ, REsp. 324629 / MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi,DJ 28/04/2003).


A doutrina e a jurisprudência entendem da seguinte forma esta situação:


“Acórdão nº 257269 “As opções apresentadas serão exercidas, portanto, a critério do consumidor. Poderá ele escolher livremente qualquer delas. No caso, optou a autora pela restituição da quantia paga e indenização dos danos. Não é ela obrigada a receber veículo que a ré lhe disponibiliza.” (Des. Jair Soares, DJ 09/08/2006).


Quando o fornecedor utilizar-se do direito de sanar o vício dentro do prazo de 30 dias, poderá vir a indenizar o consumidor pelos prejuízos sofridos em razão da privação do uso do bem durante o prazo de conserto, que também poderá ser ampliado para até 180 dias (§ 2º). Isso ocorre em razão do princípio básico da efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais contemplado no art. 6, VI, do CDC.


Existem quatro hipóteses contempladas no § 3º do artigo 18, em que o consumidor não precisará esperar o prazo de 30 dias para sanar o vício. Em tais circunstâncias, o consumidor poderá, diretamente, exigir as alternativas do § 1º. São elas:


1) Quando a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade do produto (v.g., queima de circuito eletrônico do aparelho e a troca comprometer a qualidade do produto, ou seja, o aparelho não terá a mesma eficiência;


2) Quando a substituição das partes viciadas puder comprometer as características do produto (v.g., copo de liquidificador trincado e o fornecedor não possui peças de reposição daquele modelo e ao inserir copo de outro modelo ou marca há comprometimento das características do produto);


3) Quando a substituição das partes viciadas diminuir o valor do produto (v.g., automóvel com a lataria amassada, pois ainda que haja o conserto, haverá naturalmente a diminuição do preço do produto);


4) Quando se tratar de produto essencial (v.g., vício em telefone celular, principalmente quando o consumidor o utiliza profissionalmente, tornando-se um produto essencial).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O CDC é legislação que visa compensar desigualdades materiais fáticas de maneira a equilibrar, social e economicamente, as partes envolvidas em uma relação de consumo.


Como pôde ser observado, os exemplos trazidos enfocam a responsabilidade solidária do fornecedor e do fabricante do produto quando se constata vício oculto no produto, e subsidiária quando se trata da responsabilidade do comerciante.


Ao longo do presente estudo foi observado que, a responsabilidade do fornecedor é objetiva, sendo o consumidor visto como a parte mais fraca da relação de consumo, por não possuir conhecimento técnico.


A norma determina que a responsabilidade será do fornecedor imediato (que, na maioria das vezes, é o comerciante) pois é uma forma de ampliar a proteção do consumidor. Com efeito, ainda que o consumidor não sofra abalo em sua honra e em sua integridade psíquica nos casos de vício, é inegável que tais situações provoquem um sentimento de frustração, pela não correspondência das legítimas expectativas depositadas no ato de consumo.


É vedada pela aludida norma que o fornecedor coloque no mercado produtos que possam trazer riscos à saúde e segurança do consumidor cabendo aos fornecedores o dever de informação do manuseio apropriado dos produtos.


O CDC também possibilitou, como mais uma forma de proteção, a questão da inversão do ônus da prova, a critério do juiz, quando forem verossímeis as alegações, ou quando o consumidor for hipossuficiente técnico.


Quando houver o acidente de consumo, ou seja, o consumidor ao adquirir um produto e ele não funcionar conforme o esperado por vir com defeito oculto, caberá indenização por parte do fornecedor sempre que causar dano físico ou patrimonial ao adquirente do bem, consagrado pelo art. 12 que utiliza a expressão “independentemente da existência de culpa”. É vedada ao fornecedor quaisquer excludentes de responsabilidade, mas apenas as hipótese elencadas no art.12 §3º do aludido Código.


O consumidor, por sua vez, ao identificar problemas no produto de natureza durável, contará com prazo legal para reclamar junto ao fornecedor para que o vício seja sanado. A não solução do problema no produto pelo fornecedor no prazo de trinta dias dará direito ao consumidor de exigir a substituição das partes viciadas e todas as hipóteses do artigo 18 do CDC.


O CDC não deixou clara a questão do prazo quando diz que o fornecedor tem até 30 dias para sanar o vício. E, se em 10 dias o vício for sanado e depois de 15 dias aparece outro? O fornecedor teria 30 dias para sanar os dois vícios ou 30 dias para cada um? Gerou uma dúvida em relação a essa situação. Os entendimentos a respeito desse assunto são divergentes por alguns autores.


Outra questão também, é que no artigo 18, § 1º, I do CDC, permite que o consumidor possa exigir a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, mas não lhe é assegurado que seja da mesma marca, modelo, capacidade entre outros itens.


 


Referências bibliográficas:

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Thomaz,Afrânio Carlos Moreira. Lições de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro.Editora:Lumen Juirs.2009;

VADE MECUM, 9 edição, Rio de Janeiro. Editora Saraiva. 2010

Vocabulário Jurídico, vol. II, 3ª Ed. Rio de Janeiro:Forense, 1973, p. 714.


Notas:

[1] Monografia apresentada à Escola de Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Cidade – UNIVERCIDADE como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof.: Carlos Eugênio Pereira.

[2]CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Direito do Consumidor.3ª edição.Rio de Janeiro:Lumen Juris.2008.p. 04

[3]DIREITONET. Evolução histórica da tutela ao consumidor. Artigo de Ana Paula Pazin Gomes. Artigo postado em 25 de setembro de 2005 no site: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2281/Evolucao-historica-da-tutela-ao-consumidor.

[4] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil.4ª edição.São Paulo:Malheiros Editores,2003,p. 463.

[5] Informação de utilidade pública assinada pelo bacharel em Direito Denner Santana, consultor  jurídico do projeto JurisWay, WWW.jurisway.org.br, Temº 431/26, em 19/05/2010

[6] GARCIA,Leonardo de Medeiros.Direito do Consumidor.Código Comentado e Jurisprudência.6ª Ed. Niterói, Rio de Janeiro:Editora Impetus, 2010, p. 15.

[7] Vocabulário Jurídico, vol. II, 3ª Ed. Rio de Janeiro:Forense, 1973, p. 714

[8] CARVALHO, op. cit., p. 30.

[9] CARVALHO, op. cit , p.32.

[10] CADSOFT, Site de busca: http://www.cadsoft.com.br/blog/2009/02/11/o-que-e-produto/ pesquisa realizada em  06/03/2010

[11] CARVALHO,  op. cit.p.7; Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001, p.84.

[12] CARVALHO, op. cit., p.50

[13] CARVALHO, op. cit. ,p.55;

[14] Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor. Estudos de Direito Processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Rio de Janeiro:Forense,1997,PP.139-140.

[15]SANTOS, Ozéias J. Prática Forense e Administrativa do Código de Defesa do Consumidor,&ª edição 2009,editora Vale do Mogi

[16]GARCIA,  op. cit. , p.43

[17]GARCIA, op. cit., p.50

[18] GARCIA, op. cit. , p.56

[19] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 1222.

[20] GARCIA, op. cit., p.119

[21] GARCIA, op. cit., p.120

[22] CARVALHO,  op. cit. , p.72

[23] Sem embargo da clareza da dicção normativa, a 4ª Turma do STJ acolheu ação indenizatória por danos materiais e morais proposta contra a concessionária e não contra a montadora, em razões de defeitos apresentados pelo veículo. O julgado sustenta a legitimidade passiva da concessionária, pela peculiaridade da comercialização que pratica e porque a ação foi intentada também com base no art. 18 da CDC. Sustentou, ainda, que, “não requerida à denunciação da lide pela ré, no momento próprio, não cabe anular o processo depois de julgado pelas instâncias ordinárias para permitir a intervenção do fabricante do automóvel” (Recurso Especial nº 286.202/RJ; Recurso Especial nº 2000/0114868-0, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar);

[24]FRISO, op. cit., p.110

[25]Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto,8ª edição, Editora Forense Universitária, p.97

[26] NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição, 2005. Editora Saraiva

[27] FRISO,  op. cit. , p. 115

[28]GARCIA, op. cit. , p.39

[29] THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira, Lições de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro.Editora:Lumen Juirs.2009;

[30]GARCIA, op cit. P. 87

[31]GARCIA,  op. cit. , p. 90

[32] CARVALHO, op. cit. , p. 73


[34] NUNES, op. cit., p.550

[35] CARVALHO, op cit, p. 322

[36] FRISO, op. cit. , p.123

[37] GARCIA, op. cit., p.185

[38] CDC, comentado pelos autores do anteprojeto, op. cit., p.553

[39] CARVALHO, op cit, p.320

[40] CDC, comentado pelos autores do anteprojeto, op. cit., p.555

[41] NUNES, op. cit., p.350

[42] NUNES, op. cit., p.352

Informações Sobre o Autor

Marcia José Trovisco de Abreu

Acadêmica de Direito


Equipe Âmbito Jurídico

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